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Por Tiago Bontempo

Kaoru Watanabe / Gekisaka

A Coreia do Sul ganhou sua Copa do Mundo. O futebol nos Jogos Asiáticos não está entre as competições de primeiro escalão do continente (é o equivalente ao nosso Pan-Americano), mas para os sul-coreanos vale mais até que a Copa da Ásia. Para eles, vale o futuro da carreira de alguns dos mais promissores nomes do país. Com a dramática vitória de hoje, por 2x1 e na prorrogação sobre o Japão, os 20 jogadores do elenco conquistaram não só a medalha de ouro, mas também o que realmente importava, a dispensa do serviço militar obrigatório. Momento marcante principalmente para a estrela maior, Son Heung-min, que não precisará abandonar a Premier League e a Champions League no auge da carreira para passar quase dois anos no exército.

Son Heung-min comemora com a bandeira coreana: atacante do Tottenham tirou um peso do tamanho do mundo das costas — Foto: Reuters

O que aconteceria com Son Heung-min em caso de derrota?

Em primeiro lugar, vamos tentar explicar a comoção envolvendo o torneio do lado dos coreanos. Lá, todo homem fisicamente apto deve servir ao exército antes de completar 28 anos. É lei. Atletas têm a possibilidade de serem dispensados, mas apenas com medalha de ouro em Jogos Asiáticos ou qualquer medalha (ouro, prata ou bronze) em Olimpíadas. Só. Copa do Mundo, Copa da Ásia, mais nada conta. A seleção que terminou em quarto lugar na Copa de 2002 foi dispensada por ser uma ocasião histórica. Foi a única exceção.

Son Heung-min poderia ter sido dispensado muito antes e evitado todo esse transtorno. Afinal, ele só não esteve no elenco medalha de bronze em Londres 2012 porque preferiu se dedicar ao clube e focar no início de carreira no Hamburgo. Nos Jogos Asiáticos de 2014, que a Coreia do Sul também foi ouro, ele não foi liberado pelo Bayer Leverkusen. Não é um torneio da Fifa, então os clubes podem recusar a convocação. Nas Olimpíadas do Rio 2016, o Tottenham liberou a ida de Son, mas os Taeguk Warriors sofreram uma trágica eliminação nas quartas de final para Honduras. Os Jogos Asiáticos de 2018, sediados em Jacarta e Palembang, na Indonésia, eram a maior e talvez última chance do atacante.

Depois disso, só restava as Olimpíadas de Tóquio 2020, e ele estouraria a idade limite para se alistar (28 anos) dois meses antes do início da competição. E tem mais: por não ter completado o Ensino Médio e se mudado para a Alemanha ainda com 16 anos, Son não estaria elegível para ser um soldado nem para jogar no time do exército, o Sangju Sangmu, equipe que fica vagando entre a primeira e a segunda divisão da K-League. Além disso, a lei ainda diz que ele teria que ficar seis meses em um clube da K-League para só depois ser emprestado ao time do exército. E nenhum clube coreano teria dinheiro para cobrir a multa do contrato de Son com o Tottenham, que vai até 2023. O único cenário possível para ele era quebrar o contrato com os Spurs e passar 21 meses trabalhando em um escritório do exército, sem poder jogar futebol profissional por todo esse período. Seria praticamente um fim de carreira. Assustador, não?

Japão Sub-21 B contra Coreia do Sul Sub-23 + 3 acima da idade

O serviço militar obrigatório é um dos maiores impedimentos para o desenvolvimento do futebol coreano e atrapalha a ida de muitos jogadores para a Europa. Afinal, os clubes sabem que podem perder o atleta no auge da forma e ficam hesitantes em contratar jovens coreanos. Conseguir a dispensa é um sonho de muitos e pré-requisito para não ter a carreira encerrada precocemente. Assim, a Coreia do Sul sempre vem com força total nos Jogos Asiáticos.

