O que 7 mulheres incríveis da tecnologia têm a dizer sobre carreira e empoderamento

Marcela Abreu
UX Collective 🇧🇷
12 min readMar 13, 2018

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As mulheres são maioria no ensino superior e estudam por mais tempo, mas quando se trata de tecnologia e inovação, elas são minoria esmagadora. Mas se você acha que programação é “coisa de menino”, então você desconhece o papel fundamental que várias mulheres incríveis desempenharam na tecnologia.

Ada Lovelace foi a fundadora da computação científica e desenvolveu o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina. Grace Hopper inventou o primeiro compilador para uma linguagem de programação. Karen Spärck criou o conceito de IDF, que é usado na maioria dos mecanismos de busca atuais.

Há algumas décadas, as mulheres eram líderes em computação, chegando a ocupar 40% dos cargos na área. De lá pra cá, muita coisa mudou. As mulheres se afastaram da tecnologia, que se tornou majoritariamente masculina. O principal problema está na base da nossa construção sócio-cultural — É machismo que fala, né? Ainda na infância, as meninas não são encorajadas a aprender a programar. Enquanto os meninos ganham brinquedos mais desafiadores, ganham foguetes, sonham em ser astronautas e são ensinados a arriscar sempre, as meninas ganham bonecas, panelinhas e sonham em ser mães, professoras, e são ensinadas a serem doces, delicadas, gentis e bonitas. Elas crescem acreditando que tecnologia, matemática e programação não são para elas.

Segundo dados, apenas 8% das vagas de desenvolvedores de todo o mundo e 11% dos cargos executivos das empresas de tecnologia no Vale do Silício (EUA) são ocupados por mulheres. 74% das meninas gostam de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, mas só 0,4% delas escolhem estudar ciências da computação quando adultas.

O número de cursos de computação cresceu 586% no Brasil nos últimos 24 anos, enquanto o índice de mulheres matriculadas neles caiu de 34,89% para 15,53%. As mulheres que decidem seguir os estudos na área de tecnologia encontram outros desafios no mercado de trabalho, como serem desacreditadas pelo time, terem que provar ser tão competente como os homens, receber salários menores, conviver com um ambiente machista, serem assediadas.

Eu cursei Engenharia da Computação e na minha turma éramos cinco mulheres entre cinquenta homens. Eu costumava sentar perto da porta, pois todas as vezes que uma mulher levantava para ir ao banheiro os homens assobiavam e faziam “brincadeiras”. Sentar perto do local mais próximo de fuga era uma forma de não ser percebida e de sobreviver naquele ambiente. Àquela época, eu ainda não sabia muito sobre feminismo e achava simplesmente que o mundo era assim. E aprendi a lidar com os assédios e o machismo diários, como todas as mulheres à minha volta.

Já no mercado, comecei a trabalhar em ambientes majoritariamente masculinos e sabia que tinha que fazer um esforço maior para me destacar. Numa entrevista de emprego, passei por todas as etapas e no final não fui selecionada. Soube por um amigo que trabalhava nessa empresa que meu projeto havia se destacado, mas que eu não fui selecionada para a vaga pelo fato de ser mulher. O outro candidato — homem, branco, hétero, cis — foi escolhido, mesmo tendo um desempenho abaixo do meu no teste.

Hoje, depois de viver tantos desafios, me orgulho de ser a primeira sócia do Méliuz, me orgulho de ter ajudado a criar o comitê da Diversidade aqui e o tema ser parte do nosso código de Ética — contei sobre a política de sócios do Méliuz aqui.

Numa roda de mulheres, nos identificamos muito umas com as outras, ouvindo histórias de preconceito e machismo no ambiente acadêmico ou de trabalho — muito parecidas com as que relatei. Mas também, histórias inspiradoras, de superação e luta de mulheres que batalharam para conquistar seu espaço, para terem voz e serem reconhecidas. E são essas histórias que eu queria compartilhar com vocês.

Se juntas já causa, imagina juntas

Nesse painel, reuni mulheres incríveis da tecnologia para contar um pouco das suas histórias e falar sobre seus desafios, suas percepções e conselhos para provocar mudanças.

