Fazendo História

Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá: os dois terços restantes da Legião Urbana

Entrevista investigando uma possível volta da Legião Urbana, sob o pretexto do lançamento de um disco ao vivo do grupo. Publicado da Dynamite número 75, de agosto de 2004. Na época eles negavam, mas hoje tudo mudou. Fotos: Divulgação/EMI

legiao-1O tal do “revival” do rock nacional dos anos 80 já dura tanto tempo que podemos admitir que não se trata de uma onda revivalista, mas que o rock produzido e proliferado aos quatro cantos do País, nas vacas gordas do Plano Cruzado, continua mais firme que nunca. Ainda mais se considerarmos a necessidade do mercado fonográfico em fazer relançamentos de baixo custo e grande retorno, numa época em que os álbuns do tipo acústico, ao vivo, tributo e coletâneas são a verdadeira salvação da lavoura.

É mais ou menos assim que chega às lojas “Quatro Estações Ao Vivo”, mais um duplo ao vivo da Legião Urbana, sem dúvida a banda mais bem sucedida daquele período, mesmo com a precoce morte de Renato Russo, líder e mentor do grupo, em outubro de 96, vitimado pela AIDS. O disco é um registro semelhante ao de outro álbum, “Como é Que Se Diz Eu Te Amo”, lançado há três anos, sendo que este foi gravado no Rio, em 94, e “Quatro Estações Ao Vivo”, em São Paulo, no Estádio do Parque Antarctica, em 90, e não contém, portanto, músicas dos últimos discos da Legião.

Por uma ou outra razão, a Legião virou unanimidade não só no nicho do rock nacional, mas para toda a música brasileira. É nome que figura do almoço à sala de aula, dos points rock às festas juninas. É praticamente uma unanimidade da qual só discordam aqueles que quem tirar proveito para ser diferente ou que não tenham conhecido o legado da Legião.

Mas se a Legião era uma banda, porque o passamento de “apenas” um terço dela causou o seu fim? Por que os integrantes remanescentes não deram continuidade ao trabalho, a exemplo de outros grupos de rock, como o contemporâneo Barão Vermelho? E o que andam fazendo os ex-integrantes da maior banda que o rock nacional já produziu? Fomos conversar com eles, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, num bate-papo virtual, primeiro para saber (ainda) algo sobre a Legião. E, depois, o que eles andam fazendo, quase 20 anos depois do lançamento do álbum de estréia. Confira:

Passou pela cabeça de vocês dois continuar com a Legião após a passagem do Renato?

Bonfá: Nunca, por razões óbvias.

O que vocês acharam do lançamento do “Quatro Estações Ao Vivo”?

Bonfá: Para ser sincero, não ouvi direito, pois estou muito envolvido com o meu trabalho, que é prioridade neste momento, e que já era prioridade mesmo bem antes de a EMI propor o lançamento deste disco ao vivo da Legião. Aliás, deixei isto bem claro durante uma reunião no final do ano passado, que se o meu disco fosse distribuído pela EMI, que fosse antes da Legião, por razões óbvias mercadológicas. Mas no final nada foi cumprido e eu prezo pela minha saúde antes de ficar gritando com as paredes.

Dado: Achei um bom registro da banda, num mega espetáculo, um registro histórico.

O que vocês lembram desse show, gravado em São Paulo, que faz ele merecer este registro?

Bonfá: Não me lembro de coisa alguma, exceto que tinha um montão de gente, mas como disse antes, temos poucos registros ao vivo, todos bem diferentes entre si e relevantes o suficiente para serem entregues ao público e aos nossos fãs, que não são poucos.

Dado: Eu me lembro como se fosse ontem. Esse material só foi lançado pelo simples fato de ter sido gravado adequadamente.

Vocês são consultados quando a gravadora decide lançar discos com material antigo da Legião? Existe muita coisa guardada ainda a ser colocada no mercado?

Bonfá: Não acredito que haja muito material inédito da Legião ainda. E em se tratando de Legião Urbana (não de Renato Russo) nada é lançando sem a nossa autorização.

