• Marcel Steiner
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Muitos paulistanos nunca ouviram falar na Vila Buarque. Este pequeno bairro, localizado na região central, é um dos mais interessantes da cidade. Quando o elevado Costa e Silva (conhecido como Minhocão) foi construído, o bairro foi o mais afetado. Na avenida São João, o efeito do elevado foi menos devastador. Acabou separando bairros naturalmente afastados, como Santa Cecília e Campos Elísios.


Na Vila Buarque, no entanto, a cicatriz foi bem no seu coração. Dividiu o bairro pela metade, bem onde passa a avenida Amaral Gurgel, que em pouco tempo ficou conhecida como a "boca do lixo". A degradação foi se espalhando até os limites do bairro, localizado entre a Santa Cecília, o Arouche, a República e a Consolação.

Vila Buarque (Foto: Peter Louiz/ Wikicommons)

Vila Buarque (Foto: Peter Louiz/ Wikicommons)

O mais curioso é que a Vila Buarque tem as características ideais para ser um dos bairros mais vigorosos de São Paulo. Mistura residência e trabalho, tem agitada vida noturna, estudantes e boa atividade cultural. Foram esses traços que conseguiram manter certa vitalidade no pequeno bairro que, depois de algumas décadas, aponta para uma oportunidade de recuperação.


A Vila Buarque está no miolo da região central, mas tem jeito de cidade do interior. Prédios residenciais com comércio no térreo são a melhor característica. É um bairro onde se anda muito a pé e onde o transporte de massa fica concentrado em suas periferias. Dentro dele, o tempo passa mais devagar e ninguém está com muita pressa.


Durante os anos de degradação, alguns endereços foram vitais para desacelerar esse processo de ladeira abaixo. O IAB, Instito de Arquitetos do Brasil, a Aliança Francesa e a Biblioteca Infantil Monteiro Lobato continuaram atraindo gente para o bairro. E em seu entorno, ícones paulistanos também tiveram seu papel em manter o bairro vivo. Foi o caso do Mackenzie, da Santa Casa e do edifício Itália.

Projeto Giganto, de Raquel Brust, que transformou as pilastras do Minhocão em uma galeria a céu aberto (Foto: Raquel Brust)

Projeto Giganto, de Raquel Brust, que transformou as pilastras do Minhocão em uma galeria a céu aberto (Foto: Raquel Brust)

Há alguns anos, o bairro foi adotado por muitos arquitetos, que instalaram seus escritórios nas redondezas das ruas General Jardim e Major Sertório. Também na Vila Buarque foi criada a Escola da Cidade, importante escola de arquitetura de São Paulo. No prédio do IAB, em processo de restauro, há uma livraria no térreo e em um dos andares funciona o escritório do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O novo ponto de encontro dessa turma é o Beluga, café localizado na rua Cesário Mota Júnior.


Nos últimos 12 meses, o mercado imobiliário descobriu a região. São mais de 10 lançamentos de prédios residenciais, todos eles de apartamentos pequenos, com tamanhos variando de 30 a 60 metros quadrados. O foco são estudantes, gente que vive no interior e precisa de um imóvel na capital, e o público gay, que já domina a região. Nem todas as unidades têm vaga de garagem. Sinal que o mercado mudou e que o bairro é perfeito para quem gosta de fazer a vida a pé ou de transporte público.

Em meio à desaceleração do mercado imobiliário, incorporadores que apostaram na região não podem reclamar. A venda de unidades está boa e novos lançamentos devem surgir. Em breve será inaugurada a ciclovia debaixo do Minhocão. Mais um incentivo à revitalização do bairro, até outro dia tomado por prostituição, drogas e assaltos. A região ainda tem problemas, mas a voracidade do mercado e a demanda dos paulistanos por vizinhanças bem estruturadas devem devolver à cidade um dos bairros mais charmosos de São Paulo.