Monique Vaz, Google

Sou nascida em Uberlândia, mas morei grande parte na minha vida em Juiz de Fora. Me mudei para Belo Horizonte para cursar Ciência da Computação na UFMG, onde também fiz mestrado. Decidi fazer Ciência da Computação meio que por acaso. Sempre gostei da área de exatas e inicialmente queria fazer engenharia civil. Depois me interessei muito por arquitetura, mas por influência do meu pai, que dizia que computação era a área do futuro, acabei optando pela Ciência da Computação.

Ana Paula Gomes, Thermondo GmbH

Sou Python Backend Developer na Thermondo GmbH, uma empresa Alemã. Sou mestre em Ciência da Computação pela UFMG e fiz minha graduação em Análise de Sistemas, pela UNEB. Fui desenvolvedora e revisora de código na Udacity, já tive uma startup (que não deu certo), dei aulas, fui tester e até passei um pequeno tempo no suporte a clientes. Gosto muito de comunidades! Já fui organizadora do GDG Belo Horizonte e do PyData BH.

Anne Kelly, ThoughtWorks

Eu sou formada em Sistemas de Informação pela PUC-MG e fiz pós-graduação de Engenharia de Software na PUC Praça da Liberdade. Antes de entrar na universidade meu contato com o computador era mais relacionado a jogar video-game. Não tinha conhecimento estruturado do que se trata da profissão que eu exerço hoje. Eu já tive dúvidas na época em que profissão seguir, mas eu sabia que a área de TI era promissora e tive a decisão de seguí-la.

Camila Matsubara, Google

Formada na graduação e mestrado em Ciência da Computação na USP. Fiz estágio na PR&A Produtos Financeiros, trabalhei por 2 anos na GPS Planejamento Financeiro e desde 2013 trabalho no Google de Belo Horizonte como Engenheira de Software.

Eu não tinha convicção de qual curso prestar no vestibular. Eu sabia que queria algo na área de exatas. Acho que por influência do meu pai decidi por Engenharia, mas ainda não sabia qual das Engenharias escolher. Na época, as pessoas comentavam que o mercado da computação parecia bastante promissor e acabei prestando Engenharia da Computação. Eu nunca tive muito contato com tecnologia antes da faculdade e não tinha ideia de como seria o curso. No entanto, depois de algumas semanas no curso e depois de ver o meu primeiro programa funcionando — era um placar do jogo Jokenpô — eu percebi que estava gostando muito e que queria seguir essa carreira mesmo. =)

Serena Fernandes, Méliuz

Sou formada em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, tenho 24 anos. Trabalhei como desenvolvedora por 5 anos. Minha história é bem recente, digamos, mas muito intensa. Começou na faculdade e desde lá tento levar a tecnologia para tudo que eu faço.

Fernanda Sozinho, Hotmart

Bom, tenho 23 anos, trabalho com desenvolvimento back-end há 6 anos, sou técnica em informática pelo colégio COTEMIG e hoje sou estudante de Sistemas de Informação na FUMEC.

Desde nova sempre gostei de coisas ligadas à tecnologia, com 11/12 anos já aprendi HTML e fazia layouts para meus blogs (tive vários rs), e já mais velha surgiu o desejo do curso técnico junto ao ensino médio, onde não tive dúvidas que Informática seria a melhor escolha. No fim do 2o ano iniciei meu primeiro estágio, atuando como atendente de Service Desk, e alguns meses depois, já no início do terceiro ano, em 2011, tive a oportunidade de ir para a fábrica de software dessa mesma empresa em que trabalhava, onde trabalhei em projetos de banco de dados e posteriormente Java, linguagem com a qual trabalho até hoje.

Raquel Aoki, doutoranda na Simon Fraser University

Eu tenho 23 anos, em 2014 me formei em Estatística e agora em 2017 eu finalizei meu mestrado em Ciência da Computação, ambos na UFMG. Trabalhei como Cientista de Dados na Hekima e hoje faço doutorado na Simon Frases University no Canadá.

Quando ainda estava na escola, eu gostava muito de matemática, mas não gostava de física. Por isso, procurei por um curso que tivesse matemática mas não tivesse física e encontrei o curso de Estatística. Confesso que não tinha uma ideia muito clara sobre o que um estatístico fazia no início, mas eu gostava das coisas que estava estudando. Durante a minha graduação, a profissão de Cientista de Dados começou a ficar em alta, mas demandava um conhecimento de programação que ainda não tinha, além do conhecimento matemático/estatístico que estava aprendendo. Achei que seria um desafio entrar nessa nova área e foi nesse momento que passei a ter mais interesse pela Ciência da Computação. Para encarar esse novo desafio, saí da minha zona de conforto e fui fazer mestrado na Ciência da Computação e não me arrependo.

