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Zéus Wantuil e Francisco Thiesen VOLIE nterpretacao ) ZEUS WANTUIL FRANCISCO THIESEN ALLAN KARDEC Pesquisa Biobibliografica e Ensaios de Interpretacao VOLUME 11 ITA BRASILEIRA ‘0 EDITORIAL e, 17 20941 — Rio-RJ — Brasil Av, Le? Norte — Q. 603 — Conjunto F 70830 — Bresille-DF — Brasil 1 {INDICE GERAL ANALITICO Introdugao A faguiha da renovacko 1, Os acontecimentos de Hy sville, em 1848. — 2. As smesas girantes e dancantes>. — 3, Da diversio aos estudos sérios, — 4. H. L. D. Rivail, educador, estuda os fatos. — 5, O Missionério-chefe da Doutrina Espirita. —6. Allan Kardec — 18 de abril de 1857 — «Le Livre des Esprits». — 7, A data maxima do Espiritismo e a ussdo causada por «O Livro dos Espiritos». — irew Jackson Davis. — 9. Louis Alphonse Cahag- net, — 10, Allan Kardec, . — O Espiritismo nao é esta- cionario nem imutavel. — Rufdos noturnos em Poitiers — «Epidemia de Morzine»: obsessao coletiva? — O zuavo Jacob. — Daniel D. Home, 0 médium, — Mercantilizacio da mediunidade nos E.U.A. — Os irmaos Davenport. — Emilie Collignon. — 12. Allan Kardee e a reencarnacio, — Ante essa doutrina, Kardec revela-se surpreso ¢ con- trariado; a final aceitagao dela pelo Codificador. — Noticia de um negociante de New York. — Novas consideracdes sobre a reencarnacéo. — Distingdo que faz, quanto & Doutrina Espirita, entre o que é aceito nos E.U.A. e na RADAAARALARAAAARARARARRRER ARE Europa, — Preferiveis as consoladoras comunicagées aos prodigios dos médiuns americanos — A moral consola, melhora; os fenémenos maravilham. — O progresso moral aproxima dos designios de Deus. — 13. O fim do Espiri- tismo, — Instrucao dada pelo Espfrito de Sdo Luis. — «Que entre vés se compreenda, se ame.. — N&o permanecer no a-bé-cé das mesas girantes. — Comentarios de Allan Kardec. — A Doutrina Espirita demonstra os principios fundamentais da religiéo. — Estabilidade do Espiritismo: fatos e teoria. — A imutabilidade do principio. — O futuro cabe aos espiritas Nos primérdios do Movimento 1. Alguns tracos do earéter do mestre da Codificagéo. — 2. Polémicas. — Controvérsias e discussées. — Anta- gonistas de mé-fé. — Polémica uitil. — 3. , — Arvorai bem alto a divisa: «Fora da Cari- dade...» — Uma quarta parte das tarefas: a correspon- déncia, — Sozinho para fazer tudo Alocugio de 6-10-1865 na Sociedade de Paris. — A humildade de Kar- dec, — Recomendava: «Coragem e Perseveranca!» — 5. A correspondéncia de Allan Kardee. — Vasto campo experimental (como o era a RS). — Histérico de uma dk vulgacao (Paul Bodier). — Estratégia na acdo de Kardec. — Inscreveu voluntarios para futuras jornadas. — O pro- gresso 6 um parto laborioso, — Vasto repositério da Histéria do Espiritismo moderno. — 6, As viagens espi- ritas de Allan Kardec: anos de 1860, 1861, 1862, 1864, 1866 e 1867. — Amplos esclarecimentos doutrindrios e praticos do Espiritismo, em reuniées na Franca e paises limitrofes. — O largo e profundo alcance de suas palavras. i i 187 Intolerancia e perseguicdes . 99 Falam do que igno- 1. Criticas gerais as idéias novas. ram, — Dar tempo as idéias, como aos frutos, para amadurecerem. — Os adversirios revelam o gran de importéncia do Espiritismo, — Sua influéncia sobre a ordem social, — Adesio do juiz Bonnamy. — Duas espé- cies de critica. — Acreditar em alguma coisa ou a incre- dulidade? — .... — Quem € 0 critico série? — Privilégio das injérias e con- trovérsias sem objetivo. — Os que virdo por si mesmos. -— _Livre-pensamento e livre-consciéneia: «machine & croires, — A ponta da corda... — Uma nova fé cega substituindo outra £ cega? — 0 «Poder do Ridiculos. — 2. Intrigas, provocagdes e desafios. — Homem sem am- bigbes. — O triunfo da Verdade, venha de onde vier. — ~ Emprego de fundos. — «Cais Os milhdes do Sr. Allan Kardee». — Desceu a escada da riqueza, quando podia muito bem té-la subido. — — Os verdadeiros fins da Sociedade de Paris. — Nao sabem o gue dizem... — 3. Ataques ao Espiritismo: perseguices A Doutrina e seus adeptos. — . — Falsos membros da SPEE. — A . — ‘Moderacdo nas palavras. — Padres A, Barricaud, de Lifo, e Delaporte, de Bordéus, em seus cursos de Espiritismo. — 0 bispo de Langres; 0 monsenhor Pantaleén Navarro, de Bareclona. — O acontecimento importante com o eapelio do rei da Holanda. — Espides de $. Petersburgo. — Ma- nobras surdas: nova tatica dos inimigos. — Os judas do Espiritismo. — «Novo e definitivo enterro do Espiritismo», — a verdade comprovada ou comprovavel —, devemos declarar que de:modo algum desprezamos as tradigdes vivas, encontra- digas junto dos que participaram meis ou menos demorada- mente da intimidade de Kardec, das suas atividades pessoais, do esforgo do pioneirismo, do contacto com os trabalhadores da primeira hora. E essa é uma dentre as muitas raz6es por que inserimos neste livro resumos e quadros biogréticos dos inte- rer! grantes da equipe que se possa considerar na contemporanel- dade da Codificagao, no século passado. 7. Extensao de alguns temas; descrigdes sem rigidez, sem abuso de terminologias técnicas | Tanto quanto no primeiro volume Zéus Wantuil sentiu ne- \ cessidade de estender-se minuciosamente sobre Pestalozzi € i algumas probleméticas caracteristicas daquela época, na Franca, praticamente ignoradas nos dias que correm, também tive de deter-me em certos assuntos, dando-lhes atengao especial, a \ bem da clareza expositiva e da inteligibilidade das conciusées. Isto posto, preocupamo-nos em imprimir & Ieitura um caré- ter ameno, agradavel, fugindo, sempre que possivel, na parte descritiva, & rigidez, téo comum nas obras de pesquisa, e ao | abuso das palavras rebuscadas ou das terminologias excessiva- | mente técnicas. | Por outra parte, despreocupamo-nos da observancia aos | c&nones da cronologia, quando desnecessérla nos pareceu tal observancia. Preferimos, geralmente, reproduzir textos, alguns longos, { de autoria do préprio Kardec, transcrevendo-os da “Revue Spirite” e de livros do Codificador, preservando a precisao e } fidelidade que as nossas préprias palavras talvez néo conseguis- sem refietir, na transmissao dos pensamentos que elas encerram. | 8 Criticas e perseguigdes; incursées em pontos © questées que ultrapassam os limites de sentido especificamente biobibliogréfico A guisa de alertamento e estimulo & prudéncia e vigiléncia 0 Movimento Espirita, foram exaustivamente examinados os problemas ligados as criticas em geral, caltinias e perseguigdes a adeptos ¢ instituigdes do Espiritismo. Ao contrério da linha seguida mais rigorosamente no pri- meiro volume, da primeira fase da vida de H.L.D. Rivail (nao espirita), nos seguintes ndo nos cingimos as questdes de natu- reza biobibliogrética, sem com isso pretendermos ter estudado em profundidade o universo da obra de Allan Kardec, Quisemos, entretanto, aditar observacées especiais aos pontos em que a vida de Kardec e suas realizagées litero-doutrinarias do Espiri- CAAAARARAAARAARARARARARAM ee asanna a tismo permeiam com aspectos altamente relevantes da Codifi cacao, quer quando tais pontos sejam do nosso conhecimento por via de documentagéo histérica irrecusével, quer quando oriundos de fontes da mais pura tradigao. TL — Reflexdes em torno do pensamento de Kardec 1. Imenso preparo humanistico Vimos a saciedade, no primeiro volume, que H.L. D. Rivail tivera uma formacao humanistica e humanitarista a altura das exigibilidades das ingentes tarefas que Ihe foram cometidas pelo Alto. E intuitive, ademais, que na Espiritualidade Superior e em vides pregressas ele se investira de quantas qualidades intelectuais e morais the adornavam o Espirito. Era tao evo- luido em sabedoria e amor, que os Invisiveis 0 qualificam de Apéstolo da Fé, Pontifice da Luz, Lucido Apéstolo de Jesus. Operando, no entanto, no campo vasto da Codificagao do Espiritismo, Allan Kardec sofria as compreensiveis limitagdes que a condigéo humana, segundo Ieis inviolaveis, impdem aqueles que vestem a indumentéria carnal. Instruido e educado na escola de Pestalozzi, haurindo as idéias, pensamentos @ ensinos mais avangados reservados & juventude do primeiro quartel do século XIX, na Suiga e na Franga; familiarizando-se com o magnetismo e o sonambulismo, por cerca de trinta e cinco anos; exercendo o magistério, ela- borando manuais didaticos, traduzindo livros, sofrendo insuces- sos empresariais; submetendo-se ao exercicio profissional em diferentes empregos, para assegurar a prépria subsisténcia, dedicando-se @ escrituragao de livros contébeis; instruindo gratuitamente os menos aquinhoados estudantes de Paris, pro- duzia sempre, avancave nos préprios estudos, aprimorava seus recursos intelectuais e morais. Nao descera & Crosta Plane- tarla como potentado, nem se Ihe reservar privilégio algum, para cumprir uma das mais excelsas miss6es, por delegagao do Cristo de Deus, de que se tem noticia nos fastos da His- téria, em todos os tempos. Ao contrério, teria de ombrear com 08 seus irméos em Humanidade, néo somente com os que ele, mais adiante, sinceramente chamaria de “Caros Irmaos Espi- ritas"'; deveria conhecer, funtamente com sua esposa — Amélie | Boudet, Mme. Allan Kardec —, os percalgos da existéncia, as dores, desilusées, decepgées, caldnias, ingratidées e todo um elenco de proves espinhosas, a que ninguém se forra nesta vida, mas em proporgées compativeis com o seu grande © generoso coragéo. 2. Mente aberta, progressista, atualizada Kardec caracterizava-se — ele proprio o dissera — pelo pensamento frio, analitico, sem arroubos de entusiasmos; néo era um poeta. Raciocinava com profundidade e esmiugava todas as questées, mas sabia ser sintético, e aberto como o préprio horizonte. Era dono, virtualmente, do saber e das virtudes de um sabio. Abarcava os jé muito amplos conhecimentos da época, que, no entanto, nele nao exciuiam as altas reservas morais espirituais, de longas eras amealhadas, que iriam re- presentar no seu mundo intimo a Luz poderosa que guia a ret conduta, 0 espirito de humildade e de ilimitada idoneidade para ser escolhido, eleito pelo Espirito da Verdade, na condigao de preferido entre os demais, a fim de articular-se com as Esferas Invisiveis e os Mensageiros do Governo Espiritual do Planeta, no estabelecimento dos fundamentos terrenos da Doutrina dos Espiritos. Precisaria ser suficientemente receptivo, sensivel as vibra- g6es de Excelsas Entidades Espirituais desencarnadas, Revela- doras @ Orlentadoras, encarregadas de pactuarem com ele as diretrizes basicas do intercmbio particularissimo que se inicia- ria entre o Céu @ a Terra, depois de principiado o estudo das manifestagdes @ comunicagdes dos Espiritos. Ser-Ihe-ia igual mente indispensavel saber cumprir 0 duplo papel de mestre- -escola @ de missionario-chefe do Espiritismo. O trabalho era dos Espiritos e do seu instrumento humano. Muitos coopera- riam, em vérios setores @ cidades terrenas. Mas ele, Kardec, estaria, do lado de c, com a administragéo e a responsabili- dade das decisées finais, a risco seu, néo como cego oum- pridor de instrugées e ditados mediunicos. Haveria de submeter ao crivo da razao, da 16 raciocinada, verdadeiras piramides de papéis; dirigiria um periddico, de que seria ele proprio o redator (“Revue Spirite"), tundando também uma associagao, que pre- sidiria, enquanto vivesse (“'Société Parisienne des études Spi- ATAAAARAAALAARARARARARARARAARA eee rites"); escreveria @ reescreveria importantes livros e optisculos; viajaria varias vezes, visitando 0 Movimento Espirita que nas- cera em seguimento as primeiras divulgagées doutrindrlas, na Franga e circunvizinhangas; receberia e visitaria gente simples ou eminente, da época; falaria em reunides ¢ escreveria em jornais, esclarecendo e refutando criticas e acusagdes. E nao esqueceria de deixar, como Legado seu ao Porvir, anotagdes, sugestdes e planos diversos de trabalho, de empreendimentos, alertas constantes, definigées atualizadas e quanto Ihe pare- cesse poder constituir-se em aprimoramento a doutrina e & pré- tica do Espiritismo. 3. Intensive aproveitamento do tempo Espirito consciente e responsdvel, aceitando solenemente © encargo que Ihe fora contirmado pelo Espirito Verdade, me- dindo num relance todas as conseqtiéncias da decisao livre- mente tomada, doou-se a sublime realizagéo em perspectiva, buscou a plenitude da identificagao com 0 Senhor e, conhe- cendo que o tempo urgia, que néo eram téo longos os anos de vida fisica disponiveis para tudo preparar, organizar e fazer, entregou-se ao trabalho dificil e penoso, por quatorze anos con- secutivos, até & desencarnagao. O Espiritismo fei — como es- creveria mais tarde — “a obra da minha vida”. Bem informado do que se passava no mundo — pols rece- bia jornais e recortes de periddicos de toda parte —, mantinha- -se em comunicagao, pela “Revue Spirite” e por via epistolar, com os nucleos de recepeao de ditados meditinicos, jornalistas, escritores, homens ptiblicos, magistrados e nobres da sua época, sem desourar da auscultagao © atendimento as necessidades dos “filhos do Calvario”, com os quais sentia-se muito 4 vontade. Era 0 mordomo e o artesao, 0 chete e o operério da grande obra. Quase néo dormia. Sua vida, de 1855 em diante, girava em torno do Espiritismo, com ele dividindo o seu tempo, as suas energias, 0 seu saber, 0 seu amor. Centralizava em si todo 0 Movimento, na Terra, pertinente ao Consolador. As linhas de entrosamento eram: Espirito da Verdade-Kardec-Movimento (e suas implicagées gerais). Tempos depois de Jangadas as balizas da Doutrina, aproxi- madamente no inicio do periodo final de sete anos das tarefas de sistematizagao dos principios e ensinos do Espiritismo, 0 Mundo Espiritual requisitou-Ihe os esforcos em regime de tempo integral e dedicagao exclusiva, exigéncia que, entdo, j& estava preparado para satisfazer. 4. Qs limites do conhecimento revelado Faz total sentido a expresséo de alguns Espiritos, deno- minando-o “Apéstolo da Fé". Da Fé Raciocinadal Como a de Tomé. Néo ainda, naquele momento, como a de Pedro: Intuitival N&o que néo na tivesse também intuitiva. S&o coisas diferentes, Médium consciente-intuitivo por exceléncia, Kardec devia, entretanto, utilizando-se de sua nobre faculdade, extrema- mente desenvolvida, condicionar todos os ensinos e principios a rigida escala do raciocinio Iégico, para que a Fé pudesse “entrentar a razéo face a face, em todas as épocas da Humani: dade", oferecendo aos homens condigées para que eles pro- prios, prescindindo de sacerdotes e intermediarios, chegassem 4s conclusdes finais possivels em torno de toda e qualquer parte da Doutrina Espirita. A hora de a Espiritualidade Maior preconizar a {é intuitiva néo podia ser aquela. Nao o é ainda hoje; néo para todos. Simplesmente os mestres-escolas sabem e podem mais que seus pupilos. Nenhuma vantagem trariam, no século XIX, pelo menos no ambito da Coditicagao, sob a responsabilidade direta de Kardec, as antecipagdes intempes- tivas do conhecimento espiritual. Estas conclusées defluem do exame minucioso e atento das obras da Codificagao, mormente das importantes peas introdutérias dos livros do mestre, dos seus comentérios e de escritos contidos no volume de “Obras Péstumas”. Para o Espiritismo — vale dizer: para os espiritas, do pre- sente e do futuro —, apenas como método de pesquisa do methor, 6 importante tudo saber sobre Allan Kardec, sendo esse © nosso intuito ao organizer esta obra. Porque essencialmente precisamos entender-Ihe os preciosos ensinamentos e recomen- dagées, depois de honestamente avaliados, para incorporé-los as diretrizes de nossas vidas. Com serenidade reconhecemos que no Movimento Espirita hodierno, no Pais e além-fronteiras, nao faltam os afoitos a afir- mar que a obra kardequiana esta ultrapassada, tanto quanto ZAARAARAAAAARBRAAARBRAARAABAABRAABRAAARARAA sobram os néo menos temerdrios que pretendem conferir a figura do Codificador o dom da infalibilidade, nas questées em geral — nao apenas nas que se vinculam a Fé, propriamente dita —, levando os adeptos ao absurdo de admitir na pessoa de Allan Kardec uma dupla condigéo falsa de criatura imune ao erro @ as imperfeicdes dos seres terrenos, relativos, condigao que ele por varias vezes verberou, francamente, quando na vida fisica, Nem uma coisa, nem outra. Um grande homem, sim; um sAbio. Um super-homem, nos termos da conceituagao que desse tipo especial faz “Sua Voz”, em “A Grande Sintese”, de Pietro Ubaidi, pode-se admitir; um Apéstolo, no mais amplo sentido, também, Mas os que conhecem o Evangelho sabem muito bem 0 juizo que 0 Cristo fazia deles, seus discipulos diretos, adver- tindo-os e admoestando-os: “ainda hoje, antes que o galo cante, trés vezes me terds negado"; “‘e Pedro chorou amargamente” ! E as coisas nao se passaram de modo diverso com os demais companheiros do seu Colégio Apostélico. Os exageros sao perniciosos. As posigées extremadas @ as radicalizagdes conduzem as maiores imprudéncias. Tendo analisado ¢ criticado friamente — para usarmos as palavras de autodetini¢ao de Kardec — os assuntos pesquisa- dos, no encontramos evidéncias capazes de respaldar as pres- suposigdes de uns e outros. Seguimos uma linha que, tanto quanto possivel, seré bem identificada pelos leitores e jamais se prestaré a desvios e contornos para justificar, contrariamente ao tragado da Codificagéo mesma, conclusées precipitadas, juizos falsos, espirito de auto-suficiéncia de adeptos ardorosos, superdimensionamento da Doutrina ou do seu missionario maior. A Codificagéo Kardequiana nao esté nem seré ultrapassada, e 0 Codificador nao gozou de regalias de infalibilidade. 5. Aferigéo da opiniao; ensaios planificados Especialmente, por duas vezes, em 1864 (pp. 351/2) e 1867 (p. 203), Kardec pronunciou-se pela “Revue Spirite”, revelando a existéncia de um plano, seguido escrupulosamente, para afe- rir 0 amadurecimento da opiniéo publica, 0 grau de receptivi dade que iria paulatinamente evidenciando, de afinaggo com os ensinos do Espiritismo, & medida que “o velador mostrava mais luz", ou seja, & proporgao que novas verdades eram comu- nicadas, atendendo ao escopo do Programa, segundo o qual a iluminagao devia ser constante e progressiva, mas sem des- lumbrar os interessados, Aliés, vale reproduzir, aqui, algumas das palavras de Kardec, das paginas citadas: “a “Revue Spirite” 6 uma obra pessoal, cuja responsabili- dade assumimos sozinho, ¢ pela qual néo devemos nem queremos ser entravados por nenhuma vontade estranha; foi concebida segundo determinado plano, para concor- rer ao objetivo que devemos atingir.”" (...) “Sendo a “Revue” um terreno de estudo e de elaboragao dos prin- cipios, ao dar ali decididamente a nossa opiniéo, néo tememos comprometer a responsabilidade da Doutrina, porque a Doutrina a adotaré se for justa, e a rejeitara, 8 for falsa.” Esta pequena transcrigao, por si $6, pde por terra as pre- tens6es dos endeusadores de Kardec, além de responder pe- remptoriamente aos presungosos que insistem numa afirmativa extremamente ousada, de que a Codificagao estaria superada. $6 adotando 0 que for justo, rejeitando o que for falso, néo sera superada em tempo algum, de vez que as complemen- tages & Codificagao tm de ser normalmente encaradas com muita objetividade, sob pena de falsear-se-Ihe o objetivo. Cédigo de principios até & época de Kardec esparsos — difusos no tempo e no espago, mas coerentes entre si —, néo pode ele ser petrificado e mantido como completo, perfeito e acabado. A Revelagao 6 progressiva, novas verdades relativas vao sendo intuidas, captadas pela sensibilidade e pela inteligéncia dos homens @ dos Espiritos, dia a dia mais amadurecidas. Nao é, porém, a Codificagéo que esté sujeita a mudar, ou a sua estru- tura, 0s seus mecanismos, os seus métodos, mas uns tantos ensinos que careceréio de maior desenvolvimento ou clareza; outros mais, que se Ihe incorporarao, frutos do progress, por- que este sim — o progresso — é © centro de gravidade, a medida e o paradigma da Revelagao. Os Espiritos Orientadores @ Elucidadores de modo algum interromperam a obra. Para nenhum espirita constitui novidade a informagao do mestre de Lido, inserta num de seus livros, de que se a Ciéncia provar que o Espiritismo esté errado num ponto, nesse ponto ele sera TrAARAAAAAARAABABRAALZAARBABAARAAAARAREA néo poderia obviamente ter guarida no espirito, nento de Kardec. ‘A Génese — Os Milagres @ as Predigdes segundo vitismo”, 0 Codificador termina a respectiva introdugao, para a primeira ediedo (janeiro de 1868), com estes tivos paragratos: “Os mesmos escrijpulos havendo presidido a reda- go das nossas outras obras, pudemos, com toda ver- dade, dizé-las: segundo 0 Espiritismo, porque estévamos certo da conformidade delas com o ensino geral dos Espiritos. O mesmo sucede com esta, que podemos, por motivos semelhantes, apresentar como complemento das que a precederam, com excegao, todavia, de algu- mas teorias ainda hipotéticas, que tivemos 0 culdado de indicar como tais e que devem ser consideradas simples opinides pessoais, enquanto nao forem contir- madas ou contraditadas, a fim de que néo pese sobre a doutrina a responsabilidade delas. (Os grifos séo do Coditicador. A este tépico a FEB aditou a seguinte NOTA DA EDITORA: Ao leitor cabe, pois, durante a lei- tura desta obra, distinguir a parte apresentada como complementar da Doutrina, daquela que o proprio Autor considera hipotética e pessoalmente dele.) “Aliés, 08 leitores assiduos da “Revue” héo tido en- sejo de notar, sem diivida, em forma de esbogos, a maio- ria das idéias desenvolvidas aqui nesta obra, conforme 0 fizemos, com relagao &s anteriores. A “Revue”, muita vez, representa para nds um terreno de ensaio, desti- nado a sondar a opiniao dos homens e dos Espiritos sobre alguns principios, antes de os admitir como partes constitutivas da doutrina.” (As palavras gritadas o foram por nds.) A amplitude do significado do trecho: “‘sondar a opiniéo dos homens e dos Espiritos" nao deve passar sem maior exame e meditagao. Tanto da parte dos Espiritos, como da dos ho- mens, Kardec ndo aceitou, sem antes passd-los pelo orivo da razio, quaisquer ensinos como principios auténticos, inques- tionaveis, definitivos, a serem incorporados & Doutrina. Houve de estudé-los, submeté-los & prova da opiniao, atra- vés de ensaios, para decidir-se no final — repetimos — a risco seu, Esté claro que dialogava com os Espiritos, concordava com eles @ deles discordava, conforme o caso. Mas a decisao era dele, que, como vimos, agia escrupulosa e prudentemente. Pode, as vezes, nao ter sido tao absolutamente exato. Por isso mesmo Ihe néo conferimos foros de infalibilidade, A Codificagao do Espiritismo, porém, foi obra sua, na sua maior parcela, no 4mbito terreno, Examinaremos, adiante, a questo do sentido de ditado. E a da abrangéncia de sentido da palavra Coditicagao, que, a nosso ver, escapa aos pré- prios léxicos. 