top of page

AS FOTOS PROIBIDAS DE XUXA

Histórias de Playboy



O dia em que Pelé foi, pessoalmente,

recolher todas as fotos de Xuxa nua


De repente, ali estava ele: o sorriso planetariamente conhecido, o topete típico, inimitável, metido dentro de um estranho traje entre o terno e um conjunto esportivo, com calças e uma espécie de paletó ou casaco sem gola e do mesmo material: couro macio azul. No mais, uma camiseta cinza-clara também sem gola, sapatos pretos reluzentes, um relógio vistoso no pulso esquerdo.

O Rei, o Atleta do Século, o mago, o mito. O homem mais famoso do mundo, Pelé, acabara de chegar a uma sala no 6º andar da na época sede da Editora Abril, na Avenida Marginal do Tietê, em São Paulo, naquela tarde de um dia de um determinado mês, provavelmente maio, de 1985.

Celebridades eram rotina naquele edifício, mas Pelé causou grande alvoroço


Naquele edifício era comuníssimo, fazia parte do dia-a-dia o entra-e-sai de celebridades de todos os calibres — governantes, inclusive presidentes, líderes políticos, ídolos do esporte, estrelas da TV e da música popular, modelos de sucesso –, para realizar visitas de cortesia, conceder entrevistas, tirar fotos ou almoçar com jornalistas ou diretores da empresa no restaurante do chamado Roof, um espaço ajardinado situado na cobertura que incluía um heliporto.

Mesmo assim, tratava-se de Pelé, s sua chegada provocou grande alvoroço. Corre-corre na chegada, gritinhos, pedidos de autógrafo, uma atmosfera que incluiu até as secretárias, algumas venerandas, do Sexto Andar — o andar abaixo do da redação de VEJA e onde se instalava a diretoria, e cuja numeração ordinal designava, na gíria interna da Abril, o poder na empresa. “O Sexto Andar vai gostar desta capa”, dizia-se. “O Sexto Andar ainda não decidiu pelo lançamento da revista tal”. E por aí vai.

A missão do Rei: recolher todas as fotos de Xuxa nua


Pelé abrira espaço na sua movimentadíssima agenda para uma missão de caráter pessoal: recolher, ele mesmo, todos os cromos (slides) e negativos de todas as fotos em que Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, namorada do Rei desde 1981, aparecia nua nas páginas de PLAYBOY. Xuxa, àquela altura, ultrapassara de longe a categoria de estrelinha em busca de popularidade, que exibia o corpo no Carnaval e surgia seminua ou despida em revistas, e se

consolidava havia dois anos na TV como a apresentadora de programas infantis que se tornaria a “Rainha dos Baixinhos”.


Preocupada com sua nova imagem, Xuxa, que posara nua em cinco oportunidades para uma concorrente de PLAYBOY de circulação menor, a extinta Ele & Ela, da Bloch Editores, não queria deixar rastros dessa fase de sua vida. Pelo que entendi da conversa, as fotos da revista dos Bloch já haviam retornado a suas mãos, já que ela era a grande atração da também já extinta Rede Manchete de Televisão, do mesmo grupo. (Xuxa iria se transferir no ano seguinte, 1986, para a Globo, onde trabalha até hoje. No mesmo ano terminaria seu longo caso com Pelé).


A apresentadora ainda tomaria medidas polêmicas nessa refeitura de imagem, que incluíram a apreensão, graças a uma medida judicial, de todas as cópias em vídeo e VHS do filme Amor Estranho Amor (1982), do respeitado cineasta Walter Hugo Khouri, no qual sua personagem não apenas aparecia nua como introduzia um menino de 12 anos no mundo sexo.

Os advogados de Xuxa argumentaram, com sucesso, que o contrato para o filme não previa versão para vídeo ou VHS. Xuxa viu-se muito criticada uma vez que, não mais sendo reprisado no cinema, e raríssimas vezes na TV — hoje em dia, certamente não na Globo –, o filme praticamente desapareceu da cultura brasileira.

Apagar o passado de símbolo sexual


A reunião na Editora Abril ia na mesma linha de apagar o passado da estrela como símbolo sexual. E Xuxa jogara pesado: enviara ninguém menos do que Pelé como seu emissário. A reunião fora acertada entre Pelé e o diretor de Redação na época, o quase legendário Mário Escobar de Andrade, que comandou direta ou indiretamente a revista desde pouco tempo após o lançamento, em 1975, até falecer de forma prematura em 1991, quando, sem deixar de supervisionar PLAYBOY, vinha acumulando outras funções.

Eu era redator-chefe da revista por ocasião da reunião com o Rei – só muito tempo mais tarde, em 1994, depois de trabalhar em diferentes veículos, inclusive fora da Abril, seria convidado a tornar-me diretor de Redação de PLAYBOY. Naquele 1985, como redator-chefe, supervisava o trabalho de editores e repórteres, cuidava das reportagens, entrevistas, matérias de serviço e de todo o texto, da primeira à última palavra, mas nada tinha a ver com a contratação das garotas de capa nem com os ensaios de mulheres nuas, atribuição de outros colegas e do diretor de Redação.

Mesmo assim Mário, por alguma razão, me quis presente à reunião, talvez como testemunha. As redações das revistas mensais da Abril não mais cabiam no edifício da Marginal do Tietê, e a maioria delas, inclusive a de PLAYBOY, localizava-se num prédio no bairro paulistano do Brooklyn. De lá viemos para o encontro. À nossa espera estava o dr. Edgard de Silvio Faria, um dos diretores da Abril, cujas funções incluíam a área jurídica.

