taça das favelas

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Por *Júlia Ribeiro — Campinas, SP


Virar jogadora de futebol ainda não é uma tarefa fácil para uma menina no Brasil, mas nem por isso Ester Batista deixa de sonhar grande. Aos 15 anos, ela está na semifinal da Taça das Favelas de Campinas, representando o Padre Anchieta.

Acostumada a jogar entre os homens desde que deu seus primeiros chutes na bola, essa é uma das primeiras experiências dela competindo em um time feminino. O machismo e o preconceito são adversários constantes na sua trajetória. Foi na figura da mãe que Ester encontrou as forças necessárias para seguir o sonho.

As duas moram sozinhas em uma casa que a própria mãe ajudou a erguer em Campinas. Ester não é a única filha de Mariana Batista. É a caçula de outro sete irmãos, sendo cinco do mesmo pai. Mesmo assim, a garota cresceu sem a figura paterna em casa, viu três dos seus irmãos serem presos por envolvimento no tráfico de drogas e a mãe batalhar sozinha sustentá-la como podia.

- Minha mãe está comigo nas horas boas e ruins. Se hoje tenho um lugar para morar e sou a pessoa que eu sou, se eu estou focada no meu sonho, eu tenho que agradecer minha mãe por ela sempre ter me apoiado - diz Ester.

Ester é atacante do Padre Anchieta na Taça das Favelas — Foto: Arquivo Pessoal

Ester joga no ataque e disputa a Taça das Favelas pela segunda vez. Ela marcou o primeiro gol do Padre Anchieta nesta edição da competição, no empate com o Santa Mônica por 1 a 1 - o time avançou nos pênaltis por 2 a 1.

A estreia dela em uma competição feminina foi em 2019, quando a equipe foi eliminada ainda na primeira fase da Taça pelo São José, que se tornou campeão da categoria.

Mas antes de estar entre as meninas, a atleta já treinava há algum tempo no meio dos garotos e precisou jogar no gol para ser aceita em campo. Os treinos eram pagos com a ajuda de uma amiga da família, Virlene, que levava o filho para jogar no mesmo lugar e se ofereceu para ajudar.

- Comecei a jogar futebol em 2017, fiz minha primeira escolinha aqui perto de casa mesmo. Foi difícil até os meninos me aceitarem. Eu apanhava muito pra conseguir treinar. Até eles se acostumarem comigo, sofri muito preconceito e xingamento da parte deles. Bullying também quando a gente ia para jogos. Isso durou um ano, nessa palhaçada de machismo mesmo. Brigavam comigo, implicavam, ficavam me batendo sem bola e tudo. Na época que eu fui para o gol eles começaram a me aceitar mais. Comecei a pegar bola na categoria sub-12. Eles foram me respeitando, se entrosando, mas mesmo assim tinham os que continuavam implicando. Isso me entristecia bastante e eu não queria mais mesmo.

Estes treinando entre os meninos do Padre Anchieta — Foto: Arquivo Pessoal

Ester chegou a quebrar o braço em um amistoso no masculino. A mãe precisou intervir e foi conversar com o técnico Márcio, que treina Ester até hoje. Foi ele quem viu o potencial da garota e deu o espaço necessário para que ela começasse a trilhar seu caminho no mundo da bola.

- Aqui em Campinas eu nunca encontrei um time que me abriu as portas ou deu alguma oportunidade para campeonatos porque sempre joguei no masculino. Em 2021, acabei quebrando o braço e desanimei totalmente. Eu fiquei com muito medo de jogar com time masculino depois disso. Fiquei dois meses sem jogar bola.

Ao mesmo tempo em que lutava para conquistar seu espaço nos gramados, Ester enfrentava outros adversários fora de campo. Em casa, viu seu irmão mais próximo seguir o mesmo caminho de outros dois e ser preso por envolvimento no tráfico de drogas.

Além disso, acompanhou a mãe na saga da reforma da casa, que era muito simples, só com uma sala (que serve de quarto), cozinha e banheiro. Mariana conseguiu a ajuda dos irmãos, que trabalham como pedreiros, e foi fazendo as melhorias conforme juntava dinheiro e também colocava a mão na massa. O próprio piso da casa foi assentado por ela e pela irmã, Bete.

- Nossas paredes eram todas pichadas e não tínhamos um telhado bom. Ele era todo furado, se chovia, molhada tudo. Mas a gente conseguiu de pouquinho em pouquinho. O nosso chão aqui era todo de cimento. Com o passar do tempo minha mãe foi fazendo um bico ou outro e com a ajuda da família conseguimos colocar um telhado novo, colocar piso e rebocar nossa casa. Eu tenho três tios que são pedreiros, mas minha mãe sempre estava no meio. Eles não cobraram mão de obra por isso, minha mãe foi comprando os materiais e fomos reerguendo.

Antes e depois da reforma da casa de Ester — Foto: Arquivo Pessoal

A força que a mãe colocou para arrumar a casa e dar uma condição de vida melhor para Ester transbordou na filha, que se sentiu inspirada para seguir enfrentando o que visse na frente para conseguir ser jogadora profissional.

- A gente tem que passar por coisas para ser mais forte mais para frente. Tudo o que eu passei lá trás, hoje em dia está sendo um avanço para mim porque estou mais madura. Eu nem ligo mais para o que vão pensar de mim, o que vão dizer, se vão me criticar ou não pelo futebol que eu jogo. Não só eu, mas todas as outas meninas que sonham em jogar futebol tem que aprender a lidar com esse tipo de coisa, sabe? Esse tipo de comentário desagradável de que lugar de mulher é na cozinha, limpando a casa. Não, lugar de mulher não é aí. É onde ela quiser. Até está escrito na nossa camiseta do Anchieta.

Uniforme do Pe. Anchieta leva frase motivacional — Foto: Arquivo Pessoal

A menina sonha com a seleção brasileira. Tem Marta, Cristiane e Formiga como inspirações e faz planos de atuar no Palmeiras, time do coração e que tem um projeto interessante no futebol feminino, com sede em Vinhedo.

- Se Deus quiser vou conseguir realizar meu sonho, jogar ao lado de grandes jogadoras. Quem sabe eu não comece jogando no Palmeiras, que é meu time do coração? Jogar ao lado da Bia (Zanerato), que é uma grande jogadora.

Mas antes de representar o país, todo mundo precisa começar em algum lugar. E Ester começou representando a sua quebrada, o Padre Anchieta, na Taça das Favelas de Campinas.

A semifinal acontece neste domingo, quando a equipe enfrenta o São Marcos, às 9h30, no campo do São Bernardo. E na torcida, Mariana estará enchendo a filha de força mais uma vez.

- Sempre incentivei, falei que na vida teriam os obstáculos, que ela teria que enfrentar e erguer a cabeça. Eu e ela somos mãe a filha, amigas, companheiras e muito parceiras. Sempre levei ela para jogar bola porque eu admirava o esforço dela, independentemente de chuva, frio ou preconceito, ela estava lá. O mérito é todo dela e eu tenho certeza que ela vai ser uma mulher bem sucedida na vida - disse Mariana.

* Júlia Ribeiro, estagiária, colaborou sob a supervisão de Heitor Esmeriz

Ester e a mãe Mariana — Foto: Arquivo Pessoal

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