6. Crengas @ opiniées. Obra dos Espiritos em geral Pela “Revue Spirite”, em 1858 (pp. 53 e 59), Kardec nos diz: “Respeitamos todas as crengas, mesmo a increduli- dade, que 6 também uma espécie de crenga, quando ela se respelta o bastante para néo ofender as opiniées contrérias.” A liberdade que o Espiritismo sempre reclamou para os seus adeptos, como se vé, Kardec a entendia dentro do critério da reciprocidade. E, coisa estranha, as vezes se encontram espiritas que fazem restrigdes aos préprios companheiros de trabalho, enfatizam o seu direito & liberdade de pensar, sobre determinados pontos doutrinarios, de forma diferente de outrem, mas nao admitem, em contrapartida, o direito de outrem esposar idéias diversas das deles, sobre os mesmos pontos. A isso, a essa mentalidade pedante ou presungosa, que nenhum argumento pode validar seriamente, antepor-se-ia 0 pensamento do inolvidével mestre da Codificagao: “Seja como for, julgar 0 que néo se conhece é falta de légica, depreciar sem provas & esquecer as conveniéncias.” Allan Kardec, como homem, como pensador, professor emé- ito e dotado de viséo ampla dos seres e das coisas, espirito eminentemente universal ¢ despreconceituoso, tinha igualmente sua opiniéo pessoal, seus pontos de vista, que, todavia, jamais dia com os principios doutrinarios, pois estes eram e S20 os que conseguiram ou conseguem passar por todos os crivos da raz8o esclarecida e iluminada. “Podemos ter nossa opiniao — escreveu na “Revue” (1858, p. 92) —, sustenté-la, discuti-la; mas 0 meio de nos esclarecermos néo 6 nos denegrirmos, pro- o8sso sempre pouco digno de homens graves e que se torna igndbil se houver em jogo o interesse pessoal.” Ele escreveria coisas assim, enquanto vivesse. Em 1862, a “Revue” estamparia longo estudo interpretative da doutrina dos anjos decaidos, do aparecimento do homem e sua origem na Terra. Mas, ao apresentar sua teoria, em concordancia com a razéo e a ldgica, explica que é uma opiniao pessoal (pp. 1 a 12). Sem a prudente ressalva, sua opiniao teria 0 peso de uma verdade inconcussa! Que poderia, mais tarde, ser invalidada por um fato ou argumento irrespondivel. Uma coisa, acreditamos, Ihe era pouco simpética: a neutra- lidade dos homens cujas idéias séo conhecidas, externadas mesmo, em diferentes oportunidades, mas que em dado mo- mento preferem nada dizer, podendo e devendo fazé-lo para edificagao de todos, £ 0 caso — agora 6 nossa vez de res- salvar que se trata de uma opiniao pessoal nossa — do primeiro artigo espirita de Camille Flammarion, intitulado “Les Esprits et le Spiritisme”, que ocupou vinte e trés paginas (grand in-8°), das cento e vinte da importante “Revue Francaise”, de Paris, mensério cuja direca0 havia solicitado 0 trabalho do famoso sébio @ astrénomo. Em breve comentérlo (“Revue Spirite", 1863, p. 126), disse Kardec: “0 autor juigou melhor fazer, até certo ponto, abstra- 940 de sua opiniéo pessoal sobre o assunto, e ficar em terreno de alguma forma neutro, limitando-se & exposigao imparcial dos fatos, de maneira a deixar ao leitor toda a liberdade de apreciagao.” A maneira de dizer, de Kardec, tanto pode ser uma leve Indireta ao autor, como uma secreta defesa dele, quanto as suas idéias espiritistas ali no salientadas. No item anterior, ultimo parégrafo, afirmamos algo sobre Coditicagao e ditado. Retomemos, pois, 0 assunto, iniciando pelo primeiro ponto, jouvando-nos no que esté 4 pagina 307, de 1865, da “Revue Spirite’: “O Espiritismo no é obra nem de um unico Espi- rito, nem de um so homem (grifos de Kardec). Segue-se que a opiniao de um Espirito acerca de um principio qualquer sé é considerada pelos espiritas como opiniao individual, que pode ser justa ou falsa (grifos nossos), e n&o tem valor senéo quando sancionada pelo ensino da maioria, dado em diversos pontos do Globo. Este ensino universal fez 0 que ele 6, @ fard o que ele sera. Diante desse eficacissimo critério, caem necessariamente todas as teorias particulares que seriam o produto de idéias sisteméticas, seja de um homem, seja de um Espi- rito, individualmente. Uma idéia falsa pode, sem davida, agrupar em torno dela alguns partidarios, mas jamais prevalecera contra a que 6 ensinada por toda parte.” Ha um universo de consideragées que podem ser alinha- das, no que vimos de transcrever. Mantendo-nos, porém, nos limites deste item, em prosseguimento ao final do precedente, destacaremos o seguinte: a) O Espiritismo 6 obra dos Espiritos em geral, ou seja, desencarnados e encarnados, nao sendo, como foi sublinhado por Allan Kardec, obra de um Gnico Espi- rito ou homem. b) 0 ensino universal fez 0 Espiritismo qual ele 0 6; & no futuro faré 0 que ele serd. c) As falsidades, interpolagées, destiguragées, usurpa- ges, desviagdes doutrinérias e de objetivos estao, diante de critério eticacissimo, a nosso ver em prin- cipio apenas (aparentemente), total e definitivamente afastadas. O fanatismo, a ma-té de Espiritos, ou a boa-ié dos espiritas, as mistiticagdes de varia ordem © procedéncia nao teriam chances de medrar no Espiritismo. £ realmente multo dificil e problematico acolher, sem maior exame, 0 que se acha nas letras b ec. O que consta da letra a, no entanto, parece-nos absolutamente correto, Mas, para pre- = = = = = = = = venir deturpagées de nossas palavras, queremos esclarecer que 0 correto, al, de forma nenhuma significa que concordemos com a idgia de perfeicao dos Espiritos e dos homens, de que o Espiritismo é obra. Nem com a idéia de que o Espiritismo repre- sente a perteigéo, j& que & ele perfectivel, como facilmente concluiré 0 estudioso atento. E isso pela razéo muito simples de que 2 Revelacéo contém dreas que hao de ser edificadas pelos préprios Espiritos em evolugao, a custa de muito trabalho, perseveranga, prudéncia, oragéo e vigilancia. E 0 momento, este, de recordar que uma coisa é Doutrina Espirita, outra, Revelagao. Consideremos o que ficou dito na letra b. Precisariamos definir bem 0 que entendemos por “ensino universal". E se se faz distingo ou nao entre Espiritismo e Codificagao Espirita. Para nés n&o sao coisas sinénimas, embora entendamos que Allan Kardec 6 0 Codificador do Espiritismo. Nao se trata de jogo de palavras. Bastard que digamos que a Coditicagéo foi iniciada e atingiu um certo estagio, com o Codificador Allan Kardec. Em outros termos: 0 Cédigo foi parcialmente concluido, no século XIX. Néo totalmente. E acreditamos que jamais o sera, dentro das limitagdes e da transitoriedade das condigdes peculiares 4 natureza humana, na época em que vivemos. Pelo menos por muito tempo ainda, uma vez que mais longe nao seria prudente avancar raciocinios. Pois se hé, e sempre ha de haver, complementagées, 0 Cédigo nao esté completo, conclul- do. Assim, o Espiritismo nao esta todo codificado, nem o estara no futuro. Haveré permanentemente o que acrescentar ao Cé- digo. Ou se admite isso, contirmando a linha de evolugao, ou se recusa a idgica do raciocinto, infirmando a idéia de pro- gresso. Se, para nés, o ensino universal 6 aquele que 6 igual em todos os tempos e lugares, por forga da atuagao simul- tanea, dirigida, ordenada, disciplinada, uniforme, incidindo sobre criaturas do mesmo padrao vibratério, moral e espiritualmente falando, 0 Espiritismo que resuitasse desse ensino poderia cons- tituir um Cédigo de tal maneira inquestionavel, irrecusavel, que, verdadeiramente, nos conduziria a uma identificagéo que efeti- vamente jamais existiu: Espiritismo = Codificagao Esplrita, Nao teria havido necessidade de um missionério como Allan Kardec. Selecdo alguma, estudo, andlise critica, alternativas de escolha e deciséo a tomar. Estariamos entéo confundindo Revelagao com Doutrina. E considerando a Revelagéo somente na sua primeira fase, na de transmisséo do conhecimento, porquanto, na segunda, de recepgao, as coisas ndo aconteceriam tao cer- tinhas. Impée-se-nos, conseqentemente, considerar 0 enun- ciado da letra b em termos relativos e gerais, como acreditamos que foram ditados pelo pensamento do mestre Kardec. Do concernente & letra c, preliminarmente, queremos ex- plicar que aparentemente, em principio apenas, estariam afas- tadas as hipdteses aventadas. No Espiritismo (ou Doutrina Es- pirita), néo na Coditicagao Espirita, pols na parte nao codificada do Espiritismo pode haver @ hé ocorréncias de uma ou mais daquelas hipdteses. Basta lembrar que a reencarnagao 6 ainda principio nao assimilado por algumas areas do Espiri- tismo. Se nos referimos a este (Espiritismo), 0 aparentemente Se justifica; mas, se queremos falar de Coditicagao, somente a expressao “em principio apenas” seria mantida, pela razéo da auséncia de perfeigao e pela decorrente inexequibilidade de um ensino universal equivalente a um presumivel processamento uniforme da Revelagao, em ambas as fases, de transmisséo e recepeao. Esses raciocinios nés os oferecemos & guisa de questées para estudo, sem maiores pretensdes, desejando, na oportuni: dade, chamar a atengdo dos espiritas para os perigos das defi- nigdes que pretendam ser integrais e definitivas. Somos homens imperteitos, relativos, num mundo deveras atrasado, Segundo André Luiz, 0 vocabulario mais rico da atualidade 6 incapaz de traduzir e comunicar o pensamento de Entidades Sublima- das dos circulos menos distantes da Terra, que visitam a Co- Iénia Espiritual “Nosso Lar”. Parece-nos que, por simples defe- réncia para com os Espiritos Reveladores e Orientadores, que serviram na Equipe do Espirito da Verdade, integrada por Allan Kardec, néo deveriamos tragar limites ao Desconhecido. Per- quirir, esmiugar, penetrar cada vez mais fundo e mais longe em cada ponto da vastissima tematica da Doutrina dos Espi- ritos, afinados intuitivamente, receptivos e desataviados de bar- reiras preconceituosas no campo mental e moral, como Espiritos de ilimitado futuro, com vistas ao Bem, ao Amor e & Sabedoria, 6 dever e direito de todos. Prudentemente, nao ergamos limites aos belos e longinquos horizontes das manhas dos nossos dias ensolarados LARAAALAAARARARARARARRARRRRORC CRE | SUC T CTT UTE TITTY Talvez fosse dispensével, agora, dizer algo sobre ditado, como anunciamos paginas atrés. Ha quem pense que os Espi- ritos ditaram, da forma como fazem os executivos as suas secretérias, relativamente & correspondéncia, ou da que se valem as professoras primérias para exercitarem seus alunos nas questées da ortogratia. A Codificagao nao contém ditados, no tocante aos principios que abarca, concebidos dessa ma- neira. Ditar, no caso, tem o sentido de inspirar, sugerir, orien- tar, determinar. Podemos indicar aos interessados 0 “Larousse du XXe Siécle”, vol. II, pég. 851, onde, entre outras acepgdes mais comuns, encontram-se estas: “Fig. Inspirer, suggérer: Dicter & un homme tout ce qu'il doit dire et faire. Les vers que vous dicta l'amitié tendre et pure. Voltaire, || Prescrire, disposer: Dicter la loi. Dicter les con- ditions de la paix. || Ete.” Os ensinos séo dos Espiritos Superiores. Mas ditado & palavra que significa inspiragao, no caso. 7. © pensamento de Kardec segundo um contexto, no espago e no tempo Em suma, para encerrar este capitulo, diriamos que o pen- samento de Allan Kardec deve ser observado e seguido dentro do contexto de sua brilhante trajetéria de missionério-chete da Doutrina dos Espiritos, levando-se em conta nao s6 a época em que foi emitido e propagado, mas, ainda, as circunstén- cias @ 0 exato momento na faixa de tempo em que o mestre se dedicou as tarefas do Espiritismo — 1855-1869. III — Codificagio Kardequiana e desenvolvimento doutrinal A vida de Allan Kardec, aquele pouco que chegou até nés, anotado pelos correligionarios que tiveram a feliz idéia ou ins- piragéo de passar para o papel o que chegara ao seu conheci mento, mostra-nos episédios, procedimentos, atitudes @ pen- samentos que, mediante anélise critica sem parti pris, pdem em destacado relevo as suas qualidades de pensador e seus dotes de missionario-reformador. Em 1864 (“Revue Spirite”, pp. 141/2), dissertando sobre os principios do controle uni- versal © do sufragio universal, como capazes, o primeiro @ 0 Gitimo, de resolver no futuro todas as questées litigiosas, de estabelecer @ unidade da doutrina muito melhor que um conci- lio de homens (os ditimos grupos de grifos so nossos), Kardec aflangou que o do controle universal “faré o seu caminho, como 0 principio Fora da Caridade ndo ha Salvagdo, pois que ele esté fundado na mais rigorosa ldgica e na abdicagao da perso- nalidade (grifos nossos). Nao podera contrariar sendo os adver- sérios do Espiritismo e aqueles que s6 tém fé em suas luzes pessoais”, Felizmente, 0 Codificador escreveu paginas e artigos bas- tante elucidativos, ao longo de quatorze anos de intensas ativi- dades espiritas. Publicando quase tudo, deixou, no entanto, significativas pegas, algumas com o evidente intuito de divul- gacdo no futuro e outras com possiveis instrugdes sobre a época em que deviam ser estampadas na “Revue”, ou reunidas em livro (“Obras Péstumas”), pelos seus continuadores, (Entre © que escreveu, certamente teriam figurado importantes pagi- nas e documentos que jamais vieram a publico, néo importa por que motivo, ou por deciséo de quem, assim como aponta- mentos ou instrugdes que se perderam ou continuam inéditos.) O certo, porém, 6 que podemos acompanhar o pensamento do Codificador, no tempo (nos referidos quatorze anos), as reciclagens dele, 0 seu continuo “vir-a-ser", as novas aber- turas da sua valorosa mentelidade, pari passu com o anda- mento da prépria Codificagao ou do desenvolvimento doutrinal do Espiritismo. Quando os Espiritos falaram em reencarnacao, nos pri- mérdios das tarefas que resultariam na elaboragao da 1? edicao de “0 Livro dos Espiritos” — menos completo, entao (1857), que na sua 2? ediggo definitiva, subordinada a plano estrutural diverso —, Kardec precisou vencer as barreiras psicolégicas da sua prépria mente, pois 0 seu modo de pensar nao se coadu- nava facilmente com tal principio, 0 que era agravado pelo fato de os Espiritos, em comunicagées captadas pelos médiuns, de toda parte, nao se revelarem unanimes, mas, ao contrario, constituindo grupos que ensinavam sobre as vidas sucessivas e grupos que ensinavam sobre a unicidade da existéncia, afora ARALARADLARLARARARAREARERRAAAR RRA os que se omitiam nesse assunto. Mais tarde, compreendeu Kardec que os conhecimentos dos Espiritos eram limitados (sendo, como so, simplesmente homens desencarnados), @ isto iria facilitar-Ihe grandemente o trabalho, por afastar esco- thos da trilha a ser percorrida. Compreendeu muito mais: ficou sabendo que os ensinos eram dados de tal maneira, em cada época e meio, que nao discrepassem excessivamente dos pre- conceltos dos grupos humanos, que, assim, poderiam decidir-se por uma adogao de parte, maior ou menor, ou da integralidade do que estava sendo codificado. Hoje, a situagao se nos apre- senta menos chocante, porque aié entre os anglo-saxdes a reencarnagao alcangou foros de verdade, havendo somente al- gumas 4reas, pouco expressivas, nas quais 0 problema perma nece em suspenso ou & objeto de renovadas pesquisas. 0 aspecto religioso @ cristéo do Espiritismo, ao adepto da Doutrina, hoje, néo mais oferece ddvida alguma, estando nela incorporado desde o advento de “O Livro dos Espiritos”, obra de incalculével saber. Somente, porém, em novembro de 1868 Allan Kardec farla 0 célebre discurso, no qual definiria olara- mente que o Espiritismo ¢ a Religiéo. E explicava por que nao © fizera antes, Uma clara diviséo, exclusivamente para efeitos didaticos, do Espiritismo, como Ciéncia, Filosofia e Religiao nao figurava na Coditicagao, no século XIX. Mesmo em “O Livro dos Espiritos” ficou registrado que o Espiritismo é de todos os tempos, de todos os Jugares; que existe Espiritismo no Catoli- cismo. Em que sentido, perguntamos, é o Espiritismo velho quanto 0 mundo ¢ esté em todas as religibes ? A resposta esta nos livros de Kardec e nos demais escritos dele, na “Revue Spirite” @ em “Obras Péstumas". Nao se deve, porém, indicar, isoladamente, qualquer desses escritos, pagina ou paragrafo. Ela se encontra no contexto e seguindo-se uma trilha progressivamente ascendente, no tempo. Cada livro, como cada artigo, tem a respectiva data. Ponha-se tudo em ordem légica, compare-se ensino com ensino, texto com texto, e 0 resultado seré surpreendente para alguns que ainda nao fizeram isso. Na “Constituigao do Espiritismo”, item I, esta registrado 0 seguinte (1869): “O Espiritismo teve, como todas as coisas, 0 seu periodo de gestagéo (...