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Por Tiago Bontempo

Um dia histórico para o futebol japonês. Nunca uma seleção asiática havia derrotado uma sul-americana em Copas do Mundo. O Japão chegou ao Mundial da Rússia no grupo mais equilibrado da competição, mas apenas como quarta força, atrás dos favoritos Colômbia e Polônia e até mesmo de Senegal. A estreia era logo contra a mesma Colômbia que havia goleado por 4x1 no último jogo da fase de grupos em 2014. As previsões não eram favoráveis, mas no futebol o imprevisível é presença constante e o que vale mesmo é o placar final. Ao som de Shouri no Emi wo Kimi to – música tema do Japão na Copa -, o placar da Mordovia Arena, em Saransk, mostrava ao fim dos 90 minutos: Colômbia um, Japão dois. Uma das maiores surpresas da primeira fase e um resultado que superou todas as expectativas de torcida e imprensa japonesa.

Em primeiro lugar, é preciso destacar a atuação brilhante de Shinji Kagawa. Nosso camisa 10 vinha acumulando partidas frustrantes vestindo a Hinomaru. Acredite ou não, desde 2013 ele não fazia uma grande exibição pela seleção, assim como pelos clubes nunca havia jogado no mesmo nível da primeira passagem pelo Borussia Dortmund (de 2010 a 2012). Hoje, ele finalmente foi o que todos esperavam dele: o craque que decide o jogo. No lance do primeiro gol, foi ele que lançou para Osako, foi ele que pegou o rebote e teve o chute bloqueado pelo braço de Carlos Sánchez e foi ele que cobrou o pênalti. Não muito bem batido, é verdade, mas ele teve a frieza de deslocar Ospina e o que importa é que a bola entrou. O meia também puxou contra-ataques, criou chances (que foram desperdiçadas), enfim, fez o trabalho do número 10. Sem dúvidas, o melhor em campo.

Formações iniciais de Colômbia e Japão (ambos no 4-2-3-1) — Foto: Futebol no Japão

Kagawa era criticado por sumir nos jogos mais importantes, por pecar no lado emocional. Quando Halilhodzic o deixou de fora das convocações, foi merecido. Ele precisava de uma chacoalhada, precisava de alguma forma recuperar o brio do início da carreira. E, aos 29 anos, esta pode ser para ele a última oportunidade de disputar uma Copa em alto nível. A última chance de deixar seu nome na história da seleção, para que no futuro ele seja comparado a outras lendas como Kazuyoshi Miura, Hidetoshi Nakata ou Shunsuke Nakamura. Ele vinha de lesão no fim da temporada europeia, mas se recuperou bem a tempo. Foi titular só no último amistoso e ganhou a vaga de Keisuke Honda como armador central ao anotar um gol e duas assistências contra o Paraguai. Reviveu a parceria com Takashi Inui, que fez muito sucesso no Cerezo Osaka de Levir Culpi de 2008 a 2010, e se tornaram as principais esperanças de sucesso do Japão na Rússia.

Yuya Osako também vinha muito criticado. Tido como “atacante que não faz gol”, a verdade é que ele só manteve a titularidade por causa da fase ruim de Shinji Okazaki e porque Yoshinori Muto não aproveitou as chances que teve na função do camisa 9. O ex-Kashima Antlers, apesar de hoje também ter ido mal nas finalizações, mostrou seu valor ao time. Foi muito bem nos duelos contra os zagueiros colombianos, e foi com ele fazendo o pivô dentro da área que começou a jogada do segundo gol nipônico. Foi com um cabeceio dele, ganhando de Arias no jogo aéreo, que o Japão sacramentou a vitoriosa estreia na Copa. Sem falar que foi dele o bloqueio do chute de James Rodríguez que seria gol certo da Colômbia nos minutos finais. Uma defesa que valeu por um gol.

Também chamou a atenção uma declaração do treinador da Colômbia ontem. José Pekerman disse: “Temos que tomar cuidado com Kagawa, Honda, Kawashima, Endo, Hasebe... os mais conhecidos.” Certamente ele não estava se referindo a Wataru Endo. Talvez ele apenas se confundiu ou não percebeu que Yasuhito Endo não está mais na seleção. Gaku Shibasaki, porém, jogou um futebol digno do maestro, com a mesma camisa 7 e com a mesma visão de jogo e qualidade nos passes. Mais um que ganhou a vaga no último amistoso, contando também com o fato de Ryota Oshima, que seria o titular, ter sentido dores na região lombar, e com a intenção de Akira Nishino de ser mais ofensivo, deixando Hotaru Yamaguchi apenas no banco.

