Com nariz vermelho e uma cartola de novidades, tenhamos coragem de reinventar a nossa existência: reflexões aos mais novos bacharéis e bacharelas em Direito da UFJ.

Djanira, Circo, 1952

Hoje é um dia de festa e alegria para os mais novos bacharéis e bacharelas em Direito da UFJ e longe de mim destemperar essa celebração.

Que bom a partilha! Que bom poder estar entre vocês!

Há mesmo que se rir alto. Fazer palhaçada. Dançar e brindar. Isso também é parte importante da resistência contra o mau cheiro da podridão conjuntural que vivemos.

Hoje é parte de um ritual que vivem e que sei ser marcante a cada uma e cada um de vocês.

Tornar-se bacharel e bacharela em Direito com certeza significou, para muitos, a transposição de dificuldades subjetivas e materiais imensas.

Dos desafios de abertura intelectual e imersão em estudos, passando pela sobrecarga de aulas e tarefas e a necessidade de conciliar com trabalho, estágio e ainda encontrar espaços de evasão de toooda energia e empolgação juvenil (vital!).

A responsabilidade e expectativa familiar para outros de vocês, por serem, provavelmente, a geração a acessar pela primeira vez o ensino superior público.

A distância da família, para muitos, e a consequente constituição de laços profundos de amizade e companheirismo.

Para alguns, o aperto em conciliar os estudos e obrigações com o engajamento na defesa de uma universidade que seja efetivamente pública, enraizada em um projeto ético-político soberano e conectado às necessidades de vida digna para a maioria do povo brasileiro.

Ainda que se saiba que a universidade brasileira não nasce e se constroi sob este projeto societário antes anunciado. A colonização portuguesa marcava-se como exercício de pura rapina e até mesmo a constituição autóctone de uma elite intelectual a aperfeiçoar o projeto autocrático de Estado foi tardiamente projetada. Mas, entre acrobacias e malabarismos, historicamente tivemos vocação para disputar seus sentidos, seus rumos e seu acesso. E sei que muitos de vocês são parte dessa trupe.

Enfim, de tudo isso posto, gostaria de desejar a vocês parabéns por enfrentarem todas as mudanças e turbulências nesse cinco anos (ou mais) de graduação. Tenho certeza que vocês também se graduam humanamente nesse processo.

A nós, professores e professoras, também nos cabe registrar que cada turma e cada estudante é parte fundamental desta tenda-Universidade. Vocês são a substância, o sentido. Vocês são a razão do espetáculo!

São vocês os grandes multiplicadores e aperfeiçoadores do projeto societário que almejamos integrar.

Nós, professores e professoras, permanecemos aqui e vamos colecionando memórias, afetos e muitos colegas de profissão e de lutas. Esta labuta de colecionadora me apaixona e poder estar aqui e ser reconhecida como parceira por vocês é o que torna pleno de sentido o nosso ofício.

E é justamente por entender dessa cumplicidade e confiança, nesse instante enlaçadas entre nós, que gostaria de registrar que vocês se tornam bacharéis e bacharelas em um momento histórico alarmante.

Com toda a pluralidade existente na turma e entre nós, estou segura que a defesa da mínima plataforma democrático-liberal nos é comum.

A etapa da Nova República brasileira, marcada em sua origem pelo processo de democratização, tendo como epicentro as disputas e contradições resultantes da constituinte, em 1988, está sob a ameaça de desligamento de sua máscara de oxigênio.

A última, em meio às insurgências carnavalescas, foi a da notícia de um ato sendo agitado para o dia 15 de Março, sob o mote de fechamento do Congresso e do STF e sendo propagandeado pelo anti-presidente da República. Isso em um contexto de maior ocupação institucional por militares, de legitimação de truculências e violências policiais e de evidente imbricação de representantes estatais com grupos milicianos.

Queiramos ainda acreditar ser este recente episódio apenas um gesto mais desastroso e inconsequente do anti-presidente do que um passo mais firme de um projeto de mudança de regime, pautado em um projeto econômico ultraliberal e sustentado no desmantelamento de direitos sociais e na total destruição das liberdades públicas democráticas.

A cena está colocada e ainda não sabemos seus desdobramentos.

Mas me parece que precisamos estar preparados para se posicionar em um lado da história.

Enquanto bacharéis e bacharelas em Direito em uma universidade pública brasileira – alvo central deste projeto de destruição posto – parece-me fundamental que possam defender, sempre, a ciência e as liberdades.

Por isso lhes rogo que nunca se esqueçam que são herdeiros e continuadores de um processo histórico de alargamento da defesa e luta por concretização de direitos humanos fundamentais.

Defendam e pratiquem essa herança histórica em todos os espaços de atuação e intervenção que ocuparem.

E, sim, continuem semeando o riso e a brincadeira.

Certa vez fui colocada a pensar o quanto o palhaço usa do lúdico para nos colocar frente às nossas próprias limitações humanas e, como um espelho contorcido, nos fazer rir e pensar sobre nós mesmos.

Que o picadeiro esteja sempre montado para subverter o desumano posto, com amor, com humor, com inventividade e com utopia.

E é desse modo que resgato o início dessa prosa, com o desejo de que, no clima do circo – tema dessa aula da saudade – os mais novos bacharéis e bacharelas do curso de Direito da UFJ carreguem sempre a potência do lúdico nas suas atuações.

Que com nariz vermelho e uma cartola de novidades, vocês alimentem sempre a coragem de reinventar suas existências.

Desejo um lindo e esperançoso futuro a vocês!

Muito obrigada pela parceria. Contem comigo!

Abraços afetuosos,

Professora Carla Benitez

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