}.” “Entreviu-se-Ihe a tinalidade, pressentiram-se-Ihe as conseqiiéncias, mas apenas de modo vago (...). Unicamente quando tiver desenvolvido todas as partes em que se desdobra 6 que a Doutrina formaré um todo harménico @ sé entéo se poderé julgar do que é o Espiritismo. (...) O Espiritismo, em via de elaboragao, somente resultados individuais podia dar; os resultados coletivos e gerais serao fruto do Espiritismo completo, que sucessivamente se desen- volvera.” (Grifos nossos.) Decorrem, também, do desenvolvimento doutrinal as suces- sivas definigdes e a final redefinigao de “espirita’, nas obras do Codificador. Em certo momento, para ele, espirita verda- deiro seria o espitita cristéo. O simples simpatizante das idéias, © convencido de alguns principios, como o da reencarnagao ou da pluralidade dos mundos habitados, da lei de causa e efeito ou das belezas espirituais que entrevéem nos vindouros dias da regeneragao da humanidade, nao devia ser chamado espirita, Era necessério bem mais. Pela “Constituigao do Espiritismo” (1869, repetimos), seria o espirita professo. E al o Codificador, em nosso entender, incidiu num exagero, que ele préprio re- conhecia ser solugao insuticiente para atingir o fim a que se propunha: preconizava a adogao de um formulério de profissao de fé @ adeséo, por escrito, do programa alvitrado (Vill — Do Programa das Crengas). Os limites a que nos cingimos nesta Introdugéo néo nos permitem mais demoradas elucubragées. Todavia, cremos aten- der a imperativos de oportuno esclarecimento trasladar para este volume os conceitos que, jd em 1863, Kardec emitia sobre a filosofia espirita (“Revue Spirite”, p, 232): “Quem, hoje, poderia afirmar que ela disse a tiltima palavra ? Certamente que néo no disse; se as bases fundamentals estéo estabelecidas, hé ainda muitos por- menores a elucidar e que viréo a seu tempo. Depois, quanto mais se avanga, mais se vé quéo militipios sao os interesses em que ela toca, @ podemos dizer, sem exagero, que toca em todas as questées de ordem social. S6 0 futuro pode, pois, desenvolver-Ihe todas as conse- qléncias, ou, melhor dizendo, essas consegiléncias se desenvolverdo por si mesmas, por forga das coisas, por- que se encontra no Espiritismo o que inutilmente se procurou alhures.” AARACALRAAARAARARARARAAARAAAAAAMaaee Realmente, “quanto mals se avanga’”, “sé o futuro”... Nao disse nem diré a ultima palavra, pois ela é desenvolvimento, progresso, evolugao! IV — Pratica do Espiritismo e busca da unidade Allan Kardec, missionério incumbido de promover a Codi- ticagao, 0 seu iniciador e formulador, no restringiu seus passos as quest6es do pensamento puro, dos principios doutrinario- filoséficos, cientiticos e morais do Espiritismo. A miss&o en- volvia também 0 seu esforgo de Iniciador do préprio Movimento Espirita. Abstragao felta da parte que sé seria tratada com afinco depois de sua desencarnagéo, de que é exemplo, dentre outros, o trabalho de William Crookes com as famosas materia- lizagées de Katie King, a rigor tudo, ou praticamente tudo, ainda que por alto ou de passagem, mereceu de seu critério, iniclativa e poder realizador a atengao © o vigoroso acompa- nhamento, por vezes até aos minimos detalhes. Haja vista a fundagao da “Revue Spirite”, em 1858, quando 86 devia conter com seus parcos recursos pessoais; meses de- pois, no mesmo ano, a da “Société Parisienne des études Spi- rites”. Orientando a criagéo ou transformagées de grupos ou sociedades espiritas, recomendando cautelas aos adeptos de- sejosos de organizar empreendimentos vultosos, visitando nu- cleos de vérias cidades européias, instruindo-as e alertando-as contra os perigos, para muitos entao Invisiveis e Imponderaveis, mas para ele perfeitamente claros @ identiticaveis — nao fora a sua extraordindrla acuidade e viséo intuitivas, alladas a uma experiéncia digna da geral admiragéo dos contemporaneos & dos pésteros —, 0 mestre dinamicamente estruturava em sélidas bases 0 Movimento Espirita nascente, Suas viagens nos fazem Jembrar as grandes peregrinagdes de Paulo de Tarso e seus companheiros. O prestigio da Franga e do seu proprio nome abria-the as portas das cidades @ dos paises, como outrora, no Movimento Cristéo, a amplitude territorial do Império Romano assegurava ao “cldadao romano” Paulo de Tarso facilidades de penetragao em quaisquer localidades do vasto mundo que tinha Roma por sua capital. “Nao basta, escreveu Allan Kardec (“Revue Spirite”, 1866, julho), que uma idéia seja grande, bela @ generosa, & preciso, antes de tudo, que seja praticavel.” (...) "Antes de empreender uma coisa, deve-se calcular friamente o pré € o contra, a fim de se evitarem os reveses sempre deploraveis, que ndo deixa- riam de ser explorados por nossos adversérios.” Ele premunia, assim, os ingénuos © apressados das desilusdes que nascem de fracassos evitaveis, de riscos desnecessérios, de iniciativas prematuras, que, longe de beneficiarem a quem quer que seja, revelam-se prejudiciais aos seus autores, & comunidade espirita © & propria coletividade humana. Ele preservava, sempre que possivel, a imagem do Espiritismo, para que na sua pratica néo se verificassem os abusos @ arroubos que testificassem negati- vamente da grandiosidade da Doutrina, por culpa dos homens pouco amadurecidos que, mesmo cerrando fileiras com os adeptos mais esclarecidos, timbram em fazer prevalecer suas preferéncias pessoais @ impulsos incontrolados. As crises, no ambito das atividades do Codificador, eram sérias e bastante freqientes, a partir da Sociedade de Paris (S. P. E. S.), Por varias vezes quis Kardec fazer-se substituir na Presidéncia, mas os apelos dos que Ihe eram fiéis sempre o convenceram de permanecer por mals um periodo anual. No meio do caminho, entretanto, as coisas pioraram e ele nao teria continuado @ testa da Sociedade se nao fora um ditado (no sentido comum e no sentido amplo) meditinico: “(...) Quando um mal existe, ele nao se cura sem crise; assim 6 do pequeno ao grande; no individuo como nas socledades; nas sociedades como nos povos; nos poves como o é na humanidade. Nossa Sociedade, dizemos, 6 necesséria; quando o deixar de ser sob a forma atual, ela se transformaré como todas as coisas. Quanto @ ti, no podes, ndo deves retirar-te, Nao pretendemos, entre- tanto, sublugar o teu livre-arbitrio; apenas dizemos que a tua retirada seria uma falta que um dia Jamentarias, pois entravaria nossos planos.” (Todos os grifos séo nossos.) (“Revue Spirite”, 1862, pp. 161/2.) Qual a forma atual a que aludira 0 comunicado do Mundo Espiritual? Esta na “‘Revue", 1861, dezembro: "A Sociedade de Paris foi a primeira a constituir-se regular e legalmente. Por sua posigao e pela natureza de seus trabalhos, teve uma grande parte no desenvolvimento do Espiritismo e, em nossa opiniao, justifica o titulo de Sociedade Iniciadora, que Ihe deram certos Espiritos. (...) Como Sociedade iniciadora e central, pode esta- belecer com os outros grupos ou Sociedades relagdes pura- mente cientificas; mas a isto se limita o seu papel: nao exerce qualquer controle sobre essas Sociedades, que em nada depen- dem dela. (...) As Sociedades estrangeiras podem formar-se nas mesmas bases, declarar que adotam os mesmos principios, sem depender dela senao pela concentragéo dos estudos, dos conselhos que Ihe pedirem e que ela teré prazer em dar. (...) A Sociedade de Paris néo se gaba de estar, mais que as outras, ao abrigo das vicissitudes. (...) Eles — os grupos — devem adquirir sua vitalidade nos principios da Doutrina, que séo os mesmos para todos e que a todos sobrevivem, estejam ou n&o esses principios representados por uma Sociedade constituida. (...) Estando olaramente definido 0 papel da Sociedade de Paris, para evitar qualquer equivoco ou falsa interpretagao, as relagdes que estabelecer com as Socledades estrangeiras s0 extremamente simplificadas; limitam-se a relagdes morais, cien- tificas e de mitua benevoléncia, sem qualquer sujeigao.” Os trechos acima foram copiados do artigo “Organizagéo do Espiritismo", muito longo e de leitura proveitosa. Realmente, 2 Sociedade de Paris transtormou-se, depois de 1869. Novas entidades foram criadas, mas todas tiveram vida efémera, & excegao de uma ou outra que conseguiu atingir um, dois ou mais decénios. Referimo-nos, aqui, as ligadas & equipe dos cooperadores diretos e imediatos de Kardec. Vencer as crises e permanecer nos postos, este o dever dos espiritas responsaveis no Movimento. Renunciarem os que esto no caminho certo, como pretendeu Kardec, abandonarem os postos de luta, equivaleria a desercao dos deveres assumidos, dos compromissos seriissimos livremente aceitos pesante o Espirito da Verdade. A Sociedade de Paris existiu em fungao do Codificador e da obra do Espiritismo, entéo em plena fase de formagao doutrinal, Constituiu 0 “campo experimental” perma- nente de Kardec. Por ela pessaram médiuns dotados de dons muito expressivos, de que se valeu o missionério @ iniciador do Espiritismo, Razao de sobra tinham os Espiritos em entatizar a necessidade de sua permanéncia no cargo. Nao deveria re- tirar-se: seria uma falta \amentavel; entravaria os planos do nvisivel. Muitas afirmativas de Kardec, de 1862, foram reformuladas mais adiante, nos sete anos de que ainda dispés, na carne. Lentamente. Mas, na Constituigéo do Espiritismo, a titima obra que escreveu, no primeiro trimestre de 1869, ano de sua desen- carnagao (recordemos que em dezembro foi estampado na “Revue” um esbogo, sob o titulo de Constituigéo Proviséria do Espiritismo, 0 que nos autoriza a declarar firme e convicta- mente que a pega definitiva de Kardec, a respeito, é de 1869, melhorada, ampliada, mais completa e mais Iégica), encontram- -se palavras peremptérlas, de quem esta bem mais seguro de si, do que faz, do que pretende. Representa, verdadeiramente, salvo pequenos senées, avantajada antevisdo do futuro e que totalmente se realizou e permanece funcionando muito bem. Allan Kardec, assim, deixou para a posteridade o recado sobre 0 que éle teria iniciado pessoalmente, se mals longa se Ihe estendesse a vida, Sabendo que o tempo corria célere, escreveu aquilo que carinhosamente alimentara no seu coragéo generoso e na sua mente universal. A receita ele no-la deixou, como um novo legado, dentro do Legado Maior: um seguro roteiro para conseguir-se a unidade no Espiritismo, seja como Doutrina, seja como Movimento, Depois do magnifico mapea- mento, importa que os espiritas percorram seguramente as trilhas luminosas herdadas de Allan Kardec. Ainda de 1866, julho, so estas as palavras do mestre, de aconselhamento ao Movimento: “0 Espiritismo sé deve caminhar com firmeza, e quando pe o pé em alguma parte deve estar seguro de al encontrar terreno sélido. A vitéria nem sempre esta com o mais apressado; mais seguramente, esté com aquele que sabe esperar o momento propicio. Ha resultados que 86 podem ser obra do tempo e da infiltragéo da idéia no espirito das massas, Saibamos, pois, aguardar que a arvore esteja formada, antes de Ihe pedirmos uma‘ abundante colheita.” (P. 195.) V — A progressividade da Revelagao Tanto quanto o Espiritismo, ou Doutrina Espirita, é indivi- sivel, embora o consideremos no seu triplice aspecto — Ciéncia, Filosofia e Religiéo —, assim o e deve ser entendida a Reve- lagdo, ou Revelagdo Espirita, que é de todos os tempos. Sempre existiram revelagdes do Mundo Maior, parciais, de determinados principios e ensinos, que néo se devem contundir com simples manifestagdes de Espiritos, qualquer que seja sua natureza e importancia. O fato de ocorrerem, estas Ultimas nao constituem necessariamente revelagdes, da mesma sorte que as revelagdes n&o precisam abranger ou conter manifestagdes ostensivas de Espiritos. Houve e hé, portanto, revelagGes circunscritas, limitadas, como as houve e hd interessando amplas coletividades e repre- sentando porgdes maiores e mais substanciais de verdades. Entretanto, sem contar as veriticadas no Oriente, desde remotas eras, aqui estamos a nos referir as trés grandes Reve- lagdes das Leis Divinas; a 12, com Moisés, no Sinai; a 28, com a vinda do Cristo de Deus, na Palestina, e a 3*, com as mani- festagdes de Espiritos no mundo inteiro, através de médiuns, no séoulo XIX — respectivamente: 0 Decélogo, 0 Evangelho, ou Revelagao Crista, e 0 Espiritismo, ou Consolador. Sao as trés grandes revelagdes @ nivel popular, as massas humanas, con- tendo verdades a serem assimiladas por toda a gente, grandes e pequenos, letrados ou nao, ricos e pobres, nobres e plebeus, sem quaisquer discriminagdes, preferéncias ou privilégios, Eo ambicionado patriménio cientitico, tilosético e ético do mundo antigo, que transborda das Escolas, Templos e Academias Iniciéticas, antes guardado ciosamente pelos homens que foram denominados, em todas as épocas, de iniciados, ou grandes ir ciados, £ aquilo que constituiu outrora o tesouro imortal de uns poucos, adestrados no conhecimento e nas rigorosas disciplinas do Espirito, Grandes parcelas do povo evoluiram no transcorrer de séculos e milénios e comecaram a fazer jus a esse patrimé- nio geral, ao tempo de Moisés; depois, na fase do Messjanato do Cristo; e, mais recentemente, do século XIX em diante, junto do Consolador Prometido por Jesus. Quao longa caminhadal . © direito adquirido pelo esforgo préprio, as necessidades de maior progresso @ os méritos e responsabilidades dos seres eternos @ imortais, em provas e expiagdes na Terra, fizeram com que os Poderes da Luz e da Verdade, do Amor @ da Sabedoria liberassem, sempre tempestivamente, as eclosées dos grandes movimentos de renovagéo, instrugao e aprimoramento das cria~ turas. Aos espiritos so dadas as luzes segundo as suas obras. £ 0 legitimo direito de conquista. Do mesmo modo, e pelas Met ealipch ent aA nad Oi mesmas razées @ fins, sdo-Ihes elas retiradas, individual ou coletivamente, por algum tempo, se ndo se mostram leais dignos das concessées do Alto. O patriménio é de Deus, desti- nado aos seus filhos, mas a estes se transmite por aquisi¢ao, Os detentores de parte desse patriménio, que nao se cinjam fiel- mente &s leis de justiga, amor, caridade e fraternidade séo destituidos da investidura na riqueza espiritual, para que apren- dam, na pentiria e nas amargas incertezas do caminho, a va- lorizar os bens que nao souberam manter incdlumes ou difundir em beneticio da pez e da instrugéo dos homens, E por isso que os nucleos ou focos de grandes luzes, de movimentos de renovagéo e de reformulagéo das condi¢ées de progresso ¢ de ampliacao e defesa dos direitos conquistados por uma época, as vezes sofrem o recrudescimento das dores maiores de outros tempos, apagam-se, contraem-se, para rea- cenderem-se e reexpandirem-se alhures, séculos depois. S40 exemplos disso 0 Egito Faradnico, Atenas, a Palestina e a Fran- ga, além de Roma. Ninguém possui nem pode, por isso mesmo, transmitir toda a Verdade, revela-ia integralmente. Principalmente, nao poderé fazé-lo de chotre, mas gradativamente. As Revelagdes sao, pols, progressivas (@ — dirlamos — continuas). Com a Primeira (de Moisés), ensinam os Espiritos, tivemos um dos aspectos da eterna Verdade: 0 da Justiga; com a Segunda (do Cristo}, outro aspecto: o do Amor; com a Terceira (do Espi- rito da Verdade, através de suas imensas Falanges de Espiritos), 0 derradeiro: da Verdade progressiva, Esta ditima revelagao é mesmo a ditima, porque nao nos fol dada em circuito fechago, mas aberto, So as trés Grandes Revelacées sucessivas @ com- plementares, pois a segunda engloba a primeira, tanto quanto a terceira enfeixa a segunda e nao se encerra. Dai os Altos Espiri- tos considerarem-na como a Revelagao da Revelagéo = Reve- lagao das Revelages. & a prépria Revelagao Permanente. Aqui e agora devemos estabelecer, com franqueza e since- ridade — e com a mais completa isengéo —, determinadas dis- tingdes, O Espiritismo, ou Doutrina Espirita, nés 0 desdobramos em Doutrina (propriamente dita, filoséfica-experimental) @ Mo- vimento (ou pratica do Espiritismo, a vivéncia dos ensinos, pois cus este 6 0 seu escopo primordial, como a Religiao). € claro A ALALRAALLAALAT yue um desdobramento assim representa simples preocupagéo didatica, porque é ele uno, o Espiritismo, no seu triplice aspecto ou sentido: filosofia espiritualista, com base na comprovagao experimental, cientifica, que pode ser repetidamente confirma- da através de investigacao e pesquisas, em qualquer tempo e por quaisquer pessoas, de conseqtiéncias morais, éticas, ou religiosas. O Espiritismo, como religiéo, revivencia o Cris- tianismo Primitivo, adotando, em decorréncia, o Evangelho de Jesus como o maior ¢ mais completo e perfeito cédigo reli- gioso da Humanidade. Em “0 Livro dos Espiritos”, Conclusao (V), registrou Allan Kardec. “Trés periods distintos apresenta o desenvolvimento des- sas idéias: primeiro, 0 da curlosidade, que a singularidade dos fenémenos produzidos desperta; segundo, o do raciocinio e da filosofia; terceiro, 0 da aplicagao e das conseqiéncias. O pe- riodo da curiosidade passou; a curiosidade dura pouco, Uma vez satisfeita, muda de objeto, O mesmo nao aconteceu com 0 que desatia a meditacao séria e o raciocinio. Comegou o segundo periodo, 0 terceiro viré inevitaveimente, (Grifos nossos.) “O Espiritismo progrediu principalmente depois que foi sendo mais bem compreendido na sua esséncia intima, depois que Ihe perceberam o alcance, porque tange a corda mais sen- sivel do homem: a da sua felicidade, mesmo neste mundo.” 0 terceiro periodo ou fase, que viria inevitavelmente, velo. £ 0 que estamos vivendo, mais ou menos bem, hé um séoulo. 0 Espiritismo, como Doutrina, vai tendo os seus ensinos complementados no Cédigo, ou Codificagao Espirita, a medida que as idéias amaduregam, pelo amadurecimento da opiniao. Como Movimento, vai comportando detinigdes e estrutucagées, ou redefinigdes e reestruturagées, novas formas dinamicas @ métodos de agao cada vez mais eficientes, padrées de organi- zagao sempre mais adequados e meios mais justos, para que todas as células e unidades do sistema se formem dentro do espirito da unidade, no cumprimento de suas finalidades, com unio dos adeptos e unificagao dos respectivos esforgos a pro! da universalizagaéo efetiva da Doutrina dos Espiritos. © Espiritismo, na sua marcha ascensional, prosseguiré acumulando parcelas sempre mais substanciais e amplas de 4 3 revelagées, que, por sua vez, ira sendo paulatinamente incor- poradas Codificag¢ao Espirita, como ensinos complementares, por consenso geral dos préprios espiritas mais responsaveis, que, @ cada século, ou periodos menores ou maiores, melhor habilitados estaréo para assimilar conhecimentos novos, mais profundos e sutis, menos ponderaveis, restritos, incompletos. A universalidade ¢ ilimitabilidade do saber e das mais acriso- ladas virtudes tero de representar estégios progressivamente mais altos, mais felizes, mais luminosos, poderosos, divinos. E isso & medida que os Espiritos se forem deslocando mais celeremente da condigéo de humanidade para a de angelitude. Por tudo quanto dissemos, nitida distingéo fazemos entre Espiritismo, ou Doutrina Espirita (para nés, so uma 86 e a mesma coisa), e Revelagao, que, por sua vez, néo pode ser confundida com a Verdade, pois que, esta sim, 6 absoluta e desvelavel, por partes e com parciménia, pela Revelacdo, para Jelamente as transformagées progressivas dos seres, onde quer que se encontrem, nos degraus da infinita e radiante Escada de Jacé — simbolo insubstituivel da evolugao das criaturas de Deus. VI — Fenomenologia espirita ou mediiinica Nao tém faltado confusdes na mente de certas pessoas com respeito a Espiritismo e Fenomenologia Espirita ou Medid- nica, Espiritismo e Mediunidade, etc. A mediunidade n&o 6 nem nunca foi exclusividade’ ou pri- vilégio dos espiritas, da Doutrina do Espiritismo. Ela sempre foi e é patriménio da Humanidade. A rigor todos somos médiuns, de uma ou muitas faculdades, mais ou menos desenvolvidas, aprimoradas, “O Livro dos Médiuns” dé-nos esclarecimentos satisfatérios a respeito do assunto. Os fenémenos espiritas ou mediinicos, psiquicos, animicos, estéo de ha muito minuciosa ¢ rigorosamente analisados, defi- nidos, clasificados, em livros de autores que se tornaram clés- sicos e podem ser compulsados por qualquer pessoa, pois s40 sempre disponiveis e estéo nas livrarias. Podem, igualmente, ser repetidos, reproduzidos, e 0 sao, diariamente, no mundo inteiro. Ocorrem em toda parte, no seio das religiées que nao 08 aceitam ou entendem, nos lares, nos esoritérios, nas fabricas, AALALLADAARLAARARARERARARARE RRA R AOD nos veiculos de transportes coletivos, nas ruas e estradas, de todas as modalidades, com mais freqiiéncia os produzidos por seres moraimente inferiores, que buscam perturbar e geralmente dominam as pessoas que Ihes so afins ou carmicamente de- pendentes, ou despreparadas nesses assuntos do psiquismo e do conhecimento espiritual. Tais fenémenos séo de todos os tempos e, pelas claras razdes expostas acima, ndo constituem exclusividade do Espiritismo, que, portanto, no pode respon- sabilizar-se pelos abusos, negligéncias e ignorancia dos que os manipulam ou exploram, consciente ou inconscientemente. H4, no Espiritismo ou Doutrina Espirita, fendmenos espi- ritas, e até aqueles denominados de animicos, os quais, longe de infirmarem, contirmam os produzidos por Espiritos. Os estu- dos de Ernesto Bozzano e Alexandre Aksakof, a respeito, sao assaz conhecidos. Ha, portanto, mediunidade no Espiritismo: ela representa a base ou 0 meio de comunicagao entre os mundos visivel e invisivel, € instrumento de comunicabilidade entre seres de Esteras diferentes, pela vibracao do pensamento em ondas longas e curtas, de baixas e altas freqiéncias. Nao existe, porém, Espiritismo em todo e qualquer campo fenoménico mediiinico. No capitulo I, de “A Génese”, item 19, Kardec escreveu o seguinte: “Acusam-no (o Espiritismo) de parentesco com a magia e a feiticaria; porém, esquecem que a Astronomia tem por Irma mais velha a Astrologia judiciéria, ainda nao muito distante de nés; que a Quimica é filha da Alquimia, com a qual nenhum homem sensato ousaria hoje ocupar-se. (...) 