A Saga Crepúsculo volta aos cinemas: entre fãs e haters, como os filmes envelheceram 10 anos depois?

Admiradores e especialista avaliam impacto da franquia após uma década do lançamento do último filme na telona; afinal, melhorou ou piorou?

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Neste dezembro, a série retorna à telona em todo o Brasil; sessões acontecem já no primeiro dia do mês
Foto: Divulgação

Você piscou e já se vão dez anos desde que o último filme da Saga Crepúsculo foi exibido nos cinemas. “Amanhecer - Parte 2” quebrou recordes de bilheteria, gerou piripaques nos fãs e selou o sucesso da franquia adolescente. Neste dezembro, a série retorna à telona em todo o Brasil para celebrar a efeméride. As sessões acontecem já no primeiro dia do mês.

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Olhando em retrospecto, será que a trama protagonizada por Bella (Kristen Stewart), Edward (Robert Pattinson) e Jacob (Taylor Lautner) envelheceu bem? Que temas são explorados no enredo cuja ressonância ficou datada? É de se comemorar ou lamentar o retorno da saga aos cinemas? “Crepúsculo ainda pode conquistar muitas pessoas”, acredita Mariah Costa, 25.

Na própria descrição do perfil nas redes sociais, a jornalista se descreve como fã da franquia. Tinha por volta de 11 anos quando conheceu a história. Não desgrudou mais. “Acredito que, como a maioria das fãs, me identifiquei inicialmente com a Bella por ser diferente das personagens famosas da época – especialmente sendo uma leitora assídua, como ela”.

Crepúsculo, inclusive – o filme – impactou bastante o tipo de obra que Mariah passou a ler. Ela começou a explorar mais clássicos da literatura mencionados na saga, a exemplo dos livros de Jane Austen (1775-1817) e Emily Brontë (1818-1848). De todos os longas, os únicos que ela viu no cinema foram “Eclipse” e “Amanhecer parte 2”.

“Acredito que, se a saga fosse um produto da indústria de hoje, corria muito risco de ser mal vista por várias pessoas, especialmente por duas discussões muito fortes que envolvem os fãs desde sempre: a intensidade (apontada como tóxica em muitos momentos) entre Edward e Bella e a constante presença dele ao redor dela para ‘protegê-la’, inclusive de si mesma; e o imprinting de Jacob no último livro/filme com a filha de Edward e Bella, Renesmee”.

Segundo a fã, esta última relação foi trabalhada nos livros como algo não-romântico, mas o filme cometeu erros ao abordar o tópico, passando uma impressão diferente – remetendo à pedofilia. Tal ponto pesou para Mariah, principalmente a partir de uma cena no final da película que romantiza a relação entre Jacob e Renesmee, algo inexistente nos livros.

“Apesar disso, acho que hoje, especialmente com a ascensão do booktok (no Tiktok) e um olhar mais crítico com todas as informações sobre relacionamentos tóxicos e abusivos, ‘Crepúsculo’ ainda poderia conquistar muitas pessoas. Vejo que muitas obras e personagens ganham repercussão em paralelo à crítica. E percebo que, dentro desse ambiente de fãs, se fala muito sobre coisas que são, sim, problemáticas, discutindo-as – evitando a ideia do admirador que fecha os olhos para isso”.

Ainda é relevante?

Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará, Naiana Rodrigues endossa a questão ao avaliar se a saga envelheceu mal ou bem. Tecnicamente, em termos estéticos e audiovisuais, para ela os filmes envelheceram mal. 

“Já tem muito tempo o lançamento original, e é perceptível uma desqualificação, um descompasso técnico com relação aos filmes dramáticos ou de ação da atualidade. Na minha leitura, audiovisual e esteticamente, são produções datadas”, diz. 

Narrativamente, porém, a coisa muda de figura. A estudiosa está longe de considerar que a trama da franquia seja exemplar, mas percebe que, em termos de tema dramático, a Saga Crepúsculo continua, de certa forma, atual

Alguns detalhes a favorecem. Ser embasada na mitologia vampírica – vez ou outra retornando ao centro de trabalhos e discussões – faz com que se encaixe em um filão de mercado. E, por mais que não se encaixe em características dos gêneros terror ou horror, nas quais essa mitologia encontra mais acolhida, ainda assim a série se ancora nela e vai.

“Ao mesmo tempo, é um melodrama. Isso, para mim, é o que justifica a atualidade dos filmes da saga: o dramalhão romântico. Foi ele que mobilizou o sucesso da franquia na época e que mantém a atualidade da coisa. A título de comparação, temos as novelas reprisadas no canal Viva, por exemplo. Elas possuem uma estética datada, mas, em termos de narrativa dramática, são atuais pela organização narrativa em torno do melodrama”.
Naiana Rodrigues
Doutora em Ciências da Comunicação pela USP e professora do curso de Jornalismo da UFC

Detalhes que recaem nos estudos sobre Indústria Cultural, em que se confere nova roupagem a temas já conhecidos. Nesse sentido, o melodrama é o grande atrativo dessa indústria. “O que me admira é o lançamento dos filmes dessa saga no cinema novamente. Confesso que não sei o que está mobilizando esse retorno deles, já que estão nos streamings e nunca deixaram de ser exibidos na TV”.  Reflexão que estimula considerar os tipos de telespectador.

