Austrália, o Continente Esquecido

por Guilherme Ceotto Metello

A Austrália é uma ilha de dimensões continentais, quase do tamanho do Brasil, mas com apenas 24 milhões de habitantes.

Há muitos anos ela se afastou da Ásia, de onde vieram os primeiros habitantes e permaneceu isolada por milhões de anos, tendo um ecossistema muito diferente dos outros lugares do mundo, que tiveram mudanças climáticas, migração de muitos animais e um habitat muito mais agressivo, com muitos predadores de cada espécie. Na África por exemplo, toda a evolução animal foi feita no sentido de garantir a sobrevivência na selva, os predadores aumentando suas habilidades de caça e as presas a sua capacidade de fugir ou de enfrentá-los, criando uma maior possibilidade de preservação da espécie.

Na Austrália os animais se acostumaram a este ambiente sem muito estresse, cada um cuidando da sua vida. O próprio homo sapiens só chegou lá há cerca de 45.000 anos, e seu impacto no meio ambiente foi de certa forma limitado. Mas continuaram a evoluir, embora em um ritmo menor do que aqueles que enfrentavam grande concorrência de outras espécies, e para os quais a evolução era vital. Talvez esta liberdade de evolução, buscando apenas o atendimento de algumas necessidades não vitais fez com que os animais australianos chegassem a alguns resultados excepcionais, e se diferenciando totalmente das outras regiões do mundo.

 Por este motivo, a sua fauna e flora possuem uma quantidade enorme de indivíduos únicos e que, provavelmente, a sua maioria não sobreviveria em outros lugares no mundo. Alguns exemplos são o ornitorrinco, a raposa voadora, o canguru, o coala e o casuar, entre muitos.

O ornitorrinco é a única espécie mamífera que bota ovos. Ele é um animal semiaquático, com bico, e que busca seu alimento sob as águas.

A raposa voadora é o maior morcego conhecido, chamada assim por causa do seu tamanho e da cor avermelhada do pelo, e suas asas podem atingir 1,5m de envergadura. Por sorte dos australianos estes animais se alimentam somente de frutas.

O coala é o xodó da Austrália. Dorme 20 horas por dia, e nas outras 4 come uma quantidade enorme de folhas de eucalipto. Os coalas são mantidos em santuários na Austrália, a um custo bem alto, mantidos pelas filas de pessoas que pagam 25 dólares para pegarem um coala no colo por 5 minutos.

O casuar é um dos exemplos do domínio feminino de uma espécie. Vive no interior da Austrália e calcula-se a sua população em cerca de 2000 indivíduos. É uma ave que não voa, da altura de um homem, com uma plumagem grande e colorida na cabeça, podendo atingir 60 kg e correr a 50km/h. É um animal insociável, vivendo isolado. A fêmea somente tolera o macho durante o período de fecundação até colocar seus 3 a 5 ovos. Depois disso ela deixa o macho tomando conta dos ovos e posteriormente dos filhotes e parte à procura de um outro macho para repetir o processo. O macho que estiver tomando conta dos ovos ou filhotes não acasalará até que estes se tornem independentes. No caso de uma fêmea estar interessada em um macho que esteja tomando conta dos ovos de uma outra fêmea, ela os destrói para que este macho fique descompromissado e possa acasalar.

O canguru é o animal símbolo da Austrália, e tem algumas características excepcionais.

Eles desenvolveram um método de procriação realmente eficiente e prático, uma vez que sua gestação dura em média 5 semanas (caso do canguru e também do coala) e após este período o pequeno ser de cerca de 2cm sai do útero da mãe e vai para a sua bolsa onde continua seu desenvolvimento mamando, até cerca de 6 meses, quando sai da bolsa totalmente formado, e a mãe lhe dá uma papa que tem as bactérias necessárias para ele digerir as folhas das quais passará a se alimentar.

Além disso, os cangurus desenvolveram outras capacidades fantásticas, únicas no mundo animal. Durante o aleitamento as fêmeas canguru que têm filhotes de diferentes idades mamando são capazes de gerar tipos de leite diferentes, adaptados a cada filhote! Mais ainda, elas são capazes de dar uma pausa na gestação, se a situação ambiente não for muito boa, por exemplo uma seca acentuada ou falta de alimentação por outro motivo, retornando assim que as coisas melhorem!

É possível para fazer uma analogia com a situação de alguns serviços estatais (ou que tenham algum tipo de monopólio, natural ou imposto) em que a evolução não é muitas vezes gerada por necessidades do mercado, mas que acontece de dentro para fora, podendo chegar a resultados bastante interessantes, mas dificilmente atingindo otimizações de custo ou eficiência como aquelas que têm a pressão do mercado.