As regras são as mesmas das Olimpíadas: jogadores de até 23 anos mais três acima da idade. O técnico Kim Hak-bum convocou o time mais forte possível, com grande parte de atletas nascidos em 1995 e 1996 (sem idade olímpica para Tóquio 2020), e usou as três vagas de "overage" com o craque Son (1992), o goleiro Cho Hyun-woo (1991), destaque da Copa 2018, e Hwang Ui-jo (1992), centroavante do Gamba Osaka e "homem de confiança" do treinador por já terem trabalhado juntos no Seognam. Ui-jo foi o nome mais questionado pela torcida, que não o considera jogador para a seleção principal. Porém, ele deu sequência à boa fase na J-League e calou os críticos com um gol atrás do outro e a artilharia isolada do torneio, com nove gols. Apesar de ter jogado mal na final, foi o principal responsável por levar a Coreia até a decisão. O elenco ainda tinha dois "europeus" que estiveram na Copa da Rússia: o atacante Hwang Hee-chan (1996, Red Bull Salzburg) e o meia Lee Seung-woo (1998, ex-categorias de base do Barcelona e atualmente no Hellas Verona). Desde o início, era o favorito disparado à medalha de ouro. E com uma pressão igualmente grande.

Já o Japão sempre manda a seleção olímpica para os Jogos Asiáticos. Ou seja, Moriyasu não levou ninguém nascido antes de 1997. E mesmo assim, os principais nomes da geração Tóquio 2020 ficaram de fora. Ritsu Doan (1998, Groningen), Tatsuya Ito (1997, Hamburgo), Takehiro Tomiyasu (1998, Sint-Truiden) - todos esses três já estão na Europa e na seleção principal -, Yuta Nakayama (1997, Kashiwa Reysol), Daiki Hashioka (1999, Urawa Reds), Hiroki Abe (1999, Kashima Antlers)... nenhum desses foi convocado. Resumindo, o Japão estava com um time sub-21 B na prática.

Só para se ter uma ideia mais clara da diferença do nível entre Japão e Coreia nesse torneio, vale mencionar aqui como seria um suposto Japão com força máxima (sub-23 mais três acima da idade), reproduzindo a ideia que o colega @gokuusoccer postou no Twitter:

Kosuke Nakamura; Ryuta Koike, Maya Yoshida (OA), Takehiro Tomiyasu, Ko Matsubara; Kento Misao, Gaku Shibasaki (OA); Ritsu Doan, Takumi Minamino, Tatsuya Ito; Yuya Osako (OA).

Bem diferente, né? Nenhum dos jogadores do elenco sub-21 atual teria chance de jogar nesse time acima. O objetivo do Japão, porém, não era ir com força máxima dentro do que a regra permitia. A intenção de Moriyasu era dar rodagem aos atletas que ainda estão longe de ter um lugar garantido na seleção olímpica. E nesse ponto podemos dizer que a meta foi cumprida e com bons resultados.

Início de campanha fraco, reação nos momentos decisivos

Temos que frisar que Japão e Coreia do Sul disputaram sete partidas em um intervalo de 17 e 16 dias, respectivamente. Eram apenas dois ou três dias de descanso de um jogo para o outro. Ambos se pouparam ao máximo na fase de grupos e, mesmo contra adversários que provavelmente não dariam jogo nem contra times da J2, mostraram pouco futebol.

Na Coreia, o medo de lesões era tanto que Son ficou na reserva e nem entrou no primeiro jogo, um 6x0 em cima do Bahrein. No segundo, ele só saiu do banco porque o time foi para o intervalo perdendo por 2x0 para a Malásia. Terminou 2x1. No terceiro, o atacante do Tottenham finalmente foi titular e fez o gol da vitória sobre o Quirguistão por 1x0. A Coreia se classificou no sufoco, em segundo lugar atrás da Malásia, que passou em primeiro.