Quais os desafios que você enfrentou no início da sua carreira?

Monique Vaz: Meu primeiro desafio foi ainda na universidade. Eu nunca havia tido nenhum contato com programação, estava em uma turma predominantemente masculina e tinha a certeza que todos os homens já sabiam programar. Persistir nesse ambiente foi um grande desafio.

Ana Paula Gomes: Um dos meus primeiros empregos após o curso técnico foi como coordenadora de um pequeno setor de manutenção, onde já trabalhavam dois técnicos. Na minha primeira semana, um deles falou comigo que não iria fazer nada que eu pedisse porque eu sou mulher. Eu até então não imaginava que passaria por isso.

Anne Kelly: Ser a única mulher desenvolvedora no time, ganhar credibilidade da minha equipe do meu trabalho e também ser uma referência dentro da equipe foram grandes desafios.

Camila Matsubara: No início eu não tinha nenhuma consciência sobre o assunto ‘mulheres na tecnologia’, sobre as diferenças nas oportunidades e no avanço da carreira para homens e mulheres. Fui a única menina na minha escola a escolher algo relacionado a tecnologia e ficava me sentido a menina diferente de todas. A maior dificuldade que enfrentei no início da carreira foi a insegurança: o medo de não conseguir, o medo de não atender as expectativas do time em que eu trabalhava. Até hoje ainda sinto a ‘síndrome do impostor’ de vez em quando.

Serena Ribeiro: Deixei de ser contratada por uma empresa porque segundo o gerente da área, apesar do meu teste ter sido um dos melhores, ele não poderia me colocar na equipe dele porque ele achava que eu era “muito bonita e poderia dar problemas”. Fiquei me sentindo super mal.

Fernanda Sozinho: Sinto que a maior dificuldade era encontrar alguém que desse a primeira oportunidade, pois mesmo os estágios exigiam experiência, mas o único jeito de ter experiência é trabalhando e eu nunca havia trabalhado, rs. Felizmente não passei por nenhum desafio que trouxesse sofrimento ou que tenha me marcado em um aspecto negativo.

Raquel Aoki: Uma dificuldade que eu enfrento como Cientista de Dados é insegurança. Principalmente por ter uma formação diferente da maioria das pessoas da área em que eu trabalho, e também por ter acabado de sair da universidade, ainda me sinto insegura.

Como empoderar as mulheres nas empresas?

Monique Vaz: Acho que a principal maneira é dar oportunidades às mulheres na mesma proporção que são dadas aos homens, o que hoje nem sempre acontece por diversas razões.

Tenho visto um movimento recente de mudança, mas ainda estamos longe de uma situação ideal. O primeiro passo de levantar a discussão já foi dado, mas todos tem que continuar agindo. Falar de diversidade e inclusão está na moda, mas na prática ainda ouvimos muitas histórias de mulheres que recebem tratamento e salários diferentes dos homens na indústria e ainda casos graves de assédio.

Ana Paula Gomes: É importante falar sobre o assunto. Sobre o porquê machismo é ruim pra homens e mulheres, sobre sexismo, sobre direitos iguais pra todos. Homens e mulheres são machistas, então é preciso consciência para então mudar. Depois disso, trabalhar ativamente por times diversos. Na área de tecnologia temos um ambiente dominado por homens brancos. É difícil se sentir confortável. Outro ponto importante é incentivar o feedback e a fala sobre o assunto. Se a cultura da empresa permite que mulheres dêem feedbacks sobre assuntos e que casos como assédio, sexual ou moral, sejam tratados de maneira séria, uma outra perspectiva nasce.

Anne Kelly: É preciso fazer com o que o ambiente seja seguro para discussões a respeito do porquê na área de TI tem poucas mulheres, trazer pessoas de fora que tem conforto e propriedade sobre o assunto para apresentar algo no escritório, não aceitar preconceitos em relação a sua atuação na empresa. Criar iniciativas para dar visibilidade que existem mulheres no escritórios que são capazes também de exercer um determinado papel para que quando há algum tipo de promoção, lembrar que elas estão ali também (tentar ter um equilibrio nos cargos mais altos na questão de gênero). Ser justo no salário.