A evolução dos animais neste cenário acaba sendo bem diferente de um outro ambiente mais competitivo. Na Selva Africana, a evolução dos animais visa o aperfeiçoamento da sua capacidade de sobrevivência naquele meio e somente as espécies mais preparadas sobrevivem. Se as girafas por exemplo tiveram em algum tempo várias espécies com tamanhos de pescoço diferentes, somente aquela que conhecemos hoje, com pescoço bem grande para alcançar as copas das árvores sobreviveu.

Fazendo uma comparação entre a África, a Austrália e o mundo de onde se tira o sustento e a sobrevivência e, considerando ainda o crescimento acelerado da população do planeta, além dos picos e vales da economia mundial, as competências de um profissional do século XXI para sua sobrevivência, repousam menos na sua capacidade técnica e mais em seus atributos emocionais. A exemplo do que aconteceu na África, a alta competitividade entre as pessoas exige um foco no técnico, no instrumental e no metodológico, relegando a um segundo plano o comportamental, o emocional e o relacional. Isto deixa as pessoas cada vez mais preparadas para as operações de negócio, mas muito defasadas no trato com outras pessoas, como se quisessem devorar os demais tipos da espécie.

O livro Gestão de Negócios e Sustentabilidade (2015) mostra que uma pesquisa patrocinada pela revista Você S/A revelou que 87% das demissões hoje estão relacionadas à falta de competências emocionais tais como: autoconhecimento, autocontrole, empatia, motivação, sociabilidade, flexibilidade, discrição e assertividade. O livro também mostra que a UNESCO gerou um relatório sobre educação para o século XXI, que permite entender quais são as competências necessárias ao trabalhador do novo século. Estas devem contemplar os seguintes atributos para um bom desempenho do profissional moderno: flexibilidade, criatividade, informação, comunicação, responsabilidade, empreendedorismo, sociabilização e uso da tecnologia.

Portanto, apesar de um cenário mundial mais africano do que australiano, as pessoas devem continuar perseguindo seu aprimoramento técnico e metodológico, mas precisam também, e mais que tudo, perseguir formas de aumentar sua capacidade de relacionamento com sua própria espécie, como também o conhecimento de si mesma, evitando que seu sistema de crenças e valores prejudique seus objetivos e metas profissionais e pessoais.

No caso da Austrália, esta luta entre as diversas espécies não aconteceu. Os cangurus hoje têm mais de 60 tipos diferentes, desde o canguru gigante até o rato-canguru, passando pelo canguru que vive em árvores, e que desenvolveu os braços para permitir sua sustentação nos galhos. Todas estas espécies puderam existir pela falta de predadores naturais, o que certamente não teria acontecido em outros habitats, somente sobrevivendo as espécies mais adaptadas ao mesmo, enquanto as demais tenderiam a desaparecer.

Uma situação complicada foi sempre a introdução de novas espécies animais na Austrália. A sua chegada sempre perturbou o equilíbrio existente há milhares de anos. Isto aconteceu com os coelhos, no século passado, que se tornaram uma praga nacional, e mais recentemente com as raposas e gatos. Os australianos têm que intervir, nestes casos, para impedir a dizimação de parcela de sua fauna nativa por estes predadores, controlando, através de armadilhas e outras ações, a sua quantidade.

Situação semelhante acontece quando existe uma proteção de mercado para determinado produto, e este não é exposto à concorrência. Se a liberação para os produtos concorrentes é feita bruscamente, não há tempo de preparação deste fornecedor para enfrentar o mercado, e ele tende a desaparecer rapidamente.

Também ocorre quando uma pessoa extremamente competitiva entra em um grupo onde predomina a cultura da integração e da cooperação. A tendência é o grupo se desestabilizar e às vezes realmente implodir.

Estas duas situações exigem uma intervenção controlada para evitar que chegue às últimas consequências, ou seja, a destruição de um fornecedor ou de um grupo.

Os australianos de certa forma refletem este ambiente menos competitivo e com menor estresse. Quando os primeiros europeus chegaram à Austrália encontraram uma quantidade muito grande de povos que habitavam a região e que viviam relativamente em paz. Mais de 250 línguas distintas eram faladas nesta ocasião. A grande parte delas sumiu rapidamente, uma vez que os povos eram muito pequenos, e no confronto com os europeus, em especial os ingleses, desapareceram totalmente.

Os aborígenes australianos foram considerados muito atrasados em muitos aspectos, comparados aos habitantes das Américas e outras regiões, onde havia muito mais disputas por territórios. Mas desenvolveram uma arma cujos princípios técnicos são muito mais complexos que qualquer outra dos povos primitivos do mundo, o boomerang.

Aparentemente os australianos de hoje mantiveram muito desta antiga cultura de respeito e tolerância. Não se percebe neles uma competição forte, o trabalho é sempre levado a sério, mas o horário é menor do que na maioria dos países desenvolvidos, 35 horas semanais. A preocupação com o tema sustentabilidade é muito grande, assim como a tolerância. Um assunto bastante discutido hoje é a situação dos descendentes dos aborígenes habitantes primitivos da região, e lastimado a perda da cultura dos povos que desapareceram com a chegada dos europeus.