0 mesmo se dé com o Espiritismo, relativa- mente & magia e & feitigaria, que se apoiavam também na ma- nifestagéo dos Espiritos, como a Astrologia no movimento dos astros; mas, ignorantes das leis que regem o mundo espiritual, misturavam, com essas relagées, praticas e crencas ridiculas, com as quais 0 moderno Espiritismo, fruto da experiéncia e da observacao, acabou. Certamente, a distancia que separa o Esp ritismo da magia e da feitigaria é maior do que a que existe entre a Astronomia @ a Astrologia, a Quimica e a Alquimia. Confundi-tas 6 provar que de nenhuma se sabe patavina.” (Os grifos so nossos.) Nao hé por que, com tao lucidas declaracées, alimentar da- vides no que concerne & Quimbanda, & Umbanda, as filosofias orientalistas e crengas de que o mundo se acha abarrotado, ' \ : confundindo-as com o Espiritismo, somente porque essas reli- gi6es, filosotias e crengas pratiquem o mediunismo. Para pre- venir erréneas conclusées de pessoas inescrupulosas, declara- mos que nossas atirmativas nao estéo envolvendo o mérito de nenhuma das préticas citadas; que, simplesmente, néo as con- sideramos Espiritismo, como Kardec também n&o considerava as que, & sua época, se equivaliam a elas. Quanto ao moderno Espiritismo do texto kardequiano, acre- ditamos que tem o sentido de moderno Espiritualismo, pois 0 tinico Espiritismo que existe 6 0 moderno, sem necessidade de salientar isso, porquanto nao faria sentido falar-se em Espiri- tismo medieval ou antigo. Temos procurado chamar a atengao para as distingdes que presumimos indispenséveis, racionalmente situando Espiritismo ou Doutrina Espirita, Codificagéo do Espiritismo ou da Doutrina Espirita, Revelagao e revelagdes, Doutrina e Movimento, Espiri- tismo no seu triplice aspecto, Fenomenologia e tudo o mais, somente preocupados em facilitar 9 estudo @ o entendimento das coisas, com a precisao possivel, de parte de quantos se interessam ou, no porvir, vierem a interessar-se pelas questées da Doutrina dos Espiritos, que é 0 Consolador Prometido por Jesus. E se a tanto nos encorajamos fol pelo fato notério de virem promovendo confusées, e até mesmo propagando dis- parates, aqueles que se propéem a ensinar sem antes se terem famillarizado com os assuntos de que se arvoram em instru- tores. No nos consideramos tais. Nosso escopo 6 mais modesto: nossas palavras devem ser interpretadas estritamente e, no geral das vezes, como sugestéo 4 pesquisa ou andlise em pro- fundidade. Acreditamos que os males sao provenientes da de- masiada preocupacéo das definigdes restritivas de sentido, cerceadoras do livre desabrochar do pensamento critico dos estudiosos. Moderagéo no definir, definir sem restringir em demasia ¢ jamais emitir enunciados detinidores em termos que no sejam de transitoriedade, As definigdes humanas sdo par- ciais € provisérias, sujeitas a revisées periédicas @ reformula- @6es, no tempo. Definir, no fundo, & agrilhoar. Os grilhées, no entanto, se jungem o homem, jamais limitam a Verdade, que no cabe em nenhuma priséo, Por pensar assim, rogamos que nos leiam as paginas sem reservas mentais @ que néo nos julguem pelas intengdes que lea panne nannhenhehhananhhhraeheehaananmananaananunane no alojamos no cérebro ou no coragéo, porquanto as coisas que estamos escrevendo prestar-se-Ao mals tarde a reformu- Jagées que, no interesse do Espiritismo, hao de ser diligenciadas por amigos e irméos espiritas mais esclarecidos e melhor dota- dos, que nés, do dom da perouciéncia, do descortino, da sen- sibilidade intuitiva e da clareza descritive. Sabemos disso e de antemao nos curvamos respeitosamente 4 sabedoria e ao amor dos mais evoluides que, no Amanha, perlustraréo com mais luz, ponderagao, equilibrio « bom senso os pedregosos e espi- nhentos caminhos do mundo. VIL — “Religiao da razio ou Cristianismo humanitario” Os abusos humanos, em geral, e do sacerdécio profissional, em particular, tém sido os responsaveis pelos desgastes so- fridos pelas religiées, como um todo, e pela confuséo que habitualmente fazem entre Cristianismo e Igreja Romana. Esse desgaste nao é de hoje, mas secular, para néo dizer- mos milenar. A partir do século XVIII, mormente do XIX, a religiosidade auténtica vem sendo malvista por muitos, a ponto de atualmente ser confundida injustamente com as manifesta- Ges exteriores da crenga e da descrenca, do ateismo @ do materialismo, porquanto tals manifestagées, pelo menos em de- terminadas camadas sociais, na Europa como nas Américas, servem a interesses pessoais e de grupos, pouco ou nada signi- ficando além de atos de presenga em templos e igrejas, como se exibem trajes da moda nas festas e solenidades de varia ordem. Salvo, é ébvio, honrosas excegdes. As igrejas e catedrals da Europa sao hodiernamente os timulos ataviados, mas frios, do pensamento religioso tonven- cional dos povos. Atraem pelas expressdes da arte © da sun- tuosidade, para eles convergindo as atengdes e a admiracéo compreensivel de visitantes e turistas. O clero e a nobreza garantiram, outrora, as manifestages do génio artistico, arcando com a responsabilidade de patrocinar construgdes e decoragdes de edificios que ainda hoje causam perplexidade e até mesmo assombro, conservando o patriménio de todas as artes de varias Spocas. Mas o Espirito nao se acha presente e nao 6 sentido psics que visitam as espléndidas naves ou cuja curiosidade se detém nos detalhes das telas, das tapecarias, das esculturas, vitrais, ornamentos e efigies. Escritores brilhantes @ historladores respeitavels, via de regra, n&o conseguem igualmente separar, nas suas obras, 0 joio do trigo. Causam-nos certa perplexidade as conclusées a que chegou, por exemplo, o eminente André Maurois, na sua “Historia da Franga” (tradugao de Godofredo Rangel, Cia, Edi- tora Nacional, 1950, S. Paulo-SP): “O século XVI substitulra na Franca e em grande parte da Europa uma civilizagéo baseada na verdade revelada por outra civilizagéo baseada na experiéncia dos sentidos. Por ocasiéo da queda do Império Romano a filosofia antiga achava-se adormecida; entao a filosotia crist salvara a humanidade, A Renascenga retomou a historia do espirito no ponto em que a tinham deixado 0s filésofos gregos, Nada existia ainda, no aspecto ex- terior da Franga, com exceg¢éo dos monumentos e poe- mas, que revelasse essa mudanca. Mas o tiro atingira 0 alvo; os homens dos tempos modernos consultariam mais a Natureza do que a Biblia. Boa ou m&, essa revolugao ainda néo terminou em nossos tempos. Pode- r4 terminar, quer com um desastre universal, quer com uma nova forma de estado mundial, por uma “cristan- dade” cientifica @ humanitéria, por uma religigo da 1aZ40, ou, finalmente, por um retorno & Cidade de Deus.” (P. 188.) Quando o historiador grafou essas palavras existla no mundo 0 Espiritismo. O trabalho de Allan Kardec estava con- cluido, na mesma Franca onde Maurois terminaria de escrever a substanciosa obra citada. Uma cristandade cientifica e humanitéria como sinénima de religiao da razéo, no como diferentes op¢des, ele a teria identificado na Doutrina dos Espiritos, se houvesse levado um pouco adiante as suas perquiriges histéricas, desde que dis- posto realmente a investigar de mente aberta. Todavia, a barreira representada pelo desgaste das idéias das religides cristalizadas nos dogmas e conveniéncias politicas e mundanas, que ele nao saberia transpor, como nao transpés realmente, CUCU EETT TTT velou-Ihe a perspectiva maior para poder contemplar uma santa realidade, Possivelmente também néo Ihe fossem suficientes algumas leituras ou estudos menos profundos, para acertar na concluséo de que, a despeito da presenga do Consolador Pro- metido por Jesus, entre os homens, desde o século pasado, no seria essa presenca de molde a preservar do desastre an- tevisto, como primeira alternativa, a civilizagao que se detém ainda alicergada exclusivamente na experiéncia dos sentidos e na consulta a Natureza. O desastre pode acontecer e entao 0 Consolador funcionaré como Instrumento de cooperagéo nos esforgos de refazimento, porquanto dos escombros da insen- satez humana brotaré outra vez a verdade revelada e os seres infelizes consultardo os textos divinos, ao mesmo tempo que néo desprezarao a experiéncia dos sentidos e os recursos da Natu- reza. As trés primeiras alternativas de André Maurois se cons- tituem, efetivamente, em dois momentos complementares de uma seqiéncia dos fatos da Histéria. Nao haverd, porém, um retorno idade de Deus, da obra de Santo Agostinho, porque, depois, a Nova Civilizagéo marcaré o tim dos contlitos intentados pela cidade terrestre contra a cidade de Deus: os homens teréo adquirido duramente a certeza de que suas muitas iniqiidades levaram-nos a todos os dramas funestos e néo conseguiram solucionar os problemas do ser e do destino. Experimentarao, dai em diante, com éxito, 0 Evangelho! Rio de Janeiro-RJ, 31 de maio de 1979 Francisco Thiesen Capitulo I A FAGULHA DA RENOVACAO As ins6litas manifestacdes de Hydesville (Estado de New York), misteriosamente surgidas na residéncia das irmas Fox, em fins da metade do século XIX, rapidamente foram tomando terreno e em pouco tempo todo o Velho Continente ava a par dos rappings, das mesas girantes e dancantes e de outros fenémenos inabituais. O grande ruido da América comunicou-se 4 Alemanha, & Franca, 4 Inglaterra, A Espanha, & Itdlia, & Turquia e a outros paises, invadindo todas as classes Sociais, da choupana 20 palacio, Verdadeira época de loucura — comentavam os jornais da época. Revolucéo inacreditavel nas leis fisicas. Os objetos repentinamente pa- reciam ter adquirido movimento auténomo, nos pontos mais diferentes do Mundo, em 1853 1 — Os acontecimentos de Hydesville, em 1848 Devendo citar varias vezes os sucessos de Hydesville, re- produzimos sucinto histérico das ruidosas e célebres mani- festagdes havides na América do Norte, da pena brilhante de Lino Teles (Ismael Gomes Braga) (1 “Wa noite de 28 de marco de 1848, nas paredes de ma- deira do barracdo de John D. Fox, comecaram a soar panca- das incomodativas, perturbando o sono da familia, toda ela metodista, As meninas Katherine (Katie ou Kate), de nove anos de idade, e Margaretta, de doze anos (2), correram para o quarto dos pais, assustadas com os golpes fortes nas paredes e teto de seu quarto. Esse barracdo, na aldeia de Hydesville, no Condado de ‘Wayne, perto de New York, era construido em terreno pan- tanoso. Os alicerces eram de pedra e tijolos até a altura Ga adega e dai para cima surgiam paredes de tabuas. Seus iiltimos ocupantes haviam sido os Weekmans, que posterior- mente também confessaram ter ouvido ali batidas na ‘porta, passos na adega e fendmenos outros inexplicaveis. No dia 31 de marco de 1848 a familia Fox deitou-se mais cedo do que de costume, pois havia trés noites seguidas que no podiam conciliar o sono. Foi severamente recomendado &s criangas, agora dormindo no quarto dos pais, que nao se referissem aos tais ruidos, mesmo que elas os ouvissem. (2) "0 comeco da histéria sem fim”, artigo republicado em ‘Reformador” de abril de 1978, pp. 129/130) (2) Ha, com relagio a essas idades, pequenas diferencas entre os autores, seja para menos, seja para mais. As idades que anotamos sao devidas a Robert Dale Owen, e parecem ser as corretas. (Veja-se 2 obra “Katie Fox”, de W. G. Langworthy Taylor, 1933, pp. 47/48.) ACAARAABRALRALBAALARARARAEARLARERARAARAARE Eee ALLAN KARDEC 51 The Fox Cottage, Wayne Country, Hydesville, N.Y., 31 de marco de 1848 Nada, porém, obstou a que pouco depois as pancadas voltassem, tornando-se as vezes em verdadeiros estrondos, que faziam tremer até os méveis do quarto. As meninas assentaram-se na cama, e o Sr. John Fox resolveu dar uma busca completa pelo interior e pelo exterior da, pequena vivenda, mas nada encontraram que explicasse aquele mistério. Kate, a filha mais jovem do casal, muito viva e jé um tanto acostumada ao fenémeno, pés-se em dado momento a imitar as pancadas, batendo com os seus dedos sobre um mével, enquanto exclamava em direcéo ao ponto onde os ruidos eram mais constantes: “Vamos, Old Splitfoot, faga © que eu fago.” Prontamente as pancadas do “desconhecido” se fizeram ouvir, em igual numero, e paravam quando a menina também parava, Margaretta, brincando, disse: “Agora, faga 0 mesmo que eu: conte um, dois, trés, quatro”, e ao mesmo tempo dava pequenas pancadas com os dedos, Foi-lhe plenamente satis- feito esse pedido, deixando a todos estupefatos e medrosos, Estava estabelecida a comunicacio dos vivos com os mor- cos ¢ assentada uma nova era de mais dilatadas esperangas, @ prova provada da continuidade da vida além do ztzaulo, 52 ZRUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN Naquela mesma noite de 31 de marco varias perguntas foram feitas pelos donos da humilde casa e por alguns dos inumeros vizinhos ali chamados, obtendo-se sempre, por meio de certo mimero de pancadas, respostas exatas as questées formuladas. O comunicante invisivel forneceu ainda a sua hist6ria: fora um vendedor ambulante, que antigos morado- res daquela casa assassinaram, havia uns cinco anos, para furtar-Ihe o dinheiro que trazia; seu corpo se achava sepul- tado no porfo, a dez pés de profundidade. Primelra comunicagéo obtida em Hydesville, quando Kate Fox recebe resposta ‘gos seus sinais. Desenho de S. Drigin No barracio havia residido, em 1844, o casal Bell, sem filhos, e que sé tinha uma eriadinha, Lucretia Pulver, que néo raro dormia fora, em casa dos pais. Feito um inquérito, foi ela ouvida, pois o casal j4 havia desaparecido do lugar. Lembrava-se de um vendedor ambulante que certo dia apare- cera no barrac&o, e que os patrées a mandaram dormir na casa dos pais, para que o héspede pernvitasse no quarto dela. Pela manhé compareceu ela em casa dos patrdes e soube que © vendedor partira muito cedo, Diante do depoimento obtido pelos golpes do batedor in- vistvel, foram feitas escavacdes no pordo, mas era tempo de chuvas e, como a Agua enchia logo a fossa que se abria no terreno pantanoso, resolveram realizar a busca em época pro- ALARARARTLARARARARARARARERRERERER ARE ALLAN KARDEC 33 picia, No verfo, continuaram a escavacio e, a cinco pés de profundidade, foram encontrados carvao, cal e alguns ossos humanos. Por ser muito incompleto o achado, os inerédulos teceram suas duividas sobre a verdade da revelacao, As pancadas continuavam, tendo-as testemunhado varias centenas de curiosos. A pouco e pouco foram estabelecendo uma convenc&o para receberem respostas mais detalhadas as perguntas que se faziam aos autores invisiveis. Convencio- nou-se um alfabeto em que cada letra representaria determi- nado ntimero de batidas: o A seria uma, o B seria duas, 0, trés, e assim por diante. As meninas Fox viajaram, e também em outras casas, onde se hospedavam, ouviam-se as tais pancadas, travavam- -se novas conversagdes com os Espiritos, processando-se ainda outros fenémenos interessantissimos. Notou-se que possuiam elas uma faculdade especial, e pouco depois se observou que outras pessoas eram dotadas de semelhantes faculdades: 20 contacto de suas m&os uma mesa se levantava, dava pan- jargaret, Kate © Leah), fia de 1850 Z8US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN cadas com os pés, e essas pancadas respondiam. com inteli- géncia a perguntas, Nomes de respeitéveis personalidades j& falecides assinavam belas mensagens anunciadoras de uma revolugéo no campo moral das criaturas humanas, dizendo que afinal os tempos eram chegados para que novos hori- 4 zontes se descortinassem aos destinos do homem. : Surgiu a época das mesas girantes que se tornou epi- demia no mundo, como se pode ver da interessante obra de Zéus Wantuil, “As Mesas Girantes e o Espiritismo”, Foram as mesas girantes, e depois falantes, que chama- ram a ateng&o do Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail para os fenémenos espiritas, Depois das mesas surgiu a escrita com o lapis preso a ‘ uma cestinha de vime e, finalmente, com a mao do médium, Servindo-se desses ultimos meios, Rivail elaborou a grandiosa Coditicacéo do Espiritismo, Outros casos de depoimentos pessoais de mortos foram registrados e alguns confirmados posterformente. Os rappings e knockings nao mais se usaram na transmissao de noticias e i informagées de além-tumulo. O barracdo de John Fox enve- Theceu e desmoronou em parte (3), esquecido de todos, visto que surgiram fenémenos muito mais expressivos, formas de identifieacéo de Espiritos comunicantes muito mais convin- centes que levaram os estudiosos & certeza da continuacao da vida post mortem. Passou meio século de esquecimento sobre Hydesville, His sendo quando, alguns escolares da aldeia, brincando no local das ruinas do barracio, notaram que havia caido parte de uma parede interna, junto do alicerce, deixando visivel um esqueleto humano quase inteiro e um bai de ferro, Recontirmava-se, assim, a declaragao do Espirito do vendedor ambulante feita havia cingiienta e cinco anvs, O casal Bell ocultara o cadaver € o batt junto da parede da adega e cons- trufra pelo lado interior outra parede. O fato foi consignado pelo “Boston Journal” de 23 de novembro de 1904, que disse terem ficado assim desvanecidas as wltimas sombras de du- vide, ainda existentes KRRRAR Re (3) Em 1916, Benjamin F. Bartlett adquirlu os restos do velho barracdo, reconstruindo-o na cidade de Lily Dale, N.¥., onde é con- vado até os dias atuals. (Veja-se o “Grand Souvenir Bock of =e World Centennial Celebration of Modern Spiritualism”, obra publi- 2 nos Estados Unidos, em 1948, p. 12.) CSU TT TU U a ALLAN KARDEC 55 Ao que tudo indica, o cadaver fora enterrado no centro do porao. Depois, conforme argumenta Sir Arthur Conan Doyle, alarmado o criminoso pela facilidade que havia em ser descoberto o crime, exumou o corpo para junto do muro. Ou porque a transferéncia se verificasse com muita preci- pitagdo, ou porque a luz era escassa, ficaram vestigios da inumagdo anterior. Situagdo atual do_barracdo de Hydesvilio transferido por Benjamin F. Bartlett, em maio do 1916, para Lily Dale Spi- ritualist Camp. N. Y. Hoje, esses ossos e 0 batt se acham em Lily Dale, em um museu, registrando a triste histéria da inferioridade humana, e recordando o nascimento de uma Nova Histéria para a Humanidede. Um mundo de novos fendmenos meditinicos, que se segui- ram ao episédio de Hydesville, abriu outros caminhos aos estudiosos. Allan Kardec dilatou ainda mais os conhecimen- tos a esse respeito, sablamente coordenando-os para uma com- preenso menos imperfeita e mais justa do todo. Posterior- mente, célebres trabalhos, devidos a homens notéveis, trouxe- ram subsidios importantes & obra do Codificador, muitos deles incorporando-se & Codificac&o, pois que esta néo pode- ria ficar estatica em determinado tempo, tendo de viver e crescer sempre, confirmada e apoiada por novos fatos bem 4 f : | 1 : : : i : : 2 — As «mesas girantes e dancantes» Em 1853, a Europa inteira tinha as atengdes gerais conver- gidas para o fenémeno das chamadas “mesas girantes e dan- cantes”, considerado “o maior acontecimento do século” pelo Rev." Padre Ventura de Raulica, entao o mais ilustre repre- G. Ventura de Raulica (1792-1881) eg BM AMAAAALGLALHAGZGALALALARALZERLAL VU ALLAN KARDEC 37 sentante da teologia ¢ da filosofia catélicas, Em toda pales- tra havia sempre uma referéncia as mesas fantasticas: table volante ou table tournante, para vs franceses; table-moving, para os ingleses; tischrileken, para os alemaes. (4) A imprensa informava e tecia largos comentarios acerca das estranhas manifestacées, e, a nfo ser o grande fisico inglés Faraday, o sabio quimico Chevreul, » conde de Gas- parin, o marqués de Mirville, o abade Moigno, Arago, Babinet e alguns outros eminentes homens de ciéncia, bem poucos se importavam em descobrir-Ihes as causas, em explicé-las, a maioria dos académicos olhando os fenémenos com superiori- dade e desdém, Um articulista da época transcrevia em “Histéria da Semana”, no periddico “L'Tllustration” (14 de maio de 1853), a interessante crénica do famoso critico e literato francés, Julio Janin. ‘Toda a Europa (que digo eu, a Huropa?), neste mo- mento 0 mundo inteiro tem o espirito voltado para uma Jules-Gabriel Janin (1804-1874) (4) © leltor que desejar conhecer melhor 0 histérico dessa época, poderé fazé-lo em “As Mesas Girantes ¢ 0 Espiritismo”, de Zéus Wantuil, 28 edigso da FEB, 1978, com ilustracdes e mais de tre- zentas paginas 58 ZEUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN experiéneia que consiste em fazer girar uma mesa, SO se ouve falar, por toda parte, da mesa que gira; o proprio Galileu fez menos rufdo no dia em que ele provou ser realmente a Terra quem girava em torno do Sol, Ide por aqui, ide por ali, nos grandes saldes, nas mais humildes mansardas, no atelier do pintor, em Londres, em Paris, em New York, em Sao Petersburgo — e vereis pessoas gravemente assentadas em torno de uma mesa vazia, que eles contemplam 4 semelhanca daqueles crentes que passam a vida a olhar seus umbigos! Oh! a mesa! ela fez tbua rasa dos nossos prazeres de todas as tardes.” Em Paris de 1853, principalmente, a recreacéio mais pal- pitante e mais original era a das “mesas girantes”, havendo ia quase que absoluta pelas mesas feitas de Desenhos da época pintam os saldes da alta aristocracia parisiense com a sua nota caracteristica: senhores respei- taveis, senhoras e senhorinhas elegantes, reuniam-se em torno de mesas redondas, espalmando as maos um pouco acima delas (formava-se uma corrente pelo contacto de todos os dedos minimos), com o intuito de fazé-las movimentar; outro grupo tentava obter o movimento de uma bola suspensa por um fio; outro, um pouco distante, usava uma cesta munida de um lapis, sobre a qual uma dama coquette colocava a mao adornada de brilhantes, na esperanca de conseguir al- gum rabisco numa. ardésia; além, respeitdvel senhor de cava- nhaque procurava movimentar uma cartola, sem tocé-la, é l6gico. Nos mais diferentes locais, eram as experiéncias da moda, A conversa, tanto nos elegantes boulevards quanto nos faubourgs mais humildes, discorria invariavelmente acerca das mesas falantes e da guerra da Russia contra a Turquia (5) Os fenémenos constituiam para a generalidade dos assis- tentes um passatempo como qualquer outro, Quase ninguém se aprofundava no estudo da causa de tais manifestacdes extraordinarias. As vezes surgia uma que outra pretensiosa explicagao, que logo era desprezada, por nao poder satisfazer avs fatos observados. Por esta época, o grande fisico inglés (3) “Paris sfoccupe en ce moment de deuz choses: la guerre @Ortent et ies tables parlantes” — assim se iniclava um artigo publi- cado em “LiIilustration” de 26 de novembro de 1853. ALLAN KARDEC 59 Michaél Faraday (1791-1867) Faraday, embora afirmasse a sua convicedo na realidade das mesas girantes, expés, no jornal inglés “L’Athenaeum”, uma teoria tendenciosa, a que, entretanto, nao se deu a impor- tancia que parecia desejar. © importante semanério parisiense “L’Illustration”, de 25 de junho de 1853, informava entao que uma tinica “pessoa” nao se achava nada satisfeita com tudo isto: a Academia, “que ainda — acrescentava com certo ar de pouca espe- ranga — esta a pesquisar as causas ocultas desse fenémeno de mesas girantes”. Livros que tratavam dessas mesas co- mecaram a aparecer, atraindo leitores aos milhares, citando- -se, entre os autores, Roubaud, Gasparin, Mirville e -outros. Em 24 de dezembro de 1853, “L’Illustration” registrava a seguinte nota: “Depois que um eclesiéstico, correspon- te de “L'Univers”, descobriu Sata, em pessoa, numa mesa Ge trés pés, as “mesas falantes” adquiriram uma fama si- ‘a que Ihes valeu serem postas formalmente no Index dois dos nossos prelados, os Rev." bispos de Orledes e viers,” ‘Mas as mesas continuaram... Veio o Santo Oficio e, em agosto de 1856, condenou os fenémenos em voga, dizendo 60 Z£US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN A esquerda, os tedricos das “meses Politico, Velpeau © Lambal do mundo de além:t antes": Babinet era fisico, Gasparin, des. A direita, alguns investigadores imulo, vendo-se 0 préprio Kardec serem conseqiiéncia de hipnotismo e magnetismo (j4 que pouca gente acreditava em peripécias do “diabo”), e tachava de hereges as pessoas por intermédio das quais eles eram produzidos. (6) (8) J. Bricout: “Dictionnaire pratique des connaissances reli- sicuses”, 1928, t. VI, p. 443. ALADLALALLALABLLADLALLEALEAEBEAREEEEEEE . 