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Por Tiago Bontempo

Koki Nagahama / Gekisaka

A “Agonia de Doha”, como ficou conhecida a partida final das Eliminatórias em 1993, quando o Japão empatou com o Iraque ao sofrer um gol no último minuto e perdeu a vaga na Copa do Mundo dos Estados Unidos, é até hoje considerada a maior tragédia da história do futebol japonês. Quatro anos depois, a seleção nipônica viveu o sentimento oposto ao se classificar para uma Copa pela primeira vez, com um gol de ouro na repescagem contra o Irã, o que ficou conhecido como o “Júbilo de Johor Bahru”. Por isso, Hajime Moriyasu disse que quer transformar a Agonia de Doha em “Júbilo de Doha”. Para o treinador japonês, nascido em Nagasaki e que fez carreira em Hiroshima, disputar uma Copa no Catar não poderia ser mais simbólico. Afinal, ele era o volante titular na fatídica eliminação em 1993 e agora retorna a Doha para disputar a Copa que escapou entre os dedos nos tempos de jogador, com a missão de fazer o seu país ir mais longe do que nunca foi.

A JFA (Associação Japonesa de Futebol) foi bem clara ao definir as quartas de final como objetivo. Os Samurais Azuis querem dar um passo além da melhor campanha de sua história: em três ocasiões eles chegaram às oitavas de final (2002, 2010 e 2018) e em outras três caíram na primeira fase (1998, 2006 e 2014). Alternando campanhas boas e ruins, a lógica diria que esta é a vez de não passar de fase, um resultado que muitos veriam como normal por causa da força dos adversários. A expressão de Hajime Moriyasu durante o sorteio dos grupos, com um semblante inexpressivo que tentava esconder um evidente desespero diante do destino que colocou sua seleção ao lado de duas candidatas ao título, Espanha e Alemanha, além da Costa Rica, mostra o tamanho do desafio que o selecionado nipônico terá nesta Copa.

É fato que a seleção japonesa nunca esteve em um grupo tão forte em uma Copa do Mundo, além de nunca ter derrotado uma campeã mundial no torneio (pode-se dizer que o adversário mais poderoso que o Japão venceu foi a Colômbia em 2018). Por outro lado, podemos afirmar também que o Japão nunca teve uma geração tão talentosa quanto a atual. É verdade que não há nomes com o peso de Nakata e Nakamura em 2006 ou o de Honda e Kagawa em 2014, mas o trunfo do “Moriyasu Japan” é ter um elenco mais completo e equilibrado (tanto que o desempenho não foi bom em 2006 e 2014, quando teve suas maiores estrelas supostamente no auge).

Equilíbrio que se vê principalmente na defesa, setor em que o país mais evoluiu nos últimos quatro anos. A resiliência que o time mostrou na reta final das Eliminatórias e também no amistoso contra o Brasil em junho deram a dica de como o Japão atuará contra os pesos-pesados nesta Copa. Desde a derrota para a Bélgica por 3x2 nas oitavas de final em 2018, o Japão ficou mais de quatro anos sem perder nenhum jogo de virada. O recorde acabou no último amistoso, contra o Canadá. Resultado que trouxe certa preocupação, mas que significa pouco dado o contexto quase de jogo-treino, onde a prioridade era não ter lesões e chegar na estreia em boa forma. A expectativa entre os torcedores não é das mais altas, mas vale lembrar que o Japão só fez boas campanhas quando chegou com expectativas baixas, e decepcionou quando achava que iria longe. Além disso, vale lembrar que o Japão chegou desacreditado em todas as três Copas em que conseguiu passar de fase.

Opções do elenco do Japão para a Copa do Mundo — Foto: Futebol no Japão

O corte de Yuta Nakayama, que rompeu o tendão de Aquiles, foi o maior golpe na preparação, e deixa dúvidas de quem será o titular na lateral esquerda. Yuto Nagatomo oferece experiência e entrega, além de não ter ido mal nas últimas partidas pela seleção (ele até tingiu o cabelo para virar "super saiyajin" de novo, igual fez em 2018, Copa em que ele teve seu melhor desempenho), mas ele vem de uma temporada discreta pelo FC Tokyo. Hiroki Ito tem evoluído desde que chegou ao Stuttgart e dá mais força e altura à defesa, mas ele ainda comete erros de concentração com certa frequência. A zaga tem o capitão Maya Yoshida e Takehiro Tomiyasu como nomes absolutos, apesar de que Ko Itakura joga em um nível próximo dos dois e poderia até ser titular caso Tomiyasu, de longe o melhor defensor japonês, tenha que ser deslocado para uma das laterais - Hiroki Sakai é o favorito para atuar na direita, pois tem mais experiência internacional e marca melhor, enquanto Miki Yamane, por mais que seja uma boa arma para o ataque, deve ter acabado com as chances de ser titular depois do pênalti cometido contra o Canadá. No gol, Shuichi Gonda tem sido o titular em todo o ciclo, mas Daniel Schmidt é uma sombra e tanto para ele.

