Após o empate com a Islândia, Messi deixa o campo desolado, em jogo em que até perdeu pênalti (Foto: AFP/FRANCISCO LEONG)
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Copa 2018: por que seleções menores surpreendem na abertura do Mundial

Copa 2018: por que seleções menores surpreendem na abertura do Mundial

Islândia, México e Suíça são times que montaram ferrolhos e atrapalharam os gigantes Argentina, Alemanha e Brasil. A saída até aqui tem sido a bola parada

RODRIGO CAPELO E LEONARDO MIRANDA
21/06/2018 - 14h40 - Atualizado 22/06/2018 17h32

O gol da Suíça surgiu de escanteio em que Miranda não subiu, Alisson não saiu, e a Seleção Brasileira abriu brecha para que o adversário empatasse. 1 a 1. Apesar da frustração para um país que raramente começa uma Copa sem os três pontos, essa foi a regra para outros grandes. A Inglaterra só saiu com a vitória por 2 a 1 sobre a Tunísia porque, também de um escanteio, a bola rebateu e sobrou para a cabeça do furacão Harry Kane. Com um gol de falta de Cristiano Ronaldo no último minuto, Portugal empatou com a Espanha. Dos 38 gols marcados nas partidas de abertura da Copa do Mundo de 2018, 22 foram feitos assim, oriundos da bola parada. Esse é o sintoma mais claro de um novo futebol. Escanteios, cobranças de falta e pênaltis são os principais recursos para seleções que hoje encontram adversários fechadíssimos em suas defesas.

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Mais do que palco para jogadas individuais estonteantes, o futebol moderno é um jogo de preenchimento de espaços e de execução disciplinada de ideias. A Copa provê exemplos. Mesmo equipes menos tradicionais apresentaram desempenhos nocivos às favoritas — versão moderna daquele velho clichê: “Não existe mais bobo no futebol”. A Islândia tirou pontos da Argentina ao empatar em 1 a 1. Um paredão gelado postado à frente da área fez com que os islandeses anulassem magistralmente o gênio Messi. A Suíça se fechou na defesa e atrapalhou ataques do Brasil pela esquerda — lado em que triangulam Marcelo, Neymar e Philippe Coutinho, esse último autor do gol brasileiro. E o México fez um jogo histórico. O time treinado por Juan Carlos Osorio resistiu bravamente e venceu a Alemanha por 1 a 0 num contra-ataque fulminante.

Mais do que palco para jogadas individuais estonteantes, o futebol moderno é um jogo de preenchimento de espaços

Um pouco de tatiquês vai bem para entender o que está havendo nos campos russos. A postura defensiva aguerrida dessas seleções ajuda a entender por que craques de quem se espera muito, como Messi e Neymar, não se apresentaram bem na primeira rodada. As defesas geralmente se posicionam em duas linha de quatro (uma de defensores, uma de meios-campistas) ou em uma linha de cinco defensores protegida por três meias. Elas compõem esquemas famosos, como o 4-4-2 e o 5-3-2. Esquemas que existem há décadas, mas que hoje são executados com uma diferença importante: os jogadores dessas linhas defensivas jogam tão próximos uns dos outros que não deixam mais espaços para atacantes adversários. É aí que Messi e Neymar se dão mal. O argentino gosta de jogar entre as duas linhas (posição que ficou conhecida como falso nove), enquanto o brasileiro curte partir da esquerda para o centro em diagonal, no drible, para finalizar. Nenhum deles achou espaço para jogar diante de seleções pequenas, mas modernas, como Islândia e Suíça.

Se ainda não ficou perfeitamente claro, um jeito de entender o que está acontecendo no futebol da Copa de 2018 é olhar para o handebol. Esse tipo de confronto é comum na modalidade em que se faz gols com as mãos. As defesas fazem paredes na frente da área, em esquemas como o 6-0, e forçam ataques adversários a girar a bola de um lado para o outro atrás de espaços para driblar e finalizar. “A ideia é ter mais gente no setor onde está a bola para evitar os confrontos um contra um”, resumiu Álvaro Casagrande, supervisor da Seleção Brasileira feminina e técnico do São Bernardo, consultado por ÉPOCA para comparar os jogos táticos do futebol e do handebol. Quando um defensor no handebol rouba a bola do atacante adversário, ele parte em velocidade para o outro lado da quadra e tenta marcar enquanto a defesa rival se organiza. A diferença está nas dimensões da quadra e do campo e no dinamismo do jogo. Mas o conceito é o mesmo. Ele explica como o México conseguiu segurar a Alemanha, contra-atacar e ganhar.

A Rússia venceu o Egito e a Arábia, tornando-se a seleção com maior número de gols na primeira semana da Copa (Foto: AGÊNCIA O GLOBO)

Esse cuidado minucioso com posicionamento e preenchimento de espaços teve como referência o técnico espanhol Pep Guardiola, campeão de tudo com o Barcelona entre 2008 e 2012, cujas ideias também foram aplicadas pela Espanha que venceu o Mundial em 2010 e pela Alemanha de 2014. Xavi Hernández — meia que jogou o fino da bola com a seleção espanhola, hoje consultor dos xeiques catarenses na organização da Copa de 2022 — contou em entrevista recente ao estrangeiro El País que nunca havia treinado uma cobrança de lateral em um treinamento antes de ser dirigido pelo técnico espanhol. “Ele te orientava até nisso: quando o outro time ia bater um lateral, todo mundo estava posicionado. Às vezes o adversário dizia: ‘Caramba! O que aconteceu? Não tenho espaço para cobrar o lateral!’. Guardiola tinha tudo controlado.” O controle extremo se multiplicou e hoje é aplicado até pelas seleções pequenas.

A tecnologia também tem seu papel no jogo visto nos campos russos. Ao mesmo tempo em que federações nacionais investiram em departamentos de análise de desempenho para esmiuçar o jogo, softwares que compilam, organizam e fornecem dados sobre os jogos se disseminaram. Antes ocupados por palestras motivacionais e brincadeiras descontraídas entre atletas e comissão técnica, os momentos imediatamente anteriores ao jogo são usados por treinadores para aquela mensagem final do que fazer em campo, geralmente amparadas por vídeos que mostram movimentos milimétricos e dão base para a lição do professor. Tite, cuja comissão técnica no Corinthians mandava mensagens de WhatsApp para seus jogadores com instruções individuais, levou esse tipo de conhecimento para a Seleção. Assim fizeram outras nações.

O posicionamento minucioso foi importado por seleções do mundo todo e tornou a Copa de 2018 a mais tática de todos os tempos. Tirando uma Arábia Saudita aqui e um Panamá ali, as seleções estão niveladas física e taticamente por cima. Em que outro momento Islândia, Suíça e México foram tão bem — concomitantemente com aparições medíocres de Argentina, Brasil e Alemanha? Isso porque quase todo mundo aprendeu a fazer uma boa retranca. Meses antes da Copa, Xavi fez essa avaliação quase profética do que veríamos nos campos russos. Disse ele que o futebol atual tem muito mais Simeones do que Guardiolas. Além do ex-técnico do Barça, a referência é ao argentino Diego Simeone, que à frente do Atlético de Madrid preparou o antídoto a essa estratégia, um ferrolho defensivo combinado a contra-ataques rápidos e letais. Foi o contraponto entre essas duas escolas a grande marca deste início de Copa na Rússia. Com vantagem, até aqui, para quem soube aplicar a ideia de jogar atrás e vencer no detalhe.








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