Conseguiremos ser rápidos o suficiente para frear o aquecimento global?

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Não há como frear o aquecimento global num estalar de dedos. Se amanhã mesmo todas as pessoas do mundo parassem de queimar combustíveis fósseis, o calor armazenado ainda continuaria aquecendo a atmosfera.

Para entender isso, basta pensar na forma como um radiador aquece uma casa. A água é aquecida por uma caldeira e circula pelas tubulações e radiadores. Os radiadores conduzem o calor para o ambiente e o ar da sala fica aquecido. Mas, mesmo depois que a caldeira é desligada, a água já aquecida continua circulando pelo sistema, aquecendo a casa. Os radiadores até podem estar, de fato, esfriando, mas o calor armazenado ainda vai aquecer o ar por algum tempo.

Esse fenômeno é conhecido como aquecimento comprometido. Da mesma forma, a Terra também tem suas maneiras de armazenar e de liberar calor.

Pesquisas em andamento estão refinando a compreensão dos cientistas sobre como o aquecimento comprometido da Terra afetará o clima. Antes, pensávamos que levaria 40 anos ou mais para a temperatura do ar da superfície do planeta atingir seu pico, depois que os humanos parassem de aquecer o planeta. Agora, a pesquisa sugere que a temperatura pode atingir esse pico mais rapidamente, em cerca de 10 anos.

Mas isso não significa que em uma década o planeta retornará ao clima pré-industrial, ou que evitaremos efeitos perturbadores, como o aumento do nível do mar.

Sou professor de ciência do clima e minha área de pesquisa e ensino se concentra na usabilidade do conhecimento climático por planejadores urbanos, profissionais de saúde pública e formuladores de políticas. No início de abril, tendo em mãos um novo (e aguardado) relatório sobre a mitigação das mudanças climática lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, pude fazer uma reavaliação do quadro geral.

PICO DE AQUECIMENTO

Historicamente, os primeiros modelos climáticos representavam apenas a atmosfera e eram bastante simplificados. Ao longo dos anos, os cientistas adicionaram oceanos, terras, camadas de gelo, informações de química e de biologia.

Novas pesquisas sugerem o pico de aquecimento  do  planeta pode ser atingido em cerca de 10 anos.

Os modelos de hoje podem representar mais explicitamente o comportamento dos gases de efeito estufa, especialmente do dióxido de carbono. Isso permite que os cientistas separem melhor o aquecimento devido ao dióxido de carbono na atmosfera do papel do calor armazenado no oceano.

Pensando novamente em nossa analogia com o radiador, concentrações crescentes de gases de efeito estufa na atmosfera da Terra mantêm a caldeira ligada – mantendo a energia perto da superfície e elevando a temperatura. O calor se acumula e é armazenado principalmente nos oceanos, que assumem o papel de radiadores. O calor é distribuído em todo o mundo através do clima e das correntes oceânicas.

O entendimento atual é de que, se todo o aquecimento adicional ao planeta causado por humanos fosse eliminado, a Terra atingiria um pico de temperatura do ar em cerca de 10 anos. É importante notar, porém, que este é apenas o pico, o momento em que a temperatura começa a se estabilizar, e não o início de um resfriamento rápido ou de uma reversão das mudanças climáticas.

Precisamos olhar com cautela os resultados dessa nova pesquisa, pois a incerteza ainda é grande. Não há motivos para exagerar no otimismo. Para começar, os autores aplicaram o conceito de aquecimento de pico à temperatura do ar da superfície. A temperatura global do ar na superfície é, dentro da nossa metáfora do aquecimento doméstico, a temperatura na “sala”, e essa não é a melhor medida da mudança climática.

Além disso, o conceito de cortar instantaneamente o aquecimento causado pelo homem é idealizado e totalmente irreal. Fazer isso envolveria muito mais do que apenas acabar com o uso de combustíveis fósseis. Um corte abrupto exigiria mudanças generalizadas na agricultura – e, ainda assim, apenas ajudaria a ilustrar como partes do clima podem se comportar.

o conceito de cortar instantaneamente o aquecimento causado pelo homem é idealizado e totalmente irreal.

Para piorar, mesmo que a temperatura do ar chegasse ao pico e se estabilizasse, o “derretimento irreversível do gelo”, o “aumento do nível do mar já comprometido” e inúmeras outras tendências terrestres e biológicas continuariam a evoluir a partir do calor acumulado. Alguns deles podem causar a liberação de dióxido de carbono e metano, especialmente do Ártico e de outros reservatórios de alta latitude que estão atualmente congelados.

OCEANOS DO FUTURO

Os oceanos continuarão a armazenar calor e a trocá-lo com a atmosfera. Mesmo que as emissões parassem, o excesso de calor acumulado nos mares desde os tempos pré-industriais influenciaria o clima pelos próximos 100 anos ou mais.

Como o oceano é dinâmico e tem correntes, ele não devolverá simplesmente o excesso de calor à atmosfera. Haverá altos e baixos, na medida em que a temperatura for se ajustando.

Os mares também influenciam a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, porque é lá que ele é absorvido e emitido. Estudos paleoclimáticos mostram que, no passado, ocorreram grandes mudanças no dióxido de carbono e na temperatura, e que os oceanos desempenharam um papel importante nessas mudanças.

Crédito: Karina von Schuckman/ LiJing Cheng/ Matthew D. Palmer/ James Hansen/ Caterina Tassone e outros/ CC BY-SA

USO DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS

A possibilidade de que uma intervenção política possa ter impactos mensuráveis ​​em 10 anos, em vez de daqui a várias décadas, poderia motivar esforços mais agressivos para remover dióxido de carbono da atmosfera. Seria muito satisfatório ver essas intervenções gerando benefícios reais e no presente, em vez de conceituais e no futuro.

No entanto, os países não estão nem perto de acabar com o uso de combustíveis fósseis. De fato, todas as evidências apontam para a humanidade experimentando um rápido aquecimento global nas próximas décadas.

Nossa descoberta mais robusta é que quanto menos dióxido de carbono for liberado, melhor será para a humanidade. O aquecimento comprometido e o comportamento humano apontam para a necessidade de acelerar os esforços, tanto para reduzir as emissões de gases de efeito estufa quanto para se adaptar agora a este planeta em aquecimento .


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