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Ícone do Lecce, Juan Alberto Barbas marcou época graças a bombas indefensáveis

Juan Alberto Barbas fez parte de uma das grandes gerações do futebol argentino. Barbitas ou Beto, como ficaria conhecido, conquistou títulos internacionais com a seleção de base, se firmou como um sólido meio-campista e teve o prazer de ter Diego Armando Maradona como companheiro de profissão e de vida. E mais: tal qual o amigo, se tornou ídolo de uma torcida calorosa do sul da Itália. Enquanto El Diez emergiu como maior lenda do Napoli, o volante foi adorado no Lecce.

Nascido no final dos anos 1950, na cidade de San Martín, localizada na província de Buenos Aires, Barbas teve uma infância bastante humilde. Vivia em uma pequena casa de vila com seus pais e seis irmãos que dividiam uma mesma cama. Seu primeiro contato com o futebol ocorreu bem cedo, nas ruas de terra do bairro em que morava. Além de jogar com os meninos da vizinhança, Juan era levado por um senhor local, juntamente a seus irmãos, para bater uma bola em outras regiões da cidade. Isso alimentou no menino o sonho de ser profissional.

Um dia, esse homem simplesmente desapareceu da vida dele e de sua família ao alegar que precisava se mudar, por conta de um relacionamento amoroso. Juan, por um momento, ficou sem rumo. Afinal, era o vizinho que o levava para os jogos mais disputados. O garoto perseverou e, aos 14 anos, foi um dos três jovens que deixaram boa impressão numa peneira do River Plate – outros 500 ficaram pelo caminho. O gigante da capital argentina lhe colocou numa lista de atletas que poderiam ser integrados às categorias de base num futuro próximo.

Depois do teste, Barbas voltou a sua rotina de seis horas diárias de trabalho numa metalúrgica de seu bairro, na esperança de logo receber uma resposta do clube de Buenos Aires. O retorno, no entanto, nunca lhe foi dado. Um mês após a peneira no River Plate, um senhor que fazia fretes apareceu na fábrica e perguntou a Juan se ele não gostaria de participar de uma outra peneira, desta vez no Racing de Avellaneda. Ele topou na hora.

Barbas chegou e logo deu de cara com um dos diretores do clube, Miguel Lotito. Ele foi o responsável por falar com o treinador da base, Tito Castelli, sobre a vontade de Juan de se submeter a um teste. Os dois responsáveis logo elaboraram uma avaliação para o garoto, que se saiu muito bem e recebeu uma resposta em 15 minutos: estava aprovado. No mesmo dia, foi registrado pelo Racing e foi integrado ao setor juvenil de La Academia.

Ao saber que havia passado no teste, Barbas voltou para a casa e deu a notícia para sua família. Era o início de um sonho que teve todo o apoio dos familiares – Juan até largou o trabalho na fábrica e passou a se dedicar exclusivamente aos treinamentos. Mas não tinha moleza: para chegar até Avellaneda e treinar no Racing, o garoto precisava pegar dois ônibus e um trem. Durante esse período, o adolescente quase não teve contato com seu pai, pois quando chegava em casa, tarde da noite, o velho já estava dormindo.

Barbas iniciou sua carreira no profissional aos 18, na temporada 1976-77, mas o momento do Racing não era bom. A pressão da torcida por bons resultados era enorme, isso porque o time vinha de anos na seca. E para piorar o clima, os salários dos jogadores viviam atrasados e não era incomum que não recebessem no final do mês. No entanto, apesar do contexto, Juan se formou junto com uma geração de jogadores que fizeram história, como Gabriel Calderón e Julio Olarticoechea.

Pasculli, Causio e Barbas: os grandes nomes do Lecce em 1985-86 (Penna Verde)

Juan era muito flexível no meio-campo e conseguia desempenhar diversas funções nas imediações do círculo central. Além disso, pisava bastante na área e costumava fazer seus golzinhos. Essa polivalência sempre foi um diferencial de Barbitas, que ganhou espaço facilmente em todos os times em que jogou.

Esse estilo de jogo chamou a atenção de César Luis Menotti, que acumulava os cargos de treinador da seleção principal e da sub-20 na época. Assim, Barbas passou a integrar a lista de convocações do técnico para a equipe juvenil e também para a adulta, com a qual disputou a Copa América de 1979.