Camila Matsubara: Acho que ter ‘role models’ na empresa e na área de tecnologia é fundamental — mulheres em posições de liderança que são inspiradoras. Oferecer oportunidades de crescimento para mulheres e dar a devida visibilidade ao seu trabalho. É importante que as pessoas, em especial a liderança da empresa, estejam atentas aos ‘unconscious bias’ que todos temos e que estejam conscientes das oportunidades oferecidas tanto para homens quanto para mulheres — na escolha de um líder de projeto, por exemplo. No mundo corporativo também é importante contar com ‘aliados’ para aumentar cada vez mais a consciência sobre as barreiras sistemáticas que mulheres e outros grupos minoritários enfrentam.

Serena Ribeiro: Acredito que o primeiro passo é mostrar a elas como elas podem e o quanto elas sabem. Ou seja, dar a elas auto confiança. Depois ensinar sobre sororidade que é algo que falta muito quando falamos de feminismo e empoderamento. Tão importante quanto isso é mostrar aos homens que isso é necessário e que não é um problema.

Fernanda Sozinho: Acredito que é importante encorajá-las a correrem atrás de seus sonhos, ouvi-las e principalmente criar um ambiente seguro para que elas sintam que o fato de ser mulher não significa que terão alguma oportunidade a menos

Raquel Aoki: Feminismo. Essa é uma luta diária contra o machismo, que é praticado inconscientemente ou conscientemente por homens e mulheres em toda a sociedade. Do meu ponto de vista, a melhor forma de criar espaço para que mulheres tenham mais voz e maiores oportunidades é incentivar jovens garotas a fazerem cursos relacionados a tecnologia. É difícil abrir um espaço se não tiver ninguém para ocupar a vaga.

Quais conselhos você daria para quem está começando?

Monique Vaz: Minha principal dica é procurar se cercar de pessoas que te darão apoio. São essas pessoas que vão te ajudar a construir sua carreira e encontrar oportunidades para o seu crescimento.

Ana Paula Gomes: Tenha coragem, trabalhe duro (e faça coisas divertidas!), converse com as pessoas mais experientes, tenha um(a) coach, vá eventos, compartilhe o seu código e peça sempre feedback!

Anne Kelly: Acreditar em você mesmo e ajudar dentro das empresas a criar o espaço para empoderar as mulheres, por mais difícil e resistente que seja o ambiente.

Camila Matsubara: A magia acontece fora da sua zona de conforto. Acho importante sempre buscar coisas diferentes para aprender e experimentar. Agir fora da zona de conforto traz uma sensação tão boa de crescimento, satisfação e confiança e traz também a possibilidade de novas oportunidades.

Serena Ribeiro: 1 — Acredite em você; 2 — Nada é impossível; 3 — Ninguém além de você pode dizer se você é ou não capaz, o que nos leva ao ponto 1;

Fernanda Sozinho: A tecnologia é para ser lidada por quem entende dela, independente de ser homem ou mulher. Se encorage através da sua capacidade de desenvolver quaisquer coisas que deseje, confiança em você mesma é fundamental. Busque inspiração em mulheres que também estão nesse mercado e não tenha medo de desbravá-lo.

Raquel Aoki: Não desista e nem se sinta inferior por ser mulher. Insista, pois não é uma carreira fácil. Você vai encontrar mulheres e homens que acreditam que o seu potencial não tem nada a ver com seu sexo, mas infelizmente, as vezes vai ter que lutar contra comentários machistas em um ambiente que é predominantemente masculino.

Em uma sociedade cada vez mais tecnológica, precisamos ampliar a participação feminina nas universidades, no mercado de trabalho e combater a desigualdade de gênero.

CEOs, olhem para sua base de funcionários e se perguntem: Os salários das mulheres são iguais aos dos homens? As mulheres estão tendo as mesmas oportunidades que os homens? Quantas mulheres estão ocupando cargos de liderança? Comecem fazendo esses questionamentos.

Mulheres incríveis deram conselhos valiosos aqui. Vocês podem transformar essas experiências, sentimentos e percepções em ações reais e compromissos sérios para criar uma cultura inclusiva na sua empresa.

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