Terra da Gente

Por Luciano Lima*, Terra da Gente


Azul precioso do gênero Morpho — Foto: Pixabay

Há pouco mais de dois anos, a natureza virou minha vizinha. De porta... de janela... de tudo! Em fevereiro de 2020 passei a morar no mato, mais precisamente no meu sítio, sobre o qual já comentei algumas vezes aqui na coluna. Ele está localizado na Serra da Bocaina, na divisa entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, de onde inclusive estou escrevendo esse texto.

Além de apaixonado pela natureza, eu cheguei ao sítio como um observador de aves, biólogo, mestre em Zoologia...com uma pequena, mas considerável, biblioteca de livros sobre fauna e a flora do Brasil. Ou seja, com algum conhecimento sobre mato e bicho.

Mas morar no mato tem me ensinado uma lição importante: quanto mais você olha para esse mundo natural, mais você percebe o quanto tem para aprender, mesmo quando envolve observações óbvias como a de uma borboleta branca e enorme.

Borboleta-da-coronilha 03 — Foto: Rudimar Narciso Cipriani

As borboletas do gênero Morpho formam um dos grupos mais fantásticos e conhecidos de insetos da região tropical das Américas. No gênero composto por cerca de 30 espécies, muitas são grandes e possuem toda ou grande parte da face superior das asas de um azul cujo melhor adjetivo para descrever acho que seria "azul precioso".

Diferente da maioria das borboletas elas não se alimentam de néctar, mas de frutas fermentadas, seiva de árvores e até mesmo de fungos.

São muitas as curiosidades sobre as borboletas-azuis ou capitão-do-mato, ou azulão, como também são chamadas em diferentes regiões do Brasil. Uma das mais fantásticas é que apesar de serem azuis elas não são azuis!

É isso mesmo! Você não leu errado! O azul das asas de muitas espécies de Morpho é resultado do que poderia ser chamado de uma ilusão de ótica.

Os animais podem ser coloridos por cores pigmentares ou estruturais. Cores pigmentares são como se fossem um tipo de "tinta", que funcionam como substâncias formadas a partir de pigmentos sintetizados pelos próprios animais, muitas vezes dependendo de outras substâncias obtidas através da dieta dos bichos.

Morpho — Foto: Pixabay

Com esses pigmentos os animais "pintam" suas penas, pelos, escamas. O guará, o flamingo, o tiê-sangue e outras aves vermelhas ou rosadas, são bom exemplos desse caso. Não é a toa que esses animais ficam desbotados se não recebem alimentação adequada em cativeiro.

No caso do azul, a história é outra. A produção de pigmentos azuis é algo extremamente raro na natureza e quase todos os animais que são azuis conseguem ser dessa cor através da manipulação da luz por meio de estruturas especiais presente em partes do corpo, por isso são chamadas de cores estruturais.

No caso desse gênero, é possível produzir seu "azul precioso" através de um arranjo da estrutura das escamas que cobrem suas asas. Parece um pouco confuso, mas na ausência de luz uma borboleta Morpho azul deixa de ser azul, enquanto um guará, por exemplo, continua sendo vermelho, mesmo que no escuro você não consiga enxergá-lo.

Mas nem todas as Morpho são azuis, a espécie mais comum aqui no meu quintal, Morpho epistrophus é quase que inteiramente branca e linda! Me lembro que assim que me mudei para montanha, no final de fevereiro de 2020 com algum frequência observava elas passando pelo quintal.

Lembro inclusive de suspirar pensando: "moro em um lugar que tenho como vizinho borboletas Morpho!". Aos poucos fui vendo cada vez menos elas por aqui. Até que por acaso vi uma foto da espécie em um livro e ao me lembrar dela me dei conta que as borboletas tinham simplesmente desaparecido do quintal.

Comecei a desconfiar que elas pudessem ter um ciclo de vida ligado com as estações do ano e resolvi esperar. Dito e feito. No dia 18 de fevereiro de acordo com o meu diário da natureza.

Observei a primeira Morpho epistrophus de 2021 no meu quintal. Resolvi então pesquisar, e aprendi lendo alguns artigos que, minha desconfiança estava correta, os adultos de algumas espécies de Morpho voam durante poucos meses do ano.

Borboleta espécie morpho helenor — Foto: Wirley Almeida

É como se fosse uma migração sem sair do lugar, elas "migram" para uma outra forma... Após reproduzirem os adultos depositam seus ovos em uma planta hospedeira e pouco tempo depois morrem, dos ovos eclodem as lagartas que passaram meses se alimentando até se transformarem em crisálida e após mais algum tempo darão origem a novas borboletas.

Todas as borboletas passam por esse ciclo de vida, mas no caso da Morpho epistrophus, como o ciclo é muito longo (mais de 230 dias entre o ovo e a transformação em borboleta) acabou sobrando pouco tempo para ela "existir" em sua forma adulta durante o ano.

Nas minhas andanças pelo mato eu já tinha visto muitas e muitas borboletas Morpho antes de mudar para o sítio, mas desde que descobri essa presença, literalmente marcante, da Morpho epistrophus apenas em parte do ano aqui no meu quintal, fevereiro e março ganharam um sentido especial aqui na montanha. São os meses em que eu aprendi esperar as borboletas.

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