O Japão também não convenceu em nenhum jogo na primeira fase. Contra o Nepal, jogou bem os primeiros 10 minutos, fez um gol e administrou o resultado até o fim, trocando passes sem objetividade. Contra o Paquistão, fez três gols nos primeiros dez minutos, e de novo diminuiu o ritmo. Venceu por 4x0 e pouco fez nos outros 80 minutos. Contra o Vietnã, foi dominado em boa parte do jogo e quase não criou. Levou um gol em falha de saída de bola, perdeu por 1x0 e também teve que se contentar com um segundo lugar na chave.

Na hora do mata-mata, os dois rivais começaram a crescer. Nas oitavas de final, Coreia do Sul e Irã fizeram um jogo feio, de muitos erros, mas os coreanos aproveitaram as chances e ganharam por 2x0, gols de Hwang Ui-jo e Lee Seung-woo. O Japão sofreu contra a Malásia e precisou de um gol aos 45 do segundo tempo do substituto Ayase Ueda para avançar.

Nas quartas de final, a Coreia viveu contra o Uzbequistão o momento mais dramático do torneio. Foi buscar um empate por 3x3 (hat-trick de Hwang Ui-jo) com 15 minutos restantes e venceu na prorrogação com um gol de pênalti de Hwang Hee-chan aos 13' do segundo tempo. O Japão, contra a Arábia Saudita, única outra seleção que só levou jogadores sub-21, fez seu melhor jogo. Pressionava sem a bola e sufocava a saída adversária, forçando erros defensivos, e era mais direto com a bola no pé. Foi o grande momento de Yuto Iwasaki.

Yuto Iwasaki, do Kyoto Sanga, destaque do ataque japonês nos Jogos Asiáticos com quatro gols — Foto: Kaoru Watanabe / Gekisaka

O atacante do Kyoto Sanga, considerado "monstro" na base, faz uma temporada fraca pelo Kyoto Sanga na J2, mas se redimiu nos Jogos Asiáticos como principal nome do ataque japonês. Ele fez os dois gols da vitória por 2x1 sobre os sauditas e terminou como artilheiro nipônico no torneio, com quatro gols. Daizen Maeda, pelo contrário, é um dos melhores da J2 em 2018 pelo vice-líder Matsumoto Yamaga, mas na seleção mostrou que ainda tem o que melhorar, principalmente na finalização. Ele foi decisivo com duas assistências contra a Arábia Saudita e ajudou a abrir defesas com sua velocidade, mas fez apenas um gol, contra o Paquistão, e ainda perdeu a final por causa de uma lesão.

Na semifinal, a Coreia finalmente teve um jogo tranquilo. Abriu três gols de vantagem sobre o Vietnã - dois de Lee Seung-woo e um de Hwang Ui-jo - e ganhou por 3x1. O Japão teve mais dificuldade contra os Emirados Árabes Unidos, em um jogo morno e monótono, com o cansaço visível dos dois lados e poucas chances criadas. Os nipônicos ameaçavam mais, principalmente pelo lado esquerdo com as arrancadas de Keita Endo e a movimentação de Iwasaki. O único gol saiu aos 78', depois que a joia do Tokyo Verdy, Kota Watanabe, roubou a bola no campo de ataque e deixou Ayase Ueda de frente para o gol.

A grande final: o jogo da vida para os coreanos, teste de fogo para os japoneses

Três dias depois da semifinal, parece que todo mundo esqueceu o cansaço. A Coreia do Sul partiu para cima do Japão desde o primeiro minuto e pressionou de forma incrível, criando uma chance atrás da outra. A defesa nipônica estava acuada e os zagueiros extremos, Teruki Hara e Ko Itakura, sofriam para marcar Son e Hwang Hee-chan. Os Jovens Samurais tiveram sorte no início - até porque o juiz poderia muito bem ter marcado um pênalti de Sugioka em Son -, mas de um jeito ou de outro se salvavam e se mantinham vivos. O nível da partida era bem mais alto que no resto do torneio. Para os coreanos, era o jogo da vida. Não faltava entrega e vontade de ir com tudo em todas as jogadas. Para os japoneses, era um desafio muito maior do que tudo que eles já tinham enfrentado até aqui.