Para isso, Naiana recorre ao texto “Codificação e decodificação”, do teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano Stuart Hall (1932-2014). Nele, o pesquisador aponta três categorias de público: o telespectador que adere ao produto audiovisual, tornando-se fã; o que negocia com os sentidos daquela produção (“gosto, mas com ressalvas"); e o que faz uma leitura irônica da obra – não se nega a assistir, mas assume postura de escárnio com o que vê.

“Na época em que os filmes foram lançados, eu me recusava a assistir, a pagar para vê-los, porque já os achava ruins. Meu referencial de filmes mitológicos de vampiros é o ‘Drácula de Bram Stoker’, do Francis Ford Coppola”, divide a doutora. “Hoje, sou uma telespectadora irônica da Saga Crepúsculo”.

Assistir pela nostalgia

Não é o caso da fisioterapeuta Ana Clara Ramos, 28. De telespectadora totalmente aderente à trama, ela se tornou aquela que negocia os sentidos da saga. “Antes eu até achava o máximo, mas agora eu só assistiria pela nostalgia”. 

Feito Mariah Costa, ela também iniciou no mundo dos livros por meio do primeiro filme da franquia. Dos cinco longas, não à toa, “Crepúsculo” segue como o preferido, o que a faz afirmar: “Tem pessoas que se acham críticas cinematográficas e dão palpites sem ter lido o livro ou assistido aos filmes. Porém, a atuação dos atores é de acordo com a personalidade dos personagens”, gargalha, ao relembrar as ferrenhas opiniões.

“Não nego que amava a saga, mas não é o mesmo amor hoje em dia. Não me importo que as pessoas façam ‘chacota’. Não vou deixar de gostar por isso, como na época não deixei”.

De fato, vamos aos fatos: apesar de sucesso comercial e midiático, a Saga Crepúsculo foi um fracasso de crítica. No agregador de notas Rotten Tomatoes, os mais bem avaliados dos cinco longas são Crepúsculo (49%) e Amanhecer Parte 2 (49%). Depois, vem Eclipse (47%), Lua Nova (29%) e Amanhecer Parte 1 (25%).

Na esteira de Ana Clara, Mariah Costa também nunca se incomodou com as críticas. “Acho que o que precisa ser observado é que ‘Crepúsculo’ foi feito para um público e isso é bem óbvio, pelos dramas que carrega, os dilemas etc. Passei anos sem ler os livros e, na faculdade, por volta dos 17, li novamente. Achei que não ia gostar, mas me vi apaixonada outra vez, especialmente porque, pra quem era fã, muitas cenas se tornaram afetivas”.

Massagem na memória

Eis aqui um ponto importante: a nostalgia. Naiana Rodrigues acredita que a estratégia de levar o público novamente para o cinema tem a ver com mobilizar o afeto de uma geração que foi jovem no passado e que, portanto, provavelmente se envolveu, sonhou, produziu fanfics sobre Bella e Edward.

“É bom lembrar que a saga foi produzida no contexto de uma cultura da convergência midiática, da emergência de uma Web 2.0. Assim, a quantidade de fanfics construídas em cima do casal principal diz muito sobre esse retorno dos filmes aos cinemas. É um cultivo desses fãs, uma massagem na memória deles”.

Não deixa de ser também uma tentativa de captar novos admiradores da atual geração de consumo – que, muito provavelmente, não vai acessar esses filmes no streaming, uma vez estarem envolvidas com outros tipos de produção. “Talvez o cinema seja um lugar que desperte a curiosidade desse novo público – algo que eu duvido muito”, opina Naiana.

“O objetivo da Indústria Cultural é mobilizar paixões e, a partir dessas paixões, mobilizar lucros. O objetivo não é estética nem arte. A Saga Crepúsculo não é arte. Daí também essa minha admiração do retorno da franquia ao cinema. Esse movimento de retorno às salas geralmente se dá muito com obras alçadas a um patamar artístico – porque foram significativas, com mérito estético-narrativo. A Saga Crepúsculo não tem mérito estético-narrativo nenhum. Ela tem mérito comercial”.

Nada que não garanta espasmos positivos. Mariah Costa que o diga. Na visão dela, o sucesso da saga vai permanecer, principalmente se a autora dos livros, Stephenie Meyer, continuar explorando o universo com novos livros, maior expectativa. 

“Para além do romance, acredito que um ponto forte de ‘Crepúsculo’ foi a criação de muitas novas histórias que podem ser exploradas, geradas a partir de personagens como os Volturi e os vampiros de outros clãs e países – inclusive brasileiros – e a própria Renesmee. ‘Crepúsculo’, assim como outros livros famosos dos anos 2000, foi uma saga que transformou muitas pessoas em leitores, e considero isso um dos pontos mais fortes. Também muitos novos autores surgiram a partir da criação de fanfics de ‘Crepúsculo’ (eu inclusa nisso). Por isso, pelo papel na vida de tanta gente, acredito que o sucesso vai permanecer”.


Serviço
Reexibição da Saga Crepúsculo nos cinemas
Crepúsculo (2008) – a partir de 01 de dezembro
Lua Nova (2009) – a partir de 08 de dezembro
Eclipse (2010) – a partir de 15 de dezembro
Amanhecer: Parte 1 (2011) – a partir de 22 de dezembro
Amanhecer: Parte 2 (2012) – a partir de 29 de dezembro

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