Dado: Os remanescentes da Legião são Marcelo Bonfá e Dado Villa-lobos, não pode existir projeto ou lançamento do grupo sem a nossa participação e aprovação. No que diz respeito à família do Renato, eles são sempre consultados e informados a esse respeito. No momento estão vetados todo e qualquer projeto envolvendo a performance da banda em audiovisual.

Por exemplo, uma voz do Renato foi utilizada na gravação do “acústico ao vivo” do RPM. Vocês foram consultados? Gostaram do resultado?

Bonfá: Hoje temos a “família” do Renato se metendo em questões artísticas onde fica difícil ter o controle sobre algumas coisas. Principalmente sobre o que eles decidem fazer com a imagem do “filho” deles. Mas, como disse antes, quando se trata de Legião Urbana (não de Renato Russo) nada é lançando sem a nossa autorização.

Dado: Ao Renato cabe responder seus respectivos herdeiros, a família age como bem lhe convier.

Há dois anos, participei de uma entrevista na qual o Renato Rocha reclamava da saída dele da Legião, que ele havia sido praticamente expulso da banda. Foi assim mesmo? O que vocês poderiam acrescentar a este episódio?

Bonfá: Podemos encarar da seguinte forma: ele não estava correspondendo às necessidades e expectativas da banda e foi convidado a se retirar da Legião, aceitando prontamente.

Dado: Ele é um idiota, esquizofrênico.

Hoje em dia se questiona muito o pagamento dos direitos autorais por parte das gravadoras. Como isto acontece com vocês, já que as músicas da Legião estão sempre em evidência na mídia?

Bonfá: Temos nossa própria editora e uma boa assessoria. Levando em consideração que nossas músicas são bem executadas diria que dá para pagar o “leitinho das crianças”. Mas o quanto “escorre” por aí é mais difícil de saber.

Dado: Nossos direitos artísticos em principio estão preservados até segunda ordem. A questão do autoral é outra coisa, vamos aguardar, pois o momento é bem delicado.

Olhando agora, de longe, como você vê a ascensão da Legião em meio à explosão do rock Brasil nos anos 80?

Bonfá: Sempre fomos os melhores, de longe!

Dado: Um sucesso!

E agora, por que vocês acham que a Legião tem fãs que nem eram nascidos naquela época, e sequer viram a banda tocando ao vivo?

Dado: O repertório ainda mexe com as pessoas, o segredo foi que fizemos discos e musicas atemporais, simples para o universo.

Houve um período em que as bandas do rock nacional os anos 80 migraram para a mpb, no início dos anos 90. Vocês acham que a Legião, hoje, se ainda existisse, também seguiria este caminho?

Bonfá: Acho que o conceito de mpb hoje pode ser bem abrangente e certamente estaríamos inserido em uma dessas vertentes. Não estaríamos fazendo punk rock.

Como você acha que a Legião se colocaria no mercado brasileiro hoje? Que tipo de som a banda estaria fazendo?

Bonfá: A música que eu faço hoje. Música para o corpo, a mente e o espírito.

Dado: Estaríamos provavelmente fazendo cada vez menos, mantendo nosso padrão de qualidade, cada vez menos mais do mesmo.

Existem muitas bandas covers de Legião que encontraram cantores como timbre de voz muito parecido com o do Renato. Vocês nunca pensaram em chamar alguém para voltar com a Legião? E a gravadora, costuma sugerir esse tipo de coisa?

Dado: Jamais, as pessoas têm que entender que quando acaba, acabou!

MARCELO BONFÁ
APOSTANDO NA CARREIRA SOLO

legiao-2Baterista na Legião, Marcelo Bonfá iniciou carreira solo em 2000, como compositor e multi-instrumentista, com o disco “O Barco Além do Sol”. Nesse ano, lançou o conceito de “videotracks”, um misto de música e clipes lançados simultaneamente, metade em CD, metade em DVD, sob o título “Bonfá + Videotracks”. Longe de fazer um trabalho parecido com o de sua ex-banda, mas com referências afins, Bonfá criou sua própria empresa para produzir seus discos, e tenta decolar uma turnê com uma banda de apoio. Aqui ele detalha o conceito de “videotracks”, um projeto que tem o apoio e a distribuição da major EMI.

