Antes de explicar o título do post, preciso
dizer que eu não amo nem odeio o Neymar. O que vou escrever aqui não passa pelo
meu juízo de valor do craque brasileiro, que voltou a atrair muitos holofotes
por conta de uma rara entrevista recente e da semifinal da Champions League entre o Paris Saint-Germain e o Manchester City.
Pense em jogadores odiados ao longo da história
do futebol. Há uma lista enorme de grandes atletas que são admirados pelo
talento ou pelo sucesso esportivo mas que são execrados por grande parte do
público. Neymar certamente está em um posto nobre nessa lista. Mas quais são os
motivos que levam as pessoas a detestar essas figuras?
Fiz uma breve pesquisa na internet sobre os “most
hated players” (os jogadores mais odiados). Peguei uns 60 nomes apenas da
história mais recente do futebol. Os mais antigos dessa lista são João Morais,
defensor que caçou Pelé na Copa de 1966, Schumacher, goleiro da Alemanha que
quase matou o francês Battiston na semifinal da Copa de 1982, e Maradona, um
gênio da bola que se envolveu em inúmeras polêmicas dentro e fora de campo.
De Bruyne e Mahrez marcam, City vira sobre o PSG e larga na frente na semi da Champions League; veja como foi
Violentos
Destaco então uma primeira categoria para odiar jogadores: a violência. João Morais e Schumacher claramente se enquadram nesse quesito. Hoje, um grande símbolo de jogador detestado por ser violento é Sergio Ramos, capitão do Real Madrid. Minha irmã mais velha, torcedora do Liverpool, nunca vai perdoá-lo pelo que ele fez com Salah. De Jong, Effenberg, Gentile, Materazzi, Pepe, Simeone e vários outros marcadores viris ganharam antipatia de muitos por esse estilo mais bruto.
Neymar, óbvio, não está no grupo dos
jogadores violentos. No Brasil, alguns atletas marcados por entradas muito
duras são Chicão, Cocito, Darci, Dinho, Pablo Forlán (uruguaio) e até Pelé, que
causou algumas fraturas em adversários, como Procópio e Willi Giesemann. Tive
contato com essas duas vítimas do Rei, e as marcas vão muito além das
cicatrizes. Como comentarista, eu lembro bem do ódio que o tosco Shawcross,
ex-jogador do Stoke (“Stosko City”), gerou ao fraturar Ramsey.
Maradona deu algumas entradas duras também,
mas o ódio que ela desperta tem várias motivações. Tem gente que o abomina
porque ele é ídolo argentino (brasileiros o enxergam naturalmente como rival),
porque ele é comparado com Pelé (adoradores fervorosos do Rei não admitem isso
e tentam rebaixar o 'concorrente') e porque ele tomava posições muito claras
sobre vários assuntos, incluindo a política (quem é de direita não o curte).
Schumacher, ex-goleiro da Alemanha, dá voadora em Battiston na semifinal da Copa de 1982
Getty Images
Questões políticas, marrentos, traíras...
Neymar já desperta antipatia de muitos por
questões políticas. Ele é o único craque de um país que ficou muito polarizado
nos últimos anos. Alinhado com Bolsonaro, o jogador do PSG passou imediatamente
a ser visto de forma torta por muitos esquerdistas, inclusive na mídia. Um
outro exemplo que posso citar dessa categoria de atleta detestado por seu posicionamento
é Piqué (não confundir com Piquet, também próximo de Bolsonaro). O defensor do
Barcelona defende a independência da Catalunha e leva vaia em vários cantos da
Espanha.
Uma outra categoria de odiados é a dos marrentos. Ibrahimovic talvez seja o exemplo mais clássico de atleta egocêntrico, que se acha. Mas Cristiano Ronaldo incomoda bastante gente há tempos, segundo ele mesmo, por ser “rico e bonito”. Balotelli é visto também como uma figura nessa linha estilosa e provocadora. Beckham sempre foi humilde, mas tinha gente que não gostava dele por supostamente ser “mais marketing do que bola”. Curto todos esses caras e acho que são vítimas de um certo preconceito (por serem belos ou politicamente incorretos).
Rodrigo Bueno colocaria De Bruyne à frente de Neymar em possível disputa: 'Sério candidato à Bola de Ouro'; assista
Neymar também é um pouco malvisto por ser
marrento. Boa parte dos adversários que o caçam é porque veem nele, além de um
jogador extremamente habilidoso, um tom debochado, provocador, superior. O
jeito moleque com “ousadia e alegria” algumas vezes humilha o oponente. Já na
época do Santos o craque brasileiro mostrava essa faceta de “monstro” que
encanta por um lado mas que causa ojeriza por outro.
Há uma outra famosa categoria de jogadores
odiados: a dos traíras. Torcedores, em especial, abominam essa turma. É o caso
de Figo, que trocou o Barça pelo Real Madrid, o de Ashley Cole, que virou Chelsea
depois de ser Arsenal, ou mesmo de Tevez, que pulou do Manchester United para o
Manchester City. Quem chifra companheiro fica ainda mais queimado como traidor.
Podemos citar aqui Icardi e Terry, por exemplo.
