CLB Ariano Suassuna

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CADERNOS DE B R A S I L E I R A

Ariano Suassuna

LITERATURA

CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA

Trecho de poema inédito (1991), cedido pelo autor especialmente para publicação nos CADERNOS

INSTITUTO MOREIRA SALLES

Ariano Suassuna

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INSTITUTO MOREIRA SALLES


ISSN 1413-652X

CADERNOS DE

LITERATURA B R A S I L E I R A


CADERNOS DE

LITERATURA B R A S I L E I R A

Diretor Editorial Editor Executivo Edição de Arte e Finalização Fotos e Ensaios Fotográficos

Antonio Fernando De Franceschi Rinaldo Gama ˜ BEI • Comunicação Eduardo Simões

Colaboraram nesta edição: Celso Furtado, Guel Arraes, Ligia Vassallo, Luiz Fernando Carvalho, Millôr Fernandes, Rogério Reis (RJ); Adam Sun, João Alexandre Barbosa, Maria Eugênia, Mariângela Alves de Lima, Raduan Nassar, Rosana Tokimatsu (SP); Marco Maciel, Marcos Vilaça (Brasília); Wilson Martins (Curitiba); Moacyr Scliar (Porto Alegre); Carlos Newton Júnior, Luiz Santos (Recife); Idelette Muzart Fonseca dos Santos (Paris).

NÚMERO

10 - NOVEMBRO DE 2000

é uma publicação semestral do Instituto Moreira Salles.

CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA

Assinaturas: tel. (0 XX 11) 288-3166, ramal 213, ou via Internet – http://www.ims.com.br


FOLHA DE ROSTO, 5 MEMÓRIA SELETIVA, 8 CONFLUÊNCIAS, 14 ENTREVISTA, 22 GEOGRAFIA PESSOAL, 52 INÉDITO/MANUSCRITO/ ILUMINOGRAVURAS, 73 ENSAIOS, 94 GUIA, 181



F O L H A D E R O S TO

Monumento Armorial OU PEDRA ANGULAR NO SERTÃO DA CULTURA BRASILEIRA. COM AUTOS COMOVENTES, FARSAS SABOROSÍSSIMAS, VERSOS HERMÉTICOS E ENSAÍSMO VIGOROSO. COM ROMANCES DE CRIME E SANGUE, INTERMINÁVEIS E ENIGMÁTICOS, PERMEADOS PELO OCULTO! CAVALARIA, PÍCAROS, REIS E PALHAÇOS! ÓDIOS, CALÚNIAS, AMORES, BATALHAS, SENSUALIDADE E MORTE! FAMÍLIAS , SONHOS , SECAS , SEARAS E SEMBLANTES ! O FABULAR E O VERDADEIRO: O FABULOSO! AS LANÇAS, A LUZ E O REINO DE D. ARIANO VILLAR SUASSUNA, BARDO, SENHOR, AEDO: IMPERADOR DAS LETRAS DO BRASIL MEDIEVAL E REPENTISTA, ARQUÉTIPO. SÍNTESE: CASTELO E CACTO

UMA

Dali, da costa superior do país ao qual está preso por sua própria força e vontade, o escritor vê as veredas da indomável cultura que representa, uma cultura pela pedra, que, de nascença, entranha a alma, repele a moda – Armorial, como a chamou um dia, em movimento. O seu Sol alarga a vista, reluzindo nas pedras da roseta artística sertaneja e em outras distantes: educação de terras próximas e alheias. Da prosa, do verso e do seu palco agreste parece desprender-se um sopro ardente, talvez o arquejo de gerações e gerações de bardos do Cordel e da Europa, cantadores populares e clássicos das Idades todas; parece desprender-se um sopro aceso e a respiração fogosa, ele diria, dessa Fera estranha, a Arte, dessa Onça-Mãe que é a outra Fera, a Literatura, em cujo dorso habita a raça dos homens e que puxa para o Alto, para o Reino e a Luz, o seu Imperador e Criado, D. Ariano Villar Suassuna. É esse extraordinário processo, a um tempo literário (todas as artes desembocadas no estuário da palavra) e memorialístico – ao qual o dramaturgo do Auto da Compadecida, o poeta de O pasto incendiado, o filósofo e o professor de Iniciação à Estética e das aulas-espetáculo, o romancista d A Pedra do Reino se submete por expiação, catarse, profissão de Vida –, que o presente e mais alentado número dos CADERNOS, o décimo, entrega ao julgamento de Vossas Excelências, nobres Senhores e belas Damas de tantas leituras.

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Precipitem-se, desde logo, as explicações do que verão adiante os magnânimos leitores. Às aventuras e desaventuras de Ariano, o Decifrador de Brasilidades – que o respeitável público terá ao seu dispor na seção Memória Seletiva –, seguem-se três, por assim dizer, cantigas d amigos. São testemunhos de amizade oferecidos em Confluências por ninguém menos do que Raduan Nassar (o ficcionista de Lavoura arcaica, homenageado no segundo número dos CADERNOS), Marcos Vilaça (ensaísta) e Millôr Fernandes (jornalista, cronista, poeta, humorista, desenhista, tradutor). Tal como ocorre na obra de Ariano Suassuna, literatura e autobiografia se confundem na confessional, longa e esclarecedora Entrevista que ele con ce deu no últi mo sába do de setem bro a Antonio Fernando De Franceschi, diretor editorial, e Rinaldo Gama, editor executivo da publicação do IMS. Confortavelmente instalado na casa onde vive há 41 anos (leiase: numa cadeira de balanço), situada num bairro aprazível do Recife, o sol fagulhante lá de fora abrandado pelo vento fresco que se arremessava pelas grandes janelas daquela construção secular, o escritor paraibano depôs – entre copos de água-de-coco e uma pausa para o almoço lauto e típico – durante seis horas. Nesse período, a conversa foi dominada por duas figuras emblemáticas para Ariano: seus pais. Presentes num quadro que encimava as paredes da sala ampla, pintado por Dantas, filho do autor de A pena e a lei, João Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar revelaram-se talvez de um modo nunca visto. O pai – assassinado em 1930 por motivos políticos –, porque toda a literatura daquele filho extremoso busca revivê-lo. A mãe, porque impediu que a dívida de sangue abrisse, no seio da família, o círculo irresgatável da vingança. Os editores apresentaram a Ariano, além das próprias perguntas, questões formuladas por Celso Furtado e Marco Maciel (que aqui comparece não na qualidade de vice-presidente da República, e sim como leitor e entusiasta da obra de Suassuna); pelos críticos João Alexandre Barbosa (literário) e Mariângela Alves de Lima (teatral); pelos diretores de TV e cineastas Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho e pelo ficcionista Moacyr Scliar. Dono de um repertório notável, o escritor, de 73 anos, discutiu, com surpreendente disposição, emotividade e pro-

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fissionalismo, assuntos tão distintos quanto política e gravura japonesa, Romanceiro Popular e Internet, religiosidade e Mangue Beat, o sertanejo e James Joyce – e também temas mais próximos, como Ética e Estética. O cenário da estupenda criação de Ariano está capturado na seção Geografia Pessoal, que traz outra vez um ensaio fotográfico de Eduardo Simões. Em maio ele esteve na festa da Pedra do Reino, cavalgada que desde 1993 se realiza no município de São José do Belmonte (PE) e há alguns anos viu seus integrantes passarem a usar trajes como os descritos no romance de Suassuna. Numa segunda viagem, realizada em setembro, Eduardo fotografou Taperoá (PB), onde o criador do Movimento Armorial viveu parte da infância, alguns outros recantos do seu Império de Letras e o próprio escritor. Na seqüência desta espécie de Memorial que a revista do Instituto Moreira Salles dirige à Nação Brasileira, os ilustres leitores encontrarão um poema inédito, escrito em 1991 pelo autor da Farsa da boa preguiça especialmente para ser incluído no seu próximo romance; o texto, ilustrado por Ariano, vem apresentado numa “estilogravura” – trabalho em preto e branco, feito com ponta de metal sobre papel. Na mesma seção está reproduzido o manuscrito de uma passagem fundamental d A Pedra do Reino e sete iluminogravuras (estilogravuras coloridas), feitas a partir de poesias publicadas anteriormente. Em decorrência da vastidão desse discurso e de seu mundo, encomendaram-se quatro textos para os Ensaios, assim divididos: um olhar amplo sobre as decifrações de Suassuna, assinado por Idelette Muzart Fonseca dos Santos, da Universidade Paris X-Nanterre, e estudos específicos a respeito do romancista (escrito pelo crítico Wilson Martins), do poeta (a cargo de Carlos Newton Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e do dramaturgo (tema de Ligia Vassallo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Por fim, Vossas Excelências têm o Guia – de dados bibliográficos e fortuna crítica –, que, como de praxe, não aspira ser exaustivo. Julguem, pois, nobres Senhores e gentis Damas de prestigiosa leitura, essa formidável trajetória por meio das páginas seguintes, um esforço de suma de tudo o que fez e passou D. Ariano Villar Suassuna para alcançar dali, do alto costado do Brasil, o plano mais alto, a condição de Monumento Vivo da Literatura do País.

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M E M Ó R I A S E L E T I VA

Fotos Acervo do autor/Reproduções Luiz Santos

As infâncias (e juventudes e maturidades) de Quaderna

Rita de Cássia Villar e João Suassuna, pais do escritor, na foto de noivado (1913)

1927 Nasce, em 16 de junho, no Palácio da Redenção, na Paraíba, como era chamada a capital do Estado de mesmo nome, Ariano Villar Suassuna, oitavo dos nove filhos de João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna e Rita de Cássia Dantas Villar. À época, o pai de Ariano era presidente (governador) da Paraíba. 1928 Com o fim do mandato do pai no governo da Paraíba, vai morar com a família na Fazenda Acauhan, de propriedade de João

clarara a independência do município de Princesa. As forças de Pereira Lima só se renderiam após o assassinato de João Pessoa, ocorrido em 26 de julho. Este crime, praticado por João Dantas – primo da mãe de Ariano – estaria por trás da morte de João Suassuna. Preso dias depois de assassinar o pai do escritor, e solto em seguida, Miguel Alves de Souza voltaria para a cadeia e seria condenado em 1931. Da pena de quatro anos, porém, cumpriria apenas dois. Com a morte do marido,

Suassuna, localizada no município de Sousa, no sertão do Estado. 1930 Em 9 de outubro, João Suassuna, então deputado federal, é assassinado a tiros no Centro do Rio pelo pistoleiro Miguel Alves de Souza, em conseqüência da divisão na política paraibana que já contribuíra para a eclosão, no início do mês, da Revolução de 30. Contrário à política de João Pessoa, que governava o Estado, José Pereira Lima – aliado político de João Suassuna – de8

Ariano com cerca de 1 ano e meio (1928)


1932 A família Suassuna perde quase todo o gado das fazendas Acahuan e Saco, em razão da seca que atinge a Paraíba. 1933 Ariano muda-se com a mãe e os irmãos para Taperoá, no sertão dos Cariris Velhos da Paraíba. Passaria temporadas no centro da cidade e nas fazendas dos tios maternos (Malhada da Onça e Carnaúba). 1934-7 Inicia os estudos com os professores Emídio Diniz e Alice Dias. Pela primeira vez ouve um desafio de viola e assiste a uma peça de teatro. Sua mãe, em dificuldades econômicas, vende a Acahuan. Entra para o internato do Colégio Americano Batista, no Recife. 1942 Os Suassuna fixam-se no Recife. Nessa época, já se iniciara na literatura, primeiro por iniciativa própria, lendo folhetos de cordel e clássicos como Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, e Scaramouche, de Rafael Sabatini, e depois por reco men da ção de seus tios Manuel Dantas Villar (ateu e republicano) e Joaquim Dantas (católico e monarquista) – ambos seriam modelos para os personagens Clemente e Samuel,

Fotos Acervo do autor/Reproduções Luiz Santos

Rita de Cássia Villar passa a se deslocar constantemente com os filhos – Saulo, João, Lucas, Selma, Marcos, Germana, Beta, Ariano e Magda –, a fim de evitar os inimigos. Os Suassuna vivem por algum tempo na capital paraibana e em Natal, entre outras localidades.

Fazenda Acauhan, no município de Sousa (PB), onde o autor passou parte da infância

do Romance d A Pedra do Reino –, lê Euclides da Cunha, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro e Antero de Figueiredo; lê ainda Doidinho, de José Lins do Rego, por sugestão de outro tio materno, Antônio Dantas Villar. 1943 Ingressa no Ginásio de Pernambuco, onde estudaria por dois anos, até concluir o curso Clássico. Lá conheceria Carlos Alberto de Buarque Borges, que o iniciaria na música erudita e na pintura.

Com o tio materno Manuel, num jogo Magros x Gordos (Taperoá-PB, 1948) 9

1945 Com o propósito de se preparar para o vestibular da Faculdade de Direito do Recife, passa a es tu dar no Co lé gio Os wal do Cruz. Com a ajuda de Tadeu Rocha, professor de Geografia, seu poema “Noturno” chega às mãos de Esmaragdo Marroquim, editor do suplemento cultural do Jornal do Commercio, que o publica no dia 7 de outubro. 1946 Começa o curso de Direito. Na faculdade, entra em contato com um grupo de escritores, teatrólogos, atores e artistas plásticos, entre os quais Hermilo Borba Filho, José Laurenio de Melo, Lourenço da Fonseca Barbosa (Capiba), Aloísio Magalhães, Gastão de Holanda, Carlos Maciel, Salustiano Gomes Lins, Ana e Rachel Canen, Fernando José da Rocha, José de Moraes Pinho, Galba Pragana, Ivan Neves Pedrosa e Joel Pontes. Participa da criação do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), uma iniciativa de Hermilo Borba Filho. Por sugestão deste, começa a ler a obra do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca. Publica, na revista Estudantes, da Faculdade de Direito, seus pri-


1947 Para participar do Prêmio Nicolau Carlos Magno, promovido pelo TEP, escreve sua primeira peça teatral, Uma mulher vestida de sol. O texto, baseado no Romanceiro do Nordeste, acabaria vencendo o concurso, realizado no ano seguinte. Inicia namoro com Zélia de Andrade Lima, com quem casaria dez anos depois e teria seis filhos – Joaquim, Maria, Manuel, Isabel, Mariana e Ana Rita –, que lhe dariam 13 netos. 1948 Tem, pela primeira vez, uma peça de sua autoria levada ao palco. Trata-se de Cantam as harpas de Sião. O texto, sob direção de Hermilo Borba Filho, inaugura, no dia 18 de setembro,

Fotos Acervo do autor/Reproduções Luiz Santos

meiros poemas ligados ao Romanceiro Popular nordestino, já sob a influência do trabalho de Lorca; textos da mesma natureza sairiam também nos dois anos seguintes no jornal do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina e em suplementos culturais de diários recifenses.

O escritor (de terno), na estréia do Auto da Compadecida, no Teatro Dulcina (Rio, 1957)

a Barraca do TEP no Parque 13 de Maio, no Recife. Inspirado em García Lorca, o grupo começava ali um projeto de teatro ambulante. A peça seria reescrita dez anos depois, recebendo o título de O desertor de Princesa. 1949 Em artigo publicado no Jornal do Commercio, Murilo Mendes chama a atenção para o talento do autor de Cantam

Ariano Suassuna brinca de escrever à máquina com Joaquim, seu filho mais velho (1958) 10

as harpas de Sião. Ariano escreve novo texto teatral, Os homens de barro. 1950 Escreve o Auto de João da Cruz, com o qual ganharia o Prêmio Martins Pena, da Divisão de Extensão Cultural e Artística da Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco. Forma-se em Direito. Com uma infecção pulmonar, instala-se em Taperoá para tratamento e repouso. 1951 Ao sa ber que re ce be ria em Taperoá a visita de Zélia de Andrade Lima – a esta altura, sua noiva – e de alguns familiares, decide escrever uma pequena farsa em um ato (entremez, na linguagem teatral) para recepcioná-los. O texto, Torturas de um coração ou Em boca fechada não entra mosquito, seria encenado pelo próprio Ariano, com mamulengos, e serviria como ponto de partida para A pena e a lei (1959), uma de suas peças mais importantes. Tortu-


1952 Volta a residir no Recife. Começa a trabalhar como advogado no escritório de um amigo, o jurista Murilo Guimarães. Escreve O arco desolado, peça baseada na mesma lenda que inspirou o espanhol Calderón de la Barca no seu A vida é sonho. 1953 Recria sob a forma de entremez, a partir de um texto anônimo, da tradição popular, O castigo da soberba, utilizado na composição do terceiro ato de Auto da Compadecida. 1954 O arco de so la do re ce be Menção Honrosa no Concurso do IV Centenário da Cidade de São Paulo. Baseando-se numa peça popular de mamulengo, escreve outro entremez – O rico avarento. 1955 Escreve o Auto da Compadecida, texto baseado em três narrativas do Romanceiro nor-

A mãe, Rita de Cássia, com os 5 filhos homens: Ariano, Saulo, João, Lucas e Marcos (início da década dos 60)

destino – além do citado O castigo da soberba, a peça inspira-se em O enterro do cachorro, fragmento de O dinheiro, de Leandro Gomes de Barros, e na História do cavalo que defecava dinheiro, obra anônima registrada por Leonardo Mota. 1956 Por su ges tão do ar tis ta plástico Francisco Brennand, seu amigo dos tempos do Colégio Oswaldo Cruz, e pensando em se exercitar na prosa de ficção, escreve o romance A história de amor de Fernando e Isaura. Trata-se de uma recriação da lenda irlandesa de Tristão e Isolda, base de um romance de Joseph Bédier que serviu de ponto de partida para Ariano. O livro permaneceria inédito até 1994. Convidado por Luiz Delgado, torna-se professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco e abandona a ad vo ca cia. Pa ra aten der seus alunos, escreve um manual de estética, publicado pelo Diretório da Faculdade de Filosofia em edição mimeografada. Sob a direção de Clênio Wanderley, o Teatro Adolescente do Recife realiza, no Teatro Santa Isabel, a primeira montagem do Auto da Compadecida. 1957 No dia 19 de janeiro, aniversário de seu pai, casa-se com Zélia de Andrade Lima. O Auto da Compadecida é encenado no Rio de Janeiro – pelo mesmo grupo que o montara em Recife – durante o I Festival de Amadores Nacionais, promoção da Fundação Brasileira de Teatro. Premiado com a medalha de ouro da As11

Fotos Acervo do autor/Reproduções Luiz Santos

ras marcou ainda a estréia do autor no gênero cômico.

O autor e sua mulher, Zélia (anos 60)

sociação Brasileira de Críticos Teatrais, o texto seria publicado neste mesmo ano. Escreve O santo e a porca, com a qual ganharia também a medalha de ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. O casamento suspeitoso, escrito neste ano, é montado em São Paulo pela Companhia Sérgio Cardoso e vence o Prêmio Vânia Souto de Carvalho. 1958 Baseando-se em textos da tradição popular, escreve o entremez O homem da vaca e o poder da fortuna. Começa a redação do Romance d A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Ingressa no curso de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco. 1959 Com os direitos autorais de Auto da Compadecida, O casamento suspeitoso e O santo e a porca, compra, na Rua do Chacon, no bairro de Casa Forte, no Recife, um casarão de 1870, onde vive até hoje. Escreve e encena A pena e a lei. Funda, ao lado de Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste.


1961 O Teatro Popular do Nordeste monta Farsa da boa preguiça, com direção de Hermilo Borba Filho. Lança O casamento suspeitoso. 1962 Escreve e encena – com o Teatro Popular do Nordeste – A caseira e a Catarina.

Acervo do autor/Reprodução Luiz Santos

1960 Forma-se em Filosofia. A partir de O homem da vaca e o poder da fortuna, escreve Farsa da boa preguiça.

No lançamento de A Pedra do Reino, na Livraria José Olympio, no Rio (1971)

1964 Publica O santo e a porca. 1965 Sai a primeira tradução de Auto da Compadecida, lançada em Madri; no ano seguinte, a peça seria publicada em Buenos Aires. 1966 Visita pela primeira vez a Pedra do Reino, na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Escreve O sedutor do sertão, roteiro para cinema. 1967 Passa a integrar, como membro fundador, o Conselho Federal de Cultura. 1969 Nomeado pelo reitor Murilo Guimarães, assume a direção do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco. Começa a articular o Movimento Armorial, que defenderia a criação de uma arte erudita nordestina a partir de suas raízes populares. O Auto da Compadecida estréia no cinema. 1970 Conclui, no dia 9 de outubro, data do quadragésimo aniversário do assassinato de seu

pai, o Romance d A Pedra do Reino, imaginado como primeiro volume da trilogia A maravilhosa desaventura de Quaderna, o decifrador. Com um concerto – “Três séculos de música nordestina – do Barroco ao Armorial” – e uma exposição de gravuras, pinturas e esculturas, lança no Recife, em 18 de outubro, o Movimento Armorial. 1971 Sai, em agosto, A Pedra do Reino, que classifica como “romance armorial-popular brasileiro”. Publica em livro a peça A pena e a lei. 1972 A Pedra do Reino ganha o Prêmio Nacional de Ficção, do Instituto Nacional do Livro. 1973 Cria a Orquestra Armorial. Deixa o Conselho Federal de Cultura. 1974 Saem O Movimento Armorial (ensaio) e Farsa da boa preguiça. A José Olympio edita, em um só volume, O santo e a porca e O casamento suspeitoso. 12

1975 Lança Iniciação à Estética e Seleta em prosa e verso, que inclui quatro peças: O rico avarento, O castigo da soberba, O homem da vaca e o poder da fortuna e Torturas de um coração. Assume o cargo de secretário de Educação e Cultura do Recife (na gestão do prefeito Antônio Farias). Cria o Balé Armorial do Nordeste. Começa a publicar no Diário de Pernambuco folhetins semanais de A história do rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana, planejado para ser o primeiro livro da segunda parte da trilogia A maravilhosa desaventura de Quaderna, o decifrador. A série se estenderia até o ano seguinte. 1976 Inicia a publicação, também no Diário de Pernambuco, do folhetim semanal As infâncias de Quaderna. O Balé Armorial do Nordeste estréia com a apresentação de Iniciação armorial aos mistérios do Boi de Afogados no Teatro Santa Isabel do Recife. Defende a tese de livre-docência “A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma reflexão sobre a cultura brasileira” na Universidade Federal de Pernambuco. 1977 Encerra-se a publicação de As infâncias de Quaderna. O rei degolado sai em livro. 1981 Em 9 de agosto, publica no Diário de Pernambuco o que considerava sua carta de despedida da literatura: “Não me cobrem mais livros que não estou mais escrevendo e pelos quais já perdi qualquer interesse”, pede.


1985 Participa de uma campanha eleitoral a favor de Jarbas Vasconcelos, candidato a prefeito do Recife. Pelos 40 anos de atividade literária, é homenageado pela Universidade Federal de Pernambuco com um vídeo baseado em sua peça Auto da Compadecida.

estadual de Cultura. A Rede Globo exibe Farsa da boa preguiça, episódio de Terça Nobre. 1996 Estréia no Teatro do Parque, no Recife, a série “Grande cantoria”, aula-espetáculo que reúne violeiros e repentistas. Ao violão, Suassuna cantaria um romance de inspiração sebastianista que aprendera na infância.

1987 Escreve As conchambranças de Quaderna. A peça seria encenada no ano seguinte no Teatro Waldemar de Oliveira, no Recife, sob direção de Lucio Lombardi.

1997 Pu bli ca no su ple men to “Mais!”, da Folha de S.Paulo, a peça A história de amor de Romeu e Julieta. Romero de Andrade Lima, seu sobrinho, monta a adaptação teatral do Romance d A Pedra do Reino. Anteriormente, o diretor Antunes Filho havia feito uma adaptação da obra para o palco, que acabou não sendo encenada.

1989 Em 3 de agosto é eleito para a cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras. 1990 Em 26 de abril, morre sua mãe. Toma posse na ABL no dia 9 de agosto.

1994 A Rede Globo de Televisão exibe o espe cial Uma mulher vestida de sol, baseado em sua primeira peça, escrita aos 20 anos, reescrita aos 30 e nunca encenada. Lança o romance Fernando e Isaura. Aposenta-se como professor da Universidade Federal de Pernambuco. 1995 É nomeado, pelo governador Miguel Arraes, secretário

1998 Participa do recital de lançamento do CD A poesia viva de Ariano Suassuna.

2000 Estréia no cinema a adaptação da microssérie O Auto da Compadecida. Recebe o título de doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em comemoração aos 500 anos do Descobrimento do Brasil, apresenta na GNT o programa Folia geral, sobre as origens do Carnaval. No dia 9 de outubro – que marca os 70 anos da morte de seu pai – toma posse na cadeira 35 da Academia Paraibana de Letras.

Acervo do autor/Reprodução Luiz Santos

1993 Em São José do Belmonte (PE), realiza-se a primeira festa da Pedra do Reino, cavalgada na qual os participantes, posteriormente, passariam a usar trajes como os descritos no romance de Ariano. Realizada na última semana de maio, a festa se tornaria típica da região e contaria, em alguns anos, com a presença do escritor.

1999 A Rede Globo exibe, em quatro capítulos, a microssérie O Auto da Compadecida. Em março, estréia na televisão o quadro “O canto de Ariano”, apresentado às sextas-feiras no NE TV 1ª. edição, da Rede Globo Nordeste. O quadro passaria a ser transmitido, no ano seguinte, pelo canal de assinatura GNT no pro gra ma Multishow em revista.

Barbosa Lima Sobrinho cumprimenta Ariano Suassuna durante a cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras (Rio de Janeiro, agosto de 1990) 13


CONFLUÊNCIAS

Cantigas d’amigos NA PENA DE RADUAN NASSAR, MARCOS VILAÇA E MILLÔR FERNANDES

Eduardo Simões

Raduan Nassar nasceu em 1935 em Pindorama (SP). Em 1949, mudou-se para Catanduva (SP), onde já cursava o ginásio. Em 1953, veio com a família para São Paulo, ingressando dois anos depois nos cursos de Letras e Direito da USP, os quais não concluiria. Em 1957, matriculou-se em Filosofia na mesma universidade, formando-se em 1963. Em 1975, lançou o romance Lavoura arcaica (Rio de Janeiro, José Olympio). A novela Um copo de cólera, escrita em 1970, só apareceria em 1978 (São Paulo, Cultura), quando o escritor já havia abandonado a literatura. Em 1984, depois de ter exercido diversas atividades, Raduan comprou a fazenda Lagoa do Sino (Buri, SP), onde se dedica à agricultura até hoje. Em 1994, a Companhia das Letras, de São Paulo, publicaria uma edição nãocomercial do conto “Menina a caminho”, primeiro texto de sua autoria (1961), em comemoração aos 500 títulos da editora. Raduan foi tema do segundo número dos CADERNOS, que incluiu “Hoje de madrugada”, conto até então inédito. Em 1997, sairia, pela Companhia das Letras, o volume Menina a caminho, reunindo contos dos anos 60 e 70 publicados na imprensa e um texto inédito.

