• Cassiano Ribeiro, de Prizy (França)*
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abre-leiloes-edicao-370-agosto-2016 (Foto: Cassiano Ribeiro)

Animais em fazenda  na região da Borgonha (Foto: Cassiano Ribeiro)

É nas montanhas da Borgonha, na França, uma região repleta de vinícolas antigas e famosa pela produção de vinhos finos, onde fica o reduto do gado charolês. O lugar é uma calmaria, tem mais boi que gente. Um rebanho com cerca de 250 mil animais da raça pasteja por 300.000 hectares, área que abrange 350 pequenas cidades – algumas nem sequer têm um cidadão registrado.

Segundo os produtores locais, a raça apareceu na região em 1773 e se espalhou pelo país durante o transporte dos rebanhos, que faziam paradas pelo caminho antes de chegarem a Lyon e Paris, dois importantes centros de consumo da França.

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De lá para cá, a raça vem passando por transformações. Quando os criadores perceberam que os animais se desenvolviam bem com o pasto da região, passaram a apostar na raça. Agora, dois séculos e meio depois que o primeiro comboio de charolês passou pela Borgonha, os criadores conquistaram uma certificação que determina um prêmio médio equivalente a R$ 1.400 por animal vendido na região.

A chamada Denominação de Origem Protegida, criada há 80 anos na França e que tornou os vinhos do país conhecidos no mundo inteiro, também determina regras para padronizar o sistema de criação, engorda e abate dos animais. O selo vale em todo o mercado europeu e, para o criador ter direito a ele, precisa passar por uma inspeção que pode levar anos.

"1.000 criadores aderiram ao programa francês de Denominação de Origem Protegida"

As características que compõem a Denominação de Origem Protegida variam para cada produto e respeitam o terroir onde ele é originado. No caso do charolês, a certificação só é concedida a produtores que tenham um rebanho nascido, criado e terminado na região de origem.

Além disso, a inseminação artificial é descartada. A reprodução ocorre exclusivamente pela monta natural. Cada touro tem um harém com 30 vacas, em média. Eles ficam sempre junto às matrizes, exceto no inverno. Os bezerros precisam ser alimentados pelas mães e devem ficar pelo menos duas temporadas (verões) no pasto. Até as construções locais estão especificadas na certificação. Os casarões-sede das fazendas, os muros e as cercas são obrigatoriamente construídos com pedras tiradas do próprio pasto. Tudo isso faz parte do que os franceses chamam de terroir, termo sem tradução e que também vem da vitivinicultura.

abre-leiloes-edicao-370-agosto-2016 (Foto: Cassiano Ribeiro)

O criador Jean Marc Vaizand; os casarões de pedra em Prizy; abaixo, Jean François Ravault (Foto: Cassiano Ribeiro)

Diante dessas especificações, não é difícil imaginar a dieta do rebanho charolês certificado: 100% pasto nativo das montanhas. “O know how está na escolha da área mais apropriada para cada fase do animal. O pasto mais nutritivo é para o animal no final da engorda. O local do pastejo varia conforme a idade do boi, por causa da exposição ao sol”, explica Jean François Ravault, criador e presidente do Sindicato de Defesa e Promoção da Carne Charolês. Ele conta que, na região berço da raça, existem 3 mil criadores e até o momento 1.000 aderiram à Denominação de Origem Protegida. O reconhecimento do charolês veio há menos de dois anos e só agora os primeiros lotes chegam ao mercado.

“Foram 15 anos tentando conseguir esse certificado. Na carne, está começando agora. O grande desafio foi demonstrar e comprovar a tipicidade do charolês nesse terroir, que é diferente de regiões vizinhas, onde se complementa a alimentação com outros cereais e suplementos especificamente”, acrescenta o francês.

abre-leiloes-edicao-370-agosto-2016 (Foto: Cassiano Ribeiro)

Prêmio

A conquista da certificação elevou automaticamente o preço médio dos animais vendidos em toda a Europa. De acordo com o criador Jean Marc Vaizand, dono de 60 matrizes de charolês, a valorização tem sido de 350 euros, em média, por animal. “O preço da carcaça pago ao criador varia de 4,80 euros a 6 euros o quilo. É estável e não depende do clima. O prêmio é um reconhecimento do consumidor, que preza sempre pela qualidade dos produtos e procura saber como são produzidos”, afirma ele, que possui 102 hectares em Prizy, município com 85 habitantes, a 15 quilômetros de Charolles, município que dá nome à raça. Vaizand diz ainda que o envio dos animais para o abate é individual, assim como o processamento da carne.

De acordo com o Instituto Nacional de Origem e Qualidade da França, órgão ligado ao Ministério da Agricultura do país e responsável pelo programa de denominação de origem, das cerca de 500 mil unidades existentes, um quarto está envolvido no programa com pelo menos um produto. O mercado de denominação de origem na França fatura entre 22 bilhões e 23 bilhões de euros (o equivalente a mais de R$ 92 bilhões). “Se não houvesse esses dispositivos de reconhecimento da qualidade e especificação da origem,  as regiões seriam abandonadas e virariam desertos. Hoje, é um bem dos produtores”, afirma Jean-Luc Dairien, diretor do instituto.

*O jornalista viajou a convite da Embaixada da França no Brasil.