Por Marcos Serra Lima e Túlio Mello


Mais que uma letra: 'Ser bicha na periferia é muito cruel e muito poderoso', diz bailarino

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O artista da dança Wallace Ferreira, que também usa o nome artístico Patfudyda, é morador de Vigário Geral, uma comunidade na Zona Norte carioca. Mais do que gay, ele faz questão se identificar como "bicha preta", para se desvencilhar da imagem do "homem macho". Para Wallace, a realidade do LGBTQIA+ morador da periferia é difícil, porém, repleta de significados.

MAIS QUE UMA LETRA: no mês do orgulho LGBTQIA+, o G1 ouve pessoas da comunidade para explicar o que significa cada uma das letras, falar sobre seu processo de descoberta e os desafios que enfrentam.

Mais que uma letra: entenda o que significa a sigla LGBTQIA+

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“Ser bicha na periferia é muito cruel e muito poderoso também. Eu acho que a potência artística de uma bicha periférica alimenta culturalmente o Brasil inteiro”, revelou o bailarino.

Mas era de se esperar: várias das manifestações culturais que surgiram na periferia têm como protagonistas LGBTQIA+ negros, como é o caso do voguing, uma das danças que Wallace domina. A prática, que mistura movimentos sensuais, poses e performance, nasceu em guetos de Nova York, junto aos ballroons – literalmente “salões” – na década de 70.

O dançarino Patfudyda fala sobre a importância da bicha periférica: a gente 'alimenta culturalmente o Brasil' — Foto: Marcos Serra Lima/G1

“A ballroom é muito política”, explicou o bailarino.

Esses espaços abrigavam sobretudo mulheres e homens trans, além de homens cisgênero gays, principalmente negros, e pessoas de famílias hispano-americanas. À época, grande parte desta população era expulsa de casa ao se assumir e buscava acolhimento nas houses que organizavam as ballrooms, formando uma espécie de família.

“Hoje a gente constrói esse acolhimento, de cultura e de informação e de crescimento também, uma da outra. É muito importante para o meu crescimento e para o meu entendimento enquanto pessoa LGBTQIA+, ter esse acolhimento”, disse Wallace, que é membro de uma dessas casas brasileira, a House Of Mamba Negra.

Antes restrito aos guetos, o estilo ganhou o mundo nos anos 90, quando Madonna lançou o clipe da canção Vogue. O coreógrafo responsável foi José Gutierrez, mais conhecido como José Xtravaganza, um dos “filhos” dessas casas.

O bailarino Wallace Ferreira foi acolhido por uma casa de 'ballroom', onde pôde desenvolver sua arte — Foto: Marcos Serra Lima/G1

A dança

Wallace conta que não precisou descobrir-se gay. Para ele, o processo se autoaceitação foi muito natural.

“Eu acho que essa coisa de se perceber, quem percebe são as pessoas. A gente só tá ali, vivendo e sendo quem a gente é, e as pessoas começam a perceber. As pessoas começam a apontar, e você começa a se questionar: por que eu estou assim? O que estou fazendo é certo? É errado?”, explicou.

E foi justamente no descobrir-se diferente, a partir dos olhos que o condenavam, que ele decidiu expressar as próprias sexualidade e identidade por meio da dança.

O dançarino Wallace Ferreira conta que teve apoio da família ao se reconhecer como gay, mas sente muito medo de viver no Brasil, um dos países que mais matam LGBTs — Foto: Marcos Serra Lima/G1

“Começando a entender esse processo de puberdade e sexualidade, eu começo a botar isso na minha dança, mas não de uma forma intencional. Mas eu acho que meu corpo estava pedindo uma expressão que não fosse uma hétero-cis-normatividade”.

Vindo de uma família de pessoas que já dançavam, a aceitação e o acolhimento dos familiares não foram um problema para Wallace. O medo da homofobia, no entanto, sempre o preocupou.

“O Brasil é o país que mata o tempo todo pessoas como eu. Tudo o que eu represento é o que o Brasil mais mata. Eu sempre tenho medo de sair na rua. Mas eu preciso estar na rua. A minha voz precisa ser ouvida, meu corpo precisa ser celebrado. Então, mesmo com medo, eu preciso existir. Eu vou existir apesar do medo.”

Mais do que gay

Vítima não apenas da LGBTfobia, o bailarino se identifica não apenas como um homem gay, mas, principalmente, como “uma bicha preta”. Para ele, isso significa “querer cada vez mais se desvencilhar da imagem do homem, macho, que não tá só no homem hétero, como também está na gay branca, que continua reproduzindo esse tipo de opressão”.

Mais do que gay, Wallace faz questão de se ver como “uma bicha preta”, o que, para ele significa “querer cada vez mais se desvencilhar da imagem do homem, macho" — Foto: Marcos Serra Lima/G1

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