3 — Da diversio aos estudos sérios | ‘A principio, os magnetistas e outros observadores supu- mham que tudo fosse conseqiiéncia da agdo de um fluido magnético ou elétrico ou de um outro qualquer, de proprie- dades desconhecidas, Partilhava do mesmo pensamento, como ele proprio 0 confessa em sua obra “O que é 0 Espiritismo” (7), o Professor y 7% 1] i \ | * e Honoré Daumier satirizcu numa das suas litografias as mesas irantes; um dos magnetizadores da mesa esta resfriado (7) Allan Kardec: “O que é o Espiritismo", 148 edigdo FEB, pp. 40 e 47 rwIwaagnewaewwerwoanvwvwvuvwvwvovwvoweronorneeereree \ \ i ' i i ZUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN Denizard Rivail, que desde os 19 anos de idade (8) se inte- ressava pelos estudos de “magnetismo animal” e que aceitara © fluidismo mesmeriano, Segundo ele, “o fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam”, e dai, naturalmente, ter também aceito esta primeira explicacao para as “mesas girantes” Em fins de 1854, o Sr. Fortier, magnetizador com quem Rivail mantinha relagées, Ihe trouxe a estranha nova: as mesas também “falavam”, isto é, interrogadas, respondiam qual se fossem seres inteligentes, E mais: por um dos seus pés, ditavam até magnificas composicées literarias e musicais. Rivail, possuidor daquela légica austera e daquele senso que abriga o espirito de entusiasmos desarrazoados e de ne- gagées @ priori, ouviu tudo 0 que o amigo Ihe contava e respondeu, como verdadeiro homem de razdo cientifica: “S6 acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonémbula, Até 14, permita que eu nao veja no caso mais do que um conto da carochinha.” (8) “Revue Spirite”, 1858, pp. 175/176. CAADBLAALAAARAALARARLALALAAALELE EEE 4— HLL. D. Rivail, educador, estuda os fatos A propésito da noticia veiculada pelo Sr. Fortier, o ilus- professor faria este comentario adicional: “Eu ainda nada vir, nem observara; as experiéncias, realizadas em presenca de pessoas honradas ¢ dignas de @, confirmavam a minha opinido, quanto & possibilidade do efeito puramente material; a idéia, porém, de uma mesa “falante” ainda nao me entrara na mente,” Conforme assinalara a escritora inglesa Anna Blackwell, que 0 conheceu de perto, aquele espirito “ativo e tenaz” era “precavido até quase a friez, céptico por natureza e por educacao”. Aliés, cerca de trinta anos antes, quando Rivail tinha apenas 24 primaveras, sua preocupaéo cientifica e seu card- ter eminentemente positivo o fariam escrever numa obra sobre a educacao ptiblica: “Aquele que houver estudado as ciéncias rir, entao, da credulidade supersticiosa dos igno- rentes. Néo mais creré em espectros e fantasmas. Nao mais aceitara fogos-fatuos por espiritos.” (9) Foi, portanto, como racionalista estudioso, emancipado do misticismo, que ele se pds a examinar os fatos rélacio- nados com as “mesas falantes”: “Tendo adquirido, no estudo das ciéncias exatas, 0 habito das coisas positivas, sondei, perserutei esta nova ciéncia (o Espiritismo) nos seus mais ntimos refolhos; busquei explicar-me tudo, porque no cos- tumo aceitar idéia alguma, sem Ihe conhecer 0 como e 0 porqué.” (10) (9) Jean Vartier; “Allan Kardee, la naissance du spiritisme”, Librairie Hachette, 1971, p. 29. (10) Allan Kardec: “O que é o Espiritismo”, 14 ed. FEB, p. 36 a : a a a 64 Z8US WANTUIL E FRANCISCO THIBS! Como se vé, € o disse muito bem André Moreil (11), “entre Rivail, o educador, e Allan Kardee nao ha diferenca alguma, nem de método, nem de rigor cientifico”. Em maio de 1855, convidado para assistir a uma reunifio na casa da Sra. Plainemaison, rua Grange-Bateliére, n 18, ai presenciou, pela primeira vez, o fendmeno das mesas que giravam, saltavam e corriam, “em condigées tais” — depse ele mesmo — “que ndo deixavam margem a qualquer di- vida". Viu, ainda, as respostas inteligentes que, por meio de pancadas, a mesa fornecia, e assistiu a alguns ensaios de escrita meditinica numa ardésia, com 0 auxilio do primitivo proceso da “cesta-de-bico” (corbeille-toupie) descrita em “O Livro dos Médiuns”. (12) Os fatos posteriormente observados por Rivail, em 1855, com diferentes médiuns, foram de tal ordem que o perspicaz e clarividente professor sentiu que algo de momentoso se estaria passando: “Entrevi — diria ele mais tarde — naque- Jas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenémenos, qualquer coisa de sério, como que a revelacéo de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo.” (13) Continuando a freqiientar a casa da Sra, Plainemaison, efetuou observagées cuidadosas, repetiu experiéneias, até que encontrou nas sessées da familia Baudin, entao residente & rua Rochechouart, 0 ambiente ideal para prosseguir seus estudos. Em 1856, as sessdes realizadas na casa do Sr. Baudin, entdo sita na rua Lamartine, atraiam seleta e numerosa assisténcia, Conforme esereve o prprio Allan Kardec, “O Li- vro dos Espiritos” ali fora comecado e feito em grande parte. Entre os Espiritos menos sérios que ali se comuni- caram, Kardec cita Frédéric Soulié, notével romancista ¢ autor dramatico, falecido em 1847, que se identificou de mil maneiras e escreveu um conto, publicado na “Revue Spirite”. Ele se manifestou espontaneamente. “Sua conversagdo era espirituosa, fina, mordente, bem a propésito, e jamais des- mentiu o autor das “Mémoires du Diable’.” “O médium que ihe servia de intérprete era a Srta. Caroline Baudin, uma (11) André Moreil: “La vie et Yoouvre d’Allan Kardec”, Bdl- tions Sperar, Paris, 1961, p. 84 (12) Allan Kardec: “O Livro dos Médiuns”, ed. da FEB, capi- tulo XIII, ne 154, (13) Allan Kardec: “Obras Postumas", 10.8 ed. da FEB, p. 239. ALLAN KARDEC 65 Fredérie Soullé (1800-1847) das filhas do dono da casa, médium inteiramente passiva, que nunca tinha a menor conseiéncia do que escrevia, po- dendo rir e conversar livremente, o que ela fazia com natura- lidade, enquanto a sua méo psicografava. O meio mecanico usado fora, durante muito tempo, a cesta-de-bico (corbeill: -toupie) (...). Mais tarde, o médium se serviu da psicografia direta.” Estes dados informativos constam do Prefacio que Kardee fez para o conto de Soulié, acima referido, e que assim inti- tulou: “Une nuit oubliée ou la sorciére Manouza* (Mille deuxiéme nuit des Contes arabes)”. (14) Diante de fatos que tais, péde o Professor Rivail concluir pela origem extraterrena dos numerosos manifestantes, a re- velarem a sua condic&o de Espiritos, de almas daqueles que j4 tinham vivido na Terra, identificando-se de mil maneiras. ‘Quando uma raca, uma arte, uma ciéncia, um credo pyeparam o seu advento, o homem extraordindrio aparece “Revue Spirite”, 1858, pp. 315/317. 66 ZRUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN personificando novas orientagdes dos povos ou das idéias, Anuncia-se como artista ou profeta, desentranha-as como in- ventor ou filésofo; empreende-as como conquistador ou esta- dista." Estas palavras de Ingenieros se aplicam como uma luva a0 nosso biografado, © Consolador, consubstanciado no Espiritismo, vinha de alvorecer, e um homem extraordinério fora destinado a pre- parar-lhe o advento e a consolidacio, Hippolyte Léon Deni- zard Rivail foi este homem. Observando, comparando e jul- gando os fatos, sempre com cuidado e perseveranea, concluiu que realmente eram os Espiritos daqueles que morreram a causa inteligente dos efeitos inteligentes e deduziu as leis que regem esses fenémenos, deles extraindo admiraveis con- seqiiéncias filoséticas e toda uma doutrina de esperanga, de consolagées ¢ de solidariedade universal, A Terceira Revelacdo chegava na “hora H”. O século XIX vivia a filosofia do desespero, e o nada era a “suprema liber tagdo” que todos esperavam, © criticismo, o positivismo, 0 materialismo e o pessimismo reduziam a vida a simples agre- gacdo de matéria, que com a morte se extinguirla, Como justificar a vida, se o nada era o fim de tudo? Portanto, viver era um contra-senso, uma aberragao da Natureza, Todos esses sistemas de filosofia negativista eram a conseqiiéncia inevitavel, fatal, da corrupedo mesma da Igreja, “corrupeio de que resultava, a um sé tempo, a decadéncia da f6 nas almas cristds, e a reacdo dos espiritos independentes, interes- sados na obra da civilizacio e Avidos do conhecimento da verdade”. (15) Fis como pintou a tragédia da época o Dr, Romeu do Amaral Camargo: “Sepultade na treva da propria cegucira, a Humanidade havia esquecido a palavra redentora do Naza- reno, A imortalidade sufocava-se ao peso de um materialismo sem peias. No oceano da vida, flutuava sem leme a idéia espiritualista, batide pelo furacdo da divida, gerada e deso- vada pelo negativismo ja triunfante...” (16) Lamennais, 0 famoso filésofo e tedlogo francés da pri- meira metade do século XIX, assinalava que entao se vivia a praga do século, a indiferenca em matéria de religido. (17) (15) Farias Brito: “O Mundo Interior”, (16) “O Revelador”, érgo da Unido Federativa Paulista, So Paulo, 1941, p. 74 (1D) Apud “L'llustration”, 1869, pp. 237/8. AUADVAADAAAAARAARARAARARAATATARR AAT ALLAN KARDEC F. R, de Lamennais (1782-1854) No meio de todo esse caos, desse “século de tempestade e de enfraquecimento, que se faz devorar pelo cepticismo e maldiz seu mal, sem querer curé-lo” (18), ameacado de fazer sogobrar as esperancas da Humanidade, de decretar “a morte de todas as crengas, a ruina e o desastre da civilizagéo con- tempordnea”, os homens puderam contemplar a luz de uma nova Doutrina, que despontava no horizonte, anunciando a claridade do dia. % Kardec quem nos diz dos seus temores ante a rele- vancia da magna revelagdo que a Espiritualidade vinha trazer & Terra: “Compreendi, antes de tudo, a gravidade da explo- ragéio que ia empreender; percebi, naqueles fenémenos, a chave do problema tao obscuro e tao controvertido do pas- sado e do futuro da Humanidade, a solugdo que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolugio nas idéias e nas crencas; fazia-se mister, portanto, andar com a maior cireunspeccdo e nao levianamente; ser positi- vista e no idealista, para néo me deixar iludir.” Freqiientando reunides intimeras onde, por meio da “cesta”, muitas vezes se obtinham comunicagdes que deixa- (28) Palavras do filésofo suico Charles Secrétan, no século XIX. 88 28US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN vam fora de toda a dtivida a intervencio de entidades es- tranhas aos presentes, Rivail comecou a levar para as sessées uma série de perguntas sobre problemas diversos, as quais os Espiritos comunicantes respondiam “com precisio, profun- deza e légica”. “Mais tarde — escreveu ele depois —, quando vi que aquilo constituia um todo e ganhava as proporcées de uma doutrina, tive a idéia de publicar os ensinos recebidos, para instrucdo de toda a gente.” (19) (19) Kardee: “Obras Péstumas”, 10.8 ed. da FEB, p. 242. AULLULTLACAVCATLALAUAALEEABEEALELELETEAE 5 — O Missiondrio-chefe da Doutrina Espirita Em 1856, a 30 de abril, em casa do Sr. Roustan, a médium Srta. Japhet, utilizando-se da “cesta”, transmitiu a Rivail a primeira revelacéio positive da missio que teria de desem- penhar, fato que mais adiante, em cireunstancias diferentes, seria, confirmado, e com mais clareza, por outros médiuns. # uma pagina emocionante da historia da vida de Rivail Humilde, sem compreender a razdo de sua escolha para mis- sionério-chefe de uma doutrina que revolucionaria o pensa- mento cientifico, filoséfico e religioso, pareceu duvidar, Mas © Espirito da Verdade the respondeu: “Confirmo » que foi dito, mas recomendo-te discrigdo, se quiseres sair-te bem. Tomarés mais tarde conhecimento de coisas que te explicaréio © que ora te surpreende. Nao esquecas que podes triunfar, como podes falir. Neste ultimo caso, outro te substituiria, porquanto os designios de Deus no assentam na cabeca de um homem,” E & imitagdo da Virgem Maria, Rivail elevou uma prece ao Criador, nestes termos: “Senhor! pois que te dignaste Jangar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus de- signios, faga-se a tua vontade! Esté nas tuas maos d minha vida; dispée do teu servo. Reconheco a minha fraqueza diante de to grande tarefa; a minha boa-vontade nao desfalecera, as foreas, porém, talvez me traiam. Supre a minha defi- ciéncia; da-me as forcas fisicas e morais que me forem ecessdrias, Ampara-me nos momentos dificeis e, com o teu guxilio e dos teus celestes mensageiros, tudo envidarei para covresponder aos teus designios.” A tavefa agora 6 bem maior, de gravissima responsa- ¢ de suma relevaneia, visto que traria conseqiiéncias Z®US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN de aleance mundial, para todos os tempos. O “diseipulo de Pestalozzi” aceita as funcées de “missionario do Consolador”. Nunca elaborando teorias preconcebidas, sem nenhuma tendéncia ao espirito de sistema, e sé admitindo por valida uma explicacdo quando ela resolvia todas as dificuldades do problema, o Prof, Rivail comegou a tecer com os fatos, consi- derados ridiculos ou vulgares pela maioria, a grande obra da Terceira Revelacéo. “Um dos primeiros resultados das minhas observacées — frisa ele — foi que os Espiritos, ndo sendo sendo as almas dos homens, nao tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciéncia; que o seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento, e que a opiniio deles nao tinha seno o valor de uma opinigo pessoal. Esta verdade, reconhecida desde 0 comeco, evitou-me o grave escolho de crer na sua infalibilidade e preservou-me de formular teorias prematu- ras sobre a opiniao de um s6 ou de alguns, S6 o fato da comunicacio com os Espiritos, o que quer que eles pudessem dizer, provava a existéncia de um mundo invisivel ambiente; era j4 um ponto capital, um imenso campo franqueado as nossas exploragées, a chave de uma multiddo de fenémenos inexplicados. O segundo ponto, no menos importante, era conhecer o estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo, observei que cada Espirito, em raziio de sua posic&o pessoal e de seus conhecimentos, des- vendava-me uma face desse mundo exatamente como se chega a conhecer o estado de um pais interrogando os habitantes de todas as classes e condicdes, podendo cada qual nos en- sinar alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar-nos tudo.” 7 Hippolyte Léon Denizard Rivail prosseguiu com’ devota- mento exemplar seus estudos acerca da comunhao entre o mundo dos encarnados e 0 dos desencarnados. Acumulava 0 fruto de intenso trabalho, revendo anotacées anteriormente feitas e procedendo a retificagdes sugeridas pelos Espiritos que o assistiam em tao nobilitante labor. Inicialmente, o Professor Rivail esteve a ponto de aban- donar as. investigagées, porquanto nao era positivamente um entusiasta das manifestagdes espiritas, Premido também por preocupagées de outra ordem, quase deixou de freqiientar as sessdes, somente nfo o fazendo em atenctio a pedidos rei- ados de um amigo de vinte e cinco anos, o Sr. Carlotti, de um grupo de intelectuais composto do dramaturgo £T1111010011700000000000080000000006 Victorien Sardou e seu pai, o Professor e lexicégrafo Antoine Léandre Sardou; do futuro membro da Academia Francesa, Saint-René Taillandier; do livreiro e editor da Academia, Vietorien Sardou, ‘aos 26 anos, Pierre-Paul Didier; de Tiedeman-Marthése (20) e de outros, que acompanhavam, havia cinco anos, 0 estudo desses fen6- menos e tinham reunido cingtienta cadernos de comunicacées diversas, obtidas principalmente por intermédio da “sonam- bula” Srta, Japhet, Confiando na competéncia e honestidade de Rivail, eles Ihe delegaram a ingente tarefa de compilar, separar, com- parar, condensar e coordenar as comunicagées que 0s Espi- ritos Ihes ditaram. © talentoso professor leu atentamente esses cadernos, dissecou-os com aquela sua conhecida acuidade intelectual, joeirou com prudéncia e imparcialidade as informagées vindas dos Espiritos, elegendo os ditados que pudessem formar, juntamente com outros recebidos de mais de uma dezena (20) Distinto fllésofo holandés, segundo colhemos num discurso de P.