Terra da Gente

Por Gabriela Brumatti, Terra da Gente


...a paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem conversou a primeira vez não sai mais da gente
— Candido Portinari

"Fauna e flora brasileiras" traz à tona a brasilidade através da presença da arara, de um cacho de bananas, um primata e uma praia — Foto: Projeto Portinari

Visitar um museu, durante a quarentena, se tornou uma atividade exclusivamente virtual e, não por isso, menos transformadora. Se a paisagem, como mencionada na fala do artista plástico brasileiro Candido Portinari, é capaz de permanecer em nós após o primeiro contato, as representações desses ambientes não deixam de ter o mesmo efeito.

Pensando em impactar a sociedade de forma positiva e favorecer o desenvolvimento ecológico, as ações do Programa de Sustentabilidade Ambiental do Museu Casa de Portinari voltaram seus olhos à natureza que nos cerca. Através de um levantamento de fauna e flora, atividade que traduz a identificação de espécies de animais e de plantas dentro das imediações do museu, os visitantes podem conhecer os “habitantes” do jardim da antiga residência do artista, através de fotos e informações online.

Periquitão-maracanã ou a "famosa" maritaca é uma das espécies de aves que foram identificadas no local — Foto: Museu Casa de Portinari/Acervo

Os dados são resultado do esforço de especialistas, como a bióloga Natália Allenspach e os engenheiros agrônomos Maria Esmeralda Demattê e Demóstenes Ferreira da Silva Filho, além de funcionários do museu. Através de buscas e observações, eles registraram as mais de 80 espécies de plantas nos terrenos e na praça que compõem o ambiente e 46 espécies de aves, entre elas até mesmo algumas migratórias.

Mulungu é uma das plantas que acrescenta à diversidade natural do ambiente do museu — Foto: Museu Casa de Portinari/Acervo

Segundo Angelica Fabbri, museóloga e diretora do Museu Casa de Portinari, a ação tem o intuito de promover a apreciação e a preservação das populações de animais e vegetais ao garantir as condições necessárias para elas, mesmo que em localidade urbana. “Ambientes construídos não abrigam apenas seres humanos, abrigam também muitas outras espécies de animais e de plantas que compõem a biodiversidade, as funções ecológicas e as condições ambientais, as quais todas as instituições e pessoas devem proteger”, afirma.

Levantamento de fauna e flora foi uma das ações visando o desenvolvimento sustentável no Museu, além dela há o plantio de mudas, a produção de adubo orgânico e a diminuição do uso de descartáveis — Foto: Museu Casa de Portinari/Acervo

“Natureza-viva”

"A onça" é uma das obras de Candido Portinari que ressalta a natureza brasileira e a relação com os humanos — Foto: Projeto Portinari

A contemplação do natural não está presente apenas ao redor do Museu de Brodowski, que abriga as obras do artista brasileiro. Em suas profundas inspirações, fauna e flora nacional aparecem estampadas e exaltadas. “Uma infância vivida com os pés no chão, entre os amigos, pulando em rios, nadando em córregos, aventurando-se pelas matas e plantações. No convívio com os pássaros, com as plantas e a natureza, vivências que ficariam para sempre no coração do menino e seriam transportadas para a sua obra plástica e poética”, explica a museóloga.

As referências naturais derivam da vida no interior de São Paulo, ao lado de seus pais, imigrantes italianos, e irmãos na Fazenda Santa Rosa. É desse ambiente que retira as lembranças mais coloridas de sua vivência. Em telas ou em poemas, máximas como “o campo era sempre o nosso melhor refúgio” evidenciam o elo do artista com o ambiente natural.

"Floresta III" apresenta animais típicos da fauna brasileira como tamanduás, guarás e catetos — Foto: Projeto Portinari

Belas eram as flores silvestres. Conhecíamos bem os pássaros, as formigas, as seriemas, as saracuras e os tatus. Quando víamos no chão um orifício, sabíamos a que bicho pertencia
— Retalhos de minha vida de infância (Candido Portinari)

As pinturas realizadas por Portinari em sua casa (onde, hoje, é o museu) contemplam uma temática religiosa, mas a própria residência é emoldurada por jardins repletos de plantas e flores das quais destacam-se as roseiras, espécie sempre presente nos tempos em que o artista lá viveu.

Casa onde Candido Portinari passou a infância se transformou em museu em Brodowski, SP — Foto: Érico Andrade/G1

“As roseiras estão em flor? Quanta rosa nas roseiras lá de casa! Todos vinham pedir rosas. Por mais que levassem, mais havia. As roseiras estiveram presentes desde o meu nascimento. Minha mãe cultivava-as. Ficava lisonjeada quando pediam. Haviam outras flôres. Sua preferida era a rosa” - Portinari Poemas

Embora a natureza seja constantemente presente nas telas de Portinari, a produção destaque do artista se concentrou nas obras que realizavam flagrantes de realidades brasileiras, fosse na dinâmica das vítimas da seca no Nordeste (como em "Retirantes") ou mesmo na vida rural (tal qual em "Lavrador de Café"). Ainda assim, das mais de cinco mil obras de Candido Portinari contidas no Projeto Portinari, 896 contêm animais, 80 delas mostram flores, 654 trazem paisagens e 22 plantas.

As milhares de produções que compõem o acervo fazem com que este seja um dos artistas que mais retratou seu país. “Candido Portinari foi um profundo estudioso e conhecedor do Brasil e do povo brasileiro, em suas diferentes regiões e múltiplas riquezas naturais e culturais, que foram registradas pelo pintor em sua arte”, reforça Angelica Fabbri que ressalta o fato do artista valorizar a existência harmoniosa entre todos os seres que habitam o planeta, uma busca atemporal.

Nosso quintal estendia-se por todos os lados, podia-se brincar. Meu pai nunca teve ideia de propriedade. O mundo para ele não passava de baldeação, onde todos podiam alegrar-se com os espetáculos grátis que as flores, os ventos, os mares, os jardins ofereciam
— Retalhos de minha vida de infância (Candido Portinari)

Se a paisagem e os elos nunca nos abandonam, o olhar de um artista sobre a natureza e o mundo que o cerca é igualmente perene. Saber retratar o ambiente pode, ainda, modificar a forma com que a humanidade se relaciona com o meio. “Nessa perspectiva, o papel social da arte de Portinari é relevante e contribui para reflexões que estimulem transformações pessoais e coletivas na direção do exercício da cidadania plena”, define a diretora do Museu Casa de Portinari.

Diversidade de espécies brasileiras e detalhes da natureza nativa se destacam nas composições de Candido Portinari — Foto: Projeto Portinari

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