“Desconfio que foram mesmo as cabras que me fizeram mais próximo ainda de Ariano, quando o conheci pessoalmente em dezembro de 1999, em sua casa no Recife. Me sentia um pouco inibido no início desse encontro até que as cabras, irrequietas, derrubando cercas, invadiram gostosamente a conversa. Minha paixão pelas cabras vinha da infância, e ouvindo Ariano falar delas com graça tive de repente o sentimento de que a gente se conhecia desde criança. Nossa diferença era essa: Ariano era um criador, com um plantel beirando mil cabeças em Taperoá, no sertão da Paraíba, enquanto eu mal tinha inventado uma única cabra, feita só de palavras, me socorrendo pra tanto de fotografias antigas do interior paulista, dessas que a gente traz na memória. Como de resto tinha inventado um avô só com palavras, pra me igualar, com muitos anos de atraso, aos colegas do primário que 14


falavam de seus avós sem que eu tivesse conhecido nenhum dos meus, então enterrados num país distante. (As palavras valem também pra isso, dar alguma existência aos nossos delírios.) Mas as que apareciam naquelas fotografias, um tanto imprecisas, eram sempre cabras-de-corda, amarradas a estacas nos matagais de terrenos baldios, enquanto Ariano, no Recife, falava com entusiasmo de cabras soltas no sertão paraibano. Menos de um ano depois, fui seu hóspede na Fazenda Carnaúba, em Taperoá, onde passei três dias com sua família e alguns amigos. Pude conferir então muito do que tinha ouvido sobre sua criação em nosso primeiro encontro: as cabras pretas murcianas, vermelhas pataxós de canos escuros, as mestiças azuis, e brancas lindamente marcadas por espessa linha preta correndo do pescoço ao longo do dorso até a cauda. Conheci também um terreiro imenso com uma profusão de aves, entre elas, para meu espanto, muitos pavões, comuns no semi-árido e sem dúvida misteriosos, por assombrarem a noite do alto dos telhados com gritos lúgubres, apesar da fama que os acompanha pela exuberância da plumagem. Só sei que nesses três dias empanturrei os olhos com toda essa fauna com que sonhava na infância, sentia, ao lado de Ariano, que falávamos feito dois meninos a mesma língua. Ou nem tanto. Em nossa primeira caminhada pelos campos da Carnaúba, manchados por capões dispersos de algarobas, árvores de porte médio e muito verdes para a paisagem pedregosa, Ariano estancou um instante o passo e anunciou que, chegando em casa, me confidenciaria as três maiores humilhações que havia sofrido. Meio que solidário, antes bobamente à paulista, me precipitei num comentário: ‘Olha, Ariano, quem não passa por humilhações não passa pela vida’. A observação, séria, ficou no ar, nem poderia ter sido de outro modo, mas talvez tivesse até uma ponta de pertinência. Dali, onde estava, no miolo da Paraíba, se rodasse o olhar, eu teria alcançado boa parte do sertão nordestino, povoado – daí quem sabe seu intenso misticismo – por muitos ofendidos e humilhados. Sempre tive uma admiração especial por atores (e divago só por um minuto como palrador urbano, uma roupa que hoje me aperta um pouco o corpo), não pelos vulgares que interpretamos um desprezível papel, tão estafante quanto suspeito, imposto por conveniências sociais. Estou me remetendo aos atores de verdade, desses que em suas representações conseguem dar existência a seus delírios. É provável que escritores de ficção, ainda que de modo silencioso, mas cujos personagens colem, como colam maravilhosamente certas atuações, é bem provável que escritores assim tenham um parentesco forte com atores. Sem falar da óbvia consangüinidade do dramaturgo, que, entre uns e outros, seria um traço-de-união. Na sede da Carnaúba, um casarão achatado de paredes grossas erguido em fins do século XVIII e que desde então, segundo Ariano, se mantém o mesmo, ‘até as telhas!’, embora vigas, caibros e ripas do madeiramento, bem aparelhados, denunciassem que nem tudo teria sido preservado da construção original, foi ali que Ariano Suassuna, convergência privilegiada de romancista, dramaturgo e ator, montou o seu teatro para confidenciar a um punhado de gente As três humilhações. Modulando a voz, articulando gestos, marcando as pausas, a máscara incrivelmente cambiante, tudo sincronizado com precisão, sem nunca melar, mestre Ariano, moleque, arteiro, literalmente tomado, provocou explosões de gargalhadas de fazer tremer as paredes do velho casarão. No fundo, o ator magistral só inventava, eram três grandes mentiras, três grandes delírios, de genuína extração popular, daí que portadores do espírito, do humor e do afeto com que sobrevivem os sertanejos do Nordeste e todos os que, no mundo, se sentem ofendidos e humilhados.” 15


Rogério Reis/Tyba

Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, ensaísta e professor universitário de Direito Internacional Público, nasceu em Nazaré da Mata, cidade da zona canavieira de Pernambuco, em 1939. Desempenhou funções docentes nas universidades Federal de Pernambuco e Católica de Pernambuco e em Harvard (EUA), num seminário para líderes estudantis brasileiros. Integra os quadros de várias instituições culturais no Brasil e no exterior – entre elas, o Instituto Hispano LusoAmericano de Direito e as academias Brasileira, Pernambucana e Brasiliense de Letras e a de Ciências de Lisboa. Ocupou diversos cargos públicos ligados à cultura no país, destacando-se o de secretário federal, no período de 1982 a 1985. Sua obra tem edições em espanhol, inglês, italiano e japonês. Publicou, entre outros títulos, Em torno da sociologia do caminhão (Rio de Janeiro, INPS/MEC, 1961), Coronel, coronéis (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1965), Retorno à palavra (Recife, Letras e Artes, 1995), O tempo e o sonho (Recife, Pool Editorial, 1983), Itinerário na corte (Recife, Letras e Artes, 1997) e No paladar das palavras (Recife, Bagaço, 1999).

“A expectativa pelo resultado de candidatura à Academia atormenta e aflige. Já se disse até que ao tímido melhor fora livrar-se da espera agoniada, ficando ao sereno na calçada da Avenida Presidente Wilson, sem tentar entrar. Não foi o caso de Ariano Suassuna, aguardado com arruído e foguetes de lágrimas por todos os inquilinos das glórias machadianas. Só não esqueço a frustração que sofri ao lhe telefonar para dizer, encerradas as inscrições à sucessão do saudoso Genolino Amado, que nenhum outro se dispusera à competição. E falei: – Você vai ser candidato único. Uma eleição tranqüila. De lá, do seu retiro recifense-capiberibeano do Poço da Panela, dispara, para me desorientar, perguntas danadas: – E você acha isso bom? E se eu perder pra ninguém? E se eu não atingir o quórum? Seguidas da advertência: – Minha família é ruim de urna, desde 1930 ninguém vence uma eleição! Quando a Academia Brasileira de Letras foi fundada, em julho de 1897, ainda se brigava em Canudos, sob a convicção de volta à Monarquia. Pois não é que, quase cem anos depois, um canudo-euclidiano e ex-monarquista chegou à ABL acarinhado na consagração do referendo geral – e não apenas daquela unanimidade que, após as votações, todos nós gostamos de dizer, em boa e conveniente tradição, ter sido conferida aos ganhadores. Com ele veio Quaderna. A gente recorda um sonho do Quaderna, sempre tão respeitador dos halos acadêmicos. Mais ainda: fundador da Academia de Letras dos Emparedados do Sertão da Paraíba. Atentemos para este trecho de A Pedra do Reino: ‘[...] Devo confessar a Vossa Excelência (Sr. 16


Corregedor) que ontem à noite dormi muito mal: tive um sono profundamente perturbado. Passei a noite sonhando e, desses sonhos, dois sobretudo me deixaram impressionado. O primeiro referia-se à minha coroação como Gênio da Nossa Raça, através da Academia Brasileira de Letras’. Ora, ‘Gênio da Raça’ ainda não é laurel que a academia distribua. Limitamo-nos à glória da imortalidade. E já basta. Essa imortalidade é para que desfrutemos daquilo de que muito nos orgulhamos: o exercício da liberdade. Conta-se, aliás, que, ao tempo da Paris ocupada, sob o guante da SS e da opressão nazista, um acadêmico se dirigia à sessão e, na altura da Pont des Arts, um oficial invasor o aborda, apontando para La Coupole: – Que edifício é aquele? E teve como resposta: – É a Casa da Liberdade. Pois o nosso Petit Trianon é outra Casa da Liberdade, inclusive nos tempos – muitos e alegres tempos – em que foi presidida por alguém que redigiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ariano Suassuna confessa que é um daqueles escritores que, tendo infância rural, inventa terras e reinos como os ‘Fazendeiros do Ar’, todavia não o faz por frustração ou escapismo, porém para a recriação e o enriquecimento poético e forte do real, na gana da recaptura. É da tragédia da infância, com impressões digitais de dor eterna, que vemos Ariano Suassuna emergir para expor idéias, zelar respeitos, desabotoar preconcebidas conceituações de cultura, construir um dos mais altos momentos da dramaturgia em língua portuguesa, para realizar obra romanesca de fascinante afinidade com tudo que é brasileiro, na incrível magia das palavras, e para ser adorável e travesso insubmisso, de vez em quando se fingindo de doido manso. Só que ninguém se fie na brandura desse cangaceiro de Taperoá, ele próprio sabedor de que o cangaço não se esgota num grupo de facínoras a espalhar terror e horror. Cangaço é também o grito de uma gente reagindo à injustiça, à opressão, à exploração, ao arbítrio. O cangaceiro que recebíamos – sob luzes de reconhecimento, de aplauso, de simpatia, luzes mais profusas porque o homenageiam – está temperado em lições recebidas na Fazenda Acauhan, no Território Livre de Princesa e nas sequidões dos Cariris Velhos. Vem de famílias valentes pela varonia dos Suassuna – sobrenome indígena que substituiu o luso-florentino Cavalcanti de Albuquerque; em maior ortodoxia que o outro ramo que adotou o Suassuna só como título nobiliárquico – e, pelo lado materno, dos Dantas, que, em 1912, tomaram mais de dez cidades a bala e, na crise perrepista, tendo a casa cercada, o povo açulado – a cantar Vassourinhas – ameaçando sopresá-la, enrijeceram-se de bravura pela ordem dada a um dos filhos por dona Ritinha, mãe dele: – Vá pro piano e toque o hino de Princesa. E a meninada, ao som da música aliciadora, Ariano Suassuna inclusive, começou a cantar: ‘Cidadãos de Princesa aguerrida/Celebremos com força e paixão/A beleza invulgar desta lida/E a bravura sem par do sertão’. Indo viver os primeiros anos de infância no sertão contingenciado no luto, viu dentro de casa a 17


batalha da mãe viúva aos 34 anos com nove filhos por educar; e lá fora ouviu os homens do sertão no seu eloqüente silêncio. É preciso anotar que Suassuna não restringiu o mundo ao sertão. Antes, pôs o sertão como palco dos dramas do homem de qualquer latitude. A peculiaridade regional é apreendida como forma significante, sem aprisionar o significado das coisas, e, em vez de capitular ao pessimismo, resgata o sentimento de amor-próprio. Nesse cenário se desenrola a trilogia de que A Pedra do Reino é a primeira parte. Escrevendo no ‘Álbum de depoimentos’ da minha filha, em dezembro de 1977, ele faz uma confissão e um desenho significativos e explicativos: ‘Querida Taciana: Se tudo o que eu escrevi tiver que ser esquecido e desgastado pelo Tempo e se me fosse dado o direito de salvar um só livro dessa cinza e desse pó, eu escolheria o longo romance que venho escrevendo desde 1958 [...]. Por isso resolvi colocar aqui, como homenagem a você, essa espécie de desenho simbólico da Pedra do Reino’. Despertado para o mundo, como ele próprio conta, entre o primeiro e o segundo ano de vida, dentro de uma rede, chorando porque a mãe deixara uma prima embalando-o, Ariano Suassuna viveu infância marcante, no seu modo de ser a um só tempo singular e plural. Aliás, aquela rede de dormir deveria estar armada em certo alpendre ou quarto do Palácio do Governo, na capital da Paraíba, Estado de que seu pai fora presidente, como se dizia à época. Conta-se que, certo dia, ao passar pela cidade onde nasceu, e dela nem pronuncia o nome atual por conta de tudo o que sabemos, foi Ariano Suassuna ao Palácio para rever e recordar. De alpercata, calça e camisa, na sua encadernação dos últimos anos, barrou-lhe o guarda a entrada censurando-o: – Como quer entrar sem paletó e gravata? A resposta veio firme e maliciosa, sem que o coitado do vigilante pudesse entender: – Pois saiba que já andei nu aí dentro muito tempo. E ninguém reclamava. Até achavam bonitinho e engraçado. Não esqueçamos o que foi o Armorial. Densificou, a partir dos seus tempos de dirigente cultural da universidade no Recife, a atenção de todos pelo Movimento Armorial, quando posicionou a cultura popular nos ambientes cultos. Um projeto estético encontradiço na cerâmica de um Brennand ou de um Miguel dos Santos, nos romances de um Maximiano Campos ou de um Raimundo Carrero, na música de um Cussy de Almeida, de um Guerra Peixe, de um Antonio José Madureira, na poesia de uma Janice Japiassu, de um Marcus Accioly e também nos painéis de Zélia, sua mulher. O Movimento Armorial tem ligação com o espírito mágico do Romanceiro Popular do Nordeste – a literatura de cordel –, com a música de viola, rabeca, pífano, que acompanha seus ‘cantares’, e com a xilogravura, ilustração de suas capas, assim também com o espírito e a forma das artes e espetáculos populares. 18


Estas coisas aconteceram sem caipirismos, pois o caipirista só se ocupa sectariamente do que há de transferível na vida ou na natureza regional. A obra suassuniana cuida do transferível, do transregional. Por isso Gilberto Freyre viu nela uma grande distância daquela subliteratura do Sudeste americano que tentou fazer do negro um ente ridículo. Seu teatro, de igual maneira, a excelente poesia e o romance – para onde foi porque algumas coisas que tinha do seu mundo interior, conforme diz, não mais cabiam em versos ou no teatro – têm expressão lingüística popular, como manifestação da região, e erudita, pela comunicação universalista. Sem que falte, nunca, o tempero do ‘riso bom e ruidoso, um sopro de vida simples e cheio de paixões diretas, um cauterizar feridas que alegra até o cauterizado, um girar contínuo de graça e astúcia cabocla, sob o fundo de universal humildade’, como viu Drummond. É com essas raízes que a obra suassuniana trafega pelo trágico e o risível. Não esqueçamos que o engraçado é simpático. Recebendo Ariano Suassuna, em nome da Academia, adverti-o: – Não se entusiasme muito com a imortalidade, ela às vezes surpreende desfavoravelmente. Será bom que a decepção não lhe bata à face outra vez, como no episódio da ‘La Cumparsita’. O caso, eu vou contar como o caso foi. Um dia, em casa de Francisco Brennand – seu colega de turma e o artista extraordinário a quem todos admiramos –, chega o padre vigário da Várzea, o bairro recifense hoje tão renomado por conta desse pintor/ceramista, e o anfitrião, feliz, exclama: – Padre, veja quem está aí! Olha para Suassuna desconfiado, sem saber quem era. Brennand, no afã de salvar as aparências: – É porque eu não disse o nome dele. Quando eu disser o senhor identifica. E o padre: – Quem é? – É Ariano Suassuna. O padre confessou, honestamente, nunca ter ouvido falar. Brennand, no esforço derradeiro: – Mas, padre, é o autor do Auto da Compadecida. O rosto do padre se iluminou. – Ah! Essa eu conheço. E emendou logo a pergunta: – O senhor tem composto muito? Foi quando Suassuna, sem entender nada, observou-lhe: – Não, padre. Eu não sou compositor. O padre, novamente perdido: – Mas o dr. Brennand não acaba de dizer que o senhor é o autor de ‘La Cumparsita’?”

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Rogério Reis/Tyba

O jornalista, humorista, desenhista, dramaturgo, poeta e tradutor Millôr Fernandes nasceu em 1923, no bairro carioca do Méier. Em 1938, iniciou sua carreira em O Cruzeiro, onde manteve, entre 1945 e 1963, sob o pseudônimo de Vão Gogo, a página dupla “Pif-Paf ”. Fundou em 1964 a revista Pif-Paf, que durou apenas sete números – o oitavo foi apreendido pela Censura. Colaborou com Veja (1968-1982), O Pasquim (1969-1975), Istoé (1983-93) e O Estado de S.Paulo, entre outros órgãos da imprensa. Atualmente escreve e desenha, como é de seu estilo, na Folha de S.Paulo (caderno “Mais!”). Na área da dramaturgia, escreveu peças como Uma mulher em três atos (1952), Liberdade, liberdade (1966, junto com Flávio Rangel) e É... (1977). Traduziu obras de William Shakespeare e Bertolt Brecht, entre outros autores. Seu nome está associado a mais de cem espetáculos teatrais, caso de O santo e a porca, de Ariano Suassuna – Millôr é o autor do cartaz da montagem dirigida por Ziembinski em 1958.

“O passado, todos sabem, é uma invenção do presente. Quem busca datas para os acontecimentos já os está deturpando. Além do que, de datas eu não sei mesmo. Por isso afirmo que foi no fim dos anos 50 que me levantei entusiasmado e invejoso, no Teatro Dulcina, na Cinelândia, para aplaudir o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Ao meu lado, fazendo o mesmo, Silveira Sampaio, médico que há pouco tinha abandonado a medicina pra se transformar no autor de algumas peças leves e refinadas, que dirigia e interpretava. Terminado o espetáculo, fomos os três pra minha casa – já na praia de Ipanema, idílica então – e ficamos conversando, varando a noite. E o dia foi amanhecendo por trás das montanhas Dois Irmãos, ainda livres do Hotel Sheraton, da favela do Vidigal, dos sinais luminosos, do tráfego ensandecido, enfim, da civilização. Só com raparigas em flor caminhando cronologicamente pro encontro fatal com Vinicius e Tom. Não me lembro de uma só palavra de Ariano. Ficou-me a forte impressão. Resíduos. A memória da memória. Quantos encontros tive com Ariano desde então? Não mais de dez. Mas em nossa profissão, lavradores do nada, o contato é permanente. E, se fiz alguma coisa para decepcioná-lo, não sei. Ele não fez nada que me decepcionasse. Não lhe cobro nem a Academia. Merece todas as imortalidades, até mesmo essa, pechisbeque (corrida ao Aurélio). Meu outro e imediato contato com Ariano foi em O santo e a porca. A pedido de Walmor Chagas e Cacilda Becker fiz o cartaz pra a peça, cartaz que me defrontou um dia, pra minha vergonha – sempre tenho vergonha do que faço, meu sonho é ser autor morto –, num dos caminhos do Aterro. Nem sei se Ariano jamais viu ou soube desse contato. Enquanto isso, Ele se expandia. Professor nato – não há nada mais fascinante do que didática, e a dele é excepcional – e criador compulsivo, se fez batalhador de causas culturais populares, exibiu em espetáculos teatrais sua capacidade de representar – é um grande showman, quem não viu não sabe o que perdeu –, fez-se um desenhista primoroso e escreveu A Pedra do Reino, que coloco facilmente entre os 10 maiores ro20


mances brasileiros (nunca me arrisco a dizer que alguma coisa é a maior), incluindo aí Guimarães Rosa e excluindo Machado de Assis, quem quiser que me siga. Uma das outras vezes em que estive com meu herói foi no Recife, Instituto Joaquim Nabuco, onde Ele, enquanto aguardávamos minha oportunidade de incitar o povo com meu verbo flamante, recitou o primeiro poema (soneto) que escrevi na vida, aos 20 anos (já tive!, posso provar), e que também recito aqui, pra vocês verem que há que ter memória: Penicilina puma de casapopéia Que vais peniça cataramascuma Se partes carmo tu que esperepéias Já crima volta pinda cataruma. Estando instinto catalomascoso Sem ter mavorte fide lastimina És todavia piso de horroroso E eu reclamo Pina! Pina! Pina! Casa por fim, morre peridimaco Martume ezole, ezole martumar Que tua pára enfim é mesmo um taco. E se rabela capa de casar Estrumenente siba postguerra Enfim irá, enfim irá pra serra. No dia seguinte, autor ingrato, almoçando com Ele, cobrei ter errado uma palavra no soneto. ‘Errei não’, voltou Ele. ‘Corrigi. Você é que errou a métrica.’ Somos do tempo em que havia métrica. E a última vez em que estivemos juntos foi o momento mais extraordinário. Na casa de nosso comum amigo José Paulo Cavalcanti, jornalista, escritor e causídico (a ordem é a do leitor), numa praia de quatro quilômetros de extensão, em Porto de Galinhas. Ficamos lá horas, conversando dentro d’água, num mar indizível mas que vou tentar dizer. A meu lado, dentro das águas claras, mansas e verdes, a presença absolutamente surreal de Ariano, secundado por (apertem os cintos!) Luis Fernando Verissimo. E eu ali, galera, me boquiabrindo diante da loquacidade brilhante de Suassuna e me boquifechando diante do mutismo perturbador de Verissimo, mostrando, como sempre, que não é homem de jogar conversa fora. Ao redor, a meteorologia no seu melhor, enviando leves pancadas de chuva em momentos precisos, e vento sempre fresco, com dezoito nós e alguns laços – os da amizade. PS: Ah, e existe coisa mais nobre do que criar cabras? Ele cria. Coisas de grão-senhor.” 21



E N T R E V I S TA

Ao sol da prosa brasiliana São 9 horas da manhã na cidade do Recife. Estamos a 30 de setembro de 2000. A ameaça de chuva não se confirmou e ali, dentro daquela casa fincada na Rua do Chacon, número 328, onde Ariano Suassuna reside desde 1959, o calor só não se tornou insuportável graças aos janelões que recortam as paredes erguidas em 1870 e às árvores que abraçam a residência com despojamento e filtram ventos sutis. “Quando aqui está quente, quer dizer que o Centro torra”, assegura o proprietário, que antes de qualquer coisa faz questão de mostrar aos visitantes cada canto de sua moradia – esculturas e quadros da família e de amigos por toda a parte – e de apontar com orgulho o quintal imenso, em que dois filhos construíram suas casas e a terceira já está saindo do chão. Os visitantes – editores dos CADERNOS – estão lá para interrogá-lo. Não como o Corregedor a Quaderna n'A Pedra do Reino, mas por muitas horas (seriam seis), perguntas (mais de cem) e temas (concernentes aos hemisférios Rei e Palhaço que dividem a alma humana, na visão do depoente) a fio, cordel. Apesar disso, o sertanejo elegante e de irrepreensível cultura, renascentista por assim dizer, não apenas transforma, em galopados minutos, os seus interlocutores em confidentes, como também se submete à maratona com um misto de gentileza e profissionalismo. Escutem, pois, nobres Senhores e belas Damas, em paciente leitura, essa ensolarada prosa sobre amores e mortes, pais e filhos, mães e vinganças, deuses e culpas, peças e gravuras, Romantismo alemão e Lorca, Filosofia e Nordeste, Ética e Estética, Dom Hélder e Cervantes, política e romance, justiça e Miró, tradução e Mangue, repertório e massa, Joyce e Euclides, televisão e África, Hokusai e Ibéria, cinema e imprensa, medievalismo e Internet, Armorial e aulas, literatura e vida, esperança e, sobretudo, Brasil.

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esforço para recuperar a figura paterna através da literatura pode ter funcionado como uma “missão”, da qual o sr. jamais se sentiria no “direito” de se desviar em favor de outros temas?

CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA: Registre-se, para começar, que esta nossa conversa acontece sob o signo de algumas efemérides. Comemoram-se nada menos que os 30 anos da redação do Romance d’A Pedra do Reino, que o sr. terminou de escrever em outubro de 1970; o lançamento, também em outubro daquele mesmo ano, do Movimento Armorial, no Recife; os 70 anos da Revolução de 30, deflagrada em 3 de outubro de 1930, e o assassinato de seu pai, João Suassuna, seis dias depois, no Rio de Janeiro. Como o sr. vê o encadeamento desses fatos que marcaram tão fortemente a sua vida e a sua obra? Seria mera coincidência ou o sr. acredita que a relação entre eles possa ter outra natureza?

Ariano Suassuna: É verdade, esses livros que vocês citaram eram da biblioteca de meu pai. No meu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, está dito claramente que, como escritor, eu sou aquele mesmo menino que lia na biblioteca do pai. Uma das missões da minha literatura é essa que vocês apontam. Eu encaro a literatura como um esforço. E por isso me rebelo contra as pessoas que querem olhar o livro como um objeto de mercado. É claro que ele é um objeto de mercado, porque pode ser vendido, mas não é isso o que mais importa – pelo menos, não no meu caso. O que eu considero fundamental é o ato de escrever. Se, ao publicar o livro, eu tiver êxito junto ao público, tanto melhor. Mas eu digo a vocês com toda a sinceridade, não estou fingindo, não: para mim, o fundamental é o ato de escrever.

Ariano Suassuna: Bem, em certos pontos podem ser coincidências, mas em outros não. Se você for olhar, vai ver que eu concluí o Romance d A Pedra do Reino no dia 9 de outubro, data da morte do meu pai. Eu fiz questão de terminar no dia 9 de outubro de 1970, quando estavam se completando 40 anos do assassinato dele. Foi uma forma de homenagem. Já o Movimento Armorial era para ser lançado também no dia 9 de outubro, só que houve um impedimento da orquestra e fomos obrigados a adiar para o dia 18. Sou muito atento a esse negócio de datas, mas não chego a ser astrólogo como o Quaderna [personagem de seus romances, surgido em A Pedra do Reino], deixa isso pra ele. Por falar em A Pedra do Reino, eu comecei a escrevê-lo no dia 19 de julho, que é a data do aniversário da minha mulher, Zélia.

CADERNOS: Essa atitude de fidelidade ao ato de escrever tem feito com que decorra um longo período entre a redação de seus livros e a publicação. Isso não prejudica o leitor?

Ariano Suassuna: Por um lado, acredito que sim. Mas, por outro, meus possíveis leitores – não sou um escritor de muitos leitores; costumo dizer que sou um autor de poucos livros e poucos leitores –, esses acabam, de um modo ou de outro, tendo acesso ao que escrevo. Mesmo que eu não publique, tem um círculo de leitores que sempre lê o que escrevo.

CADERNOS: O sr. costuma atribuir ao seu pai pelo menos dois tipos de par ticipação no processo que o levou a se dedicar à carreira literária. Em primeiro lugar, foi na biblioteca de João Suassuna que o sr. descobriu leituras fundamentais – do Scaramouche, de Rafael Sabatini, e Os três mosqueteiros, de Dumas, a Os ser tões, de Euclides da Cunha. Mais do que isso, seus romances em especial parecem tentativas de “devolver a vida” ao seu pai. Assim, no seu caso, de certo modo, não se poderia falar, com o jargão psicanalítico, em “matar o pai”. Em que medida esse

CADERNOS: Este é um circuito antimoderno, o circuito da comunidade interessada.

Ariano Suassuna: É isso, pronto. Por essas coisas é que eu sou sempre chamado de arcaico. Outro dia tive uma surpresa enorme ao ler no texto de um crítico que tal livro era bom, “apesar de muito apegado à família” – como se isso fosse uma coisa ruim, negativa. Fiquei espantado porque para mim, a vida toda, a família foi um apoio muito grande. 24


CADERNOS: Se sua obra, em lugar de, muitas vezes, ser oferecida apenas a um grupo pequeno de leitores, tivesse uma circulação maior, bem mais ampla, ela não poderia contribuir para que as pessoas deixassem de acreditar nas coisas que o sr. condena, como a suposta “negatividade” da família?

alma ao diabo. E esse não é um problema nordestino nem local – é humano. CADERNOS: O sr. diria que o Auto da Compadecida é sua história mais universal?

Ariano Suassuna: Quando escrevi o Auto da Compadecida, eu era inteiramente desconhecido. Nunca pensei que a peça saísse do Recife. Naquela época, eu escrevia uma peça por ano, que jamais era montada ou editada, com uma única exceção [Cantam as harpas de Sião, levada ao palco por Hermilo Borba Filho em 1948]. De repente, foi aquela acolhida no Brasil, até chegar à Europa. Lembro que, na época das montagens francesa e espanhola, duas críticas me chamaram a atenção. O crítico francês escreveu que a história do enterro do cachorro já tinha sido usada por um conterrâneo dele; o espanhol observou que a história do cavalo que defecava dinheiro aparecia numa versão semelhante em nada menos que no Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

Ariano Suassuna: Olhe, de certa maneira, eu procuro um meio-termo. O que eu não aceito é fazer concessões. Por exemplo: fui procurado a vida inteira pela televisão e nunca permitia que minhas obras fossem adaptadas. Sabem por quê? Porque queriam que eu fizesse concessões e aí, se eu concordasse, estaria prestando um mau serviço ao público. CADERNOS: Mas não ofereciam ao sr. o direito de adaptar sua própria obra?