-G. Leymarie. Primo coirmao da rainha da Holanda, certa vex representou, como “residente”, o governo holandés perante a populagdo de Java. 12 ZRUS WANTUIL E FRAN ‘SCO THIESEN de médiuns psicégrafos, a obra que seria o clarim do “Conso- lador” prometido por Jesus, Assinala Kardee (21) que foram as senhoritas Baudin 0s médiuns que mais concorreram para esse trabalho, sendo quase todo o livro escrito por intermédio delas e na presenca de seleta ¢ numerosa assisténcia, Infenso ao misticismo ¢ ao fanatismo, comecou ele a eri- gir, no téte-d-téte com o Além, as bases do monumental edifi- cio doutrinario do Espiritismo “Conduzi-me com os Espiritos, como houvera feito com os homens, Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar e nao reveladores predestinados. Tais as dis- posicdes com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre, Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui.” Assistido direta e indiretamente de uma pléiade de Espi- ritos Superiores superintendidos pelo Espirito da Verdade, ele desenvolvia, completava e remodelava aqui e ali o seu trabalho, Pronta a obra, antes de ser entregue aos editores, os Espiritos recomendaram uma reviséo completa, que foi feita com 0 concurso meditinico da Srta. Japhet, em sessées particulares realizadas & rua Tiquetonne, n? 14, na casa do Sr. Roustan, em dias e horas predeterminados pelos préprios Espiritos. (22) Pelais-Royal (1853) (21) “Revue Spirite”, 1858, pp. 36 e 315/317 (22) Id. ib., p. 36 ABALACAGAAACAALABLAAAARAARARARARARAEREEE ALLAN KARDEC 13 Em prineipios de 1857, o livreiro E, Dentu (Palais Royal, Galérie d'Orléans, 13 — Paris) encaminhava a primeira obra espirita de Rivail & Tipografia de Beau, em Saint-Germain- ~en-Laye, cidade situada 23 quilémetros a oeste de Paris, palco, em 1570, da assinatura do tratado de paz entre catdlicos € protestantes, que pés fim & terceira guerra de religiao, Novos trabalhos de revisio e aprimoramento e a obra primeira da Codificagao estava concluida. A citada tipogratia comecou, por sua vez, a impressio, dando-lhe o indispensdvel acabamento, ¢ os editores, representados pelo livreiro Dentu, tiravam-na & praca, na cidade-luz, num dia inesquecivel: 18 de abril 6 — Allan Kardec — 18 de abril de 1857 — «Le Livre des Esprits» A primeira edigéo de “O Livro dos Espiritos", cujo fron- tispicio aqui estampamos (23), era em formato grande, in-8°, com 176 paginas de texto, e apresentava o assunto distribuido em duas colunas. Quinhentas e uma perguntas e respectivas respostas estavam contidas nas trés partes em que entao se dividia a obra: “Doutrina Espirita”, “Leis Morais”, “Esperancas e Consolagées”, A primeira parte tem dez capitulos; a segunda, onze; e a tereeira, trés. Cinco paginas eram ocupadas com interessante indice alfabético das matérias, indice que nas edicdes seguintes foi cancelado. “No momento de publicé-lo — diz H, Sausse (24) —, 0 Autor ficou muito embaracado em resolver como o assinaria, se com 0 seu nome — Hippolyte Léon Denizard Rivail, ou com um pseudénimo, Sendo o seu nome muito conhecido do mundo cientifico, em virtude dos seus trabalhos anterio- res, ¢ podendo originar confusio, talvez mesmo prejudicar o éxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome de Allan Kardec, nome que, segundo lhe reve- lara o guia, ele tivera ao tempo dos druidas.” Sausse explica, noutro lugar de sua obra, que Z..., 0 Espi- rito protetor do Professor Rivail, é quem fez a revelacio acima, tendo Z... (ou Zéfiro) aerescentado que ambos viveram juntos nas Gélias, unindo-os, desde ent&o, uma amizade que os séculos fortaleceriam ainda mais. (23) Fotografado na “Bibliothéque Nationale”, de Paris, (24) Henri Sausse: “Biographie d’Allan Kardee”, 4me édition, pagina 32 UCURCCTTTTTTTTIITIIIIITTIIVTTTITITII "ALLAN KARDEC 5 Foi assim que o surgimento de “O Livro dos Espiritos”, fruto de revelacdes dos Invisiveis — “observadas, comparadas e julgadas” —, tornou duplamente histérica a data de 18 de abril de 1857, pois o nome Allan Kardec identificava 0 Mis- siondrio Méximo do Espiritismo, nascido no mundo dos ho- mens com 0 livro divulgador da respectiva filosofia, aa LE LIVRE | | DES ESPRIT Pan AMA sane | LEQ PRNCIPES 98 La DOCTRINE, SeRITE | | | Panis, DENT, LIBRAIE Primeira edigdo francesa de “0 Livro dos Espiritos” A critica malévola dos adversarios do Espiritismo nao deixou passar sem animadverso o pseudénimo do Professor Rivail. J4 em 1857, este se preocupava em prestar esclareci- 1 1 ' 16 ZRUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN mentos sobre » assunto (26). © Dr. Sylvino Canuto Abreu, residente na cidade de Séo Paulo, possui em seus arquivos © rascunho, escrito pelo préprio punho do Codificador, de uma carta por ele dirigi de 1857, nos seguintes termos: “Duas palavras ainda a propésito do pseudénimo. Direi primeiramente que neste assunto lancei mdo de um artificio, uma vez que dentre 100 escritores hd sem- pre 3/4 que ndo sGo conhecidos por seus nomes verda- deiros, com a sé diferenca de que a maior parte toma apelidos de pura fantesia, enquanto que o pseudénimo Allan Kardec guarda wma certa significagdo, podendo eu reivindicd-lo como préprio em nome da Doutrina. Digo mais: ele engioda todo um ensinamento cujo conhecimento por parte do puiblico reservo-me o di- reito de protelar... Eniste, alids, um motivo que a tudo orienta: ndo tomei esta atitude sem consultar 08 Espiritos, uma vez que nada faco sem ihes ouvir a opinido. E isto o fiz por diversas vezes e através de diferentes médiuns, e néo somente eles autorizaram esta. medida, como também a aprovaram.” (26) (25) Em “Reformador” de 1976 (novembro, pp. 381/333), no ar- tigo “Rivail — 0 direite de ser Kardec”, antecipéramos consideragdes ¢ referénclas sobre o pseuddntmo de H.L.D. Rivall, aqui formuladas. (28) Esse Sr. Tiedeman, destinatério da carta, parece ser 0 mesmo que, & époce, hesitou muito em decidir-se a apoiar Rival, financeiramente, no empreendimento da “Revue Spirite”. Mais tarde (vide “Obras Péstumas”, Segunda Parte, nota aos apontamentos da reuniéo de 15-11-1837, 15 edigo, FEB, p. 204), o Codificador reco- nheceu fora para ele uma felicidade ndo ter tido quem Ihe fornecesse fundos, pois, “‘sozinho, eu néo tinha que prester contes a ninguém, embora, pelo que respeitaya ao trabalho, me fosse pesada a tarefa” A Espiritualidade Superior Ihe adiantara: “Podes preseindir dele.” Pode, realmente, areando pessoalmente com todo o énus da empreitada. A carte, aludida, por constituir documento histérleo do Espirl- tismo, vat transcrita, a seguir, em francés, na parte referente a0 pseudonimo: “Deux mots encore sur le pseudonyme. Je dirai d'abord qu’en cela j’al suivi un rusage regu, pulsque sur 100 écrivains il y en a les 3/4 qui ne sont pas connus sous leur véritable nom, avec cette différence que la plupart prennent des noms de pure fantaisle, tandis que celui d’Allan Kardec @ une signiti- cation et que Je puis le revendiquer comme mien au nom de la doctrine. Je dis plus: 11 renferme tout un enselgnement que je me reserve de faire connaitre plus tard. (...) Ny a ALLAN KARDEC a Somente dezoito anos depois da publicagaéo de “O Livro dos Espiritos” surgiria a oportunidade que os inimigos da Doutrina Espirita esperavam para atacar publicamente e sem rebucos a onomatépose do Codificador. A histéria desse ata- que foi resumida em “Reformador” de dezembro de 1975, as paginas 20 e 21, donde tiramos os seguintes trechos “Cinco anos apés a desencarnacdo de Allan Kardec, a “Revue Spirite” publicow intimeros artigos sobre fotografia de Espiritos, iustrando-os, bem assim as notas informativas que a respeito estampava, com as fotos das pessoas que posavam para os fotégrafos (Buguet — médium — e Firman), e junto ds quais apareciam amigos ov parentes desencarnados. Uma das fotografias, de Madame Allan Kardec, trazia a = Madame Alla 2 fotos que _deram margem ao i célebre Procés des Spirites Kardec. Uma das ailleurs une raison qui domi n'ai point pris ce consulter les Esprits, puisque je ne fais rien sans Je Yai fait & plusieurs reprises ct par différents médiums; or, ils ont non seulement autorisé, mais approuvé cette mesure.” ( manuscrito integra 0 rico acervo do arquivo de raridades histdrieas do Espiritismo, pertencente ao Dr. Ca- nuto Abi ZQUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN imagem do Codificador do Espiritismo, ostentando uma mensagem em francés, transcrita também na “Revue Spirite”. No ano seguinte — 1875 —, precisa~ mente no dia 16 de junho, quarta-feira, instaurava-se um processo que ficaria célebre: o Procés des Spirites (Proceso dos Espiritas), movido em Paris, pelo Minis- tério Puiblico, contra Buguet, Firman e, também (e es- peciatmente, é dbvio), Pierre-Gaétan Leymarie. (...) O Procés des Spirites é algo tenebroso, auténtica peca inquisitorial, 86 concebivel de ter existido nos distantes tempos da Idade Média. As préprias autoridades judi- ciais se permitiram dialogar de forma desrespeitosa com os acusados, avangando conclusées e, mesmo, des- virtuando informagées, com o intuito indisfarcado de prejulgar. Nem sequer a Vitiva Allan Kardec, que pres- tou declaragées como testemunha intimada a compa- recer a interrogatorio, teve o tratamento devido aos seus cabelos brancos, conforme protesto verbal, na hora, e escrito, que exigiu fosse exarado nos autos respectivos,” (27) Do mencionado interrogatério, a que foi submetida a Vitiva Kardec, constam as seguintes perguntas e respostas, relativas a0 pseuddnimo do Codificador: Juiz Millet — Afinal, em que época o Sr. Rivail adotow 0 nome de Allan Kardec? Sra. Rivail — Por volta de 1850. . Juiz Millet — Onde buscou ele esse nome? Num manual de bruxaria? Sra, Rivail — Néo sei o que o Sr. pretende dizer. Juiz Millet — N6s conhecemos as origens dos livros de seu marido; ele se valeu sobretudo de um manual de bruxaria de 1522, de um outro livro intitulado Alberti... e de outros. (27) _O “Procés des Spirites” foi editado pela FEB. Precedendo © inteiro teor do documentario, em francés, hé uma “Apresentagio”, em portugués, fartamente ilustrada e anotada, que Herminio C. Mi- randa preparou (de 123 paginas), a pedido da Federagio Kspirita Brasileira, resumindo 0 livro da Sra. Marina P.-G. Leymarie. Esta iiltima parte foi publicada, também, separadamente. ALLAN KARDEC 9 . Sra, Rivail — Todos os livros de meu marido foram criados por ele, com a ajuda de médiuns e evocagées. Ndo conheco nenhum dos livros a que o Sr. se refere Juiz Millet — és 0s conkecemos; 0 nome de Allan Kardec, que seu marido adotou, é 0 nome de uma grande floresta da Bretanha (28). A Sra. erigiu a sew esposo um timulo no Pére-Lachaise e nele colocou o nome de Allan Kardec; esté convencida de que ele foi tal? Sra. Rivail — Eu creio que ndo se deve gracejar sobre isso. Ndo é agraddvel ver rir de tais coisas. Juiz Millet — Nés nado estimamos as pessoas que se apropriam de nomes que ndo thes perten- cem, escritores que pilham de obras anti- gas, que ludibriam o espirito piiblico. Sra, Rivail — Todos os literatos usam pseudénimos; meu marido nada pilhou. Julz Millet — Foi um compilador, ndo um literato; um homem que fez magia negra ou branca; fique sentada! (29) © que a cega e irreverente malevoléncia dos acusadores do Codificador sempre fez questo de esquecer 6 que o uso de (28) © Juiz incorreu em “equivoco”: nfo sendo téo grande, a tal floresta nfo mereceu registro nos compéndios de Geografia nem nos dicionérios e encielopédias. . (29) Eis o protesto escrito da Vitiva Rivail (p. 8 do apéndice ao “Procés des Spirites”) : “Declaro que o Sr. Presidente da Sétima Camara Correcional nfo me deixou livre para bem desenvolver o meu pensa- mento, pois, em meu interrogatério, introduziu_reflexdes' es- tranhas ao debate e desejou ridiculizar o Sr. Rivail, conhe- cido como Allan Kardec, fazendo dele um simples compilador e negando seu titulo de escritor. Protesto energicamente con- tra essa maneira de interrogar e solicito ser ouvida nova~ mente, porque é costume na Franca respeitar as senhoras, sobretudo quando tém cabelos brancos. Nao deveriam inter- romper-me e mandar assentar-me, apés terem-se divertido com 0 que considero como inatacdvel, ou seja, o direito de ter feito construir um timulo para omeu companhetro de pro- vagdes, para o esposo estimavel e honrado por homens do mais alto valor.” WOUTTT TUTTI i 1 ' 80 ZUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN pseudénimo sempre foi, ¢ e seré comum em toda parte, Nao so apenas os literatos que os utilizam; a pratica também é vulgar entre os artistas e até entre os politicos, Os monar- cas e os Papas se dao novos nomes quando sao coroados. Nas ordens religiosas catélicas trocam-se os nomes dos que fazem votos. E as pessoas de todos os povos, em todos os paises do mundo, usam corriqueiramente apelidos familiares ou sociais A yerdade € que, 20 adotar o pseudénimo de Kardec, 0 Professor Hippolyte Léon Denizard Rivail deu valioso teste- munho no somente de fé, mas igualmente de humildade, pois seu nome civil era dos mais ilustres da Franca. Ele des- cendia de antiga e conceituada familia, cujos membros bri- Tharam na advocacia e na magistratura ‘Uma pessoa com tantos méritos e nome tio ilustre néo precisava ocultar-se, sendo por nobres razées, por tras de um pseudénimo. * *# ® Se Allan Kardec nfo fora um austero sacerdote druida, teria sido talvez, no comeco da era eristé, um daqueles jovens gauleses que, esquecidos da lingua dos pais, disputavam entre si, em grego ou latim, a palma da elogiiéncia nos chamados “Ludi miscelli”, espécie de torneios oratérios instituidos por Caligula em Lugdunum (Lido), Esta cidade tornara-se para a Galia qual foco literrio cujo brilho radiava ao longe. Sébios romanos ali fixaram residéncia, foram fundadas livra~ rias e, a exemplo de Roma, a capital das Gélias tinha, tam- bém, seus professores livres e suas escolas municipais onde se ensinavam as gramaticas grega e latina, a retdrica e a poesia, { ADRADAARARARARAARARAAA RAR eanae 7 — A data maxima do Espiritismo e a repercussio causada por «O Livro dos Espiritos» “Data do aparecimento de “O Livro dos Espiritos” — sentenciou o escritor e editor Maurice Lachatre (30) — a verdadeira fundacio do Espiritismo, que, até entdo, s6 contava com elementos esparsos, sem coordenacao e cujo aleance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atengdo de homens sérios e tomou répido desenvolvimento.” Que contém este luminoso livro? Contém, conforme diz, ‘tese, 0 frontispicio da obra, os Prineipios da Doutrina Espirita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Esp{- ritos suas relagdes com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade, # uma obra de filosofia, nao a filosofia que se entroniza em alturas abstratas, mas aquela acessivel As inteligéncias mais humildes, “O Livro dos Espiritos” aleangou éxito surpreendente na Franca e no resto da Zuropa, com repercussao pelas Améri- cas. Sancionou-o a universalidade dos ensinos dos Espiritos. Victorien Sardou leu a obra e, antes mesmo de haver chegado ao fim da leitura, escreveu a Kardec elogiosa carta, assim formulando a sua opiniao: “B 0 livro mais interessante e instrutivo que jd ti. £ imposstvel que ele néo tenka grande repereusséo: todas as grandes questoes de metafisica e de moral ati estéo elucidadas da maneira mais satisjatéria; todos jouveau Dictionnaire Universel” — Panthéon Littéraire et Encyclopédie Ilustrée, par Maurice Lachatre, tome premier, Paris, Librairie du Progrés, s.d., p. 199 gy ee Pes Ds a Um pene eee aoe Tova , pee ete Ym a) eye ° "Giles 4 a, Rascunho de carta que Victorisn Sardou dirigiu a H.-L-D. Rivail (Allan Kerdec), em 18-7-1858, aan ane ALLAN KARDEC 83 0s grandes problemas ali séo resolvidos, mesmo aque- les que os mais ilustres fildsofos ndo puderam resolver. # o livro da vida, € 0 guia da Humanidade. “Recebei, senhor, meus cumprimentos pelo modo como classificastes e coordenastes os materiais forne- cidos pelos préprios Espiritos: tudo é perfeitamente metédico, tudo se encadeia bem, e vossa introducdo é uma obra-prima de logica, de discusséo e de exposi¢éo.” © Sr. G. Du Chalard, num belo artigo publicado no “Courrier de Paris”, de 11 de julho de 1857, escrevia, entre outras coisas (31): ““O Livro dos Espiritos”, do Sr. Allan Bardec, 6 uma pagina nova do grande livro do infinito, e estamos convencidos de que esta. pagina serd assinalada (...) No conhecemos o autor, mas confessamos, abertamente, que ficarfamos felizes em conheeé-lo. Quem escreveu a in- trodugao de “O Livro dos Espiritos” deve ter a alma aberta todos os sentimentos nobres.” “A todos os deserdados da Terra, a todos quantos avancam ou caem, regando com as lagrimas o pé da estrada, diremos: Lede “O Livro dos Espi- ritos”; ele vos tornaré mais fortes. Também aos felizes, aos que em seu caminho s6 encontram as aclamecdes da multi- dao e os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o e ele vos tornaré melhores.” © abade Lecanu, em sua “Historia de Satands", assim apreciava o alcance moral desta obra: “Observando-se as maximas de “O Livro dos Espiritos”, de Allan Kardec, faz-se © bastante para se tornar santo na Terra.” (32) “Quem quer que leia esse livro, nele meditando, como eu 0 fiz, ai encontrard inesgotdveis tesouros de consolagées, pois que ele abarca todas as fases da existéncia” (33), escrevia a Kardec, em 25 de abril de 1857, um capitdo reformado, da cidade de Bordéus. Humilde filho do povo, de Lido, exprimia também ao Codi- fieador 0 seu reconhecimento pela publicagéo de “O Livro dos Espfritos” e falava da felicidade que esta obra Ihe trouxe ao coracdo, Era a vitéria do Espirito sobre a Matéria, A primeira edig&o imediatamente se esgotou. A segunda, dada a lume (31) “Revue Spirite”, 1858, pp. 33 e 34. (32) Léon Denis: “Cristlanismo e Espiritismo”, 5% ed., p. 298. (83) "Revue Spirite”, 1858, p. 35 ae ert 84 ZRUS WANTUIL E FRANCISCO THTESEN em marco de 1860, “inteiramente refundida e consideravel- mente aumentada”, composta de quatro partes com 1.019 per- guntas, foi impressa em Paris pelos livreiros-editores Didier et Cie. Trouxe na parte superior do frontispicio as palavras “Filosofia Espiritualista’, as quais, desde entao, nunca mais deixaram de aparecer. (34) “O Espiritismo — assinalou entéio Kardee — néo fez soar a trombeta da publicidade, nao encheu os jornais de pom- posos amincios”, e, entretanto, essa segunda edigdo se esgo- taria em quatro meses! (35) Como frisou 0 Missionério de Lido em varias oportuni dades, “O Livro dos Espiritos”, quer em sua primeira, quer em sua segunda e definitiva edi¢do, é a compilacéo dos en- sinos ditados pelos Espiritos Superiores e publicado por ordem deles: “(...) ele nada contém que no seja a expressdo do pensamento deles e que nao Ihes tenha sofrido o controle, S6 a ordem e a distribuicdo metédica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redagao cons- tituem a obra daquele que recebeu a missy de o publicar. Conquanto Kardec sempre repetisse que o mérito da obra cabia todo aos Espiritos que a ditaram, nao é menos verda- deiro que a ele que coube a ingente tarefa de organizar e ordenar as perguntas (e que perguntas!) sobre os assun- tos mais simples aos mais complexos, abrangendo variados ramos do conhecimento humano. A distribuicdo didatica das matérias encerradas no texto; a redac&o dos comentarios as respostas dos Espiritos, os quais primam pela conciséo e pela clareza com que foram expostos; @ preciséo com que intitula capitulos e subcapitulos; as elu- cidacées complementares de sua autoria; as observacdes e anotacdes, as paréfrases e conclusées, sempre profundas e in- cisivas; e bem assim a sua notavel “Introdugiio” — tudo isto atesta a grande cultura de Kardec, o carinho e a diligéncia com que ele se houve no afanoso trabalho que se comprome- tera a publicar. Kardec fez o que ninguém ainda havia feito: foi o primeiro a formar com os fatos observados um corpo de doutrina metédico e regular, claro e inteligivel para todos, extraindo do amontoado cadtico de mensagens meditinicas (34) Curiosos esclarecimentos podem ser conhecidos em “O Livro dos Espiritos no centendrio de sua 2. edic&o, definitiva”, impresso a0 tim deste capitulo (35) “Revue Spirite”, 1860, p. 370 Sm FARAALRAARADRALAARARARAARAAAAMAAAAWMH ALLAN KARDEC 85 os principios fundamentais com que elaborou uma nova dou- trina filosdfica, de carater cientifico e de conseqiiéncias morais ou religiosas, Assim, ¢ como co-autor de “O Livro dos Espiritos”, e no como simples compilador, que o devemos apreciar. A cle, pois, cabe, com mais razdo, segundo o nosso despretensioso parecer, o mérito da grandiose obra, # bem verdade que Allan Kardec teve precursores, nota- damente Andrew Jackson Davis, nos Estados Unidos, e Louis Alphonse Cahagnet, na Franca, Ambos publicaram, antes e depois de Kardec, intimeras obras sobre o intercdmbio com © Além, recolhendo os materiais que os Espiritos Ihes trans- mitiam, mas a Allan Kardec, como bem destacou o grande espfrita italiano Emesto Volpi, “coube a gloria de haver soli- damente estabelecido as bases do Espiritismo”. me a 8 a 8 — Andrew Jackson Davis Tendo ja referido os fatos de Hydesville, de 1848, apre- sentamos agora o que em “Reformador” de abril de 1978 foi publicado a respeito de Andrew Jackson Davis, cogno- minado o “Pai do Espiritualismo Moderno”, 0 “Allan Kardee americano”. lho de pais humildes e incultos, nasceu, em 1826, num distrito rural do Estado de New York (E.U.A.), as margens do rio Hudson, entre gente simples e ignorante. Era um me- nino pouco atilado, falto de atividade intelectual, corpo mir- rado, sem nenhum traco que denunelasse @ sua excepcional mediunidade futura, Tal como sucedeu com Francisco Candido Xavier, o céle- bre médium brasileiro dos dias atuais, Jackson Davis comegou a ouvit, nos derradeiros anos de sua infancia, vozes agra- daveis e gentis, seguidas de belas clarividéncias, nele se desen- yolvendo a0 mesmo tempo os dons meditinicos com aplicato em diagnésticos m Em 6 de marco de 1844, provavelmente em corpo peris- piritico, foi transportado da pequena localidade de Pough- keepsie, onde morava, 4s montanhas de Catskill, quarenta milhas distantes. Nestas montanhas encontrou dois anciée: que Ihe revelaram ser seus mentores, posteriormente identifi cados como os Espiritos de Galeno e de Swedenborg. Foi este © primeiro contacto que o rapazinho teve com os chamados mortos. cos, Com o tempo, sua mediunidade ganhou novos rumos. Quando em transe, falava varias linguas, inclusive o hebraico, todas dele desconhecidas, expondo admiraveis conhecimentos de Geologia e discutindo, com rare habilidade, intrincadas KARDEC questées de Arqueologia histérica e biblica, de Mitologia, bem como temas lingiiisticos e sociais — apesar de nada conhecer de gramatica ou de regras de linguagem e sem quaisquer estudos literdrios ou cientificos. De tal modo eram as res- postas, que “fariam honra — segundo o Dr, Jorge Bush, pro- fessor da Universidade de New York — a qualquer estu- dante daquela idade, mesmo que, para as fornecer, tivesse