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Julgado por doping, Schlittler aguarda decisão: 'Não passa de um acidente'

Um dos principais pesos-pesados do judô brasileiro, atleta do Flamengo foi julgado nesta sexta, na Suíça, tentando reverter suspensão por dois anos

Por Rio de Janeiro

João Gabriel Schlittler era um dos principais judocas brasileiros da categoria peso-pesado até o último ano. Mas competindo justamente na sua cidade, o Rio de Janeiro - onde já fora prata no Pan de 2007 e bronze no Mundial do mesmo ano, e conquistou o ouro no Grand Slam de junho de 2011 -, o atleta do Flamengo seria obrigado a procurar outra atividade para exercer. Suspenso por dois anos pela Federação Internacional de Judô (FIJ) por resultado positivo no exame antidoping do torneio que venceu em 2011, fora das Olimpíadas de Londres, ele retomou a faculdade de Economia, trancada por quatro anos em função do esporte. O judoca falou pela primeira vez sobre o caso que qualifcou como "acidente".

Nesta sexta-feira, João Gabriel foi julgado pela Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça, e viverá de um a dois meses de ansiedade até saber se sua pena será suspensa, reduzida de forma a tornar o tempo cumprido suficiente, ou, na pior das hipóteses, mantida. Esse é o tempo que os advogados Marcelo Jucá e Felipe Bevilacqua estimaram para que o tribunal dê sua posição. Felipe acompanhou o julgamento como advogado pessoal do atleta. A Confederação Brasileira de Judô (CBJ) enviou um representante que apenas acompanhou os procedimentos. Ele deixou a corte bastante otimista.

João Gabriel conquista o ouro no Grand Slam do Rio (Foto: Daniel Zappe/Fotocom.net)João Gabriel comemora a conquista o ouro no Grand Slam do Rio, em 2011 (Foto: Daniel Zappe/Fotocom.net)

- O julgamento foi muito favorável, nossas provas eram muito contundentes, as nossas testemunhas foram muito boas e o expert em doping que a FIJ levou foi totalmente a favor da gente, mais do que esperávamos. Os árbitros também estavam muito à vontade. Mas é uma lei muito rígida, uma responsabilidade objetiva. Apesar disso, a gente acredita que vai sair vitorioso. Na verdade, não é absolvição. Pedimos a suspensão da eliminação, como eles chamam, e, em segundo lugar ,se eles entenderem por algum resquício de culpa do atleta, que reduzam a punição para ele já voltar a competir a partir da decisão. Acredito que a decisão saia entre um e dois meses - afirmou Felipe.

A tese sustentada pela defesa é de que a presença de clostebol na urina do atleta foi fruto de contaminação. O esteroide anabolizante estaria presente em uma pomada cicatrizante usada pela mulher do judoca, com a contaminação ocorrendo através de contatos íntimos. A substância é a mesma pela qual a campeã olímpica Maurren Maggi foi suspensa por dois anos.

João Gabriel contou que o fato não abalou a relação, que não teve nenhuma intenção de tirar proveito do uso dessa substância e narrou a amarga experiência de ver as Olimpíadas de Londres pela televisão. Disse estar preparado para qualquer "cenário" e que ficou nervoso na torcida por Rafael Silva, que abocanhou o bronze olímpico na sua categoria.

GLOBOESPORTE.COM: Qual foi a sua impressão do julgamento?

João Gabriel Schlittler: Foi muito boa, a defesa está bem fundamentada, com provas e acho que conseguimos mostrar que isso não passa de um acidente, que não tive nenhuma intenção de tirar vantagem de maneira ilícita dessa substância.

Onde você estava quando recebeu a notícia do resultado positivo no doping? Como foi?

Levei um susto. Estava na fisioterapia. A gente nunca está preparado para uma situação como essa. Foi aquela correria para já tentar descobrir as informações.

Quanto tempo levou até descobrir a causa?

Levou algum tempo, para chegar realmente à causa do problema levou alguns dias, quase o prazo inteiro que tinha para dar uma resposta.

João Gabriel Schlittler posa ao lado de Fabiana Beltrame e Cesar Cielo (Foto: Reprodução Facebook)Atleta do Fla, João Gabriel Schlittler posa ao lado de
Fabiana Beltrame e Cesar Cielo (Foto: Divulgação)

Você já sabia que sua mulher estava usando a pomada?

Não, não sabia. Tive de correr atrás. Fizemos uma pesquisa e vimos que essa pomada tinha essa substância. Aí foi partir para mostrar o que havia ocorrido.

Isso chegou a abalar o seu relacionamento? Vocês brigaram? Estão juntos?

Não, nem um pouco, estamos há quatro anos juntos.

Você era um dos principais pesos-pesados do Brasil em 2011, quando aconteceu isso. Com a ascenção do Rafael Silva, acredita que voltará a ser após a suspensão?