No início daquele mesmo ano, Barbitas também disputou o torneio Sul-Americano da categoria, no qual foi vice-campeão com a albiceleste. Pela experiência e pela importância que tinha para o time de garotos, Menotti não o deixou de fora da lista final para a Copa do Mundo. Assim como também não deixou de fora um tal de Maradona, que ainda era uma jovem promessa do futebol argentino e, tal qual Juan, já frequentava as convocações da seleção adulta.

A Argentina se sagrou campeã do Mundial Sub-20 ao bater a União Soviética por 3 a 1 na final, que ocorreu em Tóquio. Foi o primeiro título de Barbas no futebol. Além da taça, outra alegria que a seleção lhe proporcionou foi a amizade que ele desenvolveu com Maradona. Com origens parecidas, os dois logo se tornaram amigos próximos e levaram essa camaradagem para a vida.

Em entrevista ao site Infobae, Barbas contou alguns momentos da viagem com o Pibe para o Japão. Além dos passeios pelo centro de Tóquio e da compra de diversos eletrônicos, Barbitas lembrou de quando Maradona o empurrou na piscina do hotel durante a comemoração do título. Não passava de uma brincadeira, mas o volante não sabia nadar e a situação quase se transformou numa tragédia. Apesar disso, os dois continuaram amigos até a morte de Diego, em 2020. Claudia Villafañe, ex-esposa do craque, é madrinha de Daniela, segunda filha de Juan.

Barbas ficou no Racing até 1982. Durante sua passagem, o time de Avellaneda não viveu tantos grandes momentos. Mesmo assim, o volante foi capaz de se firmar na seleção e integrou o grupo albiceleste na disputa da Copa do Mundo de 1982. Juan atuou em duas partidas na expedição argentina à Espanha – vitória contra a Hungria e derrota para o Brasil, na segunda fase da competição – e acabou permanecendo no país após o torneio: foi contratado pelo Zaragoza.

Compatriotas, Pasculli e Barbas foram companheiros de Lecce por cinco temporadas (Arquivo/US Lecce)

O volante argentino logo se adaptou ao futebol espanhol. Nos três anos que ficou no clube, Barbas foi considerado um dos melhores jogadores estrangeiros da liga, pelo nível de aporte que deu ao Zaragoza – e foi eleito como o gringo mais produtivo em duas temporadas seguidas, mesmo concorrendo com o amigo Maradona. Juan ajudou os maños a fazerem sucessivas boas campanhas no Espanhol, com direito a um sexto lugar no certame na temporada de estreia, e também foi importante na Copa do Rei. Em 1984-85, o time aragonês chegou a ser semifinalista da competição.

As atuações do volante na Espanha chamaram a atenção dos italianos do Lecce, que haviam acabado de ascender à Serie A pela primeira vez em sua história, em 1985. Para disputar o campeonato nacional mais forte do mundo na época, o time giallorosso manteve sua base, que tinha jogadores como os irmãos Stefano e Alberto Di Chiara, e adquiriu reforços como Franco Causio, campeão mundial com a Itália em 1982, e o atacante argentino Pedro Pasculli, que levantaria o mesmo troféu em 1986. Barbas, porém, foi adquirido antes do compatriota e se tornou o primeiro estrangeiro contratado pelo clube da Apúlia.

No sul da Itália, Barbitas viveu os principais momentos de sua carreira. Durante os cinco anos em que vestiu a camisa do Lecce, Juan disputou três temporadas na elite e duas na Serie B, somando 173 aparições e 29 gols marcados. Por sua seriedade em campo e pela qualidade técnica, o argentino logo caiu no gosto da torcida, que lhe dedicou um cântico. Sempre que havia uma falta a favor dos salentinos, mesmo de uma posição muito distante do da baliza, as organizadas cantavam: “Beto, Beto, Beto, mina la bomba, mina la bomba” – em tradução livre, “Beto, Beto, Beto, solta a bomba, solta a bomba”.