Fale sobre a idéia de fazer um disco duplo, acompanhado de remixes e videoclipes:

Marcelo Bonfá: O CD estava pronto em setembro de 2003 e como eu estava providenciando o meu selo (o Giz) para lançá-lo em 2004, decidi fazer neste meio tempo os “videotracks”, pois era o que estava ao alcance da minha produção independente. E porque “videoclipes” se relacionariam melhor com as canções originais devido ao formato e concepção embutidos nas letras e músicas. E eu queria mostrar que era possível realizar o que foi realizado, de uma maneira muita mais prática e descompromissada. Na verdade decidi fazer os “videotracks” em função de uma nova mídia híbrida áudio/vídeo que foi desenvolvida no Brasil e que se chama S4D (sistema de quatro dimensões) e que me possibilitaria incluir as minhas músicas juntamente com os vídeos que eu tinha em mente nesta mídia de 70 minutos. Por isso trabalhei em cima do “tempo” que eu tinha, de 30 minutos para os vídeos, levando em conta que as músicas originalmente já ocupavam 46 minutos de uma mídia.

As músicas são todas suas, certo? Fale sobre suas referências musicais, sobretudo neste disco:

Bonfá: Minhas influências são tudo que eu ouvi até hoje. Pink Floyd, Led Zeppelin, Sex Pistols, Pil, música popular mundial, rock, eletrônica e “doideiras” em geral.

Quem são os videomakers que trabalharam com você neste último disco?

Bonfá: Luiz Stein, Estevão Ciavatta, Jera Calderon, Flavio Bidóia e Gustavo Caldas.

Todos os vídeos do DVD (à exceção do “Ao Menos Você Sabe”) têm uma estética de imagens distorcidas/desfocadas, e ainda cenas urbanas, que são coisas típicas dos anos 80. Era essa a idéia?

Bonfá: A minha idéia era “realizar” alguma coisa “videográfica”, portanto “videotrack” foi a palavra que descobri para ilustrar e convencer os videomakers tão viciados no conceito de videoclipes. Dei total liberdade para os videomakers após limitá-los em tempo e dinheiro.

No site oficial diz que seu trabalho é independente, entretanto seus discos são lançados pela EMI, que é uma grande gravadora. Como você define esta parceria?

Bonfá: Na verdade meu trabalho foi totalmente produzido por mim, assim como meu primeiro disco e o site oficial, e lançado pelo meu selo, o Giz Produções Ltda. A EMI apenas distribui o produto.

Você pretende fazer uma turnê pelo Brasil com este disco? Já tem uma banda pronta?

Bonfá: Sim, está tudo pronto para tocarmos por aí. Na verdade logo depois do meu primeiro disco eu já comecei a me preparar para me apresentar ao vivo. Mas como só tinha um disco de músicas só de minha autoria, e menos experiência ainda do que tenho hoje no palco (fora da bateria), além do que também queria tocar algumas músicas da Legião Urbana, e esperava pelo momento, que seria depois de elaborar mais material para ter mais flexibilidade na escolha do repertório para as apresentações.

No DVD que acompanha o disco há sete clipes, mas só para versões remixadas das músicas. Por que você decidiu não usar as músicas, nos clipes, do jeito que elas foram gravadas no disco?

Bonfá: Porque a idéia que eu tinha do que deveriam ser estes “videotracks” seria mais bem desenvolvida a partir das idéias que eu tinha para as versões remixadas exclusivamente para tal finalidade. Onde eu me aproximaria do universo mais eletrônico, que também gosto muito.

Nos tempos da Legião você cogitava, ao preparar um repertório de um novo álbum, incluir material de sua autoria?

Bonfá: Não. A elaboração de repertório na Legião era bem democrática. As nossas idéias iam se misturando e se transformando com as nossas interferências.