Ariano Suassuna: Até bem pouco tempo, não. A primeira vez que fui procurado, na década de 60, queriam que eu escrevesse uma novela sob determinados parâmetros. E vinham com aquele argumento de que eu nunca teria um público tão grande para um trabalho de minha autoria. Quando insistiam em adaptar minhas obras e eu dizia que só aceitaria se a música fosse do Quinteto Armorial, eles recuavam – tinham lá compromissos com multinacionais do disco. Era difícil. Eu dizia: “Aqui alguém vai precisar conceder e não serei eu”. O impasse durou, como vocês sabem, até a década de 90, quando surgiram as propostas de Luiz Fernando Carvalho e Guel Arraes, com quem me entendi perfeitamente.

CADERNOS: Naturalmente, nos dois casos as fontes foram as narrativas populares.

Ariano Suassuna: Sim, mas o francês pensava que era uma história popular do seu país, o espanhol pensava que a origem estava na novela picaresca espanhola – até que outro crítico espanhol mostrou que ambas eram do século XV. Tinham vindo do norte da África, com os árabes, alcançado a Península Ibérica e de lá vieram parar no Nordeste brasileiro. Quer dizer: eram histórias universais e atemporais.

CADERNOS: E no caso do cinema? CADERNOS: Isso explicaria o seu “arcaísmo”? Afinal, “arcaico” vem de arché, que em grego significa origem, fonte; arcaico, portanto, relaciona-se com arquétipo.

Ariano Suassuna: Bem, já tive três versões do Auto da Compadecida, não é? Eu acho que aí há uma comunicação que vem do meu teatro. O povo brasileiro entende o meu teatro – e não estou com isso fazendo um auto-elogio. Esse entendimento vem das histórias populares, nas quais me baseio. Eu pensava que essas histórias fossem locais. Mas não. São universais, simbólicas. Quando o Padre do Auto da Compadecida se deixa subornar para fazer o enterro do cachorro em latim, o que é isso? É o velho mito de Fausto, não? Ele está vendendo a

Ariano Suassuna: Eu tenho a maior convicção de que, com os elementos da chamada arte arcaica, a gente pode fazer uma arte que se projeta até para o futuro. CADERNOS: Por que ela está mais próxima da visão inaugural, do primeiro olhar? 25


tínha mos cons ciên cia da situa ção que ela enfrentava com coragem e, se quisesse dar um desgosto a minha mãe, era só chegar perto dela se lamuriando da vida. Ela foi muito forte. Mamãe era nordestina, profundamente enérgica e profundamente meiga. Vou dizer uma coisa e vocês me entenderão melhor. Minha mãe usou luto a vida inteira, mas não deixou a gente usar. Ela dizia que se vestia de preto como uma forma de protesto, mas não queria alimentar aquilo na gente.

Ariano Suassuna: Sim, pronto. Eu fui muito criticado porque afirmei aqui um dia que um grande artista de vanguarda do século XX como Joan Miró tinha a mesma visão estética dos pintores das cavernas. Mas o próprio Miró chegou a dizer, textualmente, que depois da arte das cavernas tudo é decadência. Eu não sou tão exagerado quanto ele; não creio que tudo seja decadência, mas acho que a arte das cavernas tem a mesma validade estética de qualquer outra arte. E não é como as pessoas dizem, às vezes, que aquela é uma pintura de valor mágico feita para capturar a caça. Não existe comunidade que não tenha arte. O problema do homem das cavernas era estético, do mesmo jeito que o nosso. Pois bem, o arcaico permanece porque ele é contemporâneo e eterno, diferentemente dessas artes ditas de vanguarda e que não são – em dois anos, viram retaguarda.

CADERNOS: E o que o sr., conforme ia amadurecendo, pensava disso?

Ariano Suassuna: Meus pais eram católicos, tanto que se casaram na igreja. Mas minha avó, quando adoeceu – acho que ela teve um câncer; naquela época falava-se em tumor, mas hoje acredito que tenha sido um câncer –, foi operada por um médico americano, um tal dr. Butler, que era protestante. Com isso, ela acabou se convertendo ao protestantismo. Minha mãe a acompanhou nessa crença e eu acabei sendo educado num colégio protestante. Na adolescência, rompi com tudo. Quando li Os irmãos Karamazov, de Dostoiévski, encontrei uma frase que foi decisiva para mim. Lá estava escrito que se Deus não existisse tudo era permitido. Eu achava que nem tudo era permitido, então, pensei, isso quer dizer que Deus existe. Comecei a olhar Deus de outro modo e, ao conhecer a obra de Miguel de Unamuno, me tomei de admiração por ele, que era um católico heterodoxo, exatamente como eu precisava (pois Dostoiévski era um católico ortodoxo). Pois bem: protestante ou católico, ortodoxo ou heterodoxo, não importa, todos eles lidam com a morte do mesmo modo, quer dizer, aceitam porque acreditam na existência de Deus. Eu digo com franqueza: não foi fácil, para nenhum de nós, aceitar o assassinato do meu pai, mas minha mãe não queria que a gente se alimentasse de ódio. Ela não disse, irresponsavelmente, durante muito tempo, que perdoava o assassino de papai. Demorou muito para que ela um dia chegasse e dissesse que tinha perdoado o criminoso.

CADERNOS: O “arcaico” seria mais verdadeiramente “humano”?

Ariano Suassuna: Exatamente. Os problemas fundamentais do homem estão lá. E o homem é igual em qualquer canto, em qualquer época. O que varia são as circunstâncias através das quais cada comunidade realiza o humano. CADERNOS: Se a presença da figura do pai é muito forte em sua literatura, o mesmo não acontece com a figura da mãe – como, de resto, com o elemento feminino, ao qual não cabe qualquer protagonização no romance A Pedra do Reino, sua obra capital. Como foi sua relação com Dona Rita de Cássia Dantas Villar Suassuna, sua mãe?

Ariano Suassuna: Foi extraordinária. E vou discordar um pouquinho de vocês. Eu não acho que a presença feminina seja menos marcante na minha obra do que a masculina. Talvez – voltando a Freud – a forte presença masculina tenha a ver com a maneira como meu pai morreu. Só isso. Mas a presença feminina também é forte. Minha mãe foi uma figura excepcional. Vocês vejam, ela ficou viúva aos 34 anos com nove filhos e assumiu de tal maneira a família que a gente nunca discordava dela. Todos nós

CADERNOS: Quando foi isso? 26


dade – mas sustentava a sua posição com bom humor e aquilo me tocava bastante. Então, quando fui me crismar, chamei o Carlos para padrinho.

Ariano Suassuna: Depois do meu casamento; eu já tinha até filhos. CADERNOS: E o sr., perdoou?

CADERNOS: O sr. disse que A Pedra do Reino funcionou como uma expiação. De que maneira isso aconteceu?

Ariano Suassuna: Esse é um processo que ainda está em curso. Inclusive, a purificação trazida pelo Romance d A Pedra do Reino me ajudou muito. Mas deixa eu voltar para a questão que levantou tudo isso, a presença feminina na minha obra. Eu não sei se vocês repararam, mas eu acho que o Deus dos calvinistas é excessivamente parecido com o Deus dos judeus, quer dizer, é um Deus muito masculino e paterno. E eu sentia a falta da presença feminina e materna, da virgindade, está certo? Foi isso que eu procurei na Igreja Católica através da figura de Nossa Senhora – e é aí que eu digo a vocês que, numa peça como Auto da Compadecida, a presença feminina é fundamental. Ela está lá, bastante marcada, para dar o equilíbrio, entende? Pronto. Agora vou lhes dizer outra coisa: quando eu comecei a me reaproximar da figura do Deus Criador, me faltava uma coisa – me faltavam as mulheres. Foi nisso que minha mulher, Zélia, desempenhou um papel importantíssimo – e ela era católica. Nesse plano do catolicismo, também foi fundamental para mim um colega de turma chamado Carlos Frederico do Rego Maciel (ele era primo de Marco Maciel). Católico absolutamente convicto, ele era ridicularizado em toda a universi-

Ariano Suassuna: Vou explicar para vocês a gênese d A Pedra do Reino. No início dos anos 50, eu tentei primeiro escrever uma biografia do meu pai que se chamaria Vida do presidente Suassuna, cavaleiro sertanejo. Eu tinha esse projeto, mas não consegui escrever. Era uma carga de sofrimento muito grande. Tentei outro gênero, que era um pouco mais distanciado – a poesia. Tentei escrever um poema longo chamado “Cantar do potro castanho”. Isso foi por volta de 1954. Não consegui também. Aí eu disse: deixa isso pra lá, não vou bulir com isso mais não. Então, em 1958, comecei a tomar notas para um romance longo, que era A Pedra do Reino. Fiz mais de uma versão d A Pedra. CADERNOS: O sr. mostrava o que ia fazendo para alguém?

Ariano Suassuna: Sim, como faço até hoje. Dei uma das versões para minha irmã Germana ler. É uma pessoa de quem eu gosto e na qual confio muito. Um dia, ela me disse: “Ariano, você já

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notou que a morte do padrinho de Quaderna é a morte de João Dantas?” João Dantas era primo da minha mãe e assassinou João Pessoa. Foi por causa da morte de João Pessoa que a família dele pensou em matar meu pai, acusado de ser o mandante. Foi só quando Germana me disse aquilo que eu me dei conta de que a morte do padrinho de Quaderna, aquela morte impossível de ser cometida, em quarto fechado, era a morte de João Dantas. Ele morreu aqui, na Detenção, que hoje é a Casa de Cultura. E, vejam vocês, eu vim visitá-lo com minha mãe no dia 3 de outubro de 1930, porque no dia 30 de setembro tinha morrido o pai dele. A gente estava refugiado aqui em Paulista. Mamãe foi comigo e com meu irmão João até a Casa de Detenção e lembro que fiquei impressionado com a altura das escadas e com o tamanho das chaves que abriram a cela. Eu lembro também que João Dantas estava de meia e chinelos, coisa que não se usava muito. Ele estava numa mesa jogando baralho. Vejam bem: era 3 de outubro, ia estourar a Revolução de 30; as tropas da Paraíba depuseram o governador, tomaram o poder e desceram para cá. Aqui, tomaram a cadeia e, na madrugada do dia 6, João Dantas foi encontrado com a garganta cortada, na cela do terceiro andar da Detenção. Até hoje a gente tem certeza de que ele foi assassinado e o outro lado diz que foi suicídio. Depois que Germana me falou aquilo, eu acentuei os detalhes para aproximar as duas mortes e fiz essa versão que vocês conhecem.

sociedades fechadas rurais e arcaicas. No município onde meu pai nasceu, Catolé do Rocha, existem duas famílias, os Suassuna e os Maia, que brigam a vida toda, desde o século XIX. É o arcaico que permanece. O conflito dos Kennedy, católicos irlandeses, com a sociedade protestante anglo-saxônica, o que é aquilo? E olhe, acontecendo num país considerado o “padrão da modernidade”. Mas o arcaico está lá, não é verdade? Por sorte ou por azar, eu tive tudo isso dentro de casa. Tudo isso dentro de casa, antes de fazer qualquer opção. E vejam, de novo, a sabedoria de mamãe. Ela não permitiu que a gente se alimentasse daquele ódio: tirou a gente de lá. Mamãe se mudou para o Recife para tirar a gente daquele círculo de vingança. CADERNOS: Para interromper o ciclo da dívida de sangue.

Ariano Suassuna: Exatamente. E ela fez isso tão bem que, até os meus 50 anos, eu não sabia que o assassino do meu pai estava vivo. Ela dizia que ele tinha morrido. CADERNOS: É a mulher compassiva do Auto da Compadecida?

Ariano Suassuna: Isso, pronto. CADERNOS: E como o sr. soube que o assassino do seu pai estava vivo?

Ariano Suassuna: Soube por terceiros. O criminoso se chamava Miguel Alves de Souza, era um pistoleiro. Meu pai estava saindo, de manhã, com um amigo – Caio Gusmão –, do hotel onde se hospedava, na Rua Riachuelo, no Centro do Rio. Ia para uma sessão da Câmara. Miguel atirou pelas costas. Foi preso dois ou três dias depois, mas se livrou da cadeia em menos de um mês e foi para a Paraíba. Minha mãe denunciou o caso a Getúlio Vargas e o pistoleiro foi preso de novo e condenado em 1931. Pegou quatro anos, mas ganhou liberdade depois de cumprir metade da pena e voltou para o Rio. Quando eu soube que ele estava vivo, perguntei a minha mãe: “A sra. dizia pra gente que o Miguel tinha morrido, por quê?” Ela respondeu: “É verdade, meu filho, eu menti. Precisava tirar esse peso

CADERNOS: Sua família está no centro de alguns capítulos importantes da História do Brasil. E eles se referem a coisas arcaicas. A dívida de sangue, por exemplo, é um padrão arcaico e universal. Veja o caso do albanês Ismail Kadaré, um estudioso da Grécia – tem, inclusive, um livro sobre Ésquilo. Kadaré escreveu Abril despedaçado, que trata do círculo fechado da vingança, um assunto presente na Europa e no Nordeste brasileiro. Tanto que uma adaptação do romance está sendo filmada por Walter Salles.

Ariano Suassuna: É verdade. Essas dívidas de sangue de que você fala muito bem estão presentes nas 28


ra./Toda vez que eu canto ele/Vêm dez mil réis pra algibeira./Hoje estou dando por cinco,/Talvez não ache quem queira”. É por aí. E lá ele diz que procura enfrentar a vida através do riso a cavalo e do galope do sonho. Quer dizer: essas são as duas faces, os dois hemisférios da alma do homem. Isto, para mim, é um princípio.

de vocês”. Pouco antes de morrer, minha mãe deu uma entrevista procurando inocentar o mandante. Eu tenho a impressão de que ela fez isso ainda temendo que a gente pudesse agir movido por um sentimento de vingança, de dívida de sangue. CADERNOS: O Romance d A Pedra do Reino não é um tipo de vingança de sua parte?

CADERNOS: Essa é uma noção próxima da ironia dos românticos alemães: a sabedoria que há no riso.

Ariano Suassuna: Não. Eu acho que é mesmo uma tentativa de recuperação. Por isso eu acho o nome Pedra muito importante. É como se eu encaixasse uma pedra angular para erguer um monumento ao meu pai.

Ariano Suassuna: Exatamente. Além do cômico, eu tenho um interesse muito grande pelo humorístico, que talvez seja o mais difícil dos gêneros cômicos. As pessoas normalmente têm uma idéia errada do humorismo; elas falam dos “humoristas” da TV – ora, humorista foi Cervantes, era Machado de Assis. No humorismo, você funde a delicadeza poética mais refinada ao riso. Eu não posso ser o meu próprio crítico, mas digo a vocês que o que tentei n A Pedra do Reino foi um romance humorístico, uma novela humorística, épica e humorística. Agora, na peça O santo e a porca, a gente passa o tempo todo rindo e o final é doloroso e triste.

CADERNOS: Sabe-se que em sua infância o “espaço do sonho, da fantasia” foi assegurado pelo circo e pela literatura. Consta que o sr. chegou a pensar em se empregar num circo – e só não o fez por proibição expressa de sua mãe. Mais tarde, já nas primeiras peças, o sr. acreditou ter encontrado um meio de unir aqueles dois universos através da palavra. Foi isso?

Ariano Suassuna: Eu acho que sim. Veja que até A Pedra do Reino – que é uma obra mais literária que circense – tem esse lado. O circo ainda hoje é uma coisa muito importante para mim. Isso porque eu acho que existem, na alma humana, dois hemisférios: o hemisfério Rei e o hemisfério Palhaço. No hemisfério Rei, eu coloco tudo o que há de mais elevado e nobre. Se a pessoa exacerbar o hemisfério Rei, ela cai numa excessiva crueldade, torna-se uma pessoa autoritária. Um rei como Felipe II não tinha nada de hemisfério Palhaço – e chegou a matar o próprio filho por causa da disputa de poder, uma monstruosidade. É o hemisfério Palhaço que equilibra o hemisfério Rei, e isso se dá através do riso. Na continuação d A Pedra do Reino, da qual eu só publiquei Ao sol da Onça Caetana, o personagem se vê como um cruzamento de rei e palhaço. Também não sei se vocês repararam, mas o Palhaço da Compadecida representa o autor. Ele se apresenta como palhaço e acaba como cantador, cantando um verso de uma das histórias populares nas quais me baseei: “Meu verso acabou-se agora,/Minha história verdadei-

CADERNOS: O sr. foi um jovem algo “renascentista” – tocava piano, pintava, escrevia. No entanto, o sr. mesmo conta que a certa altura percebeu a necessidade de se entregar a uma só atividade – e então decidiu-se pela literatura. Por quê? Foi uma questão de vocação propriamente dita ou de entendimento de que na literatura poderiam confluir todas as manifestações artísticas que lhe interessavam?

Ariano Suassuna: Foram as duas coisas. Em primeiro lugar, eu vi que não podia, no século XX, atuar como um artista da Renascença. Na juventude, eu fiz pintura, escultura, música – e aí percebi que precisava escolher. Descobri, então, que fundamental para mim é a literatura. Mas veja bem: nunca deixei totalmente de lado as outras artes. Com A Pedra do Reino, pela primeira vez, consegui reunir duas delas. Fiz as gravuras que aparecem no livro. Originalmente, eu 29


seqüencial. No momento da fusão, haveria uma aproximação das categorias espaçotempo, que – pelo menos do ponto de vista kantiano – são inteiramente distintas. O sr. acha realmente possível fazer isso?

Ariano Suassuna: Eu não gosto de Kant, e um dos motivos é esse. Ele dizia que nós não podemos afirmar a realidade exterior, que aquele jasmineiro é uma coisa para mim, outra para você, outra para ele. Mais do que isso, ele acreditava que eu nem sequer posso provar que a imagem que eu tenho corresponde ao real. Entrou em cena, então, um relativismo ontológico, a ponto de um dramaturgo como Pirandello escrever Assim é se lhe parece. Pois eu pensei em escrever uma peça chamada Pareça ou não pareça, que teria um pensador kantiano, discutindo esse assunto. É muito fácil você discutir se aquele jasmineiro, se a imagem daquele jasmineiro, corresponde ou não ao real. O jasmineiro está quieto, no canto dele. Mas eu garanto que, se fosse uma onça que entrasse aqui, nem Kant iria perguntar se por acaso se tratava de uma correspondência com o real. Essa compartimentação que Kant e seus discípulos fizeram não me parece boa, pois ela levou a uma idéia de pureza de cada arte – e isso terminou conduzindo a uma esterilidade. Vocês vejam, por exemplo, quando começaram a definir o que era pintura. A obra de arte é uma coisa de natureza complexa e impura. O Hamlet, por exemplo, tem momentos de trocadilhos obscenos, cômicos; agora, evidentemente, as passagens trágicas são preponderantes. Por isso, a peça é uma tragédia. Uma coisa é o trágico, a categoria estética, e outra, a tragédia. Pois bem: começaram a definir pintura como cor sobre tela e expulsaram a figura. Com a figura marginalizada, entronizou-se a própria cor – Mondrian, para quem outra forma que não fosse o retângulo já significava impureza; Malevitch, que dizia que a própria cor era impureza. Isso, a meu ver, foi mortal para a arte, porque ela começou a se isolar.

tinha pensado em pedir as gravuras para o [Gilvan] Samico, mas ele esta va via jan do. Lembrei também que, se as gravuras fossem dele, precisaria assinar “Samico”, e eu queria que elas aparecessem como sendo de autoria do personagem. Depois d A Pedra, eu me aprofundei no trabalho e cheguei às iluminogravuras. CADERNOS: Suas iluminogravuras, que misturam os processos modernos de gravura com as iluminuras medievais, trazendo poemas escritos à mão, representam, de algum modo, um esforço em conciliar a faceta que o sr. considera mais importante de sua produção literária com seu talento para a gravura, numa tentativa de fazer com que uma atinja o nível da outra?

Ariano Suassuna: De certo modo, pois a obra plástica vem da literária. É das imagens da literatura que surgem as ilustrações, e não o contrário. CADERNOS: Em relação a essa idéia de fundir artes plásticas e literatura, há uma passagem de Thomas Mann em que ele discute a especificidade do universo da pintura – a pessoa olha um quadro de Rafael e a percepção é imediata, olha-se o conjunto, ele se entrega imediatamente; na literatura, ao contrário, a tem po ra li da de é suces si va,

CADERNOS: A confluência das artes é um pressuposto do Movimento Armorial.

Ariano Suassuna: Exatamente. Por isso também ele é uma contestação. 30


Marco Maciel: O poeta, o romancista, o dramaturgo, o teorizador/formulador cultural convergem na ampla personalidade de Ariano Suassuna. Qual desses Arianos é o seu preferido (ou mais querido) em seus atos de criação?

onde o sangue se queima aos olhos de fogo da Onça-Malhada do Divino. Faça isso, sob pena de morte! Mas sabendo, desde já, que é inútil. Quebre as cordas de prata da Viola: a Prisão já foi decretada! Colocaram grossas barras e correntes ferrujosas na Cadeia. Ergueram o Patíbulo com madeira nova e afiaram o gume do Machado. O Estigma permanece. O silêncio queima o veneno das Serpentes e, no Campo de sono ensangüentado, arde em brasa o Sonho perdido, tentando em vão reedificar seus Dias, para sempre destroçados”. De certa maneira, esse não é apenas o núcleo do livro, é a poética de toda a minha obra.

Ariano Suassuna: É muito difícil fazer essa escolha. Mas, atualmente, se eu fosse forçado a fazer uma escolha, considerando o que já publiquei, ficaria com o romancista – até porque, não sei se vocês repararam, mas A Pedra do Reino é uma enorme peça de teatro, com três personagens principais: Quaderna, o Corregedor e Margarida. CADERNOS: A propósito, como o sr. situa essa personagem?

CADERNOS: Esse era um texto que o sr. já tinha ou foi escrito para isso, no momento em que o sr. preparava o “Folheto XLIV”?

Ariano Suassuna: Quaderna fica o tempo todo tentando impressioná-la. Tudo o que ele faz lá é para se mostrar para ela, para ver se consegue seduzir aquele coração de pedra. No final da trilogia – vou fazer aqui uma revelação – eles acabam se casando. Mas, voltando à razão da minha escolha: n A Pedra, existe também uma dimensão poética. Se vocês repararem, tem uma passagem, no “Folheto XLIV”, que é um poema em prosa que, a meu ver, é o núcleo do romance. É “A visagem da Moça Caetana” [veja o manuscrito às páginas 85 e 86]. Vou ler: “A Sentença já foi proferida. Saia de casa e cruze o Tabuleiro pedregoso. Só lhe pertence o que por você for decifrado. Beba o Fogo na taça de pedra dos Lajedos. Registre as malhas e o pêlo fulvo do Jaguar, o pêlo vermelho da Suçuarana, o Cacto com seus frutos estrelados. Anote o Pássaro com sua flecha aurinegra e a Tocha incendiada das Macambiras cor-de-sangue. Salve o que vai perecer: O Efêmero sagrado, as energias desperdiçadas, a luta sem grandeza, o Heróico assassinado em segredo, O que foi marcado de estrelas – tudo aquilo que, depois de salvo e assinalado, será para sempre e exclusivamente seu. Celebre a raça de Reis escusos, com a Coroa pingando sangue; o Cavaleiro em sua Busca errante, a Dama com as mãos ocultas, os Anjos com sua espada, e o Sol malhado do Divino com seu Gavião de ouro. Entre o Sol e os cardos, entre a pedra e a Estrela, você caminha no Inconcebível. Por isso, mesmo sem decifrá-lo, tem que cantar o enigma da Fronteira, a estranha região

Ariano Suassuna: Eu fiz o poema para isso, nesse momento do romance, como se fosse uma chave, a chave de um enigma. CADERNOS: Esse enigma, essa obscuridade, teve a intenção de levar ao Sublime – quer dizer, de aproximar a estranheza do maravilhoso, como em Longino...?

Ariano Suassuna: Exatamente. CADERNOS: ...Sublime diferente do Belo, como acreditava Kant?

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sentar da carreira de professor e criar cabras no sertão. No caso do mentiroso, eu acho que é natural: todo escritor é um pouco mentiroso, um pouco Chicó – o mentiroso que mente não para prejudicar alguém, mas por amor à arte de mentir. Aqui tem um mentiroso, não vou dizer o nome, que me falou que o pai dele era o maior produtor de mel do sertão porque tinha conseguido fazer o cruzamento de abelha com vaga-lume – e os “mestiços” trabalhavam de dia e de noite!

Ariano Suassuna: Isso, estou de acordo. Mas nesse momento estamos falando do hemisfério Rei do Quaderna. Eu sei que o mundo é um enigma perigoso, daí essa tentativa de decifração através do romance. CADERNOS: A atitude da arte é, portanto, a mesma da filosofia?

Ariano Suassuna: Eu acho. Ambas têm uma origem comum. Essa origem se situa na noite criadora da vida pré-consciente do intelecto. Essa intuição é a mesma no filósofo e no artista. A partir daí é que os caminhos divergem.

C ADERNOS : Embora seu pri mei ro texto publicado tenha sido um poema, e apesar de ter-se dedicado sempre à poesia, que sustenta ser a parte mais impor tante de sua obra, o sr. publicou poucos trabalhos neste gênero. Por quê?

CADERNOS: Um é mais Rei e outro mais Palhaço?

Ariano Suassuna: Eu acho que sim. O poeta é mais Palhaço. Vejam, de novo, o caso do Palhaço da Compadecida: é palhaço no começo e cantador, poeta, no final.

Ariano Suassuna: Eu estava reservando minha poesia para um conjunto maior – como, por exemplo, o romance que estou escrevendo agora, no qual pretendo, pela primeira vez, unir mais explicitamente ficção, teatro e poesia. Eu não queria que a minha poesia aparecesse de forma fragmentada, porque ela faz parte de um conjunto.

CADERNOS: Numa entrevista recente, o sr. disse o seguinte: “Acho que todo mundo tem vários pólos de personalidade, na minha já contei uns sete”. O sr. poderia dizer quais são?

CADERNOS: Só para esclarecer – neste novo romance, o sr. vai estar presente também como gravador?

Ariano Suassuna: De certa maneira, eu coloco os sete dentro do hemisfério Rei e do hemisfério Palhaço. Eu tenho dentro de mim um cangaceiro manso, um palhaço frustrado, um frade sem burel, um mentiroso, um professor, um cantador sem repente e um profeta. E é claro que alguma coisa da personalidade, ou das personalidades de um autor, vai aparecer na sua obra. Eu acabei de falar, por exemplo, que sou um cangaceiro manso. Vocês lembram que no Auto da Compadecida aparece o cangaceiro Severino do Aracaju, um sujeito que eu conheci. As pessoas pensam que o Aracaju é de Sergipe, mas não, é porque ele morava num sítio no sertão da Paraíba que tinha esse nome. A certa altura, Severino diz que estava descobrindo que o negócio de reza andava prosperando em Taperoá. Então chega a imaginar que o bispo poderia demitir o sacristão e nomeá-lo para o lugar dele – que assim aposentaria o rifle e iria comprar umas terrinhas e criar bodes. Ora, quando vi isso, me dei conta de que aquele era um sonho meu, me apo-

Ariano Suassuna: Já estou. As iluminogravuras foram uma preparação só pra isso. CADERNOS: Por que o sr. acredita que a poesia deva ser um gênero “mais hermético”?

Ariano Suassuna: Em primeiro lugar, é uma questão de gosto. Eu não gosto de poesia muito clara. Então, a minha poesia é carregada de imagens, de metáforas, portanto, meio difícil. Schelling dizia que a poesia é feita dos melhores momentos e dos melhores espinhos. E não é? CADERNOS: E onde entra a tradição popular?

Ariano Suassuna: Eu acho que tenho conseguido, inclusive nesse romance novo, conciliar as duas coisas. 32


CADERNOS: Há um apego muito forte ao Simbolismo na sua poética, todo aquele uso de substantivos com iniciais maiúsculas...

