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Uma homenagem a Tarsila

Cauê Alves, curador-geral do MAM São Paulo, fala sobre a artista modernista cuja morte aconteceu há 50 anos

Por Cauê Alves
8 fev 2023, 10h12

No último dia 17 de janeiro, completou-se 50 anos da morte de Tarsila do Amaral. Nascida no interior de São Paulo, na cidade de Capivari, ela foi uma das maiores expoentes do Modernismo brasileiro.

Em fevereiro de 2022, no centenário da Semana de Arte Moderna, a repercussão de suas obras e de seu nome foi muita. E apesar de muita gente lembrar dela por causa da data emblemática, a verdade é que a artista não participou da exposição – e nem estava no Brasil. Na época, ela estava em Paris, chegou apenas no final de 1922 em São Paulo, quando se juntou a Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia. Mas seu pensamento de vanguarda com certeza ecoou aqui.

Abaporu
(GUSTAVO LOWRY/CORTESIA MALBA/Veja SP/reprodução)

No período de seu relacionamento com Oswald de Andrade, Tarsila teve sua fase mais rica e relevante para a arte brasileira. Apenas por ela já valeria a pena lembrar os 50 anos de sua morte. Suas melhores obras estão entre 1922 e 1928. É um período curto, mas realmente fantástico, que abriu muitas possibilidades para o que depois vamos chamar de Arte Moderna Brasileira.

A Negra, Tarsila do Amaral
“A Negra”, de Tarsila do Amaral, que faz parte da mostra “Ciccillo”, no MAC-USP, São Paulo, 2006. (ROMULO FIALDINI/reprodução)

A artista era uma pessoa conectada com as vanguardas europeias em um momento em que isso era extremamente difícil, foi aluna de Fernand Léger, esteve exposta ao Cubismo, Expressionismo e Futurismo, criando obras importantes como A Cuca, A Negra, A Lua, e, é claro, o Abaporu.

Obra que credencia Tarsila como uma das fundadoras do Modernismo brasileiro, o Abaporu foi capa e grande inspiração para Oswald escrever seu Manifesto Antropófago. A pintura era o ponto de partida do texto – havia ali uma prova genuína daquela escola de pensamento, algo muito mais autêntico do que quando primeiro um manifesto é escrito para que depois obras sejam realizadas para darem contas das novas ideias.

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Manifesto Antropófago, 1928 Oswald de Andrade
(Romulo Fialdini/reprodução)

Críticas

Sob a luz das comemorações, muito foi dito sobre os privilégios dos artistas daquela época. Claro que, depois de 50 anos de sua morte, é fácil falar que Tarsila era branca, rica e que viajou a Paris para conhecer um novo mundo. Sim, ela teve o privilégio de poder ser aluna de Léger na cidade europeia quando grandes nomes importantes da cultura estavam lá, na época em que ali era o maior centro artístico mundial. Contudo, desfrutar disso e retornar para cá, elaborar isso a partir do que via no Brasil, foi muito essencial para os rumos que a arte brasileira teve, especialmente nos anos 1920.

Também é verdade que o Modernismo empenhou apropriações culturais em relação aos povos indígenas, como em Macunaíma, mas a crítica que se faz ao nacionalismo e ao mito da miscigenação daquela época está contaminada com algo muito diferente que se tornou o verde-amarelismo fascista que existe hoje. Antes isso era algo ligado à investigação dos povos originários, à compreender a identidade brasileira, que passava pelos povos da diáspora africana, pelos indígenas, pelos brancos e por esse mito da miscigenação.

Tarsila do Amaral, operacários, 1933, óleo sobre tela , 150 x 205 cm, acervo artístico-cultural dos palácios do governo do estado de são paulo
(JORGE BASTOS/reprodução)

Pode-se dizer que Tarsila e os modernistas eram nacionalistas, mas esse era um nacionalismo com um olhar mais generoso aos povos originários do que esse fascismo que extermina, que fala que não quer entregar a Amazônia para os estrangeiros, mas tira dali todo seu minério, polui e que coloca a bandeira nas costas para destruir Brasília. É diferente de um nacionalismo assassino e vândalo.

Isso fica ainda mais claro a partir dos anos 1930, quando ela e outros modernistas rompem com o poeta Menotti Del Picchia, que acabou fazendo parte do Integralismo brasileiro. Nesta época, a artista parte para uma vertente social e produz outra grande obra, Operários, que hoje está no Palácio do Governo.

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O que Tarsila e os modernistas queriam alcançar era, na verdade, uma atualização estética, a partir do contato com as vanguardas internacionais e do pensamento sobre arte. Depois da Segunda Guerra, inspirados tanto pela vanguarda russa quanto próxima de Rockefeller e Nova York, a própria Arte Moderna tinha raízes na democracia liberal. Era uma elite econômica ilustrada que tinha interesse na arte, na estética, que estava aberta às vanguardas, e não uma elite econômica que confunde Karl Marx com Burle Marx.

Tarsila do Amaral, Paisagem, 1948óleo sobre tela colada sobre papelão28,3 x 37,3 cmDoação Carlo TamagniColeção MAM São PauloFoto: Romulo Fialdini
Tarsila do Amaral, Paisagem, 1948
óleo sobre tela colada sobre papelão
28,3 x 37,3 cm
Doação Carlo Tamagni (Coleção MAM São Paulo / foto Romulo Fialdini/reprodução)

Legados

A institucionalização da Arte Moderna brasileira nos deixa um legado enorme não apenas com a construção de Brasília, fruto desse projeto democrático, de um pensamento civilizatório de construção de espaço público, como nos reflexos que essa institucionalização tem na própria arte, com a fundação do próprio MAM e na Bienal.

Tarsila também foi muito importante como participante do conselho do MAM São Paulo e diretora da Pinacoteca de São Paulo. Mesmo em sua fase posterior aos anos 1930, com obras mais ingênuas, ela se mantém como uma das principais artistas brasileiras do século 20, entre as mais importantes mulheres nas artes. É claro, ao lado de Anita Malfatti, Mira Schendel, Lygia Clark, Lygia Pape, Tomie Ohtake.

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