A maioria dos jogadores do elenco do Lecce jamais havia atuado na primeira divisão, o que dificultou um pouco a campanha do clube. Nas oito rodadas iniciais, por exemplo, o time treinado por Eugenio Fascetti não conseguiu uma vitória sequer. O primeiro triunfo, na nona jornada, só poderia ter um show de Beto. Barbas marcou um golaço de falta e deu uma assistência açucarada para Riccardo Paciocco no triunfo por 2 a 0 sobre a Udinese. Além disso, soltando bombas da intermediária, quase anotou outros dois tentos. Numa dessas oportunidades, carimbou o travessão com um petardo que soltou da altura do círculo central.

Naquela temporada, Barbitas também acabou ficando na memória de torcedores da Roma e da Juventus. É que, na penúltima rodada da Serie A, o argentino anotou uma doppietta numa vitória por 3 a 2 sobre os romanistas no Olímpico. O Lecce já estava rebaixado, mas acabou entregando o scudetto para a Juventus, que bateu o Milan no mesmo horário e garantiu a taça.

Apesar do descenso do Lecce, Barbas tinha tudo para ser convocado para a Copa de 1986 – Pasculli, por exemplo, foi chamado. Juan participou de toda de a campanha nas eliminatórias e, inclusive, figurou no álbum da competição, produzido pela Panini. Porém, no fim das contas, foi excluído pelo técnico Carlos Bilardo e acabou ficando nervoso. Deu declarações duras contra o treinador e jamais foi chamado novamente para defender a Argentina.

Sempre aguerrido, Barbas se destacou no futebol italiano, que era o mais forte do mundo nos anos 1980 (imago)

Após o Mundial, vencido pela própria Argentina, o Lecce, comandado por Barbas e Pasculli, teve uma Serie B atribulada em 1986-87 – em que pese o fato de os portenhos terem entregado nove gols, cada. Durante a gestão do técnico Pietro Santin, não conseguiu mostrar o seu melhor futebol e somente sonhou com a zona de acesso à elite. Carlo Mazzone assumiu o comando na 29ª rodada e, com sete vitórias em 10 jogos, levou o time ao terceiro posto. No entanto, os salentinos tiveram de fazer um triangular de desempate com Cesena e Cremonese e perderam a vaga para os bianconeri.

Como conseguiu ajeitar o Lecce, Mazzone permaneceu no clube para tentar o acesso. E, dessa vez, o ano foi bem mais tranquilo. Barbas e Pasculli ganharam a companhia de Francesco Moriero, que deu mais opções de decisão ao plantel, e os giallorossi se sagraram vice-campeões da segundona. Beto assumiu a braçadeira de capitão da equipe e se manteve também como seu líder técnico. O volante anotou sete gols e, sem dúvidas, o mais importante deles foi a pintura que decidiu o Dérbi da Apúlia, contra o Bari, através de uma cobrança de falta.

No retorno à máxima categoria, um Barbitas mais experiente foi fundamental para que o Lecce conseguisse se salvar do descenso. O argentino esteve afiado na hora de marcar gols, como atestaram os canhões contra a Atalanta, no tento mais rápido dos salentinos na Serie A, com apenas 38 segundos de bola rolando, e a Fiorentina. Ou mesmo a assistência que levou os giallorossi a empatarem com um Milan estelar, que quatro dias depois enfiaria uma sacolada de 5 a 0 sobre o Real Madrid.

O último jogo daquela temporada calhou de ser um confronto direto com o Torino, no Via del Mare, e Beto chamou a responsabilidade: forneceu um lançamento açucarado para Paolo Benedetti abrir o placar e, de falta, anotou o segundo. Com um triunfo por 3 a 1, os lupi mandaram os grenás para a segundona exatamente três décadas após a primeira queda do adversário. Além de rebaixar o Toro, o Lecce garantiu a permanência e terminou a Serie A na nona posição, a melhor de sua história.

Consolidado como um dos maiores jogadores do Lecce, Barbas teve mais uma ótima temporada em 1989-90, apesar de uma lesão que lhe afastou do esporte por mais de um mês. O primeiro de seus quatro gols no ano foi estranhíssimo: na vitória por 2 a 1 sobre o Genoa, soltou um canudo e carimbou o travessão; a bola subiu bastante, pegou efeito e enganou o goleiro Attilio Gregori, tocando na linha antes de morrer nas redes. Beto também foi o garantidor de mais uma permanência dos salentinos na elite, ao anotar uma doppietta sobre o Ascoli, na penúltima rodada da Serie A. O resultado acabou rebaixando o time de Walter Casagrande.