Depois de atravessar com paciência o torvelinho de assédio a que estava inteiramente acostumado há décadas, o Rei chegou à sala sem assessores ou advogados, acompanhado apenas de seu irmão, Jair Arantes de Nascimento, o Zoca, dois anos mais novo, que funcionava como uma espécie de assessor pessoal. Feitas as apresentações, todos se sentaram e, após alguns minutos de small talk, Mário foi à luta.


Na reunião, o irmão de Pelé pingava adoçante no cafezinho do Rei


Sempre cativante e diplomático, como de seu feitio, Mário de Andrade começou elogiando Pelé pelo que representava para o Brasil e por sua simplicidade a despeito da fama, agradecendo o fato de ter vindo pessoalmente à Abril. Disse que a devolução das fotos era uma deferência especial a ele, Pelé, e também uma consideração para com Xuxa.

Nesse meio tempo, me impressionou o relacionamento de Pelé com o irmão que tentou, sem êxito, ser jogador de futebol profissional pelo mesmo time do Santos. Zoca agia como uma espécie de mordomo de Pelé, que por sua vez se comportava em relação ao irmão como patrão. Se o garçom da Abril servia um café a Pelé, Zoca apressava-se, a um sinal do Atleta do Século, a pingar adoçante na xícara. Confesso que fiquei um tanto chocado com o servilismo de Zoca, e com a naturalidade com que Pelé o encarava.

Com a passagem dos anos, Zoca também mudara muito fisicamente, em relação à figura do jogador efêmero de que eu me lembrava. Na juventude, embora não fosse parecido com Pelé, tinha a mesma cor e o mesmo tipo de cabelo do irmão. O Zoca à nossa frente, porém, com um bigodinho fininho, pele bem mais clara e cabelos esticados, lembrava um portorriquenho de filme americano.

Lá pelas tantas na conversa, Mário de Andrade introduziu espertamente um tema: PLAYBOY completaria 10 anos de existência no mês de agosto daquele ano. Um perfil de Pelé em Nova York – onde ele vivia a maior parte do tempo, como executivo da Warner Communications – seria perfeito para a edição especial planejada. Pelé não poderia, em troca da gentileza da devolução das fotos (algumas, por contrato, ainda poderiam ser publicadas), atender com especial atenção a um jornalista da publicação, “abrindo” sua vida de maneira mais livre do que costumava fazer com jornalistas?

Pelé aceita abrir sua vida para o editor Nirlando Beirão


Pelé topou na hora e Mário, rápido, já indicou quem iria procurá-lo: o editor Nirlando Beirão que, além de ser um dos melhores jornalistas do país já na época, era (e é) um gentleman impecável, diante de cuja inteligência, simpatia e magnetismo pessoal os entrevistados não costumavam resistir.

O dr. Edgard, que pouco interveio durante o encontro porque, experiente, percebeu que as coisas andavam bem, diante do acerto amigável estendeu a Pelé minutas de contrato previamente preparadas para sacramentar a devolução das fotos, pelas quais o Rei se tornou responsável. Mário passou a Pelé um envelope com as fotos de Xuxa.

Não era tanto material como muita gente poderia imaginar. Xuxa, na verdade, protagonizou apenas um único ensaio para PLAYBOY, publicado em dezembro de 1982, e ao lado da irmã Maruska. As chamadas de capa falavam em “Segredo de família” e “As fotos que Pelé quase proibiu”. Fotos desse ensaio, algumas inéditas, seriam depois republicadas, em diferentes edições. A última de todas seria um pôster na edição de 10º aniversário, concessão que Mário obteve de Pelé no finzinho da reunião.

O que ocorreria é que PLAYBOY, aproveitando a capa com Xuxa e a irmã, acabou explorando o “veio Xuxa” a partir de então. Vieram, em consequência, capas com a hoje atriz Luciana Vendramini (uma das “xuxetes”, denominação que precedeu a das “paquitas”), em dezembro de 1987, com Andréa Veiga (paquita), em setembro de 1988, com Regina Meneghel (cunhada de Xuxa), em maio de 1989, com Deborah Meneghel (prima), em outubro de 1989, com Ângela Matos (secretária e irmã de sua então empresária Marlene Mattos), em abril de 1991, e com a também xuxete Shirley Miranda, em julho de 1992. Em minha gestão, fizemos uma capa com a ex-paquita Andréa “Sorvetão”, em dezembro de 1995.

(Eu não conseguiria recuperar a trajetória de Xuxa na revista, nem as de estrelas de capa a ela ligadas, se não fosse o auxílio do Romário de Oliveira, o maior fã de PLAYBOY que já conheci, e que trabalhou no atendimento ao leitor da revista — e na descoberta de garotas para posar — de 1990 a 1998. Romário é um arquivo vivo de PLAYBOY, a quem agradeço aqui pela colaboração).

A reunião toda entre Pelé, Mário de Andrade e Edgard de Silvio Faria, presenciada por mim e por Zoca, não durou uma hora. Mário, por via das dúvidas, anotou todos os telefones de Pelé para passar a Nirlando.

Feitas as despedidas, Mário e eu, em meio a novo alarido pelos corredores da Abril, acompanhamos Pelé até o térreo, onde um carro com motorista o esperava.


Pelé em Nova York: um belo apartamento, casa em meio a milionários, um Cadillac com motorista, amigo de Robert Redford e Muhammad Ali


O resultado da negociação, para PLAYBOY, seria um perfil espetacular publicado na edição de 10º aniversário, em agosto de 1985, escrito por Nirlando Beirão sob o título “A Vida do Rei em Nova York”.



Ricardo Setti. Advogado e jornalista, atuou nas mais importantes redações do Brasil. Considerado o melhor diretor de redação (1994 a 1999) da história da PLAYBOY, foi redator-chefe entre 1985 e 1986. Este texto foi publicado originalmente em seu site pessoal.
21.086 visualizações2 comentários
bottom of page