O tempo passava, o placar não se alterava, os coreanos ficavam impacientes e os japoneses cresciam no jogo. Son aparecia menos, Ui-jo continuava a desperdiçar chances e os nipônicos ameaçavam eventualmente com as jogadas individuais de Miyoshi. No segundo tempo o ritmo caiu e, sem gols para os dois lados, a partida foi para a prorrogação. Os times pareciam esgotados no momento do apito final.

Mas a Coreia voltou no gás para o tempo extra, disposta a arriscar tudo para decidir logo no início. E foi o que aconteceu. Parecia que o jogo tinha começado do zero, com uma pressão esmagadora dos coreanos e erros na defesa japonesa. No terceiro minuto veio o clímax para os Taeguk Warriors, em jogada de Son que o substituto Lee Seung-woo completou com uma bomba no ângulo. 1x0. Pouco depois, Son bateu escanteio e Hwang Hee-chan, de cabeça, ampliou. Parecia tudo decidido. O sonho coreano estava completo. O Japão não teria mais energia para reagir. Teve.

A cinco minutos do fim, Hatsuse cobrou escanteio e Ueda, de cabeça, diminuiu. 2x1. Gol do talismã, que havia saído do banco para fazer o gol da classificação nas oitavas contra a Malásia e na semifinal contra os EAU. O empate não veio por pouco, em passe de Matsumoto que encontrou Ueda dentro da área. Kim Min-jae fez o desarme uma fração de segundo antes do chute que poderia ter levado a decisão para os pênaltis. A tensão durou até o minuto 123, quando o árbitro finalmente encerrou o duelo.

Momento de exultação de Son Heung-min. Ele que foi tão criticado pelo momento ruim da seleção principal. Alguns de seus críticos não perdoaram quando ele "sentiu a pressão" e não chamou a responsabilidade de bater o pênalti na prorrogação no jogo contra o Uzbequistão. Ao invés disso, ficou de costas para o lance, cobrindo o rosto com as mãos. Son não foi o protagonista que se esperava nestes Jogos Asiáticos. Fez apenas um gol, na fase de grupos. Mas brilhou em um papel de coadjuvante, como um organizador do meio-campo, condutor do setor ofensivo e garçom do trio Hwang Ui-jo (9 gols), Lee Seung-woo (4) e Hwang Hee-chan (3). Atuação digna do melhor em campo que tirou um peso do tamanho do mundo das costas.

Atuação respeitável também dos medalhistas de prata. Apesar do fraco início de campanha, o "Moriyasu Japan" cresceu nos momentos decisivos, chegou até a final sempre encontrando um jeito de sair de situações difíceis e fez jogo duro contra um time muito mais experiente e mais desenvolvido tecnicamente na decisão. É esse o espírito que queremos ver na seleção principal na era Moriyasu.

Formações iniciais de Coreia do Sul (4-2-3-1) e Japão (3-4-2-1) na final dos Jogos Asiáticos — Foto: Futebol no Japão

Notas do Japão:
5.5 Ryosuke Kojima
4.5 Teruki Hara
7.0 Yugo Tatsuta
5.5 Ko Itakura
5.5 Yoichi Naganuma
5.5 Kota Watanabe
6.0 Taishi Matsumoto
6.0 Daiki Sugioka
6.0 Koji Miyoshi
5.5 Yuto Iwasaki
6.0 Ayase Ueda
5.5 Keita Endo
5.5 Ryo Hatsuse
Sem Nota: Reo Hatate
Sem Nota: Yuta Kamiya

Notas da Coreia do Sul:
6.0 Cho Hyun-woo
6.5 Kim Moon-hwan
5.5 Cho Yu-min
6.5 Kim Min-jae
5.5 Kim Jin-ya
6.0 Lee Jin-hyun
6.0 Kim Jung-min
6.5 Hwang Hee-chan
6.0 Hwang In-beom
7.0 [MVP] Son Heung-min
5.0 Hwang Ui-jo
6.5 Lee Seung-woo
6.0 Jang Yun-ho
Sem nota: Hwang Hyun-soo
Sem nota: Na Sang-ho

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