tado todas as bibliotecas da Cristandade”. Andrew Jackson Davis (1828-1910) Sua pessoa chamou logo a atencao do Dr, Lyon, do reve- rendo Guilherme Fishbough e de muitos homens sérios e cultos, entre os quais sobressai o nome de Edgar Allan Poe. Durante dois anos Davis ditou, em transe inconsciente, um livro sobre os segredos da Natureza, dado a pitblico, em 1847, sob o titulo “Os Prineipios da Natureza”. A ele Conan Doyle se referiu, dizendo ser “um dos livros mais profundos e originais de Filosofia” e conta, nos Estados Unidos, com dezenas de edi Fato semelhante mais tarde se passaria, aqui no Brasil, com o médium atrés citado, 0 qual, nascido em meio igual- mente pobre e inculto, e sem conhecimentos a altura, psico- 88 ZRUS W JIL E FRANCISCO THIESEN grafou, aos vinte anos, a notdvel e originalissima obra poé- tica “Parnaso de Além-Tamulo”, Como este médium, Davis também recebeu muitos outros livros, cerca de trinta, em parte editados com o titulo geral de “Filosofia Harménica”, a ele transmitidos pela entidade espiritual Swedenborg. Dezenas de edicdes foram publicadas nos Estados Unidos, o que bem mostra o interesse que suas doutrinas reveladoras despertaram, conquistando milhares de prosélitos. Davis n&o era um mistico nem um religioso no sentido vulgar, e nem aceitava a revelagdo biblica na sua interpre- tacao literal. Era honrado, sério, incorruptivel, amante da Verdade e sinceramente compenetrado de sua responsabili- dade naqueles acontecimentos renovadores. Na sua pobreza material, jamais esqueceu a justica e a caridade para com todos. Suas faculdades medianimicas chegaram a maior desen- volvimento depois dos 21 anos de idade, e ele péde ento observar mais claramente o processo desencarnatério de varias pessoas, narrando-o em todas as minticias. Suas descri¢des esto concordes com imimeras outras feitas por médiuns de diferentes paises, adquirindo na obra medilinica de Francisco Candido Xavier complementacao assaz relevante. Antes de 1856, Jackson Davis profetizou o aparecimento dos automéveis e dos veiculos aéreos movidos por uma forca motriz de natureza explosiva (36), como também as maquinas de escrever e, ao que tudo indica, as locomotivas com moto- res de combustéo interna, # extraordinéria, pasmosa mesmo, a riqueza de detalhes que acerca desses inventos futuros Davis" deixou estampados em sua obra “Penetralia”, hoje centenaria. Afora isso, ele também predisse, em 1847, a manifestacéo ostensiva dos Espiritos com as criaturas humanas, frisando que nao levaria muito tempo para que essa verdade se reve- lasse numa exuberante demonstracao, (37) Sua obra imicial, de grande luminosidade, foi uma pre- paracdo para o aparecimento do Espiritismo, e numa de suas (38) Veja-se no APBNDICE do III vol. de “Allan Kardec” 0 capitulo IV: “A navegagio aérea entrevista por Allan Kardec’. (37) Para maiores detaihes neste ponto e em outros, leia-se © capitulo IIT da obra “The History of Spiritualism”, tomo primeiro, Cassell and Company, 1926, de Arthur Conan Doyle, capitulo intel- ramente dedicado a Andrew Jackson Davis, AARADARADRARARAARARARARADA ARERR AAI ALLAN KARDEC 89 notas, datada a 31 de marco de 1848, lé-se este significativo trecho: “Esta madrugada um sopro fresco passou pelo meu rosto, e ouvi wma voz, suave e firme, dizer-me: “Irmdo, foi dado inicio a um bom trabalho; contempla a demonstracéo viva que surge.” Pus-me a cismar no significado de tal mensagem.” Muito longe estava ele de supor que, justamente na noite do citado dia, as irmas Fox, em Hydesville, conversariam, por meio de batidas, com o Espirito de um morto, inaugurando © grandioso movimento espiritista mundial, Por causa desse fato, Jackson Davis passou a ser citado por alguns escritores espiritas como “o profeta da Nova Revelacdo”, como o fez Conan Doyle. A série de livros sob o titulo geral de “Filosofia Harmé- nica”, livros de alto nivel moral e intelectual, seguiram-se as “Revelagdes Divinas da Natureza”, cuja recepedo absorveu os anos seguintes de sua vida. Mediante suas visdes espirituais do Além, deste apresen- tou desericio bem aproximada da que os Espiritos fornece- riam em diversos paises, inclusive no Brasil, aqui pela mediu- nidade de Francisco Candido Xavier, nos livros do Espi André Luiz, Davis viu por 14 uma vida semelhante A da Terra, vida @ que se poderia chamar semimaterial, com gostos e objetivos adaptados as nossas naturezas, que a morte ndo modifica. Viu que, nesse vasto Além, o trabalho cientifico, o artistico, o literdrio e o humanitario néo cessam. Viu as varias fases ¢ graus do progresso espiritual, referindo-se as causas que re- tardam a evolucéo humana. A bem da Verdade, diga-se que os numerosos livros que ele deu a lume, de alto alcance doutrinério, diferem, em varios pontos, dos ensinos kardequianos, sem, contudo, estar com eles em contradicdo, salientando-se a lei das reencarnagées, que Davis apresentou como néo obrigatéria para o progresso do Espirito, entendendo que o Espirito pode e deve progre- dir no Espaco, sem necessidade de reencarnar, Jackson Davis avancou mais do que Swedenborg no levantamento dos véus que encobrem os mistérios da Vida, mas o emérito pedagogo Allan Kardec, missionario posterior, complementou-lhe e ampliou-Ihe a obra, baseado nas comu- nicagdes de muitos Espiritos Superiores, sob a égide do Espi- rito da Verdade, 90 ZEUS WA‘ CISCO THIESED Andrew Jackson Davis (1826-1910) Esta justa ressalva néio empana e nem desmerece a real importancia dos ensinos legados pelo grande médium norte- -americano, a respeito dos quais o notavel critico E, Wake Cook disse serem capazes de reorganizar 0 mundo. Nas viagens que, desprendido do corpo, fez ao Mundo dos Espiritos, Davis presenciou, num lugar a que chamow “Summerland”, a educacéo harmoniosa das criancas desen- carnadas, reunidas, por grupos, em grandes e belos edificios, nos quais se Ihes administrava instrucao e cuidados especiais, tudo de acordo com a idade e os conhecimentos delas, Davis ficou téo maravilhado com o sistema ali adotado e sua engenhosa organizagdo, que buscou coneretizé-lo no plano terrestre, Dai nasceu o primeiro Liceu Espiritista, por ele fundado em 25 de janeiro de 1863, em Dodsworth Hall, Broadway, New York, Esse movimento liceano ramificou-se nos Estados Unidos e propagou-se & Inglaterra, a0 Canada, A Austrélia, ete. O célebre vidente americano sofreu acusacées caluniosas e criticas acerbas, contra cle assacadas pelos eternos mal- ADAAAAAADARARAAAAAAAARAAMARaeaanae AN KARDEC 91 versadores da Verdade, Homem superior, a tudo se sobre- punha com tolerancia evangélica e larga compreensao. Nos tiltimos anos de vida, Andrew Jackson Davis dirigiu ume pequena livraria em Boston, e aos i3 de janeiro de 1910, com a idade de 84 anos, desencarnava na sua residéncia de Watertown, no Estado de Massachusetts, iegando @ Huma- nidade 0 exemplo dignificante de sua frutuosa existéncia.” 9 — Louis Alphonse Cahagnet “Se ha estagdes para as flores, ha séculos para as luzes.” (Ultimas palavras dos “Areanos”, t. IIL) A reproducdo deste estudo, estampado em “Reformador” de junho de 1978, complementa o anterior, pois ambos re- ferem-se @ precursores de Allan Kardec, na Franca. “Anos antes de surgirem os fenémenos tiptoldgicos e as mesas falantes, girantes, através da mediunidade das irmas Fox, no Estado de New York, os quais iniciaram celere- mente uma verdadeira revolugéo nos conhecimentos do por- qué de nossa existéncia, j4 Louis Alphonse Cahagnet, concei- tuado magnetizador, nascido em Caen (Franca), em 1809, mantinha relagdes com os entes do além-timulo por inter- médio de varios pacientes em estado sonambilico, ou de éxtase, estaclos provocados pela acto magnética, Desse inter-, cambio surgiu, em 1847, o primeiro tomo de “Arcanes de la vie future dévoilés”, mais ou menos ao mesmo tempo que aparecia nos Estados Unidos a volumosa obra meditinica inti- tulada “The principles of nature, her divine revelations and a voice to mankind”, ditada pelos Espiritos ao reverendo William Fishbough, através da mediunidade de Andrew Jack- son Davis. Do primeiro volume dos “Arcanos” fez-se uma traducéo portuguesa, que sabemos ser muito antiga, mas no podemos precisar p nome do tradutor e o ano de sua publicagdo, por falta absoluta de referéncias nesse sentido. Nos Estados Uni- dos da América foi a obra em pauta vertida em inglés sob 0 titulo “Celestial Telegraph” AALALARARALARARAARARAAA ARAMA aeanae ALLAN KARDEC 93 A 27 de novembro de 1848, Cahagnet reunia em Argen- teuil (arredores de Versalhes) um grupo de dezesseis a dezoito homens que haviam testemunhado os fatos obtidos através da sonambula Adéle Maginot. Propés entao fundar uma So- ciedade espiritualista, sugerida, alids, pelo Espirito Emmanuel Swedenborg. Todos concordaram, ¢ a 27 de dezembro de 1848 foi criada a primeira “Sociedade dos Magnetizadores Espiri- tualistas”, tendo ele, nessa ocasiao, enunciado as suas famo- sas proposigdes, em mimero de sessenta e trés, todas “se encadeando umas as outras como teoremas de geometria”, e muitas delas confirmadas posteriormente. Em 29 de marco de 1852 essa Sociedade continuou seus estudos sob a denominacéo de “Sociedade dos Estudantes Swedendorgianos”, aproximando-se, mais tarde, do Espiritis- mo codificado por Allan Kardee. N&o obstante todo 0 cuidado que se deve tomar na acei- tagio das narrativas dos sondmbulos, Gabriel Delanne é 0 primeiro a afirmar que com Cahagnet o caso é diferente, sustentando que o célebre magnetista realmente conversou com os Espfritos, identificando muitos deles, “Nao sao sim- ples reprodugaio de imagem dos seres desaparecidos: sao indi- vidualidades que conversam, se movem, vivem e afirmam categoricamente que a morte ndo as atingiu” — fala Delanne, confirmando o intercambio entre o Além e Cahagnet. Em 1850 Cahagnet publicou “Sanctuaire du Spiritua- lisme”, ou o Estudo da alma humana e de suas relagdes com © Universo, segundo 0 sonambulismo e o éxtase; em 1851 aparecia “Lumiére des morts ou Etudes magnétiques, philo- sophiques et spiritualistes”, e “Traitement des maladies”, obra esta que engloba um estudo das propriedades medicinais de 150 plantas que a extatica Adéle Maginot transmitira a Cahagnet, além de uma exposig&o de diversos métodos de magnetizacao; em 1853, traduzidas do alemao, dava a luz em Paris as “Lettres odiques-magnétiques du chevalier de Reichenbach”, Embora descendente de uma familia pobre, e tendo tra- balhado sucessivamente, para poder viver, como relojoeiro, torneiro de cadeiras, caixeiro de coméreio, fotégrafo, conse- guiu, com sua poderosa forca de vontade e seu dinamismo extraordinério e sua honestidade, adquirir posieéio de desta- que, respeitado e admirado por todos quantos com ele priva- vam, mesmo os inimigos. 94 a US WANTUIL E FRANCISCO THIESE) No primeiro tomo dos “Arcanos da vida futura desven- dados”, 0 Autor, numa dedicatéria aos ilustres magnetizado- res bardo du Potet e Hébert de Garnay (este ultimo, gerente do “Journal du Magnétisme”), declara desassombradamente num certo ponto: “Outros tém temor em revelar verdades Alphonse Cahagnet (1808-1885) 5 que poderiam ofender o espirito das seitas, Se estas ultimas sustentam com denodo e boa-f6 os erros, quanto nao deve- mos nés dar a conhecer a fim de esclarecé-las? Acaso devemos temer qualquer coisa quando nos é dado substituir a fé pela experiéneia, e quando demonstramos a todos a inefavel bon- dade do Criador? Nao, senhores, vés o sabeis apés haver adquirido, como eu, provas irrefutaveis de um mundo me- Thor; séo estas provas que se torna necessdrio que todos as obtenham, e a ciéncia, que propagais com t&o corajosa perse- veranca, deve fornecé-las a todas as pessoas.” “Se eu ndo houvesse sido auxiliado pela luz divina, teria sucumbido sob tao penosa tarefa” — declara mais adiante Cahagnet. ALALAAAAAAAGAAABALABABEARLERARRERARAG ALLA) KARDEC 95 O bardo du Potet, homem que na época era um tanto céptico com respeito a essas revelacées do Além, mas que mais tarde foi constrangido a acreditar nelas e no mundo dos Espiritos, “por efeito de sério exame dos fatos”, no proprio dizer dele, escreve entao a Cahagnet longa carta de agradeci- mento, com alguma ironia, e termina assim: “Um filésofo céptico disse: “A alma ndo me parece sendo fraca centelha que no instante do trespasse se dissipa nos ares.” Vos pro- vareis — eu espero — que tal fildsofo estava em erro.” De fato, assim fez Cahagnet e, “interrogando os timulos, falando com os seres falecidos” e anotando as palestras desse maravilhoso interedmbio, edificou a portentosa obra com cerca de mil paginas, que formaram p tomo I dos “Arcanos”, descortinando para a Humanidade desorientada uma nova patria, cheia de vida, de atividade, onde moram os nossos mortos, Na bela introducio a esse monumental trabalho adverte o Autor: “Sede prudentes, nao admitais nem rejeiteis nada sem um exame maduro; aquilo que ndo puderdes com- preender, jamais digais que nao é!” E mais adiante informa: “Esta obra vos ofereceré a prova de um mundo melhor que © nosso, onde vivereis apés deixardes aqui o vosso corpo, € onde um Deus infinitamente bom vos recompensaré em cén- tuplo as aflicdes que vos eram proveitosas nesta terra de. dor. Vou demonstrar que vossos pais e amigos ali vos esperam com impaciéneia, e que podeis, embora ainda sobre este Globo, entrar em comunicagao com eles, falar-Ihes e deles obter as informacdes que julgardes necessArias. Coneluindo sua introducdo, disse que se sentiria muito feliz se “conseguisse firmar com outros homens essa crenga que adquirira sobre a existéncia desse mundo de consolacdo, € fizesse penetrar pelo menos em algumas almas toda a feli- cidade que sentia, de esperancas tao doces!”. * Ao tomo I dos “Arcanos”, seguiram-se os tomos II e II. “Tudo o que a ignorancia, o fanatismo, a tolice reeditaram posteriormente contra a nossa doutrina foi entéo despe- jado sobre o pobre magnetizador” — diz Gabriel Delanne. Cahagnet, porém, ndo esmorece. Nessa época, cle, junta- mente com outros companheiros, funda, sob os auspicios da “Sociedade dos Magnetizadores Espiritwalistas”, 0 jornal “Le Magnétiseur Spiritualiste”, no qual séo consignados todos os fatos maravilhosos das velacdes com 0 Além, obtidos por ele e pelos magnetistas de todo o mundo que o quisessem fazer 96 ZkUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN: Os dois primeiros volumes dos “Arcanos” contém as des- crigdes de experiéncias realizadas com oito extaticos que pos suiam a faculdade de ver e conversar com os Espiritos. Adéle Maginot foi um dos mais notaveis, sendo ela a intermediaria de extensa série de evocagées, Mais de 150 atas foram ratifi- cadas por testemunhas que afirmaram reconhecer os Espi- ritos que a sonambula descreveu. O abade Almignana, doutor em Direito Canénico, tedlogo, assistiu com entusiasmo a varlas sessdes de Cahagnet, tornando-se adepto do magnetis- mo e desenvolvendo, mesmo, suas possibilidades meditinicas, Somente no tomo III dos “Arcanos” refere-se o Autor aos fenémenos espiritas que se produziam nos Estados Unidos da América, e que foram também registrados no n? 162 do “Journal du Magnétisme”. Neste volume, Cahagnet, em didlogos-refutacdes, responde vigorosa ¢ inteligentemente aos seus contraditores: padres, homens de ciéncia, materialistas, ete., pondo por terra os diversos argumentos desfavoraveis ao contetido de sua obra. Cita ainda testemunhas merece- doras de créditp que relatam fenémenos de aparicio, além de intimeras respostas do Espirito Swedenborg a questdes formuladas. Pouco tempo depois de ter saido o primeire tomo dos “Areanos”, o Autor foi premiado por seus denodados esforgos: ele recebe varias cartas, onde vs signatarios expandem sua satisfacdo, o seu juibilo emocionado por to gratas revelacées. Outros, entretanto, como o bardo du Potet, acharam que o assunto era cedo ainda para ser tratado, Procederam tal e qual, até hoje, procedem os nossos irmaos sacerdotes catéli- cos, mesmo os desencarnados, sempre a dizerem que 0 homem ainda nao deve conhecer essas profundas questées do ser, sendo-lhe necesséria a disciplina dogmatica. Mas assim nao pensava Cahagnet, e, hoje, nés com ele. Potet, por exemplo, escrevera: “Tratais destas questées com o avango de 20 anos; 0 homem ainda nGo est preparado para compreendé-las”, a0 que Cahagnet replicou, no vol, III, dizendo: “Ah! respon- demos entao, por que o vemos banhar com suas lagrimas as cinzas daqueles que julga haver perdido para sempre? Em que momento da existéncia podemos chegar mais a propésito para dizer a esse homem: Consola-te, irméo, aquele que pre- sumes separado de ti, para sempre, acha-se 20 teu lado, a te asseverar, por meu intermédio, que ele vive, que é mais feliz do que na Terra, e que te aguarda nas esferas proximas para continuar convivio contigo.” ALLAN KARDEC oT Qual ocorreu com as obras de Kardec, as de Cahagnet também foram batizadas pelo fogo. A leitura dos “Arcanos” foi proibida em todos os paises catélicos, por decisio do Tri- punal Supremo e Sagrado, chamado a “Sagrada Congrega- gao”, tribunal cristicola ¢ néo cristéo, diz Cahagnet, tribunal que — informa ainda o Autor — “julgou sem nos ouvir e condenou sem outro motivo que o de prazerosamente arre- messar trés de nossas obras, num s6 dia, no fogo...” Em 1856, um ano antes de aparecer “O Livro dos Espi- ritos”, Cahagnet fazia surgir as “Révélations d’outre-tombe”, pelos Espiritos de Galileu, Hipécrates, Franklin, e outros, obra que estuda Deus, a preexisténcia das almas, a criagdo da Terra, varios problemas da Fisica, da Botanica, da Meta- fisica, da Medicina, a andlise da existéncia do Cristo e do mundo espiritual, passando em revista as aparigées e mani- festacdes dos Espiritos, no século XIX, ete. “Magie magnétique”, outra publicacio da autoria dele, surgida em 1857 ou 1858, trata dos fenémenos de transporte, de suspensio, das possessdes, das convulsées, etc. Publica em 1858 “tude sur ’homme”, uma brochura de oitenta paginas que tece profundas consideracées sobre 0 hhomem e sobre todas as faculdades da alma humana, G nome de Cahagnet atravessa as fronteiras francesas, Em 1861, ele recebe a honrosa visita do sibio Aksakof, que buscava dilatar seus conhecimentos e seus estudos sobre 0 magnetismo ¢ o psiquismo. © nvimero de produces aumenta, Aparecem: “Encyclo- pédie magnétique itualiste” (1854-1861); “tude sur le matérialisme et sur le spiritualisme” (1869); “tude sur l’Ame et Je libre arbitre” (1880) e varias outras, num total de trinta, parecendo-nos que a wltima obra de Cahagnet tenha sido “Thérapeutique du magnétisme et du somnambulisme”,*im- pressa em 1883, Realmente, Cahagnet foi um grande trabalhador, digno, sob todos os aspectos, da nossa admiracao e reveréncia pela muita luz que, a par das eriticas que sobre ele choviam, dis- tribuiu entre muitos necessitados do espirito, “Um lutador soberbo”, “que teve a gloria de fazer-se o que foi: um dos pioneiros da verdade” — manifesta-se Gabriel Delanne, com énfase, Interrogando os mortos, Cahagnet obteve respostas inte- ressantes € reveladoras sobre diversos assuntos: nogdes de 98 Z8US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN magnetismo, as propriedades da alma, a oragéo como meio de evitar os maus pensamentos, 0 modo por que deve ela ser proferida, as punicdes reservadas no mundo espiritual aos criminosos, as ocupacdes dos Espiritos, as sociedades forma- das pelos Espiritos, as obsessées, descricéo da separacao que se faz entre a alma e o corpo no momento da morte, des- crigéo dos Espiritos Juminosos, sensagées experimentadas no momento da morte, formas diversas que os Espiritos podem tomar, 0 inferno dos catélicos (o que é), 0 fenémeno dos transportes, reuniéo dos familiares e afins no Espaco, nogées sobre @ loucura, suas causaS, suas conseqiléncias no mundo espiritual, alucinagGes causadas pelos maus Espiritos, o livre- -arbitrio, a cura pela prece, a linguagem do pensamento entre os Espiritos, a vestimenta dos Espiritos, as conseqiién- cias do suicidio no além-tuimulo, os lugares de reparacdo do mal, ete, ete, Dezenas de Espiritos, conhecidos e desconhe- cidos, se comunicaram com Cahagnet, Embora muitas respostas sejam imperfeitas e incomple- tas, pois o Espiritismo apenas alvorecia, e embora a obra do magnetista de Caen no se iguale & inimitave] exposigio feita nos livros de Kardec, todos os espiritas devemos reverenciar a meméria desse homem de fé e de coragem que foi Cahagnet. Atualmente o Espirito André Luiz nos vem dando reve- lagées mais claras sobre a vida no além-timulo, revelagdes que resumidamente j4 estavam explanadas em 1847, nos “arcanos” e em algumas outras obras ditadas por sonambulos, Registraremos algumas das perguntas e respostas cons- tantes no livro mencionado: P. — Que fazem os irmaos (da sonambula) no céu? R, — Eles recreiam ¢ passeiam. P. — Nao se pode recrear e