No meio-campo, espera-se que Wataru Endo e Hidemasa Morita, os titulares que se recuperam de lesões (Endo sofreu uma concussão e Morita estava com um desconforto na panturrilha), estejam prontos para a primeira rodada. Ao Tanaka é um grande talento e foi importante nas Eliminatórias quando Moriyasu escalou um 4-3-3 com três volantes, mas no 4-2-3-1 que tem sido usado ele perde espaço, além de que o momento dele não é melhor que o de Endo nem o de Morita. Gaku Shibasaki jogou bem contra o Canadá, mas as eventuais falhas que comete na marcação ainda o deixam com poucas chances de entrar em campo no Catar. Daichi Kamada, o nipônico que vive o melhor momento no futebol europeu, é a peça-chave do meio-campo, pois pode atuar tanto na função do camisa 10 quando o time estiver no "modo de ataque" quanto como mais um volante quando o time mudar para o "modo de defesa", o que deve ser mais frequente nos duelos contra Alemanha e Espanha. Esperamos um Japão reativo e focado na defesa contra alemães e espanhóis e um Japão ofensivo contra a Costa Rica.

O time japonês vai precisar de transições rápidas e dias inspirados de seus talentos para surpreender no Catar. Os pontas serão fundamentais. Na direita, a primeira opção é Junya Ito, que foi o destaque do Japão nas Eliminatórias. Na esquerda, Kaoru Mitoma é a maior referência técnica desde Shoya Nakajima e aquele que pode fazer a diferença, mas sua titularidade na estreia é dúvida porque uma febre atrasou sua apresentação e ele foi o último dos 26 convocados a desembarcar em Doha (no dia 17, à noite). Talentos como Ritsu Doan e Takefusa Kubo devem ganhar minutos, enquanto Takumi Minamino, que tecnicamente está muito mal tanto no clube quanto na seleção, perde espaço. Yuki Soma é um "coelho na cartola" que tem características de driblador parecidas com Mitoma e vem jogando bem com a Hinomaru, apesar do status um pouco abaixo dos colegas.

O ataque é onde a coisa complica, pois ainda falta encontrar quem vai fazer os gols. Os artilheiros da era Moriyasu são Minamino e Yuya Osako, com 17 gols. O segundo, que teve vários problemas físicos no decorrer do ano, não foi convocado, enquanto o primeiro não tem feito por merecer um lugar no time. Kyogo Furuhashi é o que tem feito mais gols (11 em 20 jogos pelo Celtic na atual temporada), mas suas atuações discretas com a seleção o custaram um lugar na lista final. O único atacante com um desempenho razoável nos últimos amistosos é Daizen Maeda, mais pela capacidade de pressionar o adversário sem a bola do que qualquer outra coisa (ironicamente, ele é reserva no Celtic). Takuma Asano é uma convocação que só se explica pelos fortes laços que Moriyasu tem com o Sanfrecce Hiroshima, onde trabalharam juntos. O "Jaguar", assim como Maeda, é um velocista que tem a finalização como ponto fraco. Ambos são mais pontas do que centroavantes, mas o técnico japonês tem indicado que pretende usá-los mais como referência na frente. Tem dois centroavantes de ofício também, mas Ayase Ueda não parece pronto para assumir a posição e ainda não tem nenhum gol pela seleção em 11 jogos, enquanto o "Ninja" Shuto Machino tem a seu favor apenas a artilharia da Copa E-1, torneio do Leste Asiático disputado com jogadores locais, e o fato de ter sido o japonês com mais gols na J.League deste ano pelo modesto Shonan Bellmare.

Parece até absurdo pensar que o Japão vai para esta Copa sem seu melhor goleiro (Kosuke Nakamura, que ficou muito tempo sem jogar e só virou titular no Portimonense recentemente), seu melhor lateral esquerdo (Yuta Nakayama, lesionado), sem o meia mais talentoso (Shoya Nakajima perdeu o rumo da carreira depois das frustrantes transferências para o Oriente Médio e para o Porto) e sem o atacante mais goleador (Kyogo Furuhashi, a ausência mais polêmica na convocação), mas ainda assim é um elenco mais equilibrado que o das outras Copas e as únicas posições que realmente preocupam são laterais e atacantes. Moriyasu, considerado uma pessoa "gentil" e com "boa personalidade", o que não é necessariamente positivo para um treinador, mostra convicções em suas escolhas e, assim como Takeshi Okada em 2010 e Akira Nishino em 2018, aposta alto e vai para o tudo ou nada desde o início, andando na tênue linha entre se transformar em herói nacional ou principal responsável por um fracasso.

Quartas de final parece um objetivo ousado demais? Sem dúvida. Mas em 2010 Okada disse que queria chegar à semifinal. Honda e Nagatomo falavam em ser campeões em 2014. A falta de ambição já foi um dos principais problemas do futebol japonês. Ainda há muita coisa para ser resolvida e Moriyasu às vezes dá a impressão de que prefere fazer as coisas do jeito mais difícil, mas a seleção japonesa tem uma grande chance de mostrar o que aprendeu nos últimos anos.

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