Terra da Gente

Por Thaís Pimenta, Terra da Gente


Jenipapo produz corante natural azul — Foto: Canva

Normalmente, costumamos dizer que "comemos primeiro com os olhos" para só depois, degustarmos o alimento. Não à toa as indústrias alimentícias usam corantes para deixar alguns produtos mais coloridos, e aparentemente apetitosos para os consumidores. Isso vale, em especial, para as crianças.

O problema é que esses corantes possuem compostos químicos que podem causar intoxicações e outros problemas de saúde. A boa notícia é que essa vertente tem mudado pouco a pouco. As indústrias têm usado cada vez mais opções naturais. E um dos "queridinhos" têm sido o jenipapo, planta que produz um corante natural, que fica azul.

Segundo o pesquisador Leonardo Lopes, assim como os derivados de açaí, beterraba, cúrcuma, urucum e páprica, esses corantes naturais oferecem uma ampla gama de cores, incluindo diferentes tons de roxo, amarelo, laranja, vermelho e marrom. No entanto, o corante alimentar azul que é extraído da fruta tropical faz parte de um conhecimento tradicional dos povos indígenas sul-americanos.

"Devido à demanda mundial por produtos naturais com propriedades promotoras de saúde, o corante azul derivado dos frutos verdes do jenipapo constitui uma alternativa promissora, segura e economicamente viável de aplicação do corante tropical", explica o pesquisador.

Jenipapo é rico em ferro e é muito procurado para as festividades de São João, no Nordeste — Foto: Eduardo Cavalari/RPC Maringá

Como se obtém o corante?

O jenipapo é fonte de corante azul, cuja obtenção é possível tanto com uso de água quanto de solução aquosa de etanol a 50 e 95% como solvente. Uma coloração mais intensa e escura é observada nas soluções com etanol.

O biólogo reforça que coordena um projeto de pesquisa sobre ecologia das aves em colaboração com uma Universidade da Holanda e, bem na porta da nossa estação de campo aqui na cidade de Florestal, onde os estrangeiros ficam alojados, tem um pé de jenipapo. "Resolvi então fazer uma brincadeira com meus estudantes brasileiros e estrangeiros, fazendo o pão azul", afirma.

"Enquanto eu fazia as primeiras versões descobri pela internet que outras pessoas já tinham produzido um pão azul. A minha proposta então foi dar uma leitura mais científica na ideia, unindo a cozinha com a ciência e a indústria. Daí surgiu a publicação em parceria com a minha esposa, a Renata, que é bióloga especializada em etnobotânica", conta.

Corante natural é extraído de jenipapo — Foto: Cody H., CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

Todas as partes do jenipapo podem ser aproveitadas

O jenipapo pode ser aproveitado de muitas maneiras. É possível usar a raiz, por exemplo, para preparar um chá que funciona como laxante. Já a casca, além de ser diurética, pode ser usada para combater úlceras.

Já as sementes também podem ser usadas no preparo do suco, que por sua vez também combate problemas no estômago. Também é um afrodisíaco natural. De acordo com algumas tradições ele é capaz de aumentar a libido, e consequentemente o apetite sexual. Ainda assim, isso por enquanto se trata apenas de crença popular, sem nenhuma comprovação médica.

Muito saudável

Embora o nome jenipapo seja bem conhecido não são poucas as pessoas que nunca viram esse fruto. Isso porque ele é muito comum no Norte e no Nordeste, mas em estados de outras regiões do Brasil pode ser mais difícil encontrá-lo.

Embora ele possa ser consumido após ser tirado do pé do jenipapeiro, também é usado como ingrediente principal em diversos produtos, como sucos, doces e licores.

"É um alimento rico em vitaminas e minerais. Na medicina, o xarope de jenipapo é indicado para quem tem problemas respiratórios. Ainda segundo o biólogo, ajuda no controle das plaquetas no sangue, e por isso é muito indicado para quem está passando por sessões de quimioterapia", ressalta.

