February 18, 2015
Contrastes simultâneos de Walter Carvalho

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cinema na floresta amazônica

O paraibano Walter Carvalho, 68 anos, não é apenas celebrado pela sua vasta atuação no cinema como diretor de fotografia e como cineasta ( Lavoura Arcaica, 2011)  mas também pela sua presença constante na fotografia brasileira.

Irmão do cineasta Vladimir Carvalho, consagrado documentarista na vertente do chamado Cinema Novo (O país de São Saruê, 1971) e pai de Lula Carvalho, tambem diretor de fotografia (Tropa de Elite, 2010), lança Constrastes Simultâneos ( Cosac Naify, 2014),  seu segundo livro de imagens pela editora paulistana.

A “still photography”, aquela imagem tradicional feita com a câmera fotográfica, não tem uma tradução satisfatória para a língua portuguesa e acaba sendo confundida com a “Still Life”, outro tipo de imagem que na arte se convencionou chamar de “natureza morta”. Fotografia estática, parada ou imóvel é uma literalidade deselegante, entretanto reside aí a diferença enorme entre o trabalho do “diretor de fotografia” no cinema, as vezes chamado de fotógrafo e também de cinematógrafo. A ele cabe criar a luz desejada pelo cineasta, dar vida ao ideal gráfico que se verá na tela do cinema, e em muitas vezes, lidar com a câmera de filmagem.

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Elevado Costa e Silva ( Minhocão) São Paulo

Semântica à parte, Walter Carvalho atua em todas estas situações e com muito talento. Já no livro Fotografias de um filme- Lavoura Arcaica ( Cosac Naify, 2003) ele não se dedicou a fazer um making of do longa de 2001, baseado na obra do escritor Raduan Nassar e dirigido por Luiz Fernando Carvalho, que trazia sua direção de fotografia. O livro mostra a intimidade de uma filmagem por meio da visão de quem acompanha seu dia-a-dia, não os registros da filmagem em si, o que normalmente é feito por outro fotógrafo (com outro intraduzível “Still” como termo) e que são para divulgação do filme.

Walter Carvalho cursava a Esdi (Escola superior de desenho industrial) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o irmão o convidou para fotografar profissionalmente. Ele já tinha uma certa experiência ao acompanhá-lo pelo sertão como seu assistente nas filmagens do filme O país de São Saruê, revelou ele ao crítico de cinema Luiz Zanin.  Chegou a levar dois fotômetros para não errar a medição da luz, mas curiosamente diz que essa precaução seria o próprio erro. E foi através deste que “se descobriu” fotógrafo e pensou que era melhor experimentar e extrapolar os “limites”.

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Drive In, em Cabo Frio, RJ,  fotografado com película.

A referência ao filme Limite de Mário Peixoto (1908-1992) que tem fotografia do alemão Edgard Hauschildt (1902-1954) - mais conhecido como Edgar Brasil, patrono dos fotógrafos de cinema brasileiros -  não é mera coincidência quando se trata de ultrapassar o convencional.

Carvalho cita a pensadora americana Susan Sontag (1933-2004) para quem “fotografia é antes de tudo um modo de ver, e que, portanto não existe uma foto final”. Para ele a fotografia não termina no papel impresso “É ali, justamente, que ela começa.” A relação traz a máxima do poeta e crítico literário francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que afirmava que o destino das coisas existentes no mundo é terminar em livro. Carvalho confessa que pensou desta maneira, em guardar suas imagens para um livro, antes mesmo de publicar Lavoura Arcaica. Um vasto espectro de suas imagens dos anos 1970 aos 2000, preenche o Contrastes Simultâneos.

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Sertão, Raso da Catarina, imagem de 2013

Em “Uma apropriação visual inevitável” texto do livro,  ele adianta que descrever uma imagem literariamente é traí-la. A referência, mais uma vez, é cinematográfica, pois a frase vem do italiano Federico Fellini (1920-1993). Mas admite que por ser uma arte relativamente nova ( comparada à pintura) sempre tendeu a desestabilizar as formas vigentes de sua época. As mudanças ocorridas entre o sistema análogico e o digital tem uma dicotomia: O modo visível e tátil do analógico versus a decodificação através das partículas eletrônicas imateriais.

Walter Carvalho diz viver a “transição da prata para os bits” na busca por novos suportes, o que pode ser visto claramente no livro novo. Há um interesse por essa imagem digital, mas não há o abandono do “bom e velho Tri-x”. O amigo Thyago Barros é o responsável pelo processamento de seus filmes, mas o mais importante é o que acontece no espaço entre o olho e a ocular da câmera. “Fotografo o que vejo e não o que as máquinas me permitem ver”, “fotografo para guardar, para fazer com que aquilo que está desaparecendo continue existindo” afirma.

 A poética do fotógrafo bem como sua sintaxe permanentemente mantida, seja pelo grão de prata ou pelo pixel, é da preservação na contramão das coisas que vão desaparecendo, como ruas , casas, pessoas e cidades, um roteiro feito através de um intenso preto e branco, sem muitos meios tons. O diálogo com a arte e arquitetura para o fotógrafo é essencial, “não somente para a fotografia mas para toda atividade criativa” diz ele a Zanin. Para Carvalho, a partir do Renascimento, a descoberta da perspectiva trouxe embasamento para fotografia, os primeiros documentaristas da história pictórica. “Vermeer era um documentarista” diz ele referindo-se ao mestre holandês Johannes Vermeer (1632-1675)

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Vendedor de jornal, carnaval do Rio de Janeiro, 1977

Como parece natural, as imagens estão conectadas também com a narrativa cinematográfica. Para o fotógrafo e antropólogo Milton Guran, que assina outro texto da publicação,  as imagens de Carvalho dão a impressão de ser um instante continuado, “como se uma foto se prolongasse em outra, completamente diversa ao tema, local e tempo.” Para o curador do Foto Rio, há um diálogo entre mestres como Cartier-Bresson, Robert Frank e André Kertész, bem como Thomaz Farkas e José Medeiros (que transitaram pelo cinema também).

 A amplitude do trabalho de Walter Carvalho é representada por estas relações entre cinema e pintura. Ele conta que quando fotografou Filme de Amor, do Julio Bressane, ficou semanas copiando o pintor francês Balthus ( 1908-2001)  como exercício nas aulas de pintura para tratar a cor do filme e no preto e branco copiou Antonio Canova (1757-1822) para alcançar a tonalidades mais em prata.

Podemos fazer uma analogia com o italiano Vittorio Storaro, mestre da cinematografia e parceiro de Bernardo Bertolucci em diferentes filmes que se inspirou nas obras do pintor irlandês Francis Bacon (1908-1992) para criar a tonalidade alaranjada do clássico Último Tango em Paris (1972). É quando a cor entra como forma na imagem, reforçando o caráter ontológico e não somente como recurso técnico. 

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Incêndio no MAM-RJ, 1978.

Além dos pintores Carvalho não deixa de nomear mestres como Josef Koudelka, Willian Klein ou Robert Frank que lhe inspiram bastante. Está ai a importância das afinidades eletivas entre o grande fotógrafo e sua obra, o compartilhamento cada vez mais raro de todas as artes, distante do estreitamento cultural cujo único legado até agora é o empobrecimento da fotografia e de quem a pratica sem pensar.

Imagens © Walter Carvalho Texto © Juan Esteves

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