O sueco Ibrahimovic, símbolo de jogador mascarado, é amado e odiado por muitos mundo afora
Reprodução
Neymar saiu de forma meio torta do Santos, ele se acertou com o Barcelona antes mesmo da decisão do Mundial de 2011. Imagino que muitos santistas não o perdoam por isso, mas ele não foi para o Corinthians, para um rival. Talvez jogue no Palmeiras ou no Flamengo no futuro, mas a pecha de traidor não cola em Neymar (não sei se ele já traiu algum companheiro). No Brasil, Bebeto virou um exemplo de atleta que gerou desgosto por ir diretamente para um rival (do Flamengo para o Vasco).
Simuladores
Na categoria de simulação, algo que desperta colossal
raiva na Europa, Neymar é top. A Copa do Mundo de 2018 globalizou demais a
imagem de cai-cai do brasileiro. Desde muito cedo, o Reino Unido contestava a
figura de Neymar por suas quedas frequentes e cinematográficas. Isso foi
resgatado agora por Liam Gallagher, vocalista emblemático do Oasis e torcedor
do Manchester City. “Expulsa esse cai-cai”, bradou Liam em suas mídias.
Muitos sul-americanos carregam fama de
simuladores para o futebol europeu. Luis Suárez é um bom concorrente para Neymar.
E o uruguaio, além desse lado ator bastante aguçado, ainda é odiado pela
violência, sobretudo com suas mordidas. Mas até o espanhol Busquets, com sua
discrição, também ganhou fama de simular por rivais do Barcelona.
No Brasil, ainda mais antes do VAR, simulação
é muito parte do jogo. Então eu poderia citar aqui dezenas de exemplos de 'cai-cai'.
Melhor não perder tempo com isso. Você certamente tem sua lista favorita de
simuladores, para o bem e para o mal. O fato é que um dos maiores erros de
Neymar foi não entender que em outros países isso é quase um crime mortal. O
dano à sua imagem com simulação foi enorme. Difícil desassociar isso dele
agora, mesmo nesta fase de 'Adulto Ney' (que eu não acredito).
O argentino Icardi ficou com fama de traidor por se envolver com Wanda Nara, ex-mulher de Maxi López
Reprodução/Instagram
Neymar em três categorias
Se minhas contas não estão erradas, eu citei cinco
categorias de jogadores odiados neste post: violentos, politicamente
incorretos, marrentos, traidores e simuladores. Imagino que Neymar só não seja visto
como violento e traidor, embora colecione algumas expulsões e até soco em torcedor,
coisas que poderiam entrar na área do descontrole emocional e violência mesmo. Certamente
tem gente ganhando dinheiro para trabalhar a imagem de Neymar e vendê-la. Será
que estão fazendo bom papel?
Neymar, que ganhou rejeição global muito pela fama de simulador, cai em um jogo do Paris Saint-Germain
Getty Images
A melhor propaganda de Neymar sempre foi seu descomunal e inegável talento. A coletiva de Guardiola falando sobre ele merece ser gravada por todos os 'Neymarzetes'. “É uma alegria ver Neymar jogar. Como espectador, me divirto muito toda vez que o vejo. É legal ver a plasticidade do estilo dele e sua personalidade. Ele tem o Brasil nas costas. Não é fácil vestir a camisa 10 da seleção brasileira. Desejo que Neymar tenha estabilidade, não tenha mais lesões, que possa jogar com uma regularidade que não foi possível por diversos motivos.”
Ouvindo isso de Guardiola, voltei a imaginar
o que seria de Neymar e da seleção brasileira se a CBF tivesse feito a coisa
mais óbvia desde antes da Copa de 2014: contratar o espanhol para ser seu
treinador. “Antes daquela partida (Barcelona x Santos em 2011), lembro de
mostrar 15 vídeos de Neymar e disse aos jogadores: ‘É o rei do Santos’. E todos
ficaram assim, boquiabertos e disseram: ‘meu Deus, que jogador’. Eu sou um
grande admirador dele. Acho que ele faz o nosso futebol ser melhor.”
Tirando a afirmação de que Neymar é o rei do
Santos (Rei é o Pelé), concordo totalmente com Guardiola. Eu não tenho nem 1%
do talento de Neymar para jogar futebol, mas me identifico um pouco com ele.
Nas minhas peladas, eu era marrento, fominha, mascarado. Despertei sim a admiração
de alguns com a minha bolinha, mas sei que muitos dos caras que enfrentei me
detestavam, inclusive alguns colegas de equipe devem ter raiva porque não receberam
um passe ou porque eu pensei às vezes mais nos meus gols, na artilharia, em
termos individuais.
Assim como Neymar, eu não sou bom em
amadurecer. Casei, tive filhos, virei um profissional experiente, mas continuo
fazendo as mesmas coisas que fazia quando era adolescente. E sou muito feliz
assim. Poderia ter sido um jornalista melhor, um jogador melhor, uma pessoa
melhor. E eu ainda posso ser, basta efetivamente desejar isso (exceção feita à
parte de jogador, não dá mais).
Neymar não deve ter sido sincero quando disse
que não pensa em ser Bola de Ouro, mas ele pode sim ser o melhor do mundo. Todo
mundo sabe disso, inclusive o Guardiola.
Seria bom o Neymar ouvir tanto o Guardiola quanto o Liam Gallagher. Assim, ele poderá entender os diferentes sentimentos que ele desperta nas pessoas, a razão para que tantos o amem e para que outros tantos o odeiem. Assim, ele poderá ser um jogador melhor, uma pessoa melhor.
Neymar recebeu 15 votos como melhor do mundo em 2017 e ficou em terceiro lugar no prêmio The Best, da Fifa
Getty
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