CADERNOS: N A Pedra do Reino, o personagem Quaderna diz haver as seguintes qualidades de poetas: poetas de sangue, de ciência, de cavalgação e reinaço, de pacto, de entradas e encruzilhadas, de memória e de planeta. Ele orgulha-se de ser o único a possuir todas essas qualidades. E o poeta Ariano Suassuna, quais dessas qualidades possui?

Ariano Suassuna: Ao Simbolismo, ao Barroco – e à poesia de cordel. Tenho aqui folhetos de cordel em que esse recurso da maiúscula é largamente utilizado. CADERNOS: O Simbolismo seria, na sua opinião, uma forma de aproximar o hermético do cordel?

Ariano Suassuna: Eu não sei. Isso é coisa de Quaderna. É tão pretensioso! Eu espero não ser tão megalomaníaco quanto ele. Pretendo, sim, criar uma obra, como esse novo romance de que falei a vocês, que possibilita o encontro de várias artes, mas num sentido natural, com aqueles ciclos da literatura popular que o Quaderna menciona, mas sem ser pretensioso como ele.

Ariano Suassuna: Veja bem, na própria poesia popular, às vezes, você tem esse hermetismo. Vou lhes dizer uma décima popular, veja que coisa mais linda: “No tempo em que os ventos suis/faziam estragos gerais/fiz barrocas nos quintais/semeei cravos azuis/nasceram esses tatus/amarelos como cidro/Prometi a Santo Izidro/com muito jeito e amor/levá-los como uma flor/em uma taça de vidro”. É uma décima surrealista, não é? E é uma coisa popular – quer dizer, o público tem também atração pelo obscuro.

CADERNOS: O sr. fala na Iniciação à Estética que mais importante do que conhecer o corpus completo da filosofia é conhecer bem um livro. O sr. diz que, no seu caso, foi uma obra de Nietzsche. Qual?

CADERNOS: Em A morte de Virgílio, de Hermann Broch, aparecem momentos de prosa poética e longos poemas, com um resultado extraordinário. Nesse texto de altíssima fatura, não aparece, porém, o teatro. Gostaríamos de saber em que medida o sr. acha que essa forma invade os seus romances.

Ariano Suassuna: Já foi falado aqui, com muita agudeza, da minha ligação com os românticos alemães. Mas minha maior influência do pensamento alemão foi Nietzsche. Muito Hegel, sim, mas sobretudo Nietzsche. Dele, o primeiro livro que me tocou foi A origem da tragédia. E, logo depois, Assim falou Zaratustra.

Ariano Suassuna: Não conheço A morte de Virgílio, mas entendo que um romance tem enredo e nesse enredo cabem representações, pequenas encenações mesmo, dos personagens. Eu disse há pouco que Quaderna representa para atrair a atenção de Margarida. É isso.

C A DER NOS : A Pe dra do Rei no, aliás, tem um tom enun cia tó rio, es pe cial men te nas fa las de Qua der na ao Corregedor, que lem bra o Za ra tus tra.

Ariano Suassuna: É verdade. Eu nunca tinha percebido isso. Mas pode ter vindo de lá, mesmo que ele parta de frases do Antônio Conselheiro.

CADERNOS: Esta sua noção de obra total, que está sendo levada a cabo no novo romance, parece ir ao encontro daquilo que Thomas Mann pregava para esse gênero. Segundo ele, o ro man ce mo der no só so brevi ve ria se adquirisse o formato de uma sinfonia de gêneros. O sr. concorda?

CADERNOS: De que maneira o sr. tinha acesso aos autores estrangeiros? O sr. já estudava outros idiomas na juventude?

Ariano Suassuna: Penei muito. Comecei lendo edições espanholas e argentinas. Foi através delas, por exemplo, que tive contato com García Lorca.

Ariano Suassuna: É isso mesmo. O espírito da música é fundamental. 33


cê para a Revista Deca, então órgão do governo pernambucano, intitulada: Ariano Suassuna: Uma coletânea popular. Era a primeira par te da coleção “Romances do Ciclo Heróico”, que teria um total de três. Você nunca pensou em fazer uma publicação de maior circulação para estes textos, que pudessem ratificar sua fidelidade às fontes populares de seu próprio trabalho?

Depois fui estudando outros idiomas. Mas lia principalmente em espanhol e francês. CADERNOS: O sr. citou Lorca e é sabida a sua ligação com o teatro dele. Porém, e o García Lorca de O poeta em Nova York?

Ariano Suassuna: Desse eu não gosto. Eu sempre achei inferior. Não foi aquela fase que me tocou.

Ariano Suassuna: O que eu fiz ali foi um trabalho que não era da minha especialidade. Eu não me considero um crítico nem um pesquisador; eu sou um escritor que apenas gosta dessas outras atividades. O que me cai na mão, eu procuro refletir. Então, naquela época, eu exercia uma função pública, era assessor do Departamento de Extensão Cultural da Secretaria de Estado. Achei que deveria divulgar o folheto de cordel e comecei aquele trabalho. Como sempre acontece, quando a diretoria saiu, mudou toda a política e o projeto ficou apenas naquilo que eu havia feito.

CADERNOS: E os autores americanos?

Ariano Suassuna: Na literatura americana, eu aprecio poucos escritores. Gosto de Herman Melville, Henry James e William Faulkner. CADERNOS: Faulkner, por exemplo, tem uma fase mais experimental.

Ariano Suassuna: É verdade, mas esse não é o Faulkner que eu aprecio. Prefiro o Faulkner de Luz de agosto ao romancista de O som e a fúria. Neste livro, ele faz uma coisa parecida com o pessoal do antiteatro.

Moacyr Scliar: Em primeiro lugar, as saudações deste admirador tão distante, geograficamente falando, quanto entusiasta de sua obra. Como você vê hoje o regionalismo na literatura brasileira?

CADERNOS: No caso de Melville, o que o atrai é a intensidade de Moby Dick, que se apresenta, a exemplo d’A Pedra do Reino, como um esforço de decifração, de chave do enigma?

Ariano Suassuna: Eu comecei a discordar do regionalismo ainda na década de 50. Mesmo sem ter formulado teoricamente a minha discordância, eu já me opunha ao regionalismo, que a meu ver se apresentava como um neonaturalismo. Naquela época, eu estava escrevendo o Auto da Compadecida; as pessoas me perguntavam se era uma peça regionalista – e eu dizia que sim, só para facilitar.

Ariano Suassuna: Eu acho Moby Dick uma obra típica da cultura americana, é a expressão dos Estados Unidos. Eu nunca concordei que o mal pudesse estar encarnado na baleia. Para mim, o mal está em Ahab. É um livro calvinista. CADERNOS: É calvinista e lembra a história de Jonas no ventre da baleia. Quer dizer: tem uma carga mitológica.

CADERNOS: E, obviamente, como já foi dito, é uma obra universal.

Ariano Suassuna: Sim, vem diretamente do Velho Testamento. E voltamos ao que dissemos antes, sobre o fato de o Deus protestante ser parecido com o meu Deus.

Ariano Suassuna: Eu tinha certeza, já em 1955, quando estava escrevendo o Auto, que a peça podia ter alguns pontos de contato com o nosso José Lins do Rego – o fato de a ação se passar no sertão, de aparecer um cangaceiro –, mas ao mesmo tempo eu tinha consciência de que era algo diferente, que a proposta era diferente. A peça tem um elemento

João Alexandre Barbosa: Em 1963, escrevi um ar tigo sobre a coletânea de poesia popular organizada, prefaciada e anotada por vo34


mágico, circense, que não era regionalismo. Era uma herança que havia em mim do romanceiro popular. Então comecei a discordar do regionalismo. Eu acho, por exemplo, que meu romance A Pedra do Reino não é regionalista, como se diz por aí. Eu já ouvi que A Pedra é um romance rural. Discordo. Ele se passa numa cidadezinha do interior, porém os problemas que aparecem ali não são do romance rural. A Pedra saiu em 1971 e a ação se passa em 1938; pois bem: a certa altura no livro, um jovem padre, ligado ao arcebispo, é assassinado. Este era um drama vivido pelos jovens padres ligados a Dom Hélder Câmara, não tinha nada a ver com a década de 30. Então, aquilo não é um romance rural, a Taperoá que aparece ali não é só Taperoá, é Recife, é qualquer cidade do mundo.

Eu preciso de horizontes mais amplos – tanto assim que a maioria das pessoas considera Dom Casmurro a obra-prima de Machado e eu não, prefiro o Quincas Borba. Para mim, não tem nada dele que chegue perto. É um livro mais amplo, ali ele se soltou – e há um doido como personagem (e eu tenho uma enorme simpatia por doidos). Vocês lembram a hora em que o Rubião morre e o narrador diz que, no caso dele, não existia nenhum objeto palpável para se coroar, que não existia “nem uma bacia”? Isso é uma alusão a Dom Quixote; veja aonde chega esse livro. De qualquer maneira, se vocês me perguntassem qual escritor eu tenho como patrono, como modelo, diria Euclides da Cunha. Posso reconhecer, e reconheço, todos os defeitos de interpretação dele, mas vejo Os sertões como uma grande obra literária.

CADERNOS: E quanto à importância da literatura regional para o Brasil?

CADERNOS: É o grande livro do cânone brasileiro?

Ariano Suassuna: Sim, prestando minha homenagem a Moacyr Scliar, respondo que o romance regionalista, nos termos do neonaturalismo ao qual acabo de me referir, esse não tem mais a ver, nunca teve.

Ariano Suassuna: É. Uma vez escrevi sobre Guimarães Rosa e citei a presença de Euclides. Quando ele enumera os jagunços, aquilo é de Os sertões. Tem alguns nomes que Rosa põe até em comum com Euclides. É o caso de Pedrão; esse nome está lá, em Euclides da Cunha.

CADERNOS: A sua postura é semelhante à de Guimarães Rosa? O sr. vê pontos de convergência entre Grande ser tão: veredas e A Pedra do Reino?

Marco Maciel: Qual a importância da cultura nordestina dentro do quadro geral da cultura brasileira?

Ariano Suassuna: Quanto ao regionalismo, sim; vejo pontos de convergência entre nós. Acho Guimarães Rosa um escritor de importância mundial. Quanto às aproximações propriamente literárias, digo o seguinte: houve um tempo em que as pessoas reclamavam porque eu não escrevia como Graciliano Ramos; depois reclamaram porque eu não escrevia como Rosa. Gosto profundamente dos dois, mas, naturalmente, não sou nenhum deles. No Grande sertão, eu acho que houve um equilíbrio muito grande entre a revelação daquele universo extraordinário e a linguagem. Em outras obras, acho que Rosa exagerou um pouco na linguagem. Tutaméia, por exemplo, me parece amaneirado. Mas Grande sertão é uma coisa extraordinária. Eu tenho minha personalidade, sou incapaz da concisão.

Ariano Suassuna: Vou responder com uma frase que para mim é muito importante, e não foi dita nem por um nordestino nem por um mineiro. Foi dita por um grande brasileiro, nascido e criado no Rio de Janeiro e que se chamava Alceu Amoroso Lima. Um dia ele me disse: “Ariano, do Nordeste até Minas Gerais, corre um eixo que não por acaso segue o curso do São Francisco, o rio da unidade nacional. A esse eixo, o Brasil tem que voltar de vez em quando se não quiser esquecer que é Brasil”. Pois eu digo que a nós, nordestinos e mineiros, cabe lembrar que esse eixo não se esgota aí; ele se prolonga até o Amazonas e se prolonga até o Rio Grande do Sul. Eu levo essas coisas muito a sério. Uma vez 35


estava pensando o que poderia ser realmente emblemático de Minas Gerais e cheguei à conclusão de que era o santuário de Congonhas.

Moacyr Scliar: Acredita você que está em curso um processo de globalização da cultura? Qual a sua posição a respeito?

CADERNOS: Um lugar de experiência religiosa.

Ariano Suassuna: Acredito que esse processo está, sim, em curso. As pessoas dizem até para mim que não adianta contestar, é um fato consumado. Mas eu não sou derrotista, não. Sou sertanejo e, ainda que eu saiba que é uma luta perdida, aí é que eu acho que temos de enfrentá-la. Nisso eu sou fiel ao “cavaleiro da triste figura”.

Ariano Suassuna: Exato. Pois bem: decidi fazer uma coisa semelhante e comecei a erguer um santuário na Pedra do Reino em homenagem ao Aleijadinho, para funcionar como a outra ponta daquele eixo ao qual se referia Alceu Amoroso Lima.

CADERNOS: O sr. diria que é esse tipo de luta que o aproxima dos jovens?

CADERNOS: O sr. vai fazer isso?

Ariano Suassuna: Já estou fazendo. Tracei um círculo e imaginei 16 imagens de pedra. Até agora fiz três: São José, Nossa Senhora e Cristo Rei. São esculturas de 3,5 metros de altura de granito, granito da região, um granito branco. As imagens foram criadas por Arnaldo Barbosa, o melhor escultor daqui. Eu faço sempre o primeiro esboço e ele recria do modo dele. Literariamente, a ponta do eixo é Guimarães Rosa; A Pedra do Reino não tem dimensão para tanto, mas, se Deus quiser, esse novo romance vai ter.

Ariano Saussuna: Isso é curioso. Eu estive recentemente em Fortaleza e percebi que falava para uma quantidade maciça de jovens. Fica até antipático eu dizer que é essa minha “resistência” que me aproxima da juventude, mas sinto isso mesmo. Quantas vezes eu já não ouvi, depois de uma aula-espetáculo, os jovens me dizerem que vão continuar meu trabalho, que eu me tranqüilize porque eles vão levar adiante essas minhas posições. Fico sinceramente comovido com isso. Eu não tenho nada contra a cultura universal, mas, como digo sempre, não posso admitir que se considere sinônimo de universal a cultura de massa que estão querendo impor aí. Ela é o contrário da universalidade, é a uniformização. Acho que cada país tem que contribuir com sua nota particular, singular, diferente. Você veja uma obra como Dom Quixote. Na partida, não é um romance universal; é uma obra que nasceu local – ninguém mais espanhol do que Cervantes – e atingiu a dimensão universal. Por quê? Porque Cervantes expressou, mais do que ninguém, a partir de circunstâncias locais, os problemas do ser humano.

CADERNOS: O sr. costuma ir às cavalgadas realizadas na Pedra do Reino?

Ariano Suassuna: Só neste ano é que não fui, estava meio cansado. Mas vou sempre. Já recebi até o título de Imperador da Pedra do Reino.

CADERNOS: Essa cultura de massa à qual o sr. se refere vem dos Estados Unidos. Curiosamente, há alguns anos, os EUA foram tomados por movimentos em favor do multiculturalismo. Universidades tradicionais passaram a diminuir a carga horária de cursos dedicados a autores como William Shakespeare, por exemplo, em favor de escritores representantes de minorias raciais. Há quem diga que a 36


atribuição do Nobel de 1993 para a escritora negra Toni Morrison foi um reflexo desse movimento. O que o sr. pensa disso?

Ariano Suassuna: Eu não conheço essa escritora, mas digo que, se falou bem da sua comunidade, ela conseguiu ser universal. Minha visão é essa: uma obra terá tanto mais interesse quanto mais ela revelar os problemas do homem, através dos problemas locais. Quando leio um autor russo, não quero encontrar Hamburgo ou Nova York. Eu quero encontrar um livro de autor russo. Dostoiévski foi um autor russo até onde pôde ser; Gogol, a mesma coisa. Marco Maciel: Que mensagens mais significativas, para o Brasil e para o mundo, podemos destacar nas manifestações culturais nordestinas e de Pernambuco em particular?

vra civilização tem a ver com progresso tecnológico, poderio militar. Cultura, não. É por isso que quando eu reclamo – como fiz recentemente a propósito da obra de Gilberto Freyre – sou mal entendido. Quando Gilberto Freyre diz que a arte portuguesa é produto da cultura de uma raça adiantada em relação aos negros e aos índios, eu não posso concordar. A meu ver, ele não levou em conta essa distinção. Evidentemente, os portugueses tinham o poderio militar e tecnológico, mas do ponto de vista da cultura isso não significava superioridade. Recife sempre foi um centro da mais alta importância. Vocês lembram dos depoimentos da Inquisição – já havia aqui naquele tempo atores trabalhando, poetas como Bento Teixeira, prosadores do porte de Ambrósio Fernandes Brandão, ambos judeus. O livro do Ambrósio, Diálogo das grandezas do Brasil, é interessantíssimo. Tudo isso veio se cristalizar nesse movimento importante que foi a Escola do Recife. Eu recebi uma influência enorme do Silvio Romero, por exemplo. Foi um autor que me marcou muito, junto com Euclides da Cunha e, depois, Gilberto Freyre. A Escola do Recife teve como resultado direto duas obras de gênio: Os sertões, do Euclides, e o Eu, de Augusto dos Anjos. Considero o Movimento Armorial uma continuação dessas ações.

Ariano Suassuna: Um escritor nascido no Nordeste, em Pernambuco, tem que ser tão fiel ao seu local de nascimento e à sua comunidade como Rosa foi fiel a Minas. Guimarães Rosa fez exatamente a mesma coisa que Cervantes. Através do homem mineiro, ele tratou do problema do ser humano de qualquer lugar; se um japonês ler aquilo, vai entender, se tiver bom gosto, vai entender, aceitar, gostar. Então eu acho que é nessa medida que a gente pode falar no interesse de um escritor, de um artista, seja ele de onde for. CADERNOS: Oswald Spengler fazia uma distinção entre cidades civilizacionais e cidades culturais. A capital pernambucana, por exemplo, poderia ser vista como uma cidade cultural, se levarmos em conta a herança portuguesa, a produção de Tobias Barreto e a chamada “escola do Recife”?

Ariano Suassuna: Penso que sim. Aliás, eu acho essa distinção do Spengler ótima. Afinal, civilização é uma coisa, cultura é outra. CADERNOS:Assim como sociedade e comunidade.

Guel Arraes: Existe “arte militante”? Ou um artis ta só deve fazer polí ti ca par ti dá ria como cidadão?

Ariano Suassuna: É isso. São idéias que se interpenetram, mas se trata de coisas diferentes. A pala37


Ariano Suassuna: Eu tenho um medo enorme de arte militante. Não gosto. Acho legítimo que as idéias políticas, religiosas, filosóficas etc. de um autor apareçam na obra, mas não como militância. Eu gosto muito de um romance que tenha problemas filosóficos, políticos e religiosos implícitos. Mas gosto menos de um romance filosófico, político ou religioso, está certo? Quando o escritor carrega muito na idéia, quem paga é a arte. Aliás, termina pagando também a própria idéia. Se você pega uma peça como Ricardo III, de Shakespeare, vai ver que lá existe política, claro, mas aquela não é uma obra política. Já das peças de Bertolt Brecht, eu gosto menos.

“O Roberto Freire”. E ele: “Não, é você!” Eu achei que ele estivesse brincando, mas daí ele contou todo o problema do Lins e Silva etc. e que um pessoal de Minas Gerais tinha sugerido o meu nome – e por isso ele estava ali, me consultando. Eu disse: “Não posso aceitar, não tenho vocação. Iria prestar um mau serviço”. Agora, enquanto ficou no âmbito da cultura, eu aceitei. Recentemente, andaram me sugerindo para prefeito. Deus me livre! Eu gosto muito do Recife e se fosse eleito seria um péssimo prefeito. CADERNOS: A propósito, que balanço o sr. faria de sua atuação nas secretarias de Cultura do Recife e do Estado de Pernambuco?

João Alexandre Barbosa: Em muitas conversas que tivemos, você revelou um verdadeiro horror à política. Por isso, tive uma grande surpresa quando vi você transformado em secretário de Cultura. Gostaria que você contasse um pouco de sua decisão de par ticipar ativamente de um governo. Ela faz parte de uma fidelidade maior que, por acaso, tenha me escapado?

Ariano Suassuna: Eu não me arrependi. É até feio eu dizer isso, mas eu faço um balanço por cima. O trabalho como secretário me atrapalhou como escritor. Ao mesmo tempo, acho que esse romance que estou escrevendo ficou enriquecido. As aulasespetáculo, resultado da minha atuação no governo, estão lá.

Ariano Suassuna: Veja bem, como escritor, acabei de dizer qual é a minha função. Agora, como cidadão, quando o dr. Miguel Arraes me convidou para ser secretário da Cultura, achei que não poderia me omitir. Eu estava vendo a cultura brasileira ficar cada vez mais marginalizada. Então pensei: “Como secretário, vou, no mínimo, deflagrar uma discussão nacional em favor da cultura brasileira”. Foi por esse motivo que aceitei o cargo. Eu disse: “Até aí eu aceito”. Mas uma vez tentaram me fazer vice do Lula...

Celso Furtado: Sua luta pela preser vação dos valores autênticos de nossa cultura e sua condenação categórica da alienação das eli tes bra si lei ras são conhe ci das. Como membro da Academia Brasileira de Letras, não lhe parece que essa luta seria mais eficaz no plano nacional se você mobilizasse os recursos dessa instituição de reconhecido prestígio?

Ariano Suassuna: O problema é que moro longe, afastado do Rio. Não freqüento a Academia.

CADERNOS: Contra Fernando Collor, não é isso? CADERNOS: O sr. admite que, sendo produto de uma classe privilegiada e vivendo segundo seus padrões, o escritor, o artista deveria necessariamente combatê-la? E isso, de fato, acontece? No seu caso, como o sr. convive com essas questões? Existe uma “culpa”?

Ariano Suassuna: Isso. Vocês lembram que o José Paulo Bisol teve um problema e saiu. Pensaram no Evandro Lins e Silva, mas a ala feminista do PT protestou porque ele tinha sido advogado de Doca Street. Um dia, um amigo meu me telefonou dizendo que o vice de Lula ia ser Roberto Freire. Telefonou de manhã; à tarde, eu estava aqui no jardim quando o dr. Arraes me viu, atravessou a rua (ele mora aí em frente) e veio conversar: “Você sabe quem é o vice do Lula?” Eu disse:

Ariano Suassuna: Existe. Eu acho que todos nós que pertencemos a um Brasil privilegiado temos uma parcela de culpa muito grande. São 500 anos de exclusão. Isso precisa ser questionado e nem 38


sempre é. Mas o que eu preciso observar para vocês é que estamos falando de uma cultura oficial, acadêmica, em relação à qual as camadas mais pobres permanecem distantes – só que elas têm a sua própria cultura; têm a sua pintura, a sua gravura, sua música, seu teatro, sua poesia. Eu não recitei há pouco uma estrofe saída dessa cultura das camadas mais pobres? Vejam esse texto agora, O enterro do cachorro, em que me baseei na primeira parte do Auto; vou declamar: “Eu vi se contar um caso/que fiquei admirado:/um sertanejo me disse/que, no século passado,/viu se enterrar um cachorro,/com honras de potentado.//Um inglês tinha um cachorro/de uma grande estimação./Morreu o dito cachorro/e o inglês disse então:/‘Mim enterra este cachorro,/ inda que gaste um milhão’.// Foi ao vigário e lhe disse:/‘Morreu o cachorro de mim/e o urubu no Brasil/ não poderá dar-lhe fim’./Cachorro deixou dinheiro?/perguntou-lhe o padre assim//‘Mim quer enterrar cachorro’./Disse o vigário: ‘Ô inglês,/Você pensa que isso aqui/é o país de vocês?’/Disse o inglês:/‘Com o cachorro/gasto tudo desta vez.//Ele antes de morrer,/um testamento aprontou:/seis contos de réis em ouro,/para o vigário deixou’./Antes do inglês findar,/o vigário suspirou://‘Coitado’, disse o vigário./‘De que morreu esse pobre?/Que animal inteligente,/e que sentimento nobre./Antes de ir para a cova/fez-me presente do cobre.//Leve lá para a igreja,/que eu vou encomendar,/isto é, traga o dinheiro,/antes dele se enterrar’./Que esses sufrágios fiado,/é possível não salvar.’//E lá se foi o cachorro,/o dinheiro foi na frente./Teve um imponente enterro,/missa de corpo presente,/ladainha etc. etc.,/melhor do que certa gente.//Mandaram contar ao bispo/que o vigário tinha feito/o enterro de um cachorro,/o que não era direito./O bispo re cla mou mui to,/mos trou-se mal sa tis fei to.//Mandou chamar o vigário./Pronto, o vigário chegou./Às ordens, Sua Excelência!/O bispo lhe perguntou:/‘Então, que cachorro foi/que o Reverendo enterrou?’//‘Foi cachorro importante,/animal de inteligência./Ele antes de morrer,/deixou para Vossa Excelência/três contos de réis em ouro’./ [O vigário resolveu rachar]. ‘Se eu errei, tenha paciência’.//‘Não errou não, meu vigário,/você é um bom pastor./Desculpe eu incomodá-lo,/a

culpa é do portador./Um cachorro como esse,/se vê que é merecedor’”. Vejam que beleza. É uma obra-prima de sátira. O que eu tenho que anotar é o seguinte: Machado de Assis dizia que existiam dois países dentro do Brasil, o país oficial e o Brasil real. O país real seria bom, revelaria os melhores instintos, mas o Brasil oficial não passaria de algo caricato, burlesco. Talvez ele tenha exagerado um pouco. O Brasil oficial tem alguma coisa que presta; há pessoas dentro dele que têm consciência dessa dilaceração terrível que o país vive. O Brasil oficial, ao qual nós pertencemos, tem a obrigação de chamar a atenção para essa realidade. Eu, por exemplo, procuro fazer uma fusão desses dois países. CADERNOS: Estamos falando, no fundo, do problema do intelectual orgânico.

Ariano Suassuna: É, exatamente, aquele conceito do Gramsci. Ele pode ter exagerado um pouquinho no sentido político, mas o conceito em si está correto. Estou inteiramente de acordo. CADERNOS: O sr. acredita que o abismo entre os dois Brasis pode desaparecer?

Ariano Suassuna: Pode desaparecer, sim. Olhe, já fui acusado de não querer que isso aconteça porque, do contrário, perderia minhas fontes. Imagine! Se fosse esse o preço a pagar, é evidente que eu preferiria que a injustiça social desaparecesse do Brasil. CADERNOS: O sr. continua sendo um “monarquista de esquerda”? Como o sr. se definiria politicamente hoje?

Ariano Suassuna: Quando eu falei em monarquia de esquerda, estava pensando no problema de Canudos. Eu coloco Canudos como o episódio mais significativo da história do Brasil. Seu antecessor foi o Quilombo dos Palmares e seu sucessor, a Guerra do Contestado. O cordel é o único espaço literário no qual o povo brasileiro se expressou como quis; o equivalente político do cordel foi Canudos. Pois bem: Antônio Conselheiro era monárquico e pré-socialista. Hoje eu 39


fico até um pouco acanhado de dizer essa palavra, socialista; entre uma visão socialista e marxista, fico com a primeira. Nunca fui marxista; tenho a maior antipatia por Marx. Mas o meu socialismo vem de muito antes, vem dos apóstolos. Eu sou uma pessoa religiosa e meu socialismo vem do catolicismo, mas não do catolicismo de igreja, isso não. Já o lado monárquico tinha a ver com aquela visão do rei que falei há pouco – e também com a figura paterna; meu pai, para mim, foi um rei, certo? Agora, houve uma coisa que me causou a maior angústia. Eu fui levado a um erro de interpretação sobre a monarquia por conta da minha atitude diante da morte do meu pai. Eu era uma criança quando abri os olhos e vi que meu pai tinha sido assassinado. Anos depois, eu pegava os jornais e lia que a Revolução de 30 tinha sido uma luta do Brasil arcaico, rural, representado pelo lado do meu pai, contra o Brasil moderno, urbano, representado pelo João Pessoa. Ou seja: o lado mau, o lado ruim, contra o lado bom – e meu pai, dentro dessa idéia, era o mal. Para mim, então, a invasão de Princesa pela polícia paraibana se transformou na invasão de Canudos pelos republicanos. Aí eu pensei: preciso reagir, tomar a posição contrária; o urbano é que é ruim, e não o rural. Eu não tinha visão suficiente para notar que havia uma diferença que não permitia comparar a guerra de Princesa com a guerra de Canudos. Em Canudos, o Brasil urbano e privilegiado se lançou contra o arraial popular; no caso de Princesa, eram privilegiados da cidade contra privilegiados do campo. Quando percebi isso, entrei em crise. Pensei em abandonar a literatura, pois até então eu estava idealizando não só a causa de meu pai, como a de meu avô. Foi a partir daí que comecei a abandonar qualquer idéia monárquica.

lado da igreja, pois a igreja verdadeira não estava na Inquisição. CADERNOS: Como o sr. vê a igreja no Brasil atual?