Foi um jogo em que quase tudo deu certo para os Samurais Azuis. O destino definitivamente conspirou a favor. James Rodríguez, o craque dos Cafeteros, ainda não está 100% fisicamente e começou no banco. E quem imaginaria que, logo no terceiro minuto, a Colômbia ficaria com um a menos e o Japão ganharia um pênalti de presente? Ainda assim, a diferença numérica fez o jogo ficar equilibrado. O que poderia ser um massacre colombiano se tornou um jogo rápido e muito disputado. A Colômbia perdeu seu primeiro volante, mas atacava normalmente, como se estivesse com onze. A diferença é que a defesa estava muito mais exposta, e o Japão não aproveitou as chances de contragolpe. Chances que minguaram quando entrou o volante Wilmar Barrios no lugar do ponta direita Juan Cuadrado. Juan Quintero, o substituto de James, não precisava mais ocupar o espaço aberto por Sánchez no meio-campo e empatou o jogo em uma cobrança de falta por baixo da barreira que Kawashima deveria ter defendido. Aliás, nem falta deveria ter sido marcada no lance anterior, pois Falcao é que havia derrubado Hasebe na frente da área, e não o contrário, como foi marcado pelo árbitro.

Se no primeiro tempo o 11 contra 10 virou um duelo equilibrado, no segundo os colombianos não tiveram fôlego para manter o ritmo e o Japão finalmente se impôs com seu toque de bola. Um segundo tempo dominante, uma vitória merecida e, mais importante que tudo isso, uma injeção de ânimo e confiança que esse time tanto precisava. Tudo pode acontecer nas próximas duas rodadas.

Colômbia 1x2 Japão - Mordovia Arena, Saransk - Público: 40.842
Gols: Shinji Kagawa (6', 0x1), Juan Quintero (39', 1x1), Yuya Osako (73', 1x2)

Notas:
Kawashima - 5,0 - Havia falhado nos últimos amistosos e mesmo assim Nishino o manteve titular. E agora falhou de novo na Copa, ao reagir tarde à falta cobrada por Quintero por baixo da barreira e deixar a bola entrar por centímetros.
Hiroki Sakai - 6,0 - Começou tímido no ataque e com dificuldade em segurar a velocidade de Izquierdo e Mojica. Melhorou no segundo tempo e apareceu dentro da área no lance que originou o escanteio do segundo gol. Ainda teve chance de marcar depois de lançamento de Shibasaki.
Yoshida - 6,0 - Deu mais espaços a Falcao do que deveria e cometeu faltas desnecessárias, além de alguns passes errados, mas não comprometeu. Sólido no segundo tempo, ganhou todas pelo alto.
Shoji - 6,5 - Surpresa na escalação, ganhou o lugar de Makino na última hora e foi bem sempre que exigido. O lance do primeiro gol começou com um corte de cabeça dele. Não perdeu a concentração em nenhum momento.
Nagatomo - 6,5 - Começou bem o jogo, sempre fechando os espaços pelo seu lado. Deu alguns sustos, como no chutão para trás que terminou na falta em Falcao que Quintero converteu para empatar a partida. Defendeu bem no segundo tempo.
Hasebe - 6,0 - Errou alguns passes simples e cometeu faltas que não deveria, mas apareceu bem na marcação em várias ocasiões e conseguiu segurar as pontas contra o forte ataque colombiano.
Shibasaki - 7,0 - A grande atuação que faltava para ele se firmar na seleção. Ditou o ritmo de jogo como segundo volante, deu passes em profundidade e também marcou bem, com desarmes cruciais. Acertou 60 de 68 passes (89%)
Haraguchi - 6,5 - Sacrificou-se pelo time. Pouco ajudou o ataque, mas defendeu como nunca e, fechando os espaços pelo seu lado, foi essencial para segurar o resultado.
Kagawa - 7,5 [Melhor em campo] - Finalmente chegou o dia em que Kagawa teve grande atuação em um jogo importante pelo seu país. Fez gol, criou chances e não se escondeu. Pareceu até incomodado ao ser substituído.
Inui - 6,0 - Demorou a entrar no jogo. Não conseguia ganhar os duelos contra Arias na ponta esquerda e perdeu uma boa chance no primeiro tempo. Melhorou no segundo e ainda ajudou bastante a defesa.
Osako - 7,0 - Ótimo nos duelos contra os zagueiros colombianos. Ruim nas finalizações. Jogando de costas para o gol, ajudou a criar boas jogadas. Marcou de cabeça o gol da vitória e ainda bloqueou um chute de James que seria gol certo. Um dos heróis do dia.
Honda - 6,5 - Entrou a 20 minutos do fim no lugar de Kagawa e manteve o Japão com a posse de bola. Cobrou o escanteio que terminou no gol de Osako e tornou-se o primeiro asiático da história a dar assistência em três Copas do Mundo.
Yamaguchi - Sem nota - Jogou os 10 minutos finais no lugar de Shibasaki e ajudou a segurar o resultado.
Okazaki - Sem nota - Entrou no minuto 85' e correu bastante no ataque, sem muito resultado.
Nishino - 6,5 - Fez alterações no time titular e a maioria correspondeu - Shoji, Shibasaki e Kagawa foram bem. O time entrou em campo com uma postura agressiva na marcação e viu resultado com o lance decisivo já no terceiro minuto. Apesar das dificuldades no primeiro tempo, conseguiu se impor no segundo e comemorou a quinta vitória do Japão na história das Copas do Mundo.

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