Muitos artistas hoje estão preferindo lançar só DVDs, que têm mais saída no mercado. Optar por um CD junto com um DVD não é arriscado, devido ao alto custo para o consumidor?

Bonfá: Eu me considero um pouco mais artista do que um empresário. E este meu novo trabalho seria originalmente lançado e distribuído por mim mesmo, através do selo Giz, de forma independente e em um formato totalmente novo e alternativo (nesta mídia híbrida, S4D). Mas a EMI se mostrou reticente quanto a este formato e me sugeriu o DVD como alternativa. Foi aí que eu propus um DVD bônus para não tornar o produto muito caro. Aliás, a EMI vende o CD, em média, por R$ 16 ao lojista, e eu já vi na saraiva.com por R$40. Isso é um absurdo!

Você costumava ilustrar o material gráfico dos discos da Legião, não quis fazer isso no seu trabalho solo?

Bonfá: É coisa demais para fazer sozinho, como você deve ter percebido nos créditos.

DADO VILLA-LOBOS
PREPARANDO UM NOVO TRABALHO

legiao-3Fora da Legião, Dado Villa-Lobos montou a Rock It!, uma loja de discos no Leblon, zona sul do Rio, que mais tarde se transformaria num dos primeiros selos independentes do País, em 93. Hoje o selo, por dificuldades mercadológicas, já está desativado, mas quase todo o catálogo está disponível na Internet (www.rockit.com.br). Entre os principais lançamentos, estão álbuns das bandas Devotos, Toni Platão, Ultramen, Edgar Scandurra, Comunidade Nin-Jitsu, Second Come, Pelvs e Gangrena Gasosa. Como guitarrista, gravou e participou da turnê do álbum acústico com os Paralamas do Sucesso. Recentemente, produziu o disco de estréia do China, e prepara um disco solo.

Você está na China, não é? Conte o que você está fazendo aí:

Dado Villa-Lobos: Estou visitando minha mãe, que é a embaixatriz do Brasil em Pequim. E, é claro, colhendo impressões do outro lado do mundo.

O Brasil vive uma efervescência de bandas e selos independentes, mas recentemente você decidiu parar com a Rock It. Por que?

Dado: Esse país é cronicamente inviável, não é para amadores é para profissional, para os predadores. Não tem vaga para sonhador, e agora a música está aí em tudo que é canto.

Você produziu recentemente o disco do China. Fale um pouco sobre este trabalho:

Dado: Foi ótimo, o importante é nós conseguirmos interagir dentro de uma determinada linguagem, e fomos bem nesse sentido. O disco é ótimo, graças também a iniciativa do Bruno Levinson (do selo Cardume) que idealizou o projeto, um sonhador…

Existem outras produções em vista?

Dado: Estou finalizando meu disco, e para agosto começo a trabalhar na trilha de um seriado de TV dirigido pelo José Henrique Fonseca.

Um dos discos mais procurados da Rock It é o do Gangrena Gasosa, que está fora de catálogo. Você pretende relançá-lo, ou passar os direitos para outra gravadora?

Dado: Havendo demanda para a compra, nós prensamos e entregamos, é só entrar no site, que ainda está no ar, e fazer o cadastro junto com o pedido.

Uma história muito contada no meio do rock independente é que o logo após a passagem do Renato, o Chorão, vocalista do Gangrena Gasosa, teria se oferecido para substituí-lo. Isso é verdade?

Dado: Não me lembro disso.

Como guitarrista, depois do fim da Legião você só tocou com o Paralamas, certo? Não te passou pela cabeça montar uma outra banda e continuar a carreira, até como artista solo?

Dado: Não, já tive minha cota nessa existência. O legal agora é montar projetos, sem vínculos de longo prazo…

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Lucas em julho 16, 2011 às 18:18
    #1

    Incrivel..entrevista e texto impecaveis, muito bom mesmo!

  2. leonilson. fernando pedroza r/n em abril 2, 2012 às 19:54
    #2

    Seria tudo de bom se Dado e Bonfa voltassem a tocar novamente juntos.

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