Jenipapo, nome que derivou do tupi-guarani, significa “fruto que serve para pintar” — Foto: Arquivo TG

Receita de pão de fermento azul

Ao fazer esta receita, recomendamos o uso de luvas de borracha, pois o suco de jenipapo pode manchar sua pele. Se você não tiver luvas precisará lavar muito bem as mãos toda vez que tocar no suco de jenipapo ou na massa. Caso contrário, se você deixar o suco em contato com a pele por muito tempo, poderá fazer uma bela tatuagem azul que levará uma ou duas semanas para desaparecer.

Ingredientes

  • 150g de levain* líquido ativo (100% de hidratação) à temperatura ambiente (*fermento natural)
  • 600 g de farinha de trigo
  • 400g de água em temperatura ambiente
  • 25g de polpa de jenipapo verde (cerca de 1/4 de uma fruta de tamanho médio descascado e sem sementes)
  • 14g de sal

Passo a passo do pão azul — Foto: Leonardo Lopes

Preparo

Misture a polpa do jenipapo com a água e passe por uma peneira para retirar as fibras (o suco ficará esbranquiçado, sem absolutamente nenhum tom de azul neste ponto). Verifique se obteve 400g do “suco” (talvez seja necessário completar com um pouco de água adicional).

Com as mãos, misture o suco de jenipapo com a farinha por cerca de 1 minuto, apenas para fazer uma massa solta. Você não precisa amassar, apenas certifique-se de que a farinha esteja bem hidratada e não fique nenhuma mancha seca. Deixe a massa descansar por 30 minutos.

Adicione o levain (fermento natural) e o sal e misture bem, apertando a massa entre os dedos e dobrando-a várias vezes por cerca de 3 minutos. A massa ficará muito úmida e impossível de amassar (isso é normal – afinal, este é um pão sem amassar!). Se, por algum motivo, você quiser adicionar mais farinha, não faça isso. Resista e deixe a massa descansar por cerca de 30 minutos e dobre novamente. Repita o processo de descanso/dobragem mais duas vezes em intervalos de cerca de 30 minutos.

Neste ponto, não será visível ou, no máximo, um tom azul levemente acinzentado. Deixe a massa fermentar por cerca de cinco a seis horas. Molde como uma grande “boule” e deixe fermentar em uma tigela coberta com uma toalha de cozinha molhada por cerca de duas horas.

Aqueça o forno a 250°C em uma panela de alumínio de fundo com tampa. Vire o pão sobre uma superfície enfarinhada e com as próprias mãos, coloque o pão dentro da panela (com cuidado).

Leve para assar por 30 minutos. (a ideia aqui é reter a umidade já presente na massa, “cozinhando” o pão). Após 30 minutos, a crosta será um belo marrom mogno, com as fortes cores azuis visíveis através das rachaduras.

Sobre o jenipapo

Nome Científico: Genipa americana
Família: Rubiaceae
Características Morfológicas: Altura de oito a 14 metros, com tronco de 40 a 60 centímetros de diâmetro. Folhas simples, de 15 a 35 centímetros de comprimento.
Ocorrência Natural: Da Amazônia até o Norte do Paraná, em várias formações florestais situadas em várzeas úmidas ou encharcadas.

Do tronco liso, sai uma madeira branca de fácil manejo para esculturas e fabricação de móveis e para a construção civil. Da polpa do fruto verde do jenipapo se extrai um líquido que a princípio parece água, mas que em contato com o ar se oxida e vira uma tinta entre azul escura e preta. Com ela, os índios se pintam e adornam objetos. É essa qualidade que derivou o nome jenipapo, do tupi-guarani, “fruto que serve para pintar”.

O fruto é redondo ou ligeiramente oval, com cerca de seis a oito centímetros de diâmetro. Consumido in natura, o fruto ganhou fama nos doces, balas, geleias e, principalmente, no licor. Bebida quente, com fama de afrodisíaca, e excelente digestivo.

Na medicina caseira, do jenipapo só não se aproveita o tronco. Entre os povos amazônicos, o chá da raiz é usado como purgativo e anti-gonorréico; as folhas (decocção) são indicadas contra diarreia e sífilis e, como chá, contra a gastrite; da casca, se faz um chá purgativo ou emplastro de uso externo contra dores de várias origens.

O jenipapo é rico em ferro e riboflavina, a vitamina B2 necessária para a formação de hemácias (células vermelhas do sangue), produção de anticorpos, crescimento e prevenção da catarata.

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