Ariano Suassuna: Com essas missas em forma de show? Nem me fale! Como é que a igreja, a minha igreja, cai numa coisa dessas... Estão invertendo tudo: em vez de entrar no mundo para converter o mundo, começaram a trazer as deturpações do mundo para dentro da igreja. CADERNOS: Sua igreja é a de São Francisco?

Ariano Suassuna: São Francisco, São João da Cruz, Santa Teresa. Estes são os meus santos. CADERNOS: E a Teologia da Libertação?

Ariano Suassuna: Vejo com muita reserva. Acho que eles, do mesmo modo que esses padres de agora – que se curvam para o “êxito”, entre aspas –, se inclinaram para muitas coisas, até para o stalinismo. CADERNOS: Que tipo de católico é o sr.? Vai a missas, por exemplo?

Ariano Suassuna: Vou.

CADERNOS: O sr. disse que chegou ao socialismo através da igreja. Mas sob o manto do catolicismo também foram praticadas atrocidades, na época da Inquisição. Como o sr. se situa dentro desse problema?

CADERNOS: Como católico, o sr., naturalmente, acredita na vida eterna. Um de seus belos sonetos, “Abertura sob pele de ovelha” [veja iluminogravura à página 90], termina com estes versos: “Por isso, não vou nunca envelhecer:/com meu Cantar, supero o Desespero,/sou contra a Morte e nunca hei de morrer”. Vê-se que a arte, em sua permanência, pode ser um refúgio contra o desespero provocado pela morte. Com essa negação da finitude da vida e com a crença otimista na redenção pela arte, o problema metafísico da morte estaria resolvido em sua obra?

Ariano Suassuna: Olhe, eu já disse várias vezes que sob regimes republicanos vingaram atrocidades como o nazismo; ainda assim, hoje eu sou do lado da república. Do mesmo modo, sou do

Ariano Suassuna: Eu não gosto de fazer afirmações sobre algo que ainda não conheço. Não vou dizer a vocês com absoluta certeza que não tenho medo da morte, pois nunca a enfrentei. Mas, até onde eu vejo, 40


não tenho medo da morte. É evidente que, apesar do poema que vocês citam, eu sei que vou morrer. Mas só sei com a cabeça, que é a parte mais fraca do homem. Eu acho que a arte é uma forma precária mas ainda assim eficaz de imortalidade. Eu aposto nisso. Eu posso morrer, mas João Grilo, Chicó e Quaderna, não. Agora, este livro que estou fazendo, se não der para terminar aqui, eu termino lá, no outro mundo.

um péssimo artista. A ética não tem poder condenatório nem mutilatório sobre a arte, mas tem o poder declaratório – ela pode declarar que determinadas obras não devem ser colocadas em contato com um público adolescente, por exemplo. CADERNOS: Perante a visão cristã, a arte salva menos que a ética. Num tribunal católico, o assassino pode ser perdoado, mas o artista, apenas por seus méritos, não.

CADERNOS: Só para ficar claro, o problema metafísico da morte, então, está resolvido na sua arte?

Ariano Suassuna: Quando você diz “o assassino”, não está separando o criminoso da pessoa. Mas Santo Agostinho dizia: “Abominar o pecado e amar o pecador”. O pecador é perdoado; quanto ao artista, ele não será perdoado por seus méritos artísticos, vai ser perdoado nas mesmas condições do assassino – da pessoa que ele é. Eu acho, inclusive, que há uma ligação entre religião e arte: ambas têm um caráter de absolvição.

Ariano Suassuna: Eu acho. Não sei se vocês lembram, mas na Iniciação à Estética, eu digo que os fatos que não têm salvação metafísica têm salvação estética. O assassinato de duas crianças por um adulto é uma coisa feia, horrível, não tem salvação metafísica, não é? Mas tem uma salvação estética – e Shakespeare fez isso no Ricardo III. Ele mata dois sobrinhos para conquistar o poder; esse é um gesto horrivelmente feio, mas na arte ele aparece cicatrizado. A morte é a pior das coisas, mas ainda assim há uma tentativa de salvação estética. Na minha obra, a Onça Caetana é uma beleza. É o jeito de eu aceitar a morte – se ela vier em forma de mulher.

CADERNOS: Essa catarse proporcionada pela arte é uma procura deliberada do artista?

Ariano Suassuna: Eu não procurei isso desde o início n A Pedra do Reino, por exemplo, que, conforme falei antes, me ajudou a aceitar melhor o assassinato do meu pai. Eu não disse: “Vou escrever um livro para poder perdoar os assassinos do meu pai”. Fico sempre muito atrapalhado quando me perguntam por que eu escrevo. Ninguém pergunta a um amolador de tesouras por que é que ele gosta de amolar tesouras, mas a um escritor vivem perguntando isso. Certo, passei por muitos problemas na infância, mas muita gente passou e nem por isso se tornou escritor. Acredito que todos aqueles acontecimentos contribuíram para eu ser escritor, mas não sei realmente por que escrevo. Desde os 12 anos senti esse impulso de escrever. Quando comecei a ler, passei a admirar os escritores e a querer me tornar um deles. Quando fui escrever A Pedra do Reino, eu estava querendo escrever um livro, um romance que expressasse meu universo interior, no qual eu me realizasse, só isso. A literatura é a minha festa, é ali que eu toco e danço.

CADERNOS: O desejo de viver o levaria a um pacto fáustico?

Ariano Suassuna: Pacto com o demônio? Não, não faço negócio com esse cidadão... Agora, Quaderna, de certa forma, faz. Isso não ficou muito claro n’A Pedra do Reino porque tinha uma continuação que eu não cheguei a escrever. Se eu conseguir terminar esse romance que estou fazendo agora, isso aparecerá melhor. CADERNOS: O sr. falou das implicações morais da arte quando se referiu à salvação estética. Na sua opinião, é correto imortalizar um assassino como artista?

Ariano Suassuna: Acho que sim. A arte, enquanto criação, nada tem a ver com a moral, não é verdade? O camarada pode ter um péssimo caráter e ser um grande artista; pode ser um excelente caráter e

CADERNOS: Seus romances parecem obedecer a uma incompletude proposital. Existe 41


pela “antena parabólica fincada no manguezal”) afirmando que é possível deglutir a influência da indústria cultural dosando conscientemente a mistura entre a cultura pop e a cultura popular tradicional. O sr. veria uma ligação entre esses jovens do Mangue Beat e a poética do Movimento Armorial?

Ariano Suassuna: Há uma certa ligação. Em alguns pontos, a gente se afasta. Eu conheci o líder do Movimento Mangue, Chico Science, fui amigo dele. Nós tínhamos uma amizade boa, que durou pouco tempo porque ele morreu daquela forma brutal, terrível. Ele foi me procurar dizendo: “Eu sou armorial”. Ele sabia que eu fazia certas oposições ao Movimento Mangue. Tinha restrições tremendas. O que eu discordava era exatamente porque ele tentava fundir duas coisas de uma forma equivocada. Ele dizia que tentava valorizar o maracatu rural, por exemplo, através da junção com o rock. Eu gosto muito do maracatu rural – um dos títulos de que mais me orgulho na vida é o de Guerreiro e Rei de Honra do Maracatu Rural – e perguntei ao Chico Science: “No que uma coisa ruim como o rock pode valorizar uma coisa boa como o maracatu?” E completei: “Você está servindo de ponta-de-lança para os piores inimigos do Brasil, aqueles que tentam descaracterizar a nossa cultura. Mude o nome de Chico Science para Chico Ciência que eu subo no palco do seu lado”. Naturalmente, não se tratava apenas de mudar o nome, mas de mudar tudo o que estava por trás dele. Essa conversa foi presenciada por jornalistas e o Chico, quando saiu, disse aos repórteres: “Ele é um mestre que sabe tudo e tem razão”. Para mim, confessou: “Você tem razão, mas, se eu mudar agora, serei esmagado”. E eu: “Bom, nesse caso, não está mais aqui quem falou, não quero isso para você”. Eu disse isso com sinceridade, até porque sabia do grande serviço que ele estava prestando a uma juventude que, por exemplo, nunca tinha prestado atenção no maracatu rural e por causa dele já começava a se interessar. O que não quer dizer que eu concordava com o projeto dele. Neste sentido, quem tem uma proposta correta é o Antônio Nóbrega, que não vai lançar mão nunca do elemento pop, mas faz uma recriação dos nossos espetáculos populares. Só para completar: uma

uma preocupação de sua parte em fazer sempre uma “obra aberta”?

Ariano Suassuna: Sim, tem um pouco isso, principalmente n A Pedra do Reino. CADERNOS: O sr. acredita que o tema determina a forma?

Ariano Suassuna: Acredito. Eu acho que aquilo que a pessoa tem a dizer é que determina a forma de dizê-lo. Dom Quixote, por exemplo, só poderia ter sido escrito daquele modo. Quanto a Euclides, as pessoas reclamam do estilo dele, mas aquela era a única maneira de erguer o áspero e estranho universo dos sertões. Guimarães Rosa, a mesma coisa – aquela era a linguagem pela qual se poderia expressar o universo dele. Luiz Fernando Carvalho: Se para você o mundo é um “pasto incendiado”, qual seria então a função da arte e, mais especificamente, da literatura?

Ariano Suassuna: Salvar do incêndio e deixar alguma coisa de permanente e belo, que escapasse das chamas e das cinzas. Mariângela Alves de Lima: Existe hoje no Recife uma poética militante (metaforizada 42


coisa que eu reclamo do Movimento Mangue é sua limitação de área. Se vocês me pedirem, eu mostro a música armorial, a pintura armorial, o romance armorial, o teatro armorial. Eu pergunto: Cadê, digamos, o romance mangue? Ele é, portanto, um movimento muito restrito, sem falar no seu equívoco de origem.

turalismo. Eu acho que a arte, por natureza, não é uma imitação do real, é uma recriação. É uma realidade magnificada. Não é a realidade do dia-a-dia. Se fosse para imitar a realidade do dia-a-dia, melhor seria ficar com a própria realidade. CADERNOS: A propósito, 16 de junho é o dia em que transcorre a ação de Ulisses, de James Joyce. O que o sr. pensa deste livro, especialmente de sua proposta de fazer protagonista um homem comum, vivendo um dia banal? A idéia de recorrer à épica clássica para escrever uma epopéia moderna parece bem próxima de suas próprias propostas artísticas, não?

Marco Maciel: A arte armorial tem o selo nordestino. Ela pode se universalizar, sendo consumida e praticada ou gerada em todo o mundo?

Ariano Suassuna: Houve um tempo em que eu cheguei a pensar que o Movimento Armorial estava confinado à nossa região. Mas hoje eu estou convencido de que isso não é verdade. Acabei de receber uma fita de um grupo de músicos do Rio de Janeiro chamado Gesta, que está fazendo música armorial. No Ceará tem um núcleo armorial, fortíssimo. Em Minas Gerais e São Paulo também. CADERNOS: E a recepção do Armorial no mundo, como está?

Ariano Suassuna: Nesse romance atual que estou escrevendo, eu tiro uma brincadeira com isso. O Joyce escolheu o dia 16 de junho, se não me engano de 1904, e o Quaderna vai tirar uma brincadeira com essa data . O pessoal fala do Ulisses para ele, que vai se sair com essa: “Ah, pôs esse dia porque já estava me prevendo...”

Ariano Suassuna: Acho que estamos sendo bem aceitos. A Pedra do Reino já foi publicado na França, na Alemanha.

CADERNOS: Mas o espelho do mundo que Joyce tem, isto é, o espelho de Homero, de certo modo não o vincula ao sr.?

CADERNOS: A versão alemã também é abreviada, como a francesa?

Ariano Suassuna: Sim, por aí sim. Eu senti necessidade de fazer um romance épico n A Pedra do Reino. Falo, por exemplo, no galope épico do Euclides da Cunha em Os sertões; a presença do Euclides está lá, como o Vieira também, que é outra presença forte em toda a obra. Mas, voltando a Joyce, não vejo um parentesco profundo entre nós, como também não vejo entre ele e Rosa – ao contrário do que disseram muitos por aí. Identificação mesmo com Joyce eu tenho é em relação ao Retrato do artista quando jovem.

Ariano Suassuna: É não. Os alemães são mais corajosos do que os franceses. CADERNOS: Quaderna, personagem que surge no romance A Pedra do Reino, tem, evidentemente, vários traços autobiográficos – a começar pela data de nascimento, 16 de junho, que é a mesma do sr. A certa altura, o protagonista do livro afirma que não pode deixar de concordar com a idéia de que “na arte, a gente tem que ajeitar a realidade”. Unindo os dois pontos, o sr. diria que foi esta sua intenção com a obra?

CADERNOS: Em 1994, o sr. liberou o texto que seria utilizado para a versão francesa d’A Pedra do Reino, traduzida por Idelette Muzart e publicada em 1998, com duas alterações fundamentais em relação ao romance editado em por tuguês. A primeira é a notável redução textual que o sr. realizou para a tradução e que o levou a rever a própria estru-

Ariano Suassuna: Eu acho que, de certa maneira, a arte é, sim, um acerto de contas com a realidade. É por isso que sou contra o naturalismo, o neona43


tura da narrativa. (Foram cor tadas as duas primeiras par tes que relatam a infância e a formação do narrador-protagonista, Quaderna, e suprimidas várias citações e alusões a obras literárias, em par ticular a folhetos, cantigas ou quadras populares.) Basta dizer que as 635 páginas originais foram cor tadas pela metade na versão francesa. A segunda alteração diz respeito ao subtítulo surpreendente incluído pelo sr. no texto traduzido: Versão para franceses e brasileiros sensatos. Isso significa, primeiro, que o sr. julga insensata a leitura do romance na sua forma original? E, segundo, que a próxima edição em por tuguês adotará a forma reduzida da versão francesa, como o sr. mesmo já anunciou?

que podem ser lidos separadamente. Os personagens, porém, são os mesmos, o romance é o mesmo, aquilo que está sendo contado é uma história única. CADERNOS: O rei degolado também entrará nessa nova estrutura?

Ariano Suassuna: Sim, vai ser incorporado na redistribuição. CADERNOS: Quantos volumes serão, afinal?

Ariano Suassuna: Não sei ainda. O meu grande problema está sendo o que contar no primeiro volume. Já tenho muita coisa escrita, inclusive para a frente; o difícil é que eu pretendo que o primeiro volume funcione como uma introdução e sozinho dê conta do projeto inteiro. Assim, caso venha a sofrer uma traição da Onça Caetana, eu terei dado a medida do que seria o resto.

Ariano Suassuna: Aquilo foi uma brincadeira que eu tirei ao mesmo tempo conosco e com aquele espírito cartesiano dos franceses. É como se eu dissesse: “Vocês têm aí essa versãozinha; a que eu gosto mesmo é a insensata”.

CADERNOS: Quando o sr. diz que seu próximo romance será dividido em vários livros para tentar capturar o público de hoje, não estaria capitulando diante do mercado? Não estaria dando um aval para uma sociedade em que o grande leitor costuma ser encarado como uma aberração?

CADERNOS: E o que vai acontecer com a próxima edição brasileira?

Ariano Suassuna: Se eu fizer esse romance que estou escrevendo, imaginei que um dos volumes dele será A Pedra do Reino, aí, sim, numa versão mais aproximada da francesa. Isso porque a parte do começo, que apresenta o Quaderna criança, vai sair num volume separado chamado As infâncias de Quaderna.

Ariano Suassuna: Não. Em primeiro lugar, não custa nada ser cortês com o leitor. Além do mais, essa é uma necessidade do próprio livro. Descartes mesmo diz que, quando se tem uma tarefa muito grande, é melhor dividi-la, não é?

CADERNOS: Esclarecendo, a estrutura de trilogia será mantida nessa reorganização?

CADERNOS: O crítico americano Harold Bloom disse que escreveu seu livro mais recente, How to read and why, por temer o desaparecimento da figura do leitor diante de ameaças como a Internet. O sr. acredita que isso possa acontecer?

Ariano Suassuna: Sim. Daí é que eu digo que o autor de Quaderna deve ser um homem louco, pois, aos 73 anos, ainda está pensando num livrão desse tamanho. O problema é que cheguei à conclusão de que o público de hoje, não sei se por causa da televisão, não pega mais um romance de 600 páginas. Eu, de minha parte, gosto de romance longo, mas estou sentindo a necessidade de fazer uma mudança no meu projeto original. Por isso parti para a solução de fazer um romance longo, sim, mas dividido em partes, em volumes

Ariano Suassuna: Não acredito, não. CADERNOS: Samuel e Clemente – espécies de preceptores do bibliotecário Quaderna no romance A Pedra do Reino – são personagens 44


polares, de convicções políticas e literárias tão extremadas quanto inconciliáveis. Nisso eles fazem lembrar as figuras de Settembrini e Naphta, que também procuram exercer influências contraditórias sobre Hans Castorp, o protagonista d’A montanha mágica, de Thomas Mann. O sr. considera válida essa aproximação?

pista da vela dobrada, outro que era Na pista do alfinete novo. Tem aqui um jovem escritor, Bráulio Tavares, que conhece muito o romance policial; ele me disse: “Olha, Ariano, aquilo que você colocou lá n A Pedra do Reino é uma coisa que nós, entusiastas do romance policial, conhecemos bem – aquilo é o chamado crime em quarto fechado”. E catalogou uma porção de crimes que aparecem em quarto fechado.

Ariano Suassuna: Gosto muito de Thomas Mann, cheguei a começar a leitura de A montanha mágica, mas, por preconceito, não gosto de romance passado em sanatório – não sei se pelo fato de eu ter sido tuberculoso. Comecei a ler e deixei para lá, sabe? Agora, tem um livro dele de que eu gosto muito, aliás dois: O eleito e As confissões do impostor Felix Krull. Aprecio também os ensaios do Thomas Mann. Li um sobre o Dom Quixote que é das melhores coisas que já se escreveu a respeito do livro de Cervantes. Thomas Mann o redi giu duran te uma via gem Europa-Estados Unidos. Ele estava fugindo dos nazistas e pegou um navio. Lá começou a ler o Dom Quixote e a fazer anotações. Essas notas são uma coisa maravilhosa, um dos melhores textos que eu li sobre o “cavaleiro da triste figura”.

CADERNOS: O sr. continua lendo policiais?

Ariano Suassuna: Continuo. Uma vez escrevi até um artigo a respeito. Uma coisa que me entusiasma no romance policial é que Aristóteles, na Poética, já formula a sua receita, aquilo que ele chama de “reconhecimento”. Ele diz que o reconhecimento é um processo narrativo no qual você esconde uma parte dos acontecimentos e essa parte vai sendo revelada pouco a pouco. Aristóteles fala que isso acontece no Édipo Rei. O personagem procura o assassino do seu pai e então descobre que foi ele mesmo, naquele final surpreendente; isso é bem típico do romance policial. Você tem algo assim também no Crime e castigo, de Dostoiévski. Existem dois tipos de reconhecimento: o único e o duplo. No único, só o personagem ignora a verdade, o público todo sabe; no duplo, nem o personagem nem o público sabem da verdade.

CADERNOS: O assassinato do padrinho de Quaderna, num aposento inteiramente fechado, guarda semelhanças com o que se lê no conto policial “Os crimes da Rua Morgue”, de Edgar Allan Poe. Trata-se de uma coincidência ou de uma referência? Isso passou pela sua cabeça?

CADERNOS: Quando o sr. colocou essa situação paradigmática n A Pedra do Reino, já tinha a resposta para o enigma?

Ariano Suassuna: Não, isso não. Mas eu li muito romance policial quando era menino, adolescente em Taperoá. Não sei se vocês lembram, tem uma hora em que o Corregedor se vira para Quaderna e diz: “Mas não ficou nenhuma pista que pudesse levar aos assassinos”. E Quaderna fala assim: “Ah, isso acontece é nesses romances estrangeiros. Assim seria muito fácil, com pista. Aqui não tem não. É crime indecifrável. Não tem quem resolva, não”. E completa: “Não tem pista nenhuma, nem alfinete novo, nem vela dobrada...” Ora, tudo isso são alusões a romances policiais que li quando menino. Tinha um romance que se chamava Na

Ariano Suassuna: Pronto, eu vou lhe adiantar. Eu tinha duas soluções para o caso, que só se resolveria no terceiro volume da trilogia. Não sei se vocês repararam, mas minha idéia original era fazer a paixão de Quaderna. A história começa na quarta-feira, entraria pela quinta e no terceiro volume chegaria à Sexta-feira da Paixão. Pois bem, no terceiro volume, o Corregedor perguntava a Quaderna: “Mas, afinal de contas, quem matou seu padrinho?”. Quaderna então responderia o seguinte: “Olhe, tudo indica que foi Arésio”. Arésio é aquele filho mais velho, aquele violento, que dá um soco no bispo, aquele que tem 45


um choque violento com o pai. O soco no bispo já não tinha sido gratuito: naquele ato, ele estava agredindo a própria igreja. Depois Arésio se volta contra o pai, porque surpreende a mãe em adultério e fica com a suspeita de que não é filho do padrinho de Quaderna. Ele pega um espelho e o joga violentamente na mesa. O espelho corre a mesa e bate no queixo do pai, que começa a sangrar. Então, Arésio inicia um conflito violento com o pai. Não sei se vocês lembram também, Arésio está entre as pessoas que encontram o corpo do pai. Mas eu estava contando a conversa de Quaderna com o Corregedor. Ele diz: “Tudo indica que foi Arésio, mas exatamente por isso não foi ele”. E o Corregedor: “E quem foi, então?” E Quaderna: “Olhe, desde o começo eu avisei que era um crime indecifrável”. Mas no fim ele parte para uma solução mágica: ele diz que foi a Onça Caetana, em forma de gavião, que, fechando as asas, conseguiu passar pela seteira e, lá dentro, matou o padrinho de Quaderna com as garras e o bico. Seria isso, vai ser, se eu chegar lá. E eu vou chegar.

modo procurei a vida toda realizar essa ambição de ser um grande escritor. Por isso fico sempre com essa sensação de ter feito uma obra que poderia fazer melhor – e começo tudo de novo. Agora mesmo, escrevendo esse novo romance: parece que estou fazendo isso pela primeira vez, parece que estou estreando como romancista. A vantagem dessa postura é que ela me faz uma pessoa esperançosa. Eu sempre acho que vou fazer melhor, então só olho para a frente, nunca sofro com o passado. Mesmo aos 73 anos, eu fico achando que a minha vida todinha de escritor está só começando. CADERNOS: Essa esperança se estende ao próprio país?

Ariano Suassuna: Costumo dizer que não me considero nem otimista nem pessimista em relação ao Brasil. Eu me considero realista e esperançoso. Acho que estamos vivendo um momento ruim, difícil, porque todo o nosso empenho visa nos transformar numa caricatura de segunda categoria dos Estados Unidos. Nossa aproximação é com Portugal, com o Norte da África, com a Ásia – isso é o que somos de verdade, é isso que devemos procurar.

CADERNOS: Ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, em 9 de agosto de 1990, o sr. revelou que sabia desde menino que um dia iria alcançar aquela honraria, tornando-se imortal. E que esse era um duplo sonho: o sonho do escritor e o de seu personagem maior, Quaderna, o Decifrador, que pretende se tornar rei e escrever “uma obra completa, genial e clássica”. O senhor é um intuitivo? Costuma ter esse tipo de premonição? E ainda: Quem falou assim na Academia, o escritor ou seu personagem, ou ambos ali eram a mesma pessoa?

CADERNOS: O poeta João Cabral de Melo Neto se queixava de que os escritores brasileiros não tinham o hábito de se dedicar à reflexão, de maneira que em congressos, por exemplo, costumavam falar de improviso. Como o sr. vê este problema?

Ariano Suassuna: João Cabral era muito diferente de mim. Éramos extremamente amigos, mas muito diferentes. Eu não vejo o improviso como um problema. Eu mesmo, nas aulas-espetáculo, faço várias improvisações. É o que o João não se permitia: essa espontaneidade, essa coisa lúdica. Neste ponto, por exemplo, éramos muito distintos – e, apesar disso, vocês vejam que belíssimo poema ele dedicou à Pedra do Reino. João também tinha horror à música e eu nem preciso dizer o quanto sou ligado a ela. Uma vez, o João me mostrou um poema muito bonito, mas que tinha dois versos de ritmo quebrado. Falei isso para ele, que

Ariano Suassuna: Como eu disse antes, comecei a pensar em ser escritor aos 12 anos de idade. Depois, passei a pensar que, como escritor, eu tinha que resgatar a figura do meu pai. Agora, admito a vocês que, do ponto de vista literário, eu sempre fui muito ambicioso. As pessoas dizem: “O Ariano é destituído de ambição”. Em algumas áreas, sim. A política, por exemplo. Mas como escritor sou ambiciosíssimo. Sempre fui, de maneira que eu posso dizer que de algum 46


me respondeu: “Quebrei de propósito”. É curioso que a poesia do João destoa das teorias poéticas dele. Como teórico dizia, por exemplo, que não acreditava em inspiração – e a poesia dele era altamente inspirada, apaixonada. Eu entendo a raiva dele com relação à palavra inspiração, desgastada pelos poetas românticos. Mas, se ele não tivesse inspiração verdadeira, não teria feito aquela poesia extraordinária.

perguntando e o que está respondendo. A minha história só será realmente compreendida por uma pessoa que, ao ouvir a palavra pedra, sinta nela a mesma força que tem para mim e para o Quaderna. Quando escrevo, claro, não penso em ninguém exatamente. Eu penso em expressar meu objeto. Mas, se o livro encontra aquela pessoa, eu fico realizado. CADERNOS: Como romancista, o sr. não sente uma certa frustração pelo fato de os leitores mais simples estarem distantes de suas obras?

CADERNOS: A poesia não pode ser cerebral? Não pode haver uma sensibilidade da razão?

Ariano Suassuna: Em mim, a poesia é profundamente passional. É baseada no entusiasmo. Se não for assim, não escrevo.

Ariano Suassuna: Isso me machuca muito. E aí, tenho que apostar no futuro. Um país com 160 milhões de habitantes, onde as tiragens iniciais maiores não passam de 150 mil exemplares – e são raríssimas –, vocês vejam a defasagem. Então, tenho que apostar na passagem do tempo ou em que a TV cada vez mais coloque a literatura ao alcance da população.

CADERNOS: A Pedra do Reino parece apoiar-se em duas bases opostas. Há, de um lado, um narra dor epi lé ti co (como o foi nin guém menos do que o maior escritor brasileiro, Machado de Assis, parâmetro mais do que natural para Quaderna, que deseja se transformar no “Gênio Máximo da Humanidade”). Mais do que isso, ele, a certa altura, bebe o propiciatório Vinho da Malhada, que o deixa “dotado de uma vidência visageira fora do comum (...) por um instante” e logo depois mergulhado numa “cegueira cruel, profética também, mas dura e terrível de suportar”, fato fundamental para o desfecho da trama. Por outro lado, a maior parte do livro contempla um depoimento que se pretende rigoroso do ponto de vista dos processos criminais. Haveria nisso um esforço propositalmente dialético de sua parte, com a síntese a cargo do leitor?

CADERNOS: O Auto da Compadecida, por exemplo, depois de passar, no início deste ano, na televisão e ser adaptado agora para o cinema, voltou a ganhar destaque nas vitrines das livrarias.

Ariano Suassuna: E nem é preciso que o livro venda. Basta que as pessoas tomem conhecimento da obra. CADERNOS: Como um herdeiro do romance picaresco, o sr. concorda com a afirmação do inglês William Makepeace Thackeray, o autor de Barry Lyndon – livro filmado por Stanley Kubrick em 1975 –, para quem “sobre o temperamento e os costumes de um país, as obras satíricas são as que aportam uma luz que seria inútil buscar nos livros de história”?

