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Joanna Maranhão: nas águas turvas da intolerância

Joanna Maranhão: nas águas turvas da intolerância

Eliminada da Olimpíada, a recifense Joanna Maranhão foi obrigada a lidar com ofensas e xingamentos nas redes sociais. Não deixou barato

BRUNO FERRARI
18/08/2016 - 21h30 - Atualizado 19/08/2016 15h05
João Maranhão nadadora brasileira (Foto:  MARTIN BUREAU/AFP)

Cinco centésimos. Foi o tempo que faltou para a nadadora Joanna Maranhão conseguir a vaga na semifinal dos 200 metros medley na segunda-feira, dia 8. O resultado negativo motivou uma onda de críticas e ofensas nas redes sociais, como já ocorrera com a judoca Rafaela Silva em 2012. Ao ler as mensagens, Joanna chorou. “Não sabia que a coisa estava tão pesada. Não sou uma ‘supermulher’, e aquilo mexeu comigo”, disse a recifense. Na terça-feira, ela enfrentaria outro revés – desta vez nos 200 metros borboleta. Joanna, de 29 anos, tinha duas tristezas: a eliminação da Olimpíada em seu país e a selvageria dos que a ofendiam, abrigados no meio digital. Ao sair da piscina, desabafou: “Não gostarem do meu rendimento é um direito. Mas desejar que eu seja estuprada, que a minha mãe morra, que eu me afogue e falar que a história da minha infância eu inventei para estar na mídia... isso ultrapassa qualquer limite”, disse. Em 2008, ela acusou um  ex-técnico de tentar estuprá-la quando ela tinha 9 anos.

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A Olimpíada do Rio de Janeiro foi a quarta de uma carreira irregular – para o padrão altíssimo de atletas olímpicos, diga-se. Seu melhor resultado foi em 2004, em Atenas, com o quinto lugar nos 400 metros medley aos 17 anos, a melhor posição de uma nadadora brasileira em Jogos Olímpicos. Ela ganhou oito medalhas em Pan-Americanos. Mas é a vida turbulenta de Joanna fora das piscinas que parece animar os ataques digitais covardes.

Além do trauma de infância tornado público, a atleta enfrentou episódios de depressão que a levaram a tentar o suicídio. Teve crises de pânico antes de provas decisivas. Em Londres, sofreu um mal súbito e não competiu. Em 2014, chegou a anunciar a aposentadoria.

De volta à boa saúde física e psicológica, Joanna fez um bom ano de 2015. No Pan de Toronto, baixou o tempo de Atenas nos 400 metros medley depois de 11 anos de tentativas. Ao mesmo tempo, tomou posições políticas públicas. Criticou a proposta de reduzir a maioridade penal, usou as redes sociais para apoiar a presidente afastada, Dilma Rousseff, e criticou políticos reacionários. “(Na Olimpíada) vou defender o meu país, mas não essas pessoas que batem palma para Feliciano, Bolsonaro, Eduardo Cunha e Malafaia. Não são vocês que estou representando”, afirmou. As opiniões a transformaram em alvo. Em São Paulo, chegou a ser chamada na rua de “vagabunda petista”.

A nadadora deixou em aberto se a Olimpíada do Rio é sua última ou se tentará ir a Tóquio em 2020.  Fora das piscinas, Joanna dedica-se à ONG Infância Livre, fundada por ela em 2014, para ajudar crianças vítimas de abuso sexual. Nas redes sociais, ela critica o racismo, a misoginia e a homofobia, o que a levou a ser tachada de hipócrita. Na semana passada, grupos de detratores devassaram seu histórico nas redes e descobriram mensagens agressivas contra grupos que ela hoje defende. “Por que tem tanta mulher vagabunda neste mundo?”, escreveu em 2011 no Twitter. Em outra ocasião, ela fez uma piada sobre a homossexualidade do cantor Freddie Mercury.

Alguns agressores relacionaram o resultado de Joanna nos Jogos a sua atuação política nas redes sociais. Outros usaram a piada homofóbica feita pela atleta há cinco anos como pretexto para desejar que ela fosse estuprada (difícil imaginar que o autor desse tipo de ataque seja, ele próprio, um defensor da igualdade). Na competição pela estupidez nas redes sociais, essa turma vai ao pódio.

Joanna usou o Facebook para pedir desculpas. “O Brasil ainda é um país cheio de preconceito e com grandes dificuldades de respeitar as diferenças. Isso faz parte da nossa cultura, e crescemos sob a influência dela. Não sou exceção”, escreveu. “Felizmente, hoje eu mudei minha forma de pensar e ver o mundo.”








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