passear durante uma eterni- dade, sem um fim. R. — Oh! eles fazem musica, estudam ciéncias; ocupam- +se melhor e com mais prazer que nés, P. — Que faz ela (0 Espirito da mae da son no céu? R. — Ela esté com meu pai, meus irméos, minha irma, enfim, toda a familia; ela se inquieta muito por mim, mas esté muito feliz; ela 1é e se sente satisfeita em ouvir meus irméos tocar musica. P. — Ha entio livros no céu? yula) ALLAN KARDEC 99 R. — Eu te rogo cré-lo, e nfo sao eles romances como na Terra. P. — De que falam eles? R, — Dos mistérios de Deus, das cléncias; mas nfo sio escritos da maneira por que o so sobre a Terra, dizme a minha mae, Noutra pagina, informa o Espirito da mae da sonambula que, para o conhecimento de altos problemas, hé instrutores, “que so mais amigos que mestres”. His agora como o Espirito de um sacerdote eatdlico res- ponde a algumas questoes: P. — A forma da alma que tendes é perfeitamente seme- Thante @ do corpo em que ela habitava? R. — Sim. P, — Vos dormis e comeis? R. — Dorme e come quem quer; isto ndo 6 uma neces- sidade como no Planeta; ¢ mais uma satisfacéo para aqueles que 0 fazem P. — Morais numa casa como na Terra? R. — Eu estou numa casa; hé casas nesta vida, do mes- mo modo que sobre a Terra, P. — Ha também cidades € aldeias? R. — Eu nao sei como se nomeiam as cidades no céu; basta dizer-yos que ha casas, Nao me ocupo do resto, P. — Quais sio as vossas ocupacées ordinarias? R. — Leio, escrevo e passo parte do meu tempo a acon- selhar o bem aos individuos inclinados ao mal. P. — Podeis entao comunicar com eles? 5 R. — Sim, com os espiritos deles. © espiritista italiano Ernesto Volpi, tendo publicado, em determinado ano, um artigo em que narrava os primeiros albores do Espiritismo no mundo, foi contraditado por alguns espiritas americanos, que disseram nfo ter sido Kardec 0 fundador do Espiritismo, porque antes dele j4 haviam apare- cido Davis e Cahagnet. Bis como Volpi, em junho de 1890, a isso respondia, com clareza e exatidao: “Os fundadores do Espititismo so os Espi- ritos que sempre e em todos os tempos se tem manifestado. Doutro lado, é bom observar que nao falei de Kardec somente, 100 ZQUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN mas da Doutrina que ele compendiou. Neste ponto ele é mais completo que os precedentes, precisamente porque sua sabia capacidade coordenadora péde servir-se também dessas ulti- mas fontes. A Davis e a Cahagnet coube a gloria de terem sido os primeiros a recolher os materiais para formar a base do Espiritismo moderno, e a Allan Kardee, a gloria de havé-la solidamente estabelecido.” Dessa forma, fica definida a posi- c&o de Cahagnet na histéria do Espiritismo, lugar de pioneiro que sempre serd lembrado pelo nosso coragéo agradecido. se # A 10 de abril de 1885, com 76 anos, desencarnava, em Argenteuil, o velho batalhador Cahagnet, a cujo enterro com- pareceram intimeros amigos e espiritistas, A esposa, meses depois, » acompanhava, © jornal “Phare”, dos departamentos do Seine-et-Oise e do Sena, publicou um artigo necrolégico que a “Revue Spirite” de 19 de maio de 1885 transcreveu e do qual regis- traremos um trecho: “Cahagnet 6 um exemplo raro do que pode uma firme vontade aliada a uma vasta inteligéncia, Ele se tornara, & forca de trabalho e perseveranca, um erudito, um profundo metafisico, e adquirira, no mundo que se ocupa do Magne- tismo e do Espiritismo, distinguido lugar como publicista. Suas diversas obras — e 0 ntimero é grande —, traduzidas para o inglés € o aleméo, valeram-lhe numerosos testemunhos de estima e simpatia, Nada mais curioso e mais interessante a esse respeito que sua yolumosa correspondéneia com sumi- dades cientificas ¢ literdrias de todos vs paises.” $$$ LAARARARARARAAARAARARDAA ARM ECoadon 0 — Allan Kardec, «o primeiro teérico do Espiritismo» Henry Joly, arquivista-paledgrafo francés, Conservador- schefe das Bibliotecas e Arquivos da cidade de Lido, Diretor da Biblioteca Central de Prét du Rhéne, Conservador da Bi- blioteca e dos Arquivos Municipais de Caen, etc., oficial da Legifio de Honra, premiado pela Academia das Ciéncias Morais e Politicas, com varios livros publicados, assim se referiu & primeira obra de Kardee: “O Livro dos Espiritos” oferece realmente o corpo da doutrina, exposta com uma nitidez em que se nota o antigo professor de ciéncias exatas, e que faz de Allan Kardec “o primeiro teérico do Espiritismo”.” (38) Ao demonstrar que até mesmo Sécrates e Platao foram precursores do Espiritismo, tanto quanto da idéia crista, Kardec explicava que as grandes idéias jamais irrompem de stbito, e as que assentam sobre a verdade sempre tém pre- cursores que Ihes preparam vs caminhos. Chegado, porém, © grande momento de uma larga e ampla difusio, Deus envia & Terra o homem com a misséio de resumir, coordenar completar os elementos esparsos, de reuni-los em corpo de doutrina. Esse homem, no Espiritismo, foi, sem diivida, Allan Kardec, Com simplicidade e clareza inigualaveis e extraor- dinario espirito de sintese, ele forneceu uma visio global do mundo dos Espiritos e suas relaedes com os seres encarnados, determinando as leis que regem a comunhéo entre os dois (38) Apud “Dictionnaire de Biographie Francaise”, sous la di- rection de M. J. Balteau, M. Barrour et M. Prevost, avec le concours de nombreux collaborateurs, tome deuxiéme, Paris, VI, Librairie Le- touzey et Ané, 1936. Allan Kardec sO Seen ALLAN KARDEC 103 planos da vida e erigindo, no trinémio passado-presente- -futuro, toda 2 evolugéo do ser humano integral: alma e corpo. E hoje, que tanto se fala em Parapsicologia, designagao moderna da antiga Metapsiquica, convém lembrar que o fun- dador desta, Charles Richet, afirmou ser Allan Kardee “o homem que no periodo de 1847 a 1871 exerceu a mais pene- trante influéneia, que tracou 0 sulco mais profundo na cién- cia metapstquica”. (39) Foto de Charles Richet, em_6 de marco de 1930, dedicada a Hubert Forestier, entdo diretor da “Revue Spirite” (cliché Jacques Boyer, Paris) Como se fazia necessario, Kardec crlou uma terminologla apropriada as coisas da nova doutrina, Entre outros, os voca- bulos espirita, espiritista e Espiritismo exprimiriam, sem nenhum equivoco, as idéias relativas aos Espiritos, Seu cria- dor explica que as palavras espiritual (spiritual), espiritua- lista (spiritualist) e Espiritualismo (Spiritualism), relacio- nadas pelos norte-americanos ¢ ingleses as manifestacbes dos Espiritos, desde que estas surgiram ostensivamente nos Estados Unidos, eram motivo de confusao, visto que elas j& tinham, de hé muito, outra acepedo bem determinada. (38) Charies Richet: “Traité de Métapsychique”, deuxieme édi- tion refondue, Paris, Librairie Felix Alcan, 1923. p. 34 e € ea a a oe a e e« =« 11 — «O Livro dos Espiritos» na sua 2 edic&o, definitiva “Pode-se ter muito atilamento, muita instrucéo mesmo, e carecer-se de bom senso; ora, 0 primeiro indicio de falta de bum senso estd em crer alguém infativel o seu juizo.” (40) A primeira edigao de “O Livro dos Espiritos”, entregue ao publico em 18 de abril de 1857, dividia-se em trés livros, com cerca de 501 perguntas de Allan Kardec e respectivas respostas de Espiritos superiores, acrescidas de notas e co- mentarios do Codificador. Segundo esclarecimentos daquele que recebeu a misséo de publicé-la, toda essa obra “foi obtida pela escrita e por intermédio de varios médiuns psicdgrafos”. (41) “Nés mesmos preparamos as perguntas e coorde- namos o conjunto da obra; as respostas séo textual-. mente as que foram dadas pelos Espiritos, escritas, na maioria, diante de nossos othos, algumas eatratdas de comunicagdes que correspondentes nos remeteram ow que coligimos por toda parte onde nos foi possivel fazer estudos: para este fim, os Espiritos parecem multipli- car aos nossos olhos os assuntos de observagdo. “Os primeiros médiuns que concorreram para o nosso trabalho foram as senhorinhas B..., cuja boa- -vontade jamais nos faltou; o livro foi quase todo es- crito por mediagdo delas e na presenca de numeroso (40) Allan Kardec: “O Livro dos Espirito: tudo da Doutrina Espirita, Parte XVII GL) “Revue Spirite”, 1858, p. 36 Introdugio ao Es- ALLAN KARDEC 105 auditério que assistia ds sessées com o mais vivo in- teresse.” (42) Parece, porém, que, afora os médiuns psicégrafos, tam- bém médiuns falantes ou psicofénicos tenham contribuido para a elaboracdo de “O Livro dos Espiritos”, ainda que em pequenissima parte dele, conforme se depreende da Nota XVII na 19 edicio, Ai, Kardec explica que 0 ensinamento que os Espiritos Ihe deram “0 foi por intermédio de udrios médiuns escreventes e falantes, que diferiam inteiramente entre si de cardter, € cujos conhecimentos sobre muitas perguntas ndo thes permitiam ter uma opinido preconcebida; malgrado isso, houve sempre identidade perfeita na teoria que eles transmitiram, e jregiientemente um completou, com varios meses de intervalo, 0 pensamento expresso pelo outro, Mas com o que 0 autor buscou exercer uma influéncia real, foi com o desejo e a vontade de se esclarecer, com a ordem e a seqtiéncia metédicas que ele pos no trabalho, 0 que permitiu aos Espiritos darem-lhe um ensinamento completo e regular, como 0 faria um professor que ensinasse uma ciéncia, se- guindo 0 encadeamento das idéias”. (43) Quando da preparacio do livro, Kardee recebe do Alto esta mensagem “Ocupa-te com zelo e perseveranea do trabalho que empreendeste com o nosso concurso, este trabalho é também nosso, Nés o reveremos juntos, a fim de que ele nada encerre que ndo seja a expresséo do nosso pensamento e da verdade.” (44) . «ee # Em 1856, Kardec comecou a também freqiientar as reu- nides espiritas na casa do Sr. Roustan, nas quais a médium Srta, Japhet, mediante 9 cesta-de-bico, Ihe transmitia comu- nicacdes sérias (42) Idem, sbidem (43) Allan Kardec: “Le Livre des Esprits”, ed. de 1857, p. 170. (4) Ta. ib. p. 30 106 Z®US WANTUIL E FRANCISCO THIESEN Concluido em grande parte “O Livro dos Espiritos”, Kardee resolyeu entao submeté-lo ao exame de outros Espiritos e com © auxilio de diferentes médiuns, (45) “Mais tarde os Espiritos prescreveram a reviséo completa em conversacées particulares, para se faze- rem todas as adigdes e corregdes que eles julgassem necessdrias. Esta parte essencial do trabalho foi reali- zada com 0 concurso da Srta. Japhet (46), que se pres- tou com a maior boa-vontade e 0 mais completo desin- teresse a todas as exigéncias dos Espiritos, porque eram eles que marcavam os dias e as horas para as suas ligdes.” (47) A 25 de marco de 1856, 0 Mission4rio toma conhecimento da existéncia do seu guia espiritual — A Verdade —, que 0 protegeria e ajudaria sempre, assistindo-o quer diretamente, através de médiuns, quer pelo pensamento, forma esta que se tornou, mais tarde, a unica. (48) “A protecdo desse Espirito, cuja superioridade ew estava longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou. A sua solicitude e a dos bons Espiritos que agiam sob suas ordens, se manifestou em todas as circunstdncias da minha vida, quer a me remover dificuldades mate- riais, quer a me facilitar a execugdo dos meus traba- Thos, quer, enfim, a me preservar dos efeitos da maligni- dade dos meus antagonistas, que foram sempre redu- zidos @ impoténcia.” (49) ‘Aos 17 de junho de 1856, na casa do Sr. Baudin, o Espirito de Verdade, apés declarar que estava bem a parte jé revista da obra, incumbe a Kardec, quando esta estivesse acabada, de “tornar a revé-la, a fim de amplid-la em certos pontos e abrevid-la em outros”. (50) Nao se contentando com a reviséo que se fazia através do concurso meditinico da Srta, Japhet, o Missiondrio, de (45) Allan Kardec: “Oeuvres Posthumes”, premiére édition, pp. 307/308. (46) Rua Tiguetonne, 14 (4D “Revue Spirite”, 1858, p. 36. (48) “Oeuvres Posthumes”, fre. éd., pp, 312/313 (“Remarque”) (49) Id., ib., p. 314 ("Remarque”) (80) Id., tb., p. 324, ADRARAADARARAAARARARARRRAAT RETRO ee ALLAN KARDEC 107 acordo, aliés, com a recomendacéo dos préprios Espiritos, procede dessa maneira: ‘Tendo-me as cireunsténcias posto em relacdo com outros médiuns, sempre que se apresentava ocasido ew a aproveitava para propor algumas das questées que me pareciam mais espinhosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho. Da comparacdo e da fusdo de todas as respostas, coorde- nadas, classificadas e muitas vezes remodeladas no siléncio da meditacdo, foi que elaborei a primeira edi- gdo de “O Livro dos Espiritos”, que apareceu em 18 de abril de 1857.” (51) Quase ao terminar a obra, os Espiritos Ihe dizem com alegria e entusiasmo, pela médium Srta. Baudin: “Compreendeste bem a tua missio; estamos con- tentes contigo. Prossegue, e ndo te abandonaremos jamais. Cré em Deus e avanca confiante!” (52) E como que a preparar e animar o espirito do Codificador para as arduas tarefas que se seguiriam, voltam os seus Ins- trutores a afirmar-lhe: “Estaremos contigo todas as vezes que o pedires e para te auziliar nos teus outros trabathos, porquanto esta é apenas uma parte da missdo que te esté con- fiada e que jé um de nés te revelou.” (53) Pay No “Epilogo” da 1% edicéo de “O Livro dos Espiritos*, Allan Kardec anunciava aos leitores o seguinte: “O ensino dado pelos Espiritos prossegue neste momento sobre diversas partes, cuja publicacéo eles adiaram a fim de termos tempo para elabord-las e completé-las. A préxima publicagdo, que se seguird aos trés livros contidos nesta primeira obra, compreen- derd, entre outras coisas, os meios praticos pelos quais (1) Id., tb., p. 308, (52) “Le Livre des Esprits”, 1857, p. 30; “Ocuvres Posthumes”, Lite. éd., p. 326 (53) “Le Livre des Esprits”, 15¢me. éd., 1867, p. XLII. ee — 1u8 @aUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN 0 homem pode conseguir neutralizar o egoismo, fonte da maioria dos males que afligem a sociedade. Toca este assunto a todas as questdes de sua posicdo no Mundo e de seu destino terrestre. “Nota, — Esta segunda parte serd publicada por meio de subscrigdo, e remetida ds pessoas”... ete. (54) Evidentemente, Kardec ndo se refere, no trecho acima, & obra, também de sua autoria, que surgiu em 1858 com o titulo: “InsTRuco PRATICA SOBRE AS MaNiFEsTacors Espinrras, com a exposigéo completa das condi¢des necessdrias para co- municar com os Espiritos e os meios de desenvolver a facul- dade mediadora nos médiuns.” (55) Esta nova obra nao estuda o assunto de que fala Kardee no “Epflogo”, O assunto em causa formaria, isto sim, 0 pros- seguimento das trés livros da 1? edic&o, formaria a segunda parte de “O Livro dos Espiritos”, formaria, enfim, uma publi- cacao & parte, um segundo volume de “O Livro dos Espiritos”. Tal era, entdo, o intento de Kardee com respeito a essa segunda parte, cuja publicacdo os Espiritos superiores haviam por bem adiado, dando ao Missionério da Codificacdo tempo para preparar e completar varias questées doutrinarias. Aligs, j4 em 17 de junho de 1856, pela médium Srta, Bau- din, v Espirito de Verdade informava a Kardee, ao se referir A publicagéio de “O Livro dos Espiritos”: “Por muito importante que seja esse primeiro tra- daiho, ele nao é, de certo modo, mais do que uma intro- duc. Assumiré proporgdes que hoje estds longe de suspeitar, e tu mesmo compreenderds que certas pars tes sé muito mais tarde e gradualmente poderdo ser dadas a lume, d medida que as novas idéias se desen- volverem e enraizarem, Dar tudo de uma vez fora imprudente; importa dar tempo a que a opinido se forme.” (56) Pelo motivo que adiante o proprio Kardec apresenta, ele desiste da idéia, bem mais fécil talvez, de criar um segundo (6H) Td., 1857, p. 158 (55) Na RS, agosto de 1860, p. 26, Kardec comunica aos leitores que esta obra, estando inteiramente esgotada, nfo seria mais lm- pressa, substituida por um novo trabalho mais completo e obediente a outro plano, (56) “Oeuvres Posthumes”, lee. é4, pp. 324/226. ‘ 4 4 a a a e e « a e e ee ALLAN KARDEC 109 volume de “O Livro dos Espiritos’. Inspirado pelo Espirito de Verdade, cuja ac&o era constante ao seu derredor (57), 0 mestre inicia o admirdvel e arduo trabalho de transformar “O Livro dos Espiritos” primitivo numa obra duplamente digna dos Espiritos superiores. Beis que em marco (58) de 1860, a “Revue Spirite” anun- ciava a venda da 2# edi¢do (inteiramente refundida e consi- (51) Id, tb,, p. 352. (58) © Dr. Canuto Abreu mencionou o dia 18 de margo de 1860, como sendo o lancamento da 2.8 edigio, no trabalho que publicou em 1957 (texto em fac-simile, vers4o em face — Primeiro Centenario, 1957 — Companhia Editora Ismael, $40 Paulo, SP). Sua obra, bilingiie (paginas pares, reproducdo fotomecénica da 1 ediedo do original, de 1857; paginas impares, tradugio do francés para 0 portugués), contém notas interessantes. A propésito do dia 18, teve ele a genti- leza de enderecar carta a Francisco Thiesen, em 8-12-1974, respon- dendo a perguntas que the foram feitas através deste articulista, por ocasiao de um encontro em Sao Paulo. Ao item 2 do lembrete deixado em seu poder ("Dia 18-3-1860, 2% edigio de “O Livro dos Espiritos"), © Dr. Canuto Abreu informou o seguinte: “R. Suponho referir-se & data encontrada no “Primeiro Livro dos Espiritos de Allan Kardec, 1857", p. VIII. Permita-me uma pre- liminar. Como se sabe, as edicGes de livros e jornals, na Franca, se Tegem por lel. Em 1860, vigorava o decreto de Napoleio, de 14 de outubro de 1811, que reza no art. 1° — La direction de l'Imprimérie et de la Librairie est autorisée & publier, & dater de ler novembre prochain, un journal dans lequel seront annoneées toutes les éditions ouvrages imprimés ou gravés qui seront faites & Vavenir, avec le nom des éditeurs et des auteurs, si ces derniers sont connus, le nom- bre dexemplaires de chague édition et le prix de Youvrage. Elle, y fera aussi insérer avant la publication des ouvrages, les déclaratiohs qui auront été faites par les libraires, pour Ja reimpression des livres Ge domaine public.” Obedecendo a lei e aos regulamentos da ép0- ca, DIDIER ET Cie,, Libraires-Sditeurs, levaram a nova edigdo de “O Livro dos Espiritos", “entiérement refondue et considerablement augmenté", 20 Ministério do Interior, em Paris, para a censura prévia nal Général”, sob n° 2.238, em 1860. Com todas as declaracdes de DIDIER, constantes de papéis impressos, na forma regulamentar. Em 1921, Paul LEYMARIE, entGo “éditeur” de obras espiritas ¢ tor da “Librairie des Sciences Psychiques”, 42, Rue Saint-Jacques, Paris, permitiu-me examinar o livro de registro de todas as obras de Allan Kardec, Esse registro, orgenizado inicialmente por Pierre~ -Gaétan LEYMARIE, encerrava a histéria resumida de todas as edi- 110 ZeUS WANTUIL E FRANCISCO THIESEN deravelmente aumentada) de “O Livro dos Espiritos”, e Allan Kardec, com sua costumeira lealdade, advertia o leitor “AVISO SOBRE ESTA NOVA EDICAO “Na primeira edigdo desta obra, anunciamos uma parte suplementar. Ela devia compor-se de todas as questées que ali néo couberam, ou que circunstan- cias ulteriores e novos estudos fizessem nascer; mas como sdo todas relativas a alguma das partes jd tra- tadas e das quais séo 0 desenvolvimento, sua publi- cacéo isolada ndo apresentaria nenhuma seqiléncia. Preferimos aguardar a reimpresséo do livro para fun- dir tudo junto, e aproveitamos 0 ensejo para empregar na distribuigdo dos assuntos uma ordem bem mais metédica, ao mesmo tempo que suprimimos tudo quan- to fosse repeticéo intitil. Esta reimpressdo pode, pois, ser considerada como obra nova, se bem que os prin- cipios ndo hajam sofrido alteragdo alguma, salvo pe- quenissimo niimero de excecdes, que séo antes comple- mentos e esclarecimentos que verdadeiras modificagées. Esta conjormidade nos principios exarados, apesar da diversidade das fontes de que nos servimos, é fato importante para o estabelecimento da ciéncia espirita. Nossa correspondéncia demonstra, mesmo, que comu- nicagdes, perfeitamente idénticas, sendo na forma, pelo menos no fundo, foram obtidas em diferentes locali- dades, e isto bem antes da publicagdo do nosso livro, que veio confirmé-las e dar-Ihes um corpo regular. A Historia, por sua vez, atesta que a maior parte des- ses principios foram professados pelos mais eminentes Gées espiritas dos livros de Allan Kardee, mesmo as de outros editores, Ali se encontravam as datas 10 € 18 de marco de 1860 relativas & entrada e a saida da 2. edicéo. Copiel. E encontrei, depois, no ar- quivo espirita de Allan Kardec, em parte com Paul LEYMARIE e noutra parte com Jean MEYER, algumas referéncias atinentes & mes- ma edigio, Numa das “preces” rascunhadas pelo punho de Kardec, datada de 18 de marco de 1860 (*), nd um agradecimento a Deus, a “Verdade” e aos Espiritos Instrutores por motivo do langamento da segunda edigio.” (*) Poderia aparecer nae livrarlas de Paris, & 4poca, um novo livro, em domingo (18-3-1860)?

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