Quando ia iniciar o seu sexto ano no Lecce, Juan recebeu uma má notícia. Mazzone deixou o comando do time e Zbigniew Boniek, seu substituto, queria renovar o meio-campo: aos 31, Barbitas estava fora dos planos do polonês, que apostou suas fichas em Sergei Aleinikov, um pouco mais novo do que o argentino. Por outro lado, seu agente, Antonio Caliendo, que também foi empresário de Roberto Baggio, Daniel Passarella e Ariel Ortega, lhe apresentou a possibilidade de atuar no Monaco, da França. Ele logo se animou, pois poderia brigar por taças no principado. Faltavam alguns detalhes para que a transferência se concretizasse, mas de última hora ocorreu um problema que fez o negócio melar.

Capitão do Lecce por três anos, Barbas é considerado como um dos maiores ídolos do clube (Juha Tamminen)

No fim das contas, Barbas teve um destino mais modesto: assinou contrato para jogar no Locarno, da segunda divisão suíça. Num elenco de atletas amadores, no qual apenas ele e o compatriota Gustavo Costas eram profissionais, pouco atuou – somou apenas 20 aparições em duas passagens. Entre elas, Beto foi emprestado ao Sion, da primeira categoria, com o qual foi campeão helvético.

Em 1993, o volante retornou para a Argentina a pedido de Menotti, seu mentor no futebol. Barbas acertou com o Huracán, mas o clube passava por uma crise econômica e não pagava os salários dos jogadores. Isso fez com que o veterano vestisse a camisa do Globo por apenas um semestre e se transferisse para o Alvarado. No entanto, a agremiação de Mar del Plata também passava por problemas financeiros e acabou quebrando.

Barbas ficou sem clube até que Ramón Adorno, que havia lhe treinado nas categorias de base do Racing, o convidou para atuar no All Boys. O volante não pensou duas vezes e agarrou a oportunidade de se reunir com o técnico, na segunda divisão argentina. Foi exatamente pelo time da Floresta que ele encerrou sua carreira, em 1997, aos 38 anos.

Após pendurar as chuteiras, Juan passou um longo período fora do mundo da bola. Voltou ao futebol para treinar as categorias de base do Racing e lá ajudou a formar jogadores como Valentín Viola, Luis Fariña, Ricardo Centurión e Rodrigo De Paul. Barbas também foi técnico interino do time principal de La Academia em 2009, e teve experiências curtas nas divisões inferiores da Argentina, por Atlético San Jorge e Almirante Brown.

A desorganização do futebol argentino e a obsessão por resultados fizeram com que o ex-jogador fosse perdendo a paixão pelo esporte. Ao menos por trabalhar nele: atualmente, tem um cargo administrativo na clínica médica de um amigo. Algo bem distante do glamour dos tempos em que era companheiro de Maradona, mas que lhe dá a segurança de pagar suas despesas básicas e o aluguel de seu apartamento.

Apesar da vida modesta, Beto segue como rei em Lecce. O argentino costuma ser homenageado pelo clube e, em 2015, para comemorar os 30 anos do histórico acesso do time, viajou até a Apúlia para participar de uma partida beneficente com Pasculli, seu grande amigo. Nessa visita, foi ovacionado pela torcida giallorossa, como de costume.

Juan Alberto Barbas
Nascimento: 23 de agosto de 1959, em San Martín, Argentina
Posição: meio-campista
Clubes: Racing (1977-82), Zaragoza (1982-85), Lecce (1985-90), Locarno (1990-91 e 1992-93), Sion (1991-92), Huracán (1993), Alvarado (1993-94) e All Boys (1994-97)
Títulos: Mundial Sub-20 (1979) e Campeonato Suíço (1992)
Clubes como técnico: Racing (2009), Atlético San Jorge (2013-14) e Almirante Brown (2017)
Seleção argentina: 33 jogos

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