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Leões brancos são raríssimos e existem apenas 12 em liberdade na África do Sul

Leões brancos são raríssimos e existem apenas 12 em liberdade na África do Sul

Originários da região de Timbavati, leões brancos são sagrados para as populações nativas e considerados mensageiros divinos

HAROLDO CASTRO (TEXTO E FOTOS) | DA ÁFRICA DO SUL
13/10/2016 - 13h21 - Atualizado 31/10/2016 20h52

Entre os grandes mamíferos africanos, o leão (Panthera leo) é um dos animais mais icônicos do planeta. Ele gera um fascínio fervoroso e atrai a atenção de todos os povos. Escolhido como uma das 12 constelações do Zodíaco e citado no Antigo Testamento judaico-cristã e no Bhagavad Gita indiano, o felino de pródiga juba tem simbolizado durante séculos o poder, a coragem, a força e a autoridade.

Ver um leão cara a cara, de pertinho, é uma experiência singular para aqueles que adoram o animal. Esse encanto aumenta ainda mais quando o encontro acontece com leões brancos. Sim, existem leões de pelo mais claro, e eles são tão fortes e soberbos como os normais, de pelo amarelado.

Embrenhado no mato, o leão de pelo branco é considerado animal sagrado pelos nativos sul-africanos  (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Tomei conhecimento dos leões brancos pela primeira vez quando passei os olhos no livro do pesquisador sul-africano Chris McBride. Quando preparava sua tese de mestrado, em 1975, na região de Timbavati, adjacente ao prestigioso Parque Nacional Kruger, na África do Sul, Chris encontrou uma leoa que acabara de dar cria a três filhotes, dois deles sendo brancos. O “descobrimento” capturou a atenção de biólogos e conservacionistas. Curiosos para elucidar a razão da mudança da cor do pelo do animal, os filhotes foram levados ao zoológico de Pretoria. A partir daí, começou uma febre para encontrar os raros animais na natureza e levá-los a laboratórios para que pudessem reproduzir em cativeiro.

Se o leão branco era uma novidade para os pesquisadores de descendência europeia, o animal era conhecido há bastante tempo pelas populações locais shangaans. Uma lenda relata que, há mais de 400 anos, quando reinava a rainha Numbi, um meteorito tombou na região de Timbavati e, coincidentemente, o primeiro leão branco apareceu. Assim, a tradição oral shangaan reza que o leão branco é um mensageiro divino, um protetor celeste, representando o Rei dos Reis. No idioma shangaan, o significado do nome Timbavati ou Tsimba-vaati seria “local onde estrelas – e leões – caem do céu”. Conclusão: o lugar é considerado sagrado pelas populações nativas.

Um leão branco em uma reserva particular na África do Sul  (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Outra história de paixão aconteceu com a marqueteira americana Linda Tucker. Em 1991, ela, seu marido, Jason Turner, e amigos viajavam à noite nas terras de Timbavati quando a Land Rover deles quebrou. Em poucos minutos, os estrangeiros foram rodeados por um bando de leões. Logo depois, apareceu, do meio do mato escuro, uma mulher. Era Maria Khosa, xamã da etnia shangaan. A anciã conversou com os leões e convenceu-os a ir embora, permitindo que o carro fosse consertado e salvando a vida dos estrangeiros. Três anos depois, ao reencontrar Maria Khosa, Linda soube que ela era considerada a Rainha dos Leões e que podia se comunicar com os animais.

Por meio dos ensinamentos da anciã, Linda passou a considerar os leões brancos como os animais mais sagrados do sul da África e do continente. Assim, para ela, matar o felino significava também massacrar a alma africana. Em 2002, Linda largou seu trabalho e decidiu criar a ONG Global White Lion Protection Trust (WLP) para proteger os leões brancos. Hoje está empenhada em reintroduzir na natureza alguns dos animais raros nascidos em cativeiro. Em 2010, ela publicou o livro Mistério dos leões brancos.

Os dois machos e a fêmea são crias de um casal de leões brancos, ambos com genes recessivos  (Foto: © Haroldo Castro/Época)

O leão branco não é considerado como uma subespécie de Panthera leo. Assim, seu estado de conservação é o mesmo dos leões de cor amarelada. São considerados como ameaçados de extinção, mas na categoria mais branda, vulnerável. Para Linda Tucker, os felinos brancos deveriam estar catalogados como criticamente ameaçados, a categoria mais rigorosa. Mas os critérios de avaliação não permitem que uma mesma espécie – mesmo se de cores distintas – tenha dois status diferentes.

A razão da coloração diferenciada dos leões brancos é um gene recessivo que indica a ausência de cor dos pelos. Um macho e uma fêmea de leões brancos com esse mesmo gene recessivo terão sempre filhotes brancos.

Em 1997, pesquisadores determinaram que esses leões não são albinos, mas leucísticos. A principal diferença é o que os olhos dos albinos são descolorados – e vermelhos por causa das minúsculas veias de sangue –, enquanto que os leucísticos têm olhos com cores normais. Nos casos dos leões brancos, a cor dos olhos varia do amarelo ao azul.

Segundo a WLP, existem cerca de 300 leões brancos em cativeiro em zoológicos, circos, parques de entretenimento e clausuras dentro de reservas particulares. Quase todos foram reproduzidos em reclusão. Infelizmente, apenas uma dúzia deles vive livre na natureza, no território nativo de Timbavati e no Parque Nacional Kruger. Para aumentar esse número, Linda Tucker tem trabalhado para evitar que os raros animais nascidos na natureza sejam aprisionados para participar de programas de reprodução.

Um macho lambe e faz carinho no corpo de sua irmã fêmea  (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Foi na reserva Thandeka que tive a oportunidade de ver esses leões brancos. Apesar de estarem em seu hábitat de savana, os nove animais vivem em dois espaços diferentes, rodeados por altas cercas elétricas. Embora consigam correr e se aventurar no mato e entre as moitas, os felinos não podem caçar suas presas naturais.

Como precisam ser alimentados – e para efeitos legais – considera-se que os leões brancos de Thandeka vivem em cativeiro. Em consequência, e como Thandeka não tem o direito de procriar leões em clausura, os machos foram castrados.

Os animais são lindos e não preciso ser um veterinário para comprovar que estão em excelente saúde. Quando um dos leões abre a boca, sua língua e seus dentes estão em perfeito estado. Mas, o fato de viverem em liberdade controlada – desde o nascimento até o final de seus dias –, me faz pensar nos grandes interesses movimentados pela indústria da vida selvagem e nos negócios que existem por trás das grades.

A saúde bucal de um dos leões brancos de Thandeka é inegável  (Foto: © Haroldo Castro/Época)

Depois de ler alguns capítulos do livro de Linda Tucker e ficar fascinado pelas histórias de interação com esses animais raros, concordo com a marqueteira que se transformou em conservacionista: os leões brancos ainda são mais majestosos quando estão em total liberdade.

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