Mas ao mesmo tempo, devido à pequena população, existe uma grande escassez de mão de obra, o que faz com que seja necessária uma grande eficiência nos seus processos e a automação é bastante grande. Por exemplo em aeroportos de cidades menores não existe atendimento no check-in, a própria pessoa deve fazê-lo nos terminais automáticos, retirar as fitas identificadoras de bagagem, prender nas malas e colocá-las na esteira. Também estão disponíveis balanças para pesar as bagagens e verificar se estão no peso permitido. Caso contrário o próprio passageiro deve procurar o balcão da companhia e pagar a diferença.

O sistema de transporte das grandes cidades como Sydney e Melbourne é considerado o melhor do mundo. A malha de metrô é excelente e alcança todo o entorno de Sydney, entroncando-se com a rede de trens suburbanos ou light trens, para lugares mais próximos e os ferryboats que cruzam a belíssima baía de Sydney, com a vista da incrível Opera House, exemplo de engenharia e símbolo maior da cidade. Em todas as estações e nos trens existe wifi disponível para os viajantes.

Uma inovação muito interessante são os vagões do metrô, que têm 2 andares. A entrada na estação fica num nível intermediário, e daí o passageiro pode subir ou descer um meio nível e sentar em poltronas muito confortáveis.

Essa solução possivelmente visa a diminuir o comprimento dos trens e consequentemente das plataformas nas estações, otimizando o espaço, e não existe em nenhuma cidade ocidental, talvez pela dificuldade de cavar túneis mais profundos nestas cidades, em geral milenares.

Os australianos são bastante práticos, a travessia de um lado para outro nas estações dos light trains é feita pela própria linha, apenas com um aviso de não atravessar se vier algum trem!

A Qantas, companhia aérea principal da Austrália lembra as empresas aéreas monopolísticas de algumas décadas atrás. Fornecem um excelente atendimento e serviço, mas um preço alto. Ela tem uma sala vip para todos os passageiros, não apenas os da classe executiva, bastante grande e confortável. Não tem muita concorrência, ela é predominante nos voos de e para a Austrália.

Observado o resultado do comportamento australiano, mais voltado à cooperação do que à competição, cabe aqui recordar Fernando Cyrino (2012) em seu artigo “As 10 competências necessárias ao processo de mudança”, onde ele discorre sobre as aptidões necessárias para que as mudanças de comportamento possam surgir em direção a uma sociedade melhor preparada para o futuro. Estas aptidões podem ser resumidas em sete capacidades:

              • Liderar transformando: investir no desenvolvimento das potencialidades e talentos das pessoas, favorecendo as suas capacidades e habilidades para o sucesso das metas institucionais e as individuais;
              • Comunicar: estabelecer canais que possibilitem o relacionamento ágil e transparente entre os indivíduos de uma determinada população;
              • Agir de acordo com valores éticos: forma de atuar de acordo com valores morais e princípios que sustentam a nossa formação de caráter.
              • Planejar: capacidade de entender os objetivos de um grupo, de gerar metodologicamente estratégias, desdobrando-as em ações para o alcance dos destes objetivos;
              • Trabalhar em equipe: capacidade de executar um trabalho, de forma cooperativa e harmônica, aumentando a velocidade e precisão deste processo;
              • Focar nos resultados: exercitar o controle metódico das ações para se atingir o que foi planejado;
              • Alcançar uma Aprendizagem: capacidade de avaliar a mudança depois de implementada para gerar um incremento na habilidade de resolver problemas e atender demandas.

Em suma, o grande desafio é realizar estas mudanças de comportamento dentro de um ambiente de selva africana, que é o predominante na maior parte do mundo de hoje, mas que são fundamentais para chegar a esta sociedade que esperamos, num mundo a cada dia com menos recursos, e com uma população que continua crescendo e aumentando a sua expectativa de vida.

Referências:

CYRINO, Fernando. As 10 Competências Necessárias ao Processo de Mudança. In: Site Gente Plena. Disponível em http://www.genteplena.com.br/cms/artigoFull.php?id_artigo=11&. Consultado em 30/05/2016.

GASSENFERTH, Walter; CONCEIÇÃO, Ciro Mendonça; MACHADO, Maria Augusta Soares; PEREIRA, Silvia; e KRAUSE, Walther. Gestão de Negócios e Sustentabilidade: Textos Selecionados. Rio de Janeiro: Editora Brasport, 2015.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens, uma breve História da Humanidade. Porto Alegre: L&PM Editores, 2014.

Para saber mais sobre o tema visite o site da Quântica Treinamento Empresarial em http://www.quanticaconsultoria.com

Deixe uma resposta