Eu nunca parei, sempre mantive o treinamento. Atleta não consegue sair muito dessa rotina. Assim que eu conseguir mostrar a minha idoneidade, que não quis fazer uso de nenhuma substância ilícita, quero voltar. Então tenho de estar preparado para voltar a qualquer momento.

Como você vê essa disputa agora na sua categoria com o Rafael Silva?

Vou ter de correr atrás, me dedicar acima da média para poder alcançá-lo."
Sobre a evolução de Rafael Silva

Faz algum tempo que não treinamos juntos, mas, até pelos resultados, fica claro que ele evoluiu bastante. Vou ter de correr atrás, me dedicar acima da média para poder alcançá-lo.

Você foi flagrado com a mesma substância que a Maurren Maggi e ela, quando saiu da suspensão, foi ouro no Pan do Rio e nos Jogos de Pequim. Serve de inspiração?

Tem uma diferença porque a minha dosagem foi muito baixa, mostra que é difícil ter interferido no meu desempenho. O caso dela foi uma das pistas através das quais a gente chegou na pomada. Mas a volta por cima que ela deu é um bom indício que uma situação como essa não é o fim de um atleta.

Como foi assistir os Jogos de Londres da poltrona?

Para tudo há dois pontos de vista. Obviamente, eu ficava me imaginando lutando, bate uma tristeza. Também não deixei de ir por falta de competência, por não ter conseguido a vaga, mas por um problema que aconteceu no meio do caminho. Torci muito pelo Rafael, gosto muito dele. É duro ficar como espectador porque você tem uma visão muito melhor do que está acontecendo na luta. Cria uma tensão, um nervosismo muito grande. O fato de ele estar na mesma categoria não quer dizer que vou torcer contra. Às vezes quando acontece uma coisa ruim, o cara perdendo a luta ou então deixando de fazer uma posição, a gente acaba ficando muito nervoso. É duro para um atleta ser espectador.

A Rafaela Silva também teve um problema, mas durante os Jogos, e foi desclassificada por um golpe ilegal. Como você analisa esse caso?

Como amigo da Rafaela, conheço desde muito nova, antes de entrar para uma seleção, então acho muito triste, ela tinha muita chance de medalha. Mas acho que aí tem um pouco de erro da arbitragem internacional também em função dos diferentes níveis de cobrança nas competições no circuito mundial. Há competições que ela faz a mesma posição e por detalhes mínimos é aceita, e nas Olimpíadas acabou não sendo. O que cria essa dúvida. Espero que revejam esse sistema para corrigir essas diferenças entre as competições. Acaba tirando um pouco o brilho da competição, porque é uma atleta de ponta, com grandes chances de ouro, e o público deixou de assistir.

João Gabriel Schlittler, judoca brasileiro (Foto: Reprodução Facebook)João Gabriel Schlittler aproveita o período sem competições para relaxar (Foto: Reprodução Facebook)

Quanto tempo por dia você tem treinado?

Há vários níveis, períodos de treinamento. Uma variação de três a seis horas por dia. Desde a suspensão, estou mantendo uma média mínima de duas horas e meia a três horas por dia para manter o físico e, quando tiver o objetivo da competição, poder dar aquele gás a mais e voltar.

Por que você escolheu o judô?

Os meus irmãos faziam judô e sou muito mais novo do que eles. Então, eu ia junto com meus pais para a competição e, como sou hiperativo, eu invadia o tatame, atrapalhava a competição. Aí meus pais me obrigaram no início a fazer para me manter ocupado também quando meus irmãos estivessem competindo. Acabei tomando gosto pelo esporte e continuei. No começo, eu não gostava muito, não. Fazia natação e basquete também. Mas depois comecei a competir, o judô é um esporte muito precoce, e fui tomando gosto.

Mantenho uma média de duas horas e meia a três horas por dia para manter o físico"
Sobre sua atual rotina de treinos

O que você quer de imediato se for liberado?

A gente trabalha com cenários, estamos preparados para tudo, por isso não parei o treinamento. Essa demora foi causada pela burocracia do processo internacional. O outro lado também se acontecer, não perdi tempo nenhum, continuei a faculdade, estou quase me formando, então estou preparado para tudo.

Faculdade de quê?

Economia. Os meus irmãos são economistas também, é a carreira que escolhi para seguir depois do esporte.

Mas você pensa em abandonar o judô no caso de manterem a supensão e virar economista?

Não, isso não. O que estou dizendo é que estou preparado para tudo. Eu tenho de estar produtivo em alguma área. Se eu só treinasse e não fizesse mais nada, sem competir, seria tempo perdido. Eu me formo no ano que vem. Aproveitei esse tempo para recuperar os quatro anos de faculdade trancada.