Ariano Suassuna: Eu procurei uma síntese. O Quaderna procura muito essa síntese, realmente, uma coisa que atenda à razão e à paixão. Isso pede a colaboração do leitor.

Ariano Suassuna: Sim, estou de acordo com isso. Mas nesse campo do romance picaresco minha grande admiração é pelo Lazarillo de Tormes. N A Pedra do Reino, Clemente e Samuel discutem o que seria o romance brasileiro típico – romance de cavalaria ou romance picaresco. Então Quaderna, como sempre, tenta fazer a fusão dos dois.

CADERNOS: E esse leitor, quem é?

Ariano Suassuna: Olha, normalmente eu acho que o autor pede um leitor como ele. Um leitor que pelo menos corresponda, que saiba o que ele está 47


tência enorme. Não sei se vai continuar assim ou se ela vai ser engolida. O fato é que a cultura popular continua mostrando uma grande capacidade de resistência.

Luiz Fernando Carvalho: Que relação poderá existir entre o gesto de interromper bruscamente O rei degolado (1977) e o retorno ao romance 20 anos depois? O que se havia perdido?

CADERNOS: História de amor de Fernando e Isaura, escrita em 1956, foi uma espécie de exercício para o empreendimento maior que seria o romance A Pedra do Reino. O senhor fez outros preparativos para a redação desse livro? É seu costume exercitar-se em peças de menor extensão antes de se dedicar a empreitadas de maior vulto?

Ariano Suassuna: Olhe, eu falei que tinha começado a escrever A Pedra do Reino como uma espécie de substituto inconsciente daquele livro sobre a vida do presidente Suassuna. Quando fui fazer O rei degolado, novamente aquele livro sobre meu pai me agarrou pelos cabelos. Se você prestar atenção, vai ver que o Quaderna de lá não é o mesmo d A Pedra. Quem está falando não é Quaderna. É Ariano. Eu perdi aquela ironia dele. Foi um erro de visão de minha parte; esse foi o motivo principal que me levou a parar. Cheguei a escrever duas partes – e eram cinco –, mas só publiquei em livro a primeira e a segunda saiu apenas em forma de folhetim.

Ariano Suassuna: Não, como exercício em si, não. No caso d A Pedra do Reino, houve toda aquela história de que falei a princípio, que teve início com a idéia de escrever sobre meu pai. CADERNOS: Em sua primeira experiência na prosa de ficção, o sr. explorou o tema do amor, como também foram aventuras amorosas – no caso, de um príncipe imaginário – o tema principal de O conto de Genji, da japonesa Murasaki Shikibu, escrito no século XI e considerado um dos primeiros romances da literatura mundial. Jorge Luis Borges dizia que não existem mesmo muitos temas que valham uma história. O sr. concorda com isso?

CADERNOS: A primeira parte de O rei degolado, Ao sol da Onça Caetana, também chegou ao público, originalmente, em folhetim. Gostaríamos de saber se a escolha deste formato se deu em decorrência, mais uma vez, de um esforço seu para recuperar a tradição.

Ariano Suassuna: Foi também isso. Não por acaso, folhetim é uma forma diminutiva de folheto, o que me permitia lembrar o parentesco entre os folhetins novelescos e os folhetos da literatura de cordel (cheguei a escrever isso no posfácio da edição em livro d O rei degolado). Mas também escolhi esse formato porque li muito folhetim de jornal na minha vida. A gente recortava e colecionava as páginas das histórias que saíam no jornal.

Ariano Suassuna: Sim, de fato existem poucos grandes temas. CADERNOS: Aproveitando a referência a Murasaki Shikibu, a cultura oriental foi ou é objeto de seu interesse – mais precisamente o haicai, a arte do Ukiyo-e (gravuras japonesas), o teatro Kabuki?

CADERNOS: Qual é a situação do cordel hoje?

Ariano Suassuna: Sim, tenho muito interesse, sobretudo pela gravura japonesa – as obras de Hokusai, por exemplo.

Ariano Suassuna: O cordel está passando por uma fase difícil. Na verdade, toda a cultura popular está. A gente sofre o impacto da cultura de massa, essa cultura que vem de fora, sobre a qual já falamos aqui. De qualquer maneira, preciso dizer que, diante dessa pressão, a cultura popular vem exibindo uma capacidade de resis-

Mariângela Alves de Lima: Lendo seus livros, lembro-me com freqüência da exaltada declaração de João Melchíades, personagem de A Pedra do Reino: “Deus fala através das 48


Mariângela Alves de Lima: Segundo a perspectiva filosófica que o sr. adota, a categoria do trágico transcende a forma da tragédia e, de fato, o sr. a faz presente em todas as suas peças de teatro. O sentimento trágico da vida, no entanto, deságua no final em um sentido de esperança, que é a esperança da salvação. É possível que, tendo farejado o trágico, os profissionais de teatro evitem alguma das suas peças?

Ariano Suassuna: Não sei. Talvez seja um pouco culpa minha. Algumas das peças trágicas que escrevi eu não considero, até hoje, bem realizadas e por isso nunca as entreguei a ninguém. A única exceção foi Uma mulher vestida de sol, que liberei para a TV. As outras, ainda quero reescrever. CADERNOS: A crítica tem se dividido na hora de apontar a peça que melhor representa o seu teatro. Há quem aponte A pena e a lei como sua obra-prima, outros dizem que é Farsa da boa preguiça, e o Auto da Compadecida, como foi dito, já alcançou projeção internacional. O sr. tem clareza em relação a esse ponto?

pedras, sim, das pedras que revestem de concreto o trajo particular da Idéia”. No entanto, tenho observado entre os artistas de teatro um interesse maior pela linguagem do que pelas pedras, que são, afinal, a experiência sensível. O sr. reconhece esta tendência nos artistas que o cercam?

Ariano Suassuna: Normalmente, o público prefere o Auto da Compadecida. Eu, como autor, prefiro Farsa da boa preguiça, inclusive porque é uma peça escrita em versos e rimada. Mas tenho muito respeito pela visão do público, pela preferência do público.

Ariano Suassuna: Entre os que estão ligados a mim, não, não percebo essa tendência. CADERNOS: Na maioria de suas peças, o sr. trabalha em cima de textos alheios, geralmente oriundos do Romanceiro Popular, que dialogam com obras de autores clássicos – do teatro grego e ibérico (Plauto, Calderón de la Barca etc.), da commedia dell ar te. Isso contribuiu decisivamente para que o sr. se tornasse um autor teatral popular. Por outro lado, para um autor criativo como o sr., a fidelidade a essa arquitetura dramática não trouxe nenhuma sensação de limitação? Noutras palavras, existem formas teatrais que o sr. não explorou mas gostaria de tê-lo feito?

Mariângela Alves de Lima: Há mui tas esco las de tea tro novas e todas com difi cul da de para for mar biblio te cas. Estudar todas as suas peças é um pri vi lé gio de aca dê mi cos. O sr. tem pla nos edi to riais para sua obra tea tral?

Ariano Suassuna: No ano passado, quando me surgiu essa possibilidade, fui contra. Mas, acabando o primeiro volume do romance que estou escrevendo, talvez eu volte a esse projeto. E vou começar reescrevendo, pela quarta vez, Uma mulher vestida de sol; eu fiz esse texto aos 20 anos, reescrevi aos 30, mexi de novo para passar na TV e agora vou partir para a quarta versão, que vai ser a definitiva.

Ariano Suassuna: Não. Eu considero as fontes nas quais me baseio muito criativas; elas, inclusive, me ajudam contra essa coisa do naturalismo teatral, ao qual eu sempre me opus. Por isso, me dou por satisfeito com elas. 49


CADERNOS: Na dedicatória de sua peça A pena e a lei, publicada em 1971, o senhor se refere a uma “gloriosa expedição à África” que seria encetada por membros de sua família e expressa seu desejo de participar da viagem. Ela realmente aconteceu?

qual o sr. compendia e comenta todo o conteúdo do curso. O valor da obra ultrapassa de longe seu propósito confesso de apenas auxiliar os estudantes em seus estudos, pois se trata de um livro importante para quem quer que se interesse pelas teorias estéticas. Como o professor responsável que o sr. foi, preocupado com seus alunos, avalia o estado atual do ensino superior no Brasil? O sr. acha que houve uma perda de responsabilidade?

Ariano Suassuna: Isso foi uma brincadeira. Quando eu era menino, meu irmão Marcos, que é cinco anos mais velho do que eu, dizia que ele e minha irmã Germana iriam fazer uma viagem à África, para caçar, e que não me levariam porque eu só daria trabalho. Eu chorava e ia me queixar a minha mãe, que me confortava: “Deixe disso, eles não vão pra África, não”. E eu: “Vão sim”. E aí minha mãe dizia: “Faça você uma viagem para a África”. Eu não me conformava: “Mas eu quero ir é na deles!” Era uma brincadeira nossa. Na verdade, nunca saí do Brasil.

Ariano Suassuna: Agora estou aposentado, não acompanho o ensino como antes. Mas, falando da minha experiência, modéstia à parte, fui um professor muito dedicado. Eu tinha vocação para professor. Tinha e tenho. CADERNOS: O sr. continua com as aulas-espetáculo?

Ariano Suassuna: Continuo. Aliás, quando me aposentei, um colega deu um depoimento sobre o “Ariano professor”, chamando a atenção para as minhas aulas, sempre lotadas de penetras. Pois as aulas que eu dava naquele tempo já eram aulas-espetáculo. Tinham o mesmo espírito – eu juntava o professor e o palhaço. Ao mesmo tempo, era dedicado e por isso cheguei a escrever um livro para eles estudarem.

Guel Arraes: O que você gostaria de ver na televisão e que filmes admira?

Ariano Suassuna: Na TV, gostaria de ver uma adaptação de Dom Quixote. Quanto a filmes, gosto muito de Kurosawa, já que falamos ainda agora sobre cultura japonesa. Não gosto de Ingmar Bergman, a não ser de um filme, O sétimo selo. Moacyr Scliar: A sua Aula é uma bela combinação de conferência com espetáculo. Em sua opinião, é essencial a comunicação direta entre escritor e público? Escreveria você sob pseudônimo?

CADERNOS: Nesse livro, Iniciação à Estética, citado há pouco, o sr. traduz vários trechos de obras de filósofos aos quais os seus alunos dificilmente teriam acesso. A atividade sistemática de tradução nunca o atraiu?

Ariano Suassuna: No meu caso, eu me sinto muito bem quando estou em contato com o público. Com relação ao pseudônimo, nunca pensei em utilizar, mas tenho personagens que usam. Nesse novo romance, dois irmãos, Auro e Adriel, publicam um livro de poemas sob o pseudônimo de Alberto Cervonegro.

Ariano Suassuna: Eu traduzi um livro, de encomenda [A revolução que nunca houve – O Nordeste do Brasil 1955-1964, de Joseph A. Page, 1986]. Mas eu não gosto de traduzir e também não tenho tempo para isso. O pouco tempo que tenho deve ser voltado para os meus próprios livros.

CADERNOS: Dos anos em que o sr. lecionou Estética no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco resulta, sob a forma de legado aos estudantes, o volume Iniciação à Estética, no

CADERNOS: Como surgiu seu interesse pela filosofia?

Ariano Suassuna: Comecei a me interessar por filosofia através de dois irmãos mais velhos, Lucas 50


e Marcos. Lucas levou para Taperoá uma história da filosofia, que eu, adolescente, comecei a ler com muito gosto. Depois, já no Recife, eu com 18 anos, Marcos apareceu em casa com as obras completas de Nietzsche. Foi a semente.

buna para eu continuar a fazer minha pregação. É assim que eu vejo essa atividade. CADERNOS: E como tem sido a repercussão dessa tribuna?

Ariano Suassuna: Eu recebo muitas cartas; estou sendo cada vez mais ouvido.

CADERNOS: Em que medida sua experiência como professor funcionou como uma espécie de laboratório de suas intervenções culturais mais expressivas, seja no plano teórico (com a criação do Movimento Armorial), seja na esfera prática (as duas gestões como secretário da Cultura)?

CADERNOS: O sr. tem uma audiência privilegiada entre os jovens. Por que um jovem deveria se dedicar à literatura nos dias atuais?

Ariano Suassuna: Eu digo sempre, quando eles me procuram, que para mim literatura e vida são uma coisa só. Se for assim para eles, muito bem, que sigam em frente. Deste modo, eles poderão encontrar um caminho de grande esperança. Eu pretendo terminar este livro que estou escrevendo para, entre outras coisas, mostrar ao Brasil uma imagem dele mesmo. Se não for a imagem real, se os políticos traírem essa imagem, eu pelo menos terei mostrado aquilo que o Brasil poderia ter sido e não foi. Eu tenho dito que um país que tem Os sertões pode ser dominado politicamente, pode ser aviltado, mas estará sempre a salvo. Você pode invadir a Espanha, mas enquanto existir o Dom Quixote a gente sabe o que é a Espanha verdadeira. Com Os sertões é assim também. É isso que vou tentar com esse livro novo. É por isso que um jovem pode ainda acreditar na literatura.

Ariano Suassuna: Foi fundamental. Digo isso não apenas em relação à minha atividade em sala de aula, mas também considerando meu trabalho à frente do Departamento de Extensão Cultural da Universidade de Pernambuco. A formulação teórica deve ser conseqüência da prática, e não o contrário. CADERNOS: Dedicado simultaneamente à poesia, ao romance, ao teatro e à crônica jornalística, e ainda se ocupando da montagem de suas peças e da ilustração de seus textos, sem falar das aulas-espetáculo e de tantas outras atividades criativas, como o sr. divide seu tempo? Qual a sua rotina de trabalho? Como era antes, quando o sr. ainda lecionava, e como é hoje?

Ariano Suassuna: Não mudou muito, não. Desde a época em que eu era professor, sempre escrevi de manhã – só aceitava dar aulas à tarde. Pois bem, continuo com a mesma rotina: escrevo todas as manhãs; primeiro à mão, depois datilografo e passo a limpo de novo à mão. CADERNOS: O que significa para o sr. escrever na imprensa regularmente? Não o incomoda o fato de escrever por encomenda?

Ariano Suassuna: Vejam bem, eles me dão liberdade de escrever como queira, por isso não me incomoda, certo? Achei que escrever regularmente em jornal seria uma forma de continuar o trabalho que iniciei na Secretaria de Cultura. Seria uma tri51


Taperoá, São José do Belmonte e outros impérios aventurados


G E O G R A F I A P E S S OA L


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Embora considere a poesia o centro de sua obra, Ariano Suassuna tem preferido guardar a parte mais vigorosa de seus poemas para o romance que vem escrevendo com “novas e sensacionais aventuras de Quaderna, o Decifrador”. Isto porque, no novo livro, o escritor pretende reunir todas as habilidades artísticas que possui, algo apenas iniciado n’ A Pedra do Reino. Se lá já apareciam suas gravuras e poesias, na próxima empreitada ficcional, ainda sem título, Ariano quer integrá-las à própria trama do romance – para não falar do teatro, que, do mesmo modo, estará presente no corpo da narrativa. Nesta seção, os CADERNOS publicam a reprodução de um inédito “martelo gabinete” – forma poética típica dos cantadores populares do Nordeste, com estrofes de seis versos de dez sílabas – escrito em 1991 especialmente para o novo livro (embora “não vá estar no primeiro volume”, conforme esclarece o autor). O poema vem apresentado em “estilogravura”, trabalho em preto e branco feito à mão com ponta de metal sobre papel. A seção traz ainda o manuscrito de uma passagem do “Folheto XLIV – A visagem da Moça Caetana”, que Ariano Suassuna considera a chave do Romance d’ A Pedra do Reino, e reproduções de sete iluminogravuras de álbuns lançados anteriormente. As iluminogravuras combinam iluminura medieval com modernos processos de gravação em papel. Primeiro, Ariano faz o desenho e escreve o texto, sempre à mão, em nanquim sobre papel branco. Depois, produz cópias dessa matriz em off-set. Por fim, pinta à mão, com guache e/ou óleo, cada cópia (as tiragens, em geral, são de 50 exemplares).

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ENSAIOS

O decifrador de brasilidades Idelette Muzart Fonseca dos Santos

É preciso merecer a graça da escrita. Não é qualquer vida que gera obra deste calibre. Carlos Drummond de Andrade, sobre A Pedra do Reino

Desde as primeiras formulações da história da literatura, a articulação entre a vida e a obra de um autor permaneceu um crivo indispensável à compreensão do crítico: lendo uma através da outra ou fingindo sua total dissociação, as perspectivas mudaram ou evoluíram na busca de um ponto de equilíbrio. Apesar da dificuldade do exercício, tal abordagem revela-se necessária para entender alguns autores que, mais do que outros, talvez, viveram sua obra e mantiveram na sua escrita um laço estreito, fundante, com sua vida. Ariano Suassuna é um destes escritores. Não publicou memórias, nem autobiografia, nem diário íntimo, mas deu aulas, como professor, deu entrevistas e tem mantido colunas em jornais e revistas nas quais o intelectual fala na primeira pessoa e deixa escapar lembranças e sonhos do adolescente e do homem. Na sua obra maior, aquela que guardaria se tivesse de jogar fora o resto dos seus escritos (como o confessou em mais de uma ocasião), no Romance d’A Pedra do Reino, e particularmente no seu segundo volume, História d’O rei degolado nas caatingas do sertão: Ao sol da Onça Caetana, ocorreram sutis deslizes narrativos e bruscamente as lembranças do menino de três anos invadiram a fala do narrador na evocação dos raros momentos vividos ao lado do pai, assassinado em 1930. Apesar da perda irreparável, a presença/ausência do pai ilumina toda a infância de Ariano, guia a formação do jovem e do intelectual que encontra,

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nos livros da biblioteca paterna, os ecos de suas preferências: Euclides da Cunha, Gustave Bédier, Leonardo Mota e muitas outras admirações ou amizades do pai passam para o filho, que as incorpora e constrói, a partir destas leituras, seu primeiro universo poético. Mais tarde, outras leituras e outros encontros levarão o escritor a matizar estas primeiras escolhas, a analisar criticamente estes autores, que permanecerão contudo a base de sua criação artística: Ao se ver diante do povo [...] do sertão, [Euclides da Cunha] tomou de repente seu lado, ele que partira de São Paulo como um cruzado da República, da cidade e do Brasil oficial, para esmagar a ameaça da “barbárie” e do “fanatismo sertanejo”. Seu grande livro resultou, portanto, de um choque, da conversão de Euclides da Cunha diante daquele Brasil brutal, mas real, que ele via pela primeira vez em Canudos, e que amou com seu sangue e com seu coração, se bem que não tenha compreendido inteiramente com sua cabeça, formada pelo Brasil oficial. […] Terrível e dolorosa ironia: a falta dessa visão que o Conselheiro tinha do mundo – com seu comunitarismo ascético, pobre e despojado e sua concepção da grandeza e do significado religioso do sofrimento – foi a única coisa que impediu Euclides da Cunha de se elevar às alturas de um Dostoiévski ou de um Tolstói. Mas ele foi o único escritor brasileiro que se aproximou disso.”1 Mas o elo paterno ou sua lembrança viva parece continuar guiando os passos do filho quando escolhe a data de 9 de outubro do ano 2000 para sua recepção na Academia Paraibana de Letras, onde já tinha sido eleito sem nunca tomar posse: na data de aniversário da morte do pai, 70 anos depois, Ariano Suassuna recebe as honras da cidade onde nasceu e que adotou o nome do inimigo político dos Suassuna, também assassinado em 1930, João Pessoa, nome que o escritor se recusa a pronunciar, preferindo indicar na sua biografia o nome antigo da capital do Estado da Paraíba, Cidade de Nossa Senhora das Neves. Para falar do homem Ariano, precisa-se ultrapassar as máscaras e as polêmicas. Ninguém melhor para tal feito do que Hermilo Borba Filho, amigo do jovem estudante e do homem feito, companheiro do teatrólogo, admirador do poeta e leitor assíduo do escritor:

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Magro e alto, de uma coerência extremada, radical em suas opiniões, é preciso vê-lo numa discussão com amigos (com inimigos basta que se leiam os seus artigos): zombeteiro, argumentador desnorteante, irreverente. Vive, com a maior convicção, o preceito de Unamuno de que o artista espalha contradições. É capaz de destruir o argumento mais sério com uma piada ou sair-se com um problema metafísico dos mais angustiantes numa conversa ligeira. Tem horror aos aparelhos modernos – enceradeira, vitrola, televisão, rádio, telefone –, considerando-os coisas do demônio. Gostaria de crer em Deus como as crianças, mas crê com angústia, fervor e perguntas. Não vai a reuniões oficiais, jantares, coquetéis, espetáculos, mas amanhece o dia num bate-papo ou ouvindo repentistas. Tem pavor de avião e se martiriza com uma alergia que lhe dá comichões no nariz. Seu caráter é ouro de lei e, embora o negue, esforçase para amar os inimigos como manda o Evangelho. Pode, pessoalmente, atacar um amigo, mas defende-o de público até com armas na mão. A arte e a religião são por ele encaradas de maneira fundamental”2. Entre vida e obra, os tempos divergem, mas o ritmo da vida cruza em mais de uma ocasião o tempo da obra: são momentos privilegiados em que o homem e o artista escolhem novas vias ou confirmam a direção já trilhada. Entre as constantes que guiaram a vida e orientaram a obra de Ariano Suassuna estão a busca da poética popular como modelo de criação e a consciência do seu engajamento em prol da cultura brasileira. A demanda da poética popular Ainda adolescente, Ariano Suassuna escolhe seu rumo poético e nunca abandonará sua rota: a busca da poética popular manifesta-se já nos primeiros poemas publicados nos suplementos literários dos jornais do Recife (“Os Guabirabas”, “Beira-mar”), na primeira manifestação pública organizada pelo jovem estudante, em 1946, uma cantoria realizada no Teatro Santa Isabel e, poucos anos depois, no entremez para mamulengo escrito em Taperoá, Torturas de um coração ou Em boca fechada não entra mosquito. Só duas décadas depois,

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após um longo amadurecimento na escritura de várias peças teatrais e um romance, encontra sua formulação estética como “arte armorial”. Canto improvisado, folheto ou romance tradicional, danças populares ou espetáculo de marionetes, o conjunto complexo constituído pelas manifestações tradicionais orais ou escritas impõe-se através da obra de Suassuna como um objeto artístico. Esta objetivação representa uma etapa conduzindo a uma reflexão estética nova: deixa de se considerar a arte popular como primitiva ou “naïve” para vê-la simplesmente como arte, cujo grau de elaboração e complexidade pode ser apreciado de modo autônomo e independente de qualquer hierarquia social dos valores estéticos, agindo como um “revelador cultural”. A relação com a cultura oral e popular nordestina, em vez de limitar a obra de Suassuna a um regionalismo ou nacionalismo estreito, incentiva a uma viagem dentro das culturas brasileiras e universais: a forma dos autos populares e uma etnocenologia avant la lettre remetem para os instrumentos da catequese do período dito colonial, que, por sua vez, articulam práticas medievais e tradições judaicas e árabes. No Nordeste, espaço onde se criou, na fórmula de Darcy Ribeiro, a matriz étnico-cultural original que garantiu, através dos últimos dois séculos, a coerência da identidade brasileira, a transmissão oral funda uma “memória longa” que ultrapassa os limites da cronologia brasileira. O nacionalismo afirmado de Suassuna apresenta-se então como uma busca da diferença, da multiplicidade cultural, e jamais como exaltação unanimista e nostálgica. Ao proclamar a existência do Movimento Armorial, nos anos 70, Ariano Suassuna assume publicamente seu compromisso com a arte popular e define a arte armorial na sua relação com as literaturas da voz e do povo, fundamento de sua criação, com a cantoria, que inspire aos poetas armoriais uma nova poética, ancorada na improvisação e numa organização genérica nova, mas presente também como tema com a personagem mítica do cantador; o folheto e o romance, como texto oral e popular, submetido à reescritura parcial ou total, citado ou plagiado, mas sempre reivindicado como modelo de integração artística e signo de um novo processo criativo; a imagem, desenho ou gravura, que mantém com o texto popular uma relação estreita e ambivalente, que os artistas armoriais procuram preservar (ou reencontrar) nas suas obras plásticas tanto quanto nas literárias, graças à narratividade da gravura ou à emblematização do

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relato; a música, enfim, presente na cantoria, no canto do romance e em todas as danças dramáticas e espetáculos populares que os músicos do Movimento pesquisaram. A referência à obra popular constitui o cimento do Movimento Armorial e confere-lhe sua peculiaridade na história da cultura brasileira. Orienta a pesquisa e condiciona a criação. Contudo, não poderia ser exclusiva: o Movimento não reúne artistas populares, mas artistas cultos que recorrem à obra popular como a um “material” a ser recriado e transformado segundo modos de expressão e comunicação pertencentes a outras práticas artísticas. Esta dimensão culta e até erudita manifesta-se tanto na reflexão teórica, desenvolvida em paralelo à criação, quanto na multiplicidade das referências culturais. Para explicar o papel dos mestres na formação do artista, Suassuna costuma citar Thomas Mann: “Ninguém pode adquirir o que não possuía ao nascer, nem desejar o que lhe é estranho”3. As referências culturais dos escritores e dos artistas devem portanto ser compreendidas como confluência de interesses – mais do que mera influência. Gil Vicente, Calderón de la Barca, Cervantes, José de Alencar, Euclides da Cunha ou Federico García Lorca foram identificados como os “mestres” de Suassuna e de outros artistas armoriais, na medida em que tiveram objetivos ou caminhos comuns ou próximos. Uma grande coerência aparece na escolha, consciente ou inconsciente, destes “modelos”: está na relação estreita que todos eles mantêm ou mantiveram com a cultura popular do seu país ou da sua região. A obra do escritor letrado, ou considerado como tal, pode constituir uma via de acesso, “de segunda mão”, à cultura oral: o teatro de Gil Vicente para Ariano Suassuna, por exemplo. As escolhas culturais de Ariano Suassuna e dos artistas armoriais revelam várias afinidades, entre elas o interesse pela arte medieval. Afirma-se tanto na escolha da Tapisserie de la Reine Mathilde, de Bayeux, como modelo do mural A Batalha dos Guararapes, de Francisco Brennand, quanto na criação musical armorial4. Mal-entendido ou ambigüidade voluntária? A constatação de que a cultura popular nordestina mantém características medievais – sendo a primeira delas a força poética da voz – leva Suassuna a certas escolhas quanto ao modo de recriar esta “matéria popular”, no campo musical em particular. A teoria musical, por ele elaborada, visa à criação de uma música erudita a partir da músi-

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ca popular através do desenvolvimento dos elementos eruditos que nela se encontram: ecos de músicas de corte nos romances ibéricos, influência do canto gregoriano e outros. O risco de anacronismo existe, e outros músicos, como o grupo tropicalista, em 1965, preferiram a via do confronto brutal no enfrentamento desses anacronismos. A via armorial é outra: tenta manter uma coerência interna através da escolha dos seus instrumentos de recriação. O Barroco ibérico – ao qual Suassuna se refere em múltiplas ocasiões – representa, por sua vez, outro anacronismo ao evidenciar a influência notável dos motes medievais. O mal-entendido parece centrado na dimensão heráldica e emblemática do Movimento Armorial. Segundo o crítico Affonso Romano de Sant’Anna, que traduzia uma atitude freqüente, nos anos 70, entre os intelectuais brasileiros, os dois aspectos fundamentais da teoria armorial eram o emblemático e a recriação da Idade Média5. Alguns leitores mais recentes da obra de Suassuna transformam este comentário em bandeira, mesmo quando suas próprias análises contradizem ou relativizam esta afirmação. Ora, tais dimensões existem, ainda que a chamada “recriação medieval” seja freqüentemente confundida com a presença das literaturas da voz que correm nas memórias e afloram nos textos, desde a Idade Média – no que se refere às línguas neolatinas – até a época contemporânea: apresentam características narrativas e temáticas tradicionais e não medievais, como foram apressadamente classificadas. Decorrem da relação primeira e “fundadora” da arte armorial com a poesia oral e popular. A literatura emblemática armorial é, por sua vez, bastante afastada da Idade Média e o romance de Raimundo Carrero, citado no referido artigo de Sant’Anna, deve muito mais à obra teatral de Federico García Lorca do que à visão maniqueísta, imaginária e fantástica de um medievo brasileiro. Uma estética da recriação Tudo o que faz que um texto mantenha relações textuais com outros textos constitui, segundo Gérard Genette, a transtextualidade6. As relações que o texto armorial mantém com a literatura oral e popular definem-se como uma ou outra dessas práticas transtextuais. Além da referência popular, constituem um dos elementos fundadores da poética armorial. Se a intertextualidade parece mais con-

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creta, implicando a presença real de um texto dentro do outro, a hipertextualidade representa a prática geral, menos explícita e visível, freqüentemente complexa. As manifestações intertextuais são, de fato, numerosas e assumem geralmente a forma de uma citação: citações autênticas, integrais ou truncadas, citações deformadas ou disfarçadas, citações plagiadas. No caso das citações de texto popular, a origem é evidenciada e reafirmada pelo texto de Suassuna: tem por função principal garantir a autenticidade da narrativa, mas pode representar uma forma de álibi, permitindo introduzir noções e termos com a caução, verdadeira ou suposta, da aceitação coletiva, o “selo do popular”. Tal processo criativo apóia-se sobre uma validação exterior ao texto, sobre um reconhecimento do passado visando uma melhor compreensão do presente. A reescritura de um folheto, em forma de entremez ou em peça de teatro, representa a prática mais freqüente de Ariano Suassuna. A reescritura permanece pontual e delimitada (um folheto transforma-se em um ato), mas introduz um processo de recriação do qual só manifesta a primeira etapa. Assim reescreve-se o folheto no entremez e o entremez na peça. Uma reescritura esconde a outra, e várias outras, admitindo-se que, herdeiro das vozes tradicionais, o folheto é fruto de reescrituras e transformações textuais sucessivas. Estas reescrituras em cascata permitem integrar outros textos ainda – populares, tanto quanto eruditos –, criando assim um texto inteiramente novo que, mesmo conservando algumas marcas de suas origens e dos caminhos percorridos no seu processo de elaboração, tornou-se completamente outro graças a esta convergência textual. As principais transformações, relativas ao esquema narrativo, ao papel dos atores etc., introduzem novas motivações e novas significações na obra armorial, sendo a este respeito exemplar o teatro de Ariano Suassuna, que, a partir de textos múltiplos e reescrituras sucessivas, adquire uma dimensão religiosa e humanística ampla. Ao emprestar da literatura oral e popular um dos seus principais modos de criação, a obra de Ariano Suassuna e a obra armorial não escapam à lógica do processo: como qualquer texto oral, o texto armorial não será jamais acabado, concluído, fechado. Ele permanece “por essência” aberto à retomada, à transformação pela escritura ou numa outra dimensão artística. Suassuna experimenta um modo de “reprise” que se pode qualificar de auto-redução: a retomada da obra já

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concluída e publicada. Ariano Suassuna escreve, nos anos 90, uma “Versão para europeus e brasileiros sensatos” do Romance d’A Pedra do Reino, traduzida para o francês e publicada em 19987. Trata-se de um texto diferente do original, graças a uma reorganização da obra publicada em 1971, transformando sua estrutura e a cronologia inicial. As citações foram consideravelmente reduzidas, perdendo a dimensão de caução social e nacional: como não podem ser identificadas por um leitor incapaz de perceber sua significação cultural, as citações foram mantidas em função de seu grau de integração na narrativa, quando a assumem semântica ou metaforicamente. Tais versões reduzidas de um romance incompleto – uma vez que se apresenta como a primeira parte de uma trilogia –, que insiste em oferecer ao leitor “chaves” para textos futuros, assemelham-se a ensaios sucessivos, tão fugitivos e momentâneos quanto o canto improvisado. Eis, talvez, a mais profunda originalidade de Ariano Suassuna e de alguns artistas do Movimento Armorial: tomaram emprestada da literatura popular, além dos seus temas e dos seus modelos poéticos, uma estética nova, herdeira da voz, do instante, do improviso, do provisório, uma estética em movimento que não imobiliza a obra, convertendo-a em “obra-prima” imutável, uma estética que se alimenta de suas próprias obras tanto quanto das obras alheias, num ciclo infinito de retomadas e empréstimos. O Movimento Armorial permaneceu constantemente em busca de sua própria identidade: artistas encontraram nele um apoio crítico e uma acolhida fraterna, outros assumiram alguns dos seus objetivos mas recusaram qualquer forma de organização. O Movimento existiu, de fato, através de obras que atestam sua vitalidade e de artistas que às vezes se preocuparam com uma possível limitação. Testemunha, contudo, da originalidade de uma atitude criadora que encontrou na voz popular uma fonte temática e formas poéticas novas, fundando uma estética que sobreviveu ao Movimento. Entre popular e letrado, entre oral e escrito, o Movimento Armorial desempenhou, na cultura brasileira, um papel original e talvez único. Reunir poetas e gravadores, músicos e escritores, pintores e homens de teatro, ceramistas e bailarinos num projeto cultural, num movimento, por menos codificado e formalista que seja, parece um desafio no Brasil, onde a originalidade da criação artística e sua singularidade são consideradas dogmas.

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O engajamento cultural e político A raridade dos meios em homens, artistas e dinheiro representa um dos principais fatores desta quase obsessão do “movimento” que parece caracterizar a vida cultural de Pernambuco. O Movimento Regionalista e Tradicionalista de 1926, a Sociedade de Arte Moderna do Recife em 1948, o Movimento Armorial em 1970, apesar de divergências profundas de opiniões e objetivos, manifestam a mesma busca de união entre os artistas para participar de modo mais estreito e eficaz do desenvolvimento cultural de sua região, do seu país. Em tal contexto, a noção de identidade cultural adquire singular importância: o homem e a sociedade não podem limitar-se a pedir emprestados fórmulas, modelos de pensamento, de escritura, de ação, dos mais ricos ou dos mais informados cultural ou economicamente, mas devem criar, a partir de sua própria cultura e com os meios disponíveis, mesmo que reduzidos, uma cultura original, peculiar, com a qual a comunidade poderia identificar-se e participar plenamente. O engajamento de Ariano Suassuna foi constantemente assumido em prol da cultura brasileira. As primeiras manifestações deste engajamento (1946-69) foram coletivas, feitas pelo grupo de estudantes que, sob a influência de Hermilo Borba Filho, se propôs a pensar e trabalhar com vistas à criação de uma arte dramática nacional que refletisse as idéias, os problemas e interesses do povo. Entre os integrantes desse grupo, figuram José Laurenio de Melo – poeta que, com Hermilo Borba Filho, exerce uma influência considerável na formação de Suassuna – e muitos outros. Fundam, naquele mesmo ano, o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), que será, durante vários anos, um campo de experiências, de descobertas e de criações artísticas. O TEP estimulou, fundou e encenou as primeiras manifestações de uma dramaturgia nordestina, que representa o que nossa tradição, nossos contos e mitos, nosso romanceiro e nosso espírito populares têm de mais verdadeiro e profundo. Embora tendo o teatro como atividade básica, realizou, sem dinheiro nem apoio, um movimento artístico completo, total, que alcançou quase todas as artes, sendo escola de autores, encenadores,

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cenógrafos, mas também de pintores, músicos, poetas, novelistas, estudiosos das tradições e artes do povo; criou uma editora e lançou livros8. Desaparecido o TEP, em razão de dificuldades financeiras, a editora, O Gráfico Amador, constituiu-se, por sua vez, em notável centro cultural, ponto de encontro e salão literário onde se elaboraram projetos de criação de grupos de teatro amador para estudantes ou operários, onde jovens autores podiam ler suas obras, onde viveria uma arte nordestina que rompeu com os academismos9. A pedido do Gráfico Amador, e para um grupo de teatro que reúne essencialmente alunos de colégio, o Teatro Adolescente de Recife, Ariano Suassuna escreve, em 1955, uma peça que conhece um sucesso imediato: o Auto da Compadecida. O novo engajamento coletivo em prol da cultura será, em 1959, o lançamento do novo grupo teatral, o Teatro Popular do Nordeste (TNP), que recusa o teatro de simples diversão – tanto quanto o puramente político – e assume, por sua vez, o papel de centro cultural, que tinha caracterizado o TEP e o Gráfico Amador. Professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco, Ariano Suassuna torna-se aos poucos mestre e conselheiro da jovem geração, dos artistas em particular. Em 1969, ocupa a direção do Departamento de Extensão Cultural (DEC) dessa universidade: transforma-o rapidamente num verdadeiro laboratório de pesquisa multidisciplinar, onde se encontram escritores, artistas plásticos e músicos. Convoca músicos nordestinos – gente famosa como Guerra-Peixe, ou talentos desconhecidos – para trabalhar conjuntamente na elaboração de uma música erudita nordestina, a música armorial. De 1970, data da proclamação do Movimento, até final de 1974, quando Suassuna deixa o DEC, estende-se a fase dita experimental do Movimento. Uma nova fase do Movimento Armorial corresponde também a um novo ponto de apoio estratégico: em março de 1975, Suassuna torna-se secretário de Educação e Cultura do Município de Recife, a pedido do novo prefeito, Antônio Farias. Procura desenvolver uma política de pesquisa e criação artística semelhante àquela realizada no DEC, mas com objetivos mais concretos e ligados a estruturas culturais existentes em nível municipal, tais como a Orquestra Sinfônica do Recife, o Coral Guararapes, a Orquestra Popular, o Balé Popular do Recife, a Orquestra Municipal. Às estruturas já existentes, vem

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juntar-se o conjunto de atividades artísticas, literárias e musicais do Movimento Armorial, tais como a criação da Orquestra Romançal, a partir do Quinteto Armorial, uma política de co-edição com a editora Artenova, do Rio de Janeiro, várias encomendas a escultores populares, uma tentativa de relançar a tapeçaria armorial com os Tapetes de Casa Caiada etc. Sem pretender, como alguns dos seus detratores, que Ariano Suassuna “foi” o Movimento Armorial, não se pode negar que o Movimento só existiu por ele e graças a ele: não por se tornar um mestre ditatorial que comandava a criação dos artistas, mas porque, ao identificar pontos comuns e tendências paralelas em artistas e escritores, permitiu a sua reunião em torno de um centro, o Movimento, e deu-lhes os meios de realizar seus projetos e seus sonhos. Proporcionar aos artistas meios de expressão transformou-se, a partir de 1969, numa preocupação constante de Suassuna, que o levou a aceitar cargos na administração universitária e mais tarde na municipal, onde podia desempenhar esse papel de promotor e provocador da criação artística. Tenho espírito público; gostaria de fazer pela cultura brasileira mais ainda do que faço, porque, sem julgar que todo mundo deva ser como eu, acho que tenho obrigações de indicar caminhos brasileiros no maior número de campos artísticos e literários que me seja possível10. A intimidade do elo entre o Movimento Armorial e Ariano Suassuna manifestou-se plenamente quando o Movimento se desfez e o aviso “não oficial” foi concretizado num curto artigo, datado de 9 de agosto de 1981, publicado no Diário de Pernambuco, em que Ariano Suassuna comunicava a sua retirada da vida pública e da literatura. O aparente, e tão apressadamente comentado, “fracasso” do seu engajamento cultural juntou-se às dúvidas e questionamentos de um escritor e de um homem que se declarou sempre “perturbado por sonhos, quimeras e visões até utópicas da vida e do real”11. Se Quaderna afirmava jocosamente que a “retirada ilustre” era uma das especialidades do Exército brasileiro, o retiro de Suassuna foi de reflexão e revisão política, poética e mística. Durou quase dez anos. Desde os anos 50 e 60, de efervescência e lutas políticas, Suassuna recusava o engajamento político do artista tal como era então “exigido” e distinguia

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sua responsabilidade de criador, em relação à cultura brasileira, do seu papel de cidadão. Violentamente criticado nas suas opções por uma intelectualidade progressista ou esquerdista, mantém relações pessoais amistosas e às vezes fraternas com personalidades e artistas engajados em movimentos, como o Movimento de Cultura Popular, de Paulo Freire, ou no governo de Miguel Arraes, como Hermilo Borba Filho e Francisco Brennand. Contudo, o reaparecimento de Suassuna na vida pública, após um longo “jejum” iniciado em 1981, foi, em primeiro lugar, um ato político. Numa entrevista intitulada “O Brasil, seu povo e seu destino, segundo Suassuna”, concedida ao jornalista Geneton Moraes Neto em 1989, Ariano Suassuna revela a profunda transformação de sua filosofia e visão de mundo: “A visão de um Brasil rural, palco do sonho sertanejo de um país despojado, versus um Brasil urbano – habitado por comerciantes, burgueses e pequenos funcionários mesquinhos até nos pequenos crimes que cometem”12. Este olhar não resistiu à reflexão sobre o mundo e à mudança estrutural da sociedade brasileira. Ariano redefine a contradição, glosando a distinção estabelecida por Machado de Assis entre o “país real”, que é o do povo, e o “país oficial”13. Assim, retomando novamente e sempre a história de Canudos, afirma: “A crença de que o Brasil real, o do Povo e do Conselheiro, só se podia realizar no campo, esta acabou quando descobri que qualquer Favela urbana era um Arraial de Canudos encravado na Babel das cidades”14. Reafirmando o papel dos poetas na construção da sociedade: É a força do Povo, anunciada e revelada pelo sonho e pela voz dos Poetas, que molda o País e preludia o futuro. Cervantes era o porta-voz de seu Povo – e por isso eu pude dizer, já, uma vez, que a Espanha não seria o que é hoje se aquele Poeta não tivesse sonhado e forjado o Dom Quixote15. Confirmando um pensamento “terceiro-mundista”, ele explica seu apoio ao Movimento Negro como a única maneira possível para “um escritor nascido no patriarcado rural e muito marcado pelas deformações que resultam disso” de se colocar ao lado de um dos setores mais oprimidos e injustiçados da sociedade brasileira. Interessante notar a repercussão desta reflexão de Suassuna

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sobre um dos conceitos fundamentais do Romance d’A Pedra do Reino, retomado e reafirmado na sua tese de livre-docência16, o sonho do “castanho”: […] minha idéia do castanho – como todas as visões semelhantes formuladas pelos discípulos de Silvio Romero – era uma forma inconsciente de racismo. O meu sonho de castanho, que era uma transfiguração do pardo de Euclydes da Cunha, baseava-se inconscientemente num impulso de apagar a “mancha negra”, que se diluiria nesse “pardo” da “raça brasileira futura”, como se profetizava em Os Sertões17. Finalmente, esta filosofia política renovada, contudo sempre fiel às suas opções fundadoras, expressa-se perfeitamente num texto – escrito a pedido de um ministro da Justiça e engavetado pelo seu sucessor – que Ariano Suassuna leu durante a Aula magna, proferida na Universidade Federal da Paraíba em 16 de novembro de 1992: Em Canudos, a bandeira usada pelo povo era a do Divino Espírito Santo, a bandeira do país real, que é o do povo pobre, negro, índio e mestiço. O país que o Brasil oficial, o dos brancos e poderosos, mais uma vez, e como já sucedera em Palmares, iria esmagar e sufocar ali, confrontando-se então duas visões opostas de justiça. Como era de esperar, a “justiça” dos poderosos esmagou a do povo. Os acontecimentos de Canudos continuam a se repetir no Brasil a cada instante. Em todos os lugares, em todos os campos de atividade, diariamente, incessantemente. Quando, no interior, uma milícia de poderosos, governamental ou não, assassina um pobre posseiro e sua família, é o Brasil dos que incendiaram, assolaram e arrasaram Canudos que está atirando e matando o Brasil real, o do povo. Quando, numa cidade qualquer, a polícia invade e destrói uma favela, é outro dos inumeráveis arraiais de Canudos, pertencente ao Brasil real, que está sendo destruído e assolado pelo Brasil oficial. E temos que, ao mesmo tempo, ampliar e restringir a imagem para que ela se torne realmente eficaz. Ampliá-la, no plano internacional, para dizer que, diante de outros países, ricos como os Estados

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Unidos ou poderosos como a União Soviética [quando eu escrevi, ela ainda existia], o Terceiro Mundo é um imenso arraial de Canudos, pobre e injustiçado. De modo que, quando os Estados Unidos invadem o Panamá e Granada, ou ameaçam a Líbia; quando a União Soviética invade o Afeganistão; quando a França se impõe ao Chade e quando todos se juntam para esmagar o povo do Iraque, são todos arraiais de Canudos que estão sendo esmagados ou humilhados. Mas, para não sermos hipócritas, temos também que restringir a imagem à nossa vida pessoal, pois, ou reconhecemos as nossas culpas ou nunca começaremos a lutar contra o inferno interior que cada um de nós guarda dentro de si. Tenhamos, então, a hombridade de reconhecer que nossos caros patrícios possuem seus arraiais de Canudos: quando na casa de qualquer um de nós, brasileiros brancos e privilegiados, um casal oprime e explora uma empregada doméstica negra e pobre, é o Brasil oficial que está humilhando o Brasil real, e violando a dignidade do seu direito. Ao falar assim, procuro não ser otimista nem pessimista. Sonho, apenas, esperançoso, com um futuro que sei difícil, mas não considero impossível. Por isso, digo ainda que, no Brasil, a justiça somente será efetiva quando um dia se anular essa terrível dilaceração de opostos, quando afinal se transformar, através de uma fusão, de uma identificação verdadeira e fraterna, a justiça do país oficial, segundo a imagem e semelhança da justiça do Brasil real. Ou, em palavras mais exatas, quando a justiça do país oficial, pela primeira vez em nossa atormentada história, se tornar expressão perfeita e acabada da justiça do país real”18. Entre as conseqüências imediatas desta revisão, está o engajamento do cidadão Ariano Suassuna num partido político, o Partido Socialista Brasileiro, o apoio a seus candidatos à Prefeitura do Recife ou ao governo de Pernambuco e, posteriormente, sua aceitação do cargo de secretário da Cultura na segunda gestão de Miguel Arraes, o que lhe permite, desta vez, juntar seus engajamentos políticos e culturais. O plebiscito de 1993, previsto na Constituição de 1988, sobre a escolha da forma de governo, que pedia ao povo para optar entre Presidencialismo e

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Parlamentarismo e, depois, entre República e Monarquia, proporciona a Ariano Suassuna uma oportunidade para mais uma revisão filosófica e política, bem menos importante e profunda do que a primeira: o esclarecimento do seu tão comentado monarquismo. Suassuna, a exemplo do seu herói e narrador Quaderna19, sempre se autoproclamou monarquista. Algumas pessoas, principalmente nos anos 60 e 70, combatiam-no seriamente, procurando nesta afirmação uma prova do “reacionarismo” do escritor; outras tendiam a interpretar este monarquismo como uma recusa de posicionamento frente à realidade da época, dividida entre autoritarismo de Estado e sectarismo partidário. A lucidez renovada do cidadão Suassuna manifestase como um exercício doloroso e triste que o leva a reconhecer: Talvez os sonhos do escritor tenham perturbado a visão política do cidadão. Eu sempre achei a Monarquia mais bonita que a República. Mais poética. As figuras do rei e da rainha encarnam muito mais a excelência humana que a figura de um presidente. Na cultura popular, não se encontra um conto ou poesia que encarne um presidente. Há sempre um rei ou rainha. Além disso, Antônio Conselheiro, em Canudos, era monárquico e socialista. Há ainda a questão da imagem paterna que o rei encarna. Perdi meu pai cedo, aos três anos. Ele encarnava para mim a figura de um rei. Também tive muitas influências na infância sobre essa questão. Tenho esses sonhos, mas, depois que descubro que estava errado, tomo posição20. E sua crítica da monarquia revela-se tão severa quanto sua análise da falta de visão política dos militares brasileiros: Como a família real brasileira é descendente, por um lado, de Filipe “Egalité” – o Duque de Orleans que se colocou ao lado dos revolucionários jacobinos franceses – eu julguei, durante algum tempo, que a Casa de Bragança teria imaginação, garra e grandeza suficiente para, no Brasil, tomar o lado do socialismo-de-pobre de Canudos e do povo que lutou por ele ao lado de Antônio Conselheiro e da própria Casa de Bragança. Mas a realidade provou que essa era, apenas, mais uma quimera, desmentida brutalmente pela adesão de Dom Luis e Dom

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Bertrand à TFP. Eu sonhava, e continuo sonhando, como escrevi em 1978, com um Partido político que tivesse ‘alguma coisa característica das grandes ordens religiosas de monges-combatentes’. Hoje, o partido que mais se aproxima disso, no Brasil, é o PT21. Tal posicionamento político não afeta realmente a visão poética: mais do que nunca, Suassuna afirma a independência da obra de arte e a profundidade do seu engajamento como artista em relação à sua obra. Este recolhimento de vários anos, esta fuga do palco, onde esteve profissional e artisticamente durante quase toda a sua vida, alternando com as suas tão aclamadas aulas-espetáculo, não se traduziu num abandono da criação. Ariano Suassuna leva a literatura tão a sério que a considera a verdadeira “missão” do escritor: admitindo “que [ele] tinha falhado em muitas coisas”, passou a escrever um livro que recolhesse “os estilhaços em que se [foram] despedaçando” o autor e sua obra, ao longo dos anos, construindo assim, ou talvez reconstituindo somente, a sua própria obra-mestra, sua Ilumiara. O termo22, cunhado por Suassuna para definir a obra de Francisco Brennand em referência ao grande conjunto artístico criado pelo artista pernambucano, assume a dimensão mítica de um santuário em “terra sagrada”, “onde surgiu o conceito de pátria brasileira”, afirmando-se símbolo e memória: “Nós, brasileiros, precisamos de símbolos do poder, de santuários, de edifíciossímbolos, para preservar nossa cultura”23. A inscrição de Brennand nos muros do seu monumento – “Não interrompam este silêncio, não interrompam este sonho” – soa como eco das palavras de Ariano Suassuna: “O Estigma permanece. O silêncio queima o veneno das Serpentes, e, no Campo de sono ensangüentado, arde em brasa o Sonho 24 perdido, tentando em vão reedificar seus Dias, para sempre destroçados” . Idelette Muzart Fonseca dos Santos, de nacionalidade francesa, é professora catedrática de Português (Literatura e Civilização brasileiras) na Universidade de Paris X Nanterre, onde criou um “Pôle Brésil”, grupo interdisciplinar de pesquisas franco-brasileiro. Mestre e doutora (Doctorat d’Etat) em Literatura Comparada, lecionou 18 anos na Universidade Federal da Paraíba e em diversas universidades brasileiras.

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Pesquisadora da oralidade poética tradicional e de literatura brasileira, publicou, entre outros, Cancioneiro da Paraíba (João Pessoa, Grafet, 1993), Dicionário Literário da Paraíba (João Pessoa, Secretaria de Educação e Cultura, 1994), La littérature de cordel au Brésil, mémoire des voix, grenier d’histoires (Paris, L’Harmattan, 1997) e Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento Armorial (Campinas, Editora da Unicamp, 1999), além de La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens (Paris, Métailié, 1998), tradução de uma versão reduzida do Romance d’A Pedra do Reino, feita pelo autor. NOTAS 1 SUASSUNA, Ariano. Aula magna. João Pessoa, Editora Universitária/UFPB, 1994, pp. 46-7. 2 Apud José Laurenio de Melo,“Nota biobibliográfica”. In: SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca / O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro, José Olympio, 1976, pp. vi-ix. 3 Depoimentos do próprio Ariano, em entrevistas e conversas pessoais, no período 1975-77. 4 FONSECA DOS SANTOS, Idelette Muzart. Em demanda da poética popular : Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Campinas, Editora da Unicamp, 1999, pp. 173-234. 5 “O emblemático - A história de Bernarda Soledade, a tigre do sertão”. Veja, São Paulo, 14.04.76, p. 114. 6 Palympseste. Paris, Collection Points Essais 257 [1ª. ed. 1982], Seuil, 1992, pp. 7-14. 7 La Pierre du Royaume, version pour Européens et Brésiliens de bon sens. A tradução para o português do Brasil foi feita por mim. Paris, Métailié. 8 BORBA FILHO, Hermilo. “Caminhos de um teatro popular”. Diário de Pernambuco, Recife, 28.11.74, p. 11 [número especial do 150º. aniversário do jornal]. 9 Ariano figura na primeira (1955) e na segunda (1961) lista de sócios fundadores. Cf. Guilherme Cunha Lima, O Gráfico Amador, as origens da moderna tipografia brasileira. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997, pp. 96-8. 10 Apud José Mário Rodrigues, “Ariano Suassuna, Movimento Armorial em nova fase criadora”. Jornal do Commercio, Recife, 25.07.76, 4º. caderno. 11 Apud M. Pereira, “Ariano vai quebrar o jejum”. Jornal do Commercio, Recife, 09.08.91, Caderno C. 12 Diário de Pernambuco, Recife, 23.04.89, Caderno A, p. 24. 13 “[…] No Diário do Rio de Janeiro, de 29 de dezembro de 1861, Machado, criticando atos do governo e coisas da política brasileira, comenta: ‘A sátira de Swift, nas suas engenhosas viagens, cabe-nos perfeitamente. No que respeita à política, nada temos a invejar ao reino de Liliput’. E acrescenta, adiantando, sua magistral distinção: ‘Não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco’. Machado poderia ter acrescentado que esse Brasil oficial é também artificial, morto, comodista, subornável, superposto e possuidor de ridículos anseios de cosmopolitismo – o que é a caricatura, a contrafação da verdadeira universalidade.” (SUASSUNA, Ariano. Aula magna, edição citada, p. 45.) 14 Apud Geneton Moraes Neto, op.cit., p. 24. 15 Idem. 16 A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira. Tese apresentada para concurso à Docência Livre da disciplina História da Cultura Brasileira. Recife, Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco, 1976 [exemplar datilografado]. 17 Apud Geneton Moraes Neto, op.cit., p. 24. 18 Aula magna, edição citada, pp. 50-2. 19 “ – Sou, sim senhor! Sou da Esquerda régia, ou se Vossa Excelência prefere, um Monarquista da Esquerda! – Por que essa contradição? – Porque acho Monarquia bonito, com aquelas Coroas, tronos, cetros, Brasões, desfiles a cavalo, bandeiras, punhais, Cavaleiros e Princesas, como no folheto de Carlos Magno e os Doze Pares da França!” (SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. 3ª. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1972, p. 375.) 20 Apud S. Montenegro Filho, “Ariano mantém a fé no socialismo” (entrevista). Jornal do Commercio, Recife, 12.09.93, Caderno 6. 21 Apud Geneton Moraes Neto, op.cit., p. 24. 22 “Ilumiaras são anfiteatros ou conjuntos-de-lajedos, esculpidos ou pintados há milhares de anos pelos antepassados dos índios Carirys no sertão do Nordeste brasileiro e que, como ‘A Pedra do Ingá’, na Paraíba, foram lugares de cultos. Por isso, normalmente têm como núcleo uma Itaquatiara, isto é, um Monólito central, lavrado por baixo-relevos, ou decorado por pinturas rupestres.” (SUASSUNA, Ariano. “Yaari, diálogo sobre a ilumiara Brennand”, texto original inédito no Brasil publicado no catálogo de exposição Francisco Brennand, p. 4. Berlim: Berlin Staatliche Kunsthalle, 1993). 23 Francisco Brennand, apud Geraldo Gomes da Silva, “Feitiço no espaço – Entrevista de Francisco Brennand a Geraldo Gomes da Silva”. Revista Projeto, 1988, pp. 143-50 (a citação encontra-se à p. 149). 24 Romance d’A Pedra do Reino. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971, p. 242.

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O romanceiro da pedra e do sonho Wilson Martins

No que se refere à ficção em prosa, a carreira de Ariano Suassuna teve início em 1956 com A história do amor de Fernando e Isaura, editado somente em 1994 – “imitação nordestina”, diz ele, de Béroul, Bédier e Afrânio Peixoto, filiação heterogênea destinada a nacionalizar, e até a regionalizar, um dos grandes mitos do amor no Ocidente, para lembrar o título célebre de Denis de Rougemont (1906-1985). Suas origens estão, realmente, na lenda de Tristão e Isolda – cuja ação se passa na Irlanda –, incorporada por Béroul à literatura universal e fonte, direta ou indireta, de Romeu e Julieta, da Princesse de Clèves e de Madame Bovary, para nada dizer, claro está, da ópera de Wagner, que a tornou paradigmática. Na lenda original, o rei Marco, desejando casar-se, encarrega o sobrinho Tristão de procurar uma princesa digna do seu nome. Figura de deslumbrante beleza, Isolda, na viagem de volta, bebe por engano, com Tristão, o filtro mágico destinado a despertar o amor dos futuros esposos, com o resultado inevitável: uma paixão ao mesmo tempo irresistível e maldita. Somente na morte os personagens poderão libertar-se, apesar de todos os esforços, inclusive o duplo casamento, do rei Marco com Isolda e de Tristão com a outra Isolda – a Isolda “de brancas mãos”. A lenda difundiu-se pela Europa a partir de 1130, através de numerosas recopilações. Joseph Bédier (1864-1938) foi autor, em 1900, de uma adaptação moderna que se tornou clássica. E Afrânio Peixoto? O seu romance é refe-

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rido por Suassuna em A Pedra do Reino como a história de “um rapaz e uma donzela, que não se amavam, tomaram desse vinho juntos, sem saberem do que se tratava. Na mesma hora, a Urtiga sangrenta, venenosa, espinhenta e deleitosa do amor envolveu os dois e eles ficaram enredados de paixão para o resto da vida”. Na novela de Fernando e Isaura, os dois amantes viajam na barcaça Estrela da Manhã, que reaparece em A Pedra do Reino como “o mais bonito” dos navios legendários: “As velas são brancas, mas quando elas passam em Penedo, nas Alagoas, desviam-se da coroa de areia vermelha onde estão os martins-pescadores flechando peixes [...]”. São naturais as contaminações entre os dois livros, porque a data de composição de A Pedra do Reino (1958-70) sucede imediatamente à conclusão de Fernando e Isaura. Suassuna admite, assim, a influência de Afrânio Peixoto, embora escrevendo uma narrativa que, do ponto de vista estilístico, filia-se mais a Bernardo Guimarães que ao Béroul medieval ou ao tonitruante Wagner das grandes epopéias. Uma artimanha subconsciente levou Ariano Suassuna a denominar de Isaura a sua heroína, que, como a de Bernardo Guimarães, nada tem de wagneriano. Ele conservou, contudo, a estrutura narrativa e os episódios da lenda original, sendo de supor que a haja lido na adaptação de Bédier, não nos intermináveis 4.485 versos de Béroul (é o que resta do texto original), menos ainda nos 31.550 versos de Thomas. Daí por diante, as histórias de Tristão diminuem sensivelmente em extensão, o que antes confirma que desmente o seu extraordinário prestígio. A história do amor no Ocidente é uma história trágica: il n’y a pas d’amour heureux. De qualquer forma, ei-la no século XX e nordestina, com escala intermediária no século XIX mineiro, o que é menos surpreendente do que poderia parecer, pois a Isaura das Alterosas viveu um episódio pernambucano na fuga que a levou ao Recife para escapar à sanha do asqueroso Leôncio. Para onde, aliás, viajou num navio negreiro, cujo capitão era “antigo e dedicado amigo de seu pai” (sic). Fernando e Isaura são mais nordestinos que béroulianos, embora as genealogias literárias harmonizem-se com o que Suassuna escreve sobre si mesmo: Sou um escritor de poucos livros e de poucos leitores. Vivo extraviado em meu tempo por acreditar em valores que a maioria julga ultra-

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passados. Entre esses, o amor, a honra e a beleza que iluminam os difíceis caminhos da retidão, da superioridade moral, da elevação, da delicadeza, e não da vulgaridade dos sentimentos. Não sei, portanto, que interesse haverá, principalmente para a juventude, numa história tão fora de moda quanto esta. Os conflitos que, por causa da paixão, atormentam, aqui, os personagens provavelmente não serão nem sequer entendidos pela geração formada por educadores que procuram fechar os olhos até para a realidade monstruosa do crime, contanto que não sejam forçados a admitir a verdade de qualquer norma moral. Por outro lado, tenho ainda o infortúnio de escrever movido pela paixão e pela compaixão, atitude também deslocada neste tempo de autores frios, lúcidos e impiedosos. Lembro, então, aos eventuais leitores desta história que, narrada em 1956, sua ação decorre em ano ainda mais recuado. Por isso, encarem com indulgência os arcaicos escrúpulos de seus personagens, perdoando remorsos e hesitações que, menos do que a eles, pertencem ao co-autor contemporâneo desta história tão antiga1. O resultado foi a escrita convencionalmente romântica no estilo dos romances sentimentais: Fernando, sobrinho de Marcos, não amava o Inverno, com sua chuva interminável. Cuidava do gado do tio e havia grande aumento de trabalho durante esse tempo, pois o lugar não era muito sadio para o pastoreio – má condição que o Inverno agravava, com o leite da propriedade tendo que ser entregue em Penedo com a mesma regularidade dos dias comuns. Mesmo, porém, sem se levar em conta este fato, ele preferia o Verão, quando os Cajueiros começavam a frutificar com seus pontos amarelos ou vermelhos. Então do largo terraço da casa de Marcos, avistava-se o Mar que reluzia ao Sol como uma pedra preciosa, por entre os troncos e folhagens dos coqueiros. Na praia, a areia fina e ardente era de uma alvura que feria a vista. As Barcaças da frota de Marcos partiam pelo Mar, em direção ao Norte, demandando Maceió, aonde iam deixar os cocos da colheita de Verão. E todos os frutos do tempo ofereciam suas cores ao Sol, por entre as folhas renovadas, como se as árvores tivessem

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ensandecido com o calor e iniciado, de repente, uma competição para ver qual delas criaria forma mais estranha, diferente e bela2. Aqui e nas outras citações conservo as maiúsculas e a pontuação original porque refletem a intenção estilística de fazer da natureza um elemento ativo no desenvolvimento da história, sem excluir as tempestades marítimas e as chuvas torrenciais, mais os recantos bucólicos em que os amantes se encontram. A mesma idealização se observa, como é natural, no retrato da heroína: Solitário, assim, no meio da multidão de paroleiros, Fernando afastou-se, caminhando para o barranco que, ali, marcava o limite entre a areia da praia e o barro da terra, coberta de coqueiros, como a de São Joaquim. Foi daí que avistou Isaura pela primeira vez. Na sua qualidade de estranha ao Povoado, fôra, como ele, deixada à parte pela multidão. Estava de pé, recostada ao tronco de um coqueiro, e olhava-o. Era de uma beleza fora do comum, com olhos claros e um fino cabelo dourado e castanho, de rara qualidade. Era um animal de raça, que olhava para ele como se figurasse uma serena mas perigosa imagem da Beleza, quente e vigorosa mas, ao mesmo tempo, suave e intensamente feminina. Olhava-o como se o rapaz lhe tivesse comunicado alguma coisa de seu fulgor e de sua alegria. Reconhecera-o imediatamente e viu naquilo um sinal do Destino [...]3. Obrigado pelas circunstâncias a dormir ao lado de Isolda na viagem de volta, Tristão colocava entre os dois a sua espada de cavalheiro, a fim de evitar qualquer contato impuro, o que Fernando, em situação idêntica, resolveu de forma mais expedita. Contudo, no primeiro encontro ele passou por um desfalecimento fisiológico: Talvez tenha sido a consciência daquela beleza a causa da compaixão que ele sentiu nascer aos poucos, apesar de todo o seu desejo. De tal modo que, quando chegou o momento, ele recuou, pois estava consciente de que iria machucar e ferir aquela que se entregava com tamanha confiança. Ele parou de acariciá-la e baixou a cabeça4.

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E assim, através de mil peripécias emocionantes, tudo se encaminha para o desfecho fatal: Ali, pois, no Verão, como sempre, os pássaros cantam, os frutos resplandecem ao Sol, zumbem os insetos e pastam as tranqüilas reses do gado de que Fernando cuidava. De modo que, sob um Cajueiro e quase à beira d’água, a história de Fernando e Isaura termina como começou. Não vale como exemplo para ninguém, pois, ao que parece, para nada serve esse amontoado de acontecimentos sem sentido ao qual ordinariamente se dá o nome de experiência. Apenas, sagrada e triste, contém ela, em si, a dor, as lágrimas, a exultação e os extravios – enfim, o bem e o mal misturados que implica, necessariamente, toda e qualquer história de homem5. Com a sabedoria das visões retrospectivas, pode-se pensar que a novela de Fernando e Isaura continha em germe o Movimento Armorial, lançado por Suassuna muitos anos depois. Observei alhures que sua inspiração é a mesma de que surgiu o Félibrige na literatura francesa (1854) e o grupo The Fugitives (19221925) na norte-americana: recuperar o medievalismo mental, o culto da tradição (no singular), a língua regional, os valores desaparecidos. Na França, criado por Frédéric Mistral (1830-1914), o Félibrige propunha-se a reconferir à língua d’oc e seus dialetos o prestígio que conheceram na Idade Média; compunha-se de sete poetas, a exemplo da Pléiade no século XVI, número mágico que é difícil encontrar no Félibrige, embora com programa semelhante: política conservadora, agrarismo econômico, ligações espirituais com o sentimento religioso. No estudo que consagrou ao movimento nordestino, Idelette Muzart Fonseca dos Santos (Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o Movimento Armorial. Campinas, Unicamp, 1999) arrolou dois poetas (Marcus Accioly e Ângelo Monteiro) e três escritores (Maximiano Campos, Raimundo Carrero e Ariano Suassuna), ao lado de artistas plásticos e músicos muito mais numerosos. Cabe concluir que se trata de um projeto “Cultural”, no sentido largo da palavra, mais do que especificamente literário – cultura popular no sentido folclórico da palavra. Isso tem implicações diretas com o romance, Ariano Suassuna sendo, de fato, não só o único, mas também o autor paradigmático na ficção, assim

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como o Auto da Compadecida continua a ser no teatro a sua peça emblemática. O problema é mais complexo do que parece, porque, do primeiro volume (A Pedra do Reino, 1971) para o segundo (O rei degolado, 1977), a história mítica se transforma em narrativa historiográfica, interrompendo-se, aliás, desde então, seja porque ele haja tomado consciência de que a mudança de tom acarretava clara heterogeneidade interior, seja porque “o movimento, como fenômeno cultural necessariamente delimitado no tempo e no espaço, acabou” (Idelette dos Santos). Acresce a perturbadora declaração de Suassuna em 1981, segundo a qual estava se retirando da vida pública e da literatura. Quanto à vida pública, sabe-se que não aconteceu; quanto à literatura, se é verdade que a terceira parte da trilogia (Sinésio, o Alumioso) ainda não foi publicada, ele revelou em entrevista a Jussara Salazar estar trabalhando em outro projeto: Em relação ao meu novo livro, não gosto de falar muito sobre o que estou fazendo, mas posso dizer o seguinte: é um romance longo, e ao mesmo tempo cheguei à conclusão que eu gosto de romances compridos. Esse romance, do qual eu falei, e que li na adolescência, tem 16 volumes [...]. Pois bem, cheguei à conclusão de que o meu tempo psicológico não é mais o de hoje. As pessoas de hoje vivem num tempo, numa velocidade que aumentou e nem todo mundo lê livro grande. E, então, dividi esse longo romance em vários romances, contos, e que podem ser lidos separadamente, pois eles formam um conjunto, e os personagens são os mesmos, mas os livros podem ser lidos separadamente. Como já disse, eu estou procurando fundir, pela primeira vez, o meu romance, o meu teatro e a minha poesia. Quer dizer, estão todos três lá presentes. E ele, no todo, é uma espécie de revisão e recriação de tudo que eu escrevi, inclusive as peças de teatro, que vão aparecer sob a forma de romance6. Escrito pela técnica da picaresca, A Pedra do Reino é, como a picaresca peninsular, uma sátira social, começando por ser a sátira da própria espécie. Mas é também, escrevi quando apareceu, uma sátira dos costumes brasileiros – políticos, literários, sociais e religiosos; levada no impulso adquirido, a farsa,

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em três ou quatro episódios, vai longe demais e decai ao nível em que o humor só se pode exercer à custa do bom gosto ou da verossimilhança, quero dizer, ao nível em que contradiz o seu próprio “realismo” de princípio. São, porém, passagens isoladas que subtraem alguma coisa da qualidade global, mas, ainda assim, suficientemente raras para não comprometê-la. Porque a grande qualidade desse livro não está em ser um bom romance picaresco: está em ser um excelente romance brasileiro. Para além das suas exterioridades farsísticas situa-se a sua substância profunda de romance social e político no sentido largo da palavra: é o romance de nossa vida pública nas décadas de 20 e 30 em uma vasta região nordestina, e vida pública como só pode sê-lo a brasileira, emaranhada em atavismos religiosos, em hábitos anacrônicos, em simplificações primárias, em rivalidades mesquinhas, em ódios de famílias, em violência incontrolável como forma de expressão, em imoralidade espontânea e em malícia orgânica. Pouco tendo a acrescentar a essas apreciações de 1972, antes penso poder confirmá-las, já agora, quase três décadas depois (ver “Romance picaresco?” Pontos de vista – 9, São Paulo, T. A. Queiroz, 1995). Há um fundo autobiográfico nesse romance vingador e desmistificante, ligado às tragédias pessoais e aos anos tumultuosos que preparavam a revolução de 1930, com o fim da primeira República, a chamada República Velha dos republicanos renascidos. Tudo isso cristalizou para sempre ideologias políticas e sociais em irreconciliáveis famílias de espírito. O Narrador se vangloriava de haver criado um novo gênero literário, o “Romance heróico-brasileiro, ibero-aventuresco, criminológicodialético e tapuio-enigmático de galhofa e safadeza, de amor legendário e de cavalaria épico-sertaneja”. É um romance de ideologias numa estrutura de narrativa picaresca, com largo aproveitamento da matéria folclórica nordestina. Ou, como o apresenta Suassuna no estilo dos folhetos de cordel, romance-enigmático de crime e sangue, no qual aparece o misterioso Rapaz do Cavalo Branco. A emboscada do Lajedo sertanejo. Notícia da Pedra do Reino, com seu Castelo enigmático, cheio de sentidos ocultos! Primeiras indicações sobre os três irmãos sertanejos, Arésio, Silvestre e Sinésio! Como seu Pai foi morto por cruéis e desconheci-

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dos assassinos, que degolaram o velho Rei e raptaram o mais moço dos jovens [...]7. O livro é dedicado à memória de João Suassuna (pai do romancista, assassinado no Rio de Janeiro em 1930) e a nomes significativos da política regional em que se opunham os Dantas, de um lado, e, de outro, os Pessoa, conjuntura sangrenta em que fermentou a Revolução de 1930. É o que Suassuna esclarece de forma didática nas páginas de O rei degolado: Desde 1889, com a proclamação da República, o Brasil vem se dividindo em dois Partidos! Aqui na Paraíba, o dos Dantas e GarciaBarrettos, verde-azul, é formado pelos Senhores-da-terra, unidos ao povo que trabalha no campo. O dos Pessoas, negro-vermelho, é formado por comerciantes e funcionários públicos da Capital. Em 1889, vindo a República, os Pessoas subiram ao Poder [...]. Mas, em 1891, havendo outro golpe militar, nós subimos com o Marechal Floriano Peixoto [...]8. A rivalidade política se entrelaça com o drama familial, porque João Suarana apaixona-se por uma mocinha da família Dantas, inimiga da sua, tudo ligado à República de Princesa, proclamada pelo coronel José Pereira na qualidade de inimigo de João Pessoa. Quando se apresenta em O rei degolado, João Suarana vestia calça e camisa gandola de mescla azul, formando o todo um conjunto meio-militar e sertanejo [...]. Era mais baixo do que o Coronel José Pereira. Moreno-corado, tinha os cabelos e o bigode castanhos, de pêlos finos [...]. Estava começando a despontar como um grande astro no céu do Poder, na Paraíba9. O projeto do Narrador em A Pedra do Reino era escrever a grande epopéia brasileira e nacionalista, “tendo como centro e enigma de crime e sangue a degolação de meu tio, Padrinho e pai-de-criação, assim como a encantação do filho mais moço dele, Sinésio Sebastião, o Alumioso”. História ao mesmo tempo simbólica e milenarista conectada aos episódios tenebrosos da Pedra

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Bonita, um século antes – mas, ao realizar uma peregrinação ao local, para fins de impregnação psicológica, o Narrador é surpreendido pela forma obscenamente fálica do rochedo sagrado. Entram aqui as doutrinas de nacionalismo literário então prestigiosas: [...] além de pertencer ao “Oncismo” do Professor Clemente, pertenço também ao movimento literário do Doutor Samuel Wandernes, o “Tapirismo Ibérico-Armorial do Nordeste”. Graças a este último é que omiti, nas descrições que fiz até aqui, qualquer referência ao tamanho diminuto e à magreza dos cavalos sertanejos que serviam de montada aos Cavaleiros, assim como às pobrezas e sujeiras mais aberrantes e evidentes da tropa. No movimento literário de Samuel é assim: onça é “jaguar”, anta é “tapir”, e qualquer cavalinho esquelético e crioulo do Brasil é logo explicado como “um descendente magro, ardente, nervoso e ágil das nobres raças andaluzas e árabes, cruzadas na Península Ibérica e para cá trazidas pelos Conquistadores fidalgos da Espanha e de Portugal, quando realizaram a Cruzada épica da Conquista”10. É fácil perceber o tom, as idéias e a visão histórica de Oliveira Viana e sua escola; com efeito, Samuel pertencia à Ação Integralista Brasileira, enquanto Clemente aderira à Aliança Nacional Libertadora, representando em Taperoá o pensamento marxista. Encarnavam, está visto, as duas grandes correntes ideológicas em que se dividiram os intelectuais brasileiros na década de 30: O pior, porém, é que a desgraçada dissensão que se manifestara desde o princípio entre aquelas duas personalidades geniais não se contentara em entravar somente o progresso político, literário e filosófico do Sertão, separando em divisões estéreis aqueles dois grandes homens que, de outra maneira, bem poderiam trabalhar juntos, com resultados extraordinários para o progresso de nossa Pátria. Acontece que a luta ideológica travada entre os dois estendera-se do campo puramente político até o literário, o histórico, o filosófico e até o religioso, se posso falar assim. No campo da História, por exemplo, os dois toma-

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vam cada um seu partido; mas não só no Brasil em todos os tempos e em todos os lugares do mundo, levando suas dissensões brasileiras e atuais até os começos da vida do homem. Na história da Grécia, por exemplo, Clemente tomava o partido de Sócrates, que, segundo ele, representava o progresso e a vanguarda política do tempo, e Samuel tomava o dos aristocratas que envenenaram aquele fino e mal-amanhado Filósofo do povo [...]. A Sociologia era da Esquerda, e a Literatura fortemente suspeita de direitismo. O “riso satírico e a realidade” eram da Esquerda, a “seriedade monolítica e o sonho”, da Direita. A Prosa era da Esquerda e a Poesia da Direita; mas, mesmo ainda dentro do campo da Poesia, tomavam partido, pois a lírica era considerada “pessoal e subjetiva, e portanto direitista e reacionária”, enquanto que a satírica, “social e moralizante, didática”, era considerada progressista e da Esquerda [...]11. Nessas perspectivas, as fronteiras eram, às vezes, indecisas e perturbadoras: há, dizia Clemente, “uma pederastia revoltada e da Esquerda, e outra reacionária e da Direita”. A de D. Sebastião, rei de Portugal e fonte do Sebastianismo em que a ideologia religiosa da Pedra Bonita também se inscrevia, era de Direita e, por isso, segundo o professor Clemente, reacionária e desprezível. Lembremos a extraordinária discussão política do folheto LXXIX entre Arésio e Adalberto Coura, isto é, entre o realista sem princípios nem escrúpulos e o político de gabinete, que raciocina febrilmente em termos de uma realidade imaginária e livresca. A lição final, que é também, segundo parece, a de Suassuna, seria um nacionalismo ao mesmo tempo intransigente e lúcido: A primeira parte consiste, realmente, em enxergar o inimigo, a Besta Loura Calibã que precisamos enfrentar e derrotar, aqui! Para isso, todos nós estamos de acordo em realizar a união da América Latina! Entretanto, mesmo entre nós que pensamos assim [é Adalberto quem fala], existe, e deve se acentuar mais ainda, uma cisão, duas facções opostas, representadas no século XIX brasileiro por Joaquim Nabuco, de um lado, e Sylvio Romero, do outro, como o livro de J. A. Nogueira, aliás, explicava, mas tomando o partido errado, o de Nabuco! Para Joaquim

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Nabuco e seus seguidores, o Brasil é, e deve se esforçar por ser cada vez mais, um prolongamento da Península Ibérica. No fundo, todos esses são traidores da nossa luta, saudosos da Europa, exilados e desenraizados aqui! Nosso caminho deve ser outro. Temos que aprofundar e ampliar a picada aberta por Sylvio Romero e Euclides da Cunha. Sim, Arésio, na luta que inevitavelmente se vai travar entre os Latinos e os Nórdicos, devemos ficar, primeiro, fiéis a nossas raízes ibéricas. É o primeiro passo, com o qual estamos todos de acordo. Mas não devemos esquecer, também, que todos os Povos submetidos e explorados do mundo são Negros, qualquer que seja a sua cor. Daí, a solidariedade que deve haver entre nós, Latino-americanos, os Negros e os Asiáticos12. Ecos de José Enrique Rodó e de sua emblemática incompatibilidade entre Ariel, isto é, nós outros latino-americanos, e o Calibã norte-americano, ou seja, o nobre espiritualismo de um lado e, de outro, o grosseiro materialismo dos nórdicos. Polêmica renovada em nossos dias pela repentina recuperação de Manoel Bomfim como estandarte do novo nacionalismo (de Rodó: Ariel, publicado em 1900, e de Bomfim: A América Latina, 3ª. ed., Rio de Janeiro, Topbooks, 1993). Observe-se, de passagem, que Adalberto condena Joaquim Nabuco por querer que o Brasil seja “um prolongamento da Península Ibérica”, mas propõe, ao mesmo tempo, como programa político, permanecermos “fiéis a nossas raízes ibéricas”. As contradições do nacionalismo não são mais perturbadoras que as famosas “contradições” que, segundo os marxistas, acabariam por destruir necessariamente o capitalismo. A reedição de Manoel Bomfim foi apresentada em termos de polêmica insultuosa, contrapondo-o aos racistas crapulosos que seriam, entre outros, Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Nina Rodrigues. Não são sempre os mesmos os mestres reconhecidos do nacionalismo! O próprio Bomfim estava longe do ideário “latino-americano” que lhe atribuem. De fato, O Brasil na América (1929) não nos assimila à “América Latina” dos ideólogos, mas acentua, ao contrário, a nossa especificidade no contexto continental. Sua tese é de que a América Latina não existe, sendo, como é, um conceito puramente mental: o que tem existência são as diversas nações hispano-americanas, no conjunto das quais nosso país tem personalidade à parte.

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J. A. Nogueira (1882-1947), também mencionado por Adalberto, foi outro mestre do nacionalismo, tendo tido o seu momento de celebridade na década de 20 como autor de romances patrióticos, entre eles País de ouro e esmeralda, publicado em 1921 pela Editora Monteiro Lobato. Suassuna refere-se especificamente a Sonho de gigante (1922), em que se fala na “possibilidade de um Brasileiro escrever um livro bifronte, tendo, por um lado, o ‘arremesso patriótico e épico’ e, por outro, a ‘gargalhada vergalhante’; um livro que aliasse ‘a hilaridade e um fundo mais ou menos visível de amargas preocupações e escura melancolia’, com ‘uma face de sonhos lunares e amor ao Absoluto, e outra solar, heróica’.” Nossos males seriam erradicados pela solução nacionalista: o Brasil era, sem dúvida, a “pátria universal” do futuro, mas o “verdadeiro” Brasil estava nas regiões remotas do interior: eis de volta, mais uma vez, o mito indestrutível da cidade e as serras. Compreende-se que Ariano Suassuna haja encontrado nesse programa as raízes do seu próprio ideário. Daí o diálogo entre Arésio e o narrador: Sim, Sonho de Gigante era isso! O “gigante” era, naturalmente, o Brasil, País fatídico ao qual estava confiado o papel vertiginoso de organizador da União Latino-Americana! Dinis, coitado, sonhava tanto que chegou a criar, na cabeça, o partido político que iria realizar esse sonho. Era a Falange Nacionalista da América Latina – FANAL – nome bem escolhido, porque dava idéia do farol luzindo nas trevas, dizia ele. [...] “Isso cheira a Fascismo italiano, Integralismo português e Falange espanhola!” – disse Adalberto13. De qualquer forma, é no encontro deste último com Arésio que se desenvolve a grande lição política do romance: Queira você ou não queira, Arésio, o mundo marcha para o Socialismo em grau cada vez mais elevado. Vai chegar o dia em que, de uma forma ou de outra, a organização total do Estado triunfará, o próprio Capitalismo marchando também para isso14. De fato, nas décadas de 20 e 30, período histórico do romance, o grande debate brasileiro travava-se entre Direita e Esquerda, tendo no centro a figura emblemática do bem chamado Cavaleiro da Esperança.

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Cabe salientar, em A Pedra do Reino, a firmeza e complexidade da estrutura, a densidade interior e a importância dos temas: é também um romance de idéias. O projeto do Narrador não era escrever a história de um pícaro, a não ser na medida, digamos numa aproximação vertiginosa, em que o Aleijadinho também pode ser visto como pícaro, marginal que desafiava as convenções acadêmicas de arte enquanto, precisamente, as sublimava pela nacionalização dos grandes emblemas religiosos, para nada dizer da ferocidade com que caricaturizava os seus inimigos nas figuras bíblicas da Via Sacra. O Aleijadinho é, de resto, expressamente referido no romance a propósito da cardina. O pai do Narrador, que “era raizeiro, meio profeta e astrólogo”, procurou corrigir-lhe as deficiências intelectuais dando-lhe a beber um chá de cardina, uma beberagem que abre a inteligência das pessoas. Ele não me esclareceu o que era, dizendo somente que se tratava de um fortificante. Assim, a princípio, não posso dizer se houve alguma modificação, porque, não estando advertido, não passei a observar se tinha mudado ou não. Naquele dia, porém, Maria Safira me revelou que a bebida que eu tinha tomado tinha sido a cardina. Disse-me, também, que a pessoa que bebe cardina fica inteligente mas perde toda força de homem [...]15. Ora, segundo o autorizado Bretas, a cardina foi também ingerida pelo Aleijadinho na sua juventude e para o mesmo fim, não sabemos se com os mesmos resultados colaterais. O episódio mostra até onde vai a malícia de Suassuna num livro repleto de referências e subentendidos sem fim. De qualquer forma, o oráculo da cardina pode conter o segredo de tudo, sendo embora tão enigmático (ou talvez menos...) quanto o da Dive Bouteille que Pantagruel acabou encontrando ao fim das suas extraordinárias aventuras. Aliás, não são as poções mágicas que faltam em A Pedra do Reino, simbiose das lendas ancestrais com o folclore nordestino. A história de Fernando e Isaura retomou, como ficou dito, a de Tristão e Isolda; em A Pedra do Reino, além da traiçoeira cardina, o prodigioso Vinho da Malhada desempenha papel dramático no desenvolvimento da intriga. É o episódio em que o narrador decide almoçar no Lajedo, “onde iria cumprir alguns ritos altamente importantes e eficazes da Igreja Católica Sertaneja. Para isso, eu teria de cumprir certas obri-

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gações litúrgicas, vestindo-me de modo especial: calça e camisa ‘gandola’ cáquis, alpercatas de rabicho e chapéu de couro estrelado