Estreito de Gibraltar

O Estreito de Gibraltar, o portão entre as civilizações Mediterrâneas antigas e o oceano desconhecido, sempre atraiu o interesse humano. Conta a lenda que esse estreito foi formado por Hércules que abriu a terra para poder entrar no Mediterrâneo. Segundo esse mito, as águas do Atlântico fluiram para o Mediterrâneo com tal força que os navegadores eram impedidos de entrar no oceano aberto. O interessante é que essa lenda tem base na realidade: o fluxo de superfície atual é, predominantemente, do Atlântico para o mediterrâneo.

A lenda de Hécules coloca uma questão intrigante: para onde vai essa água que flui para dentro do Mediterrâneo? Ainda que uma parte considerável seja evaporada no interior do Mediterrâneo, essa perda é muito menor do que o volume que flui para dentro desse oceano. Ainda que um considerável volume dessa água seja perdida por evaporação dentro do Mediterrâneo, essa perda é insuficiente para compensar o volume que entra. A evaporação causa um aumento de salinidade dentro do Mediterrâneo e conseqüente aumento de densidade. Essa água mais pesada afunda e retorna para o Atlântico pelo fundo, abaixo do fluxo que entra pela superfície, e, eventualmente, espalha-se por todo o Atlântico Norte.

A fotografia foi obtida no ``Ônibus Espacial Challenger'' em outubro de 1984, por Paul Scully-Power da Marinha Americana. Essa fotografia mostra padrões da superfície do oceano que espelham efeitos sub-superficiais; foi analisada por Larry Armi do Instituto Scripps. Esses padrões são formados por variações na reflexão da luz solar brilhando na superfície. O Atlântico está no canto esquerdo inferior do estreito, o Mediterrâneo no superior direito, a Europa acima, a África abaixo. Na elevação mais rasa cruzando o estreito, conhecida como Soleira Camarinal (1), o fluxo sub-superficial para fora é acelerado. Depois de passar sobre essa soleira, a corrente ``transborda'' sobre água profunda, gerando turbulência que pode ser detectada nos padrões do brilho (2). Esse fenômeno, denominado ``pulo hidráulico'', é semelhante à transição entre o fluxo liso e o turbulento no vertedouro de uma barragem.

A leste fica a menor largura do estreito: Estreitamento Tarifa (3). Ainda que essa seção seja mais profunda do que a Soleira Camarinal, o fluxo da água do Atlântico é limitado lateralmente e, assim, acelerado, criando ondas internas na interface entre os fluxos que tem direções opostas. Essas ondas, refletindo-se nas paredes do estreito, aparecem com o padrão xadrez no brilho do sol (4).

O ciclo da maré também tem efeito no fluxo através do estreito. Correntes de maré alternam a direção com o ciclo da maré, forçadas por elevações muito maiores no Atlântico do que no Mediterrâneo. Durante a maré alta no Atlântico, a velocidade do fluxo para fora diminui; algumas vezes reverte e flui para dentro do Mediterrâneo. Essa reversão gera ondas internas na soleira, as quais se propagam para leste. O padrão na superfície (5) associado a essas ondas é visto espalhando-se desde os Portões de Hércules para dentro do Mediterrâneo: essas ondas internas são geradas várias horas antes da mudança anterior da maré.

Uma análise do fluxo complexo no estreito de Gibraltar não apenas ajuda nosso entendimento dessa região fascinante, mas também permite o entendimento da dinâmica de fluxos em estreitos similares. Além disso, o Ônibus Espacial oferece a perspectiva de investigar outros processos sub-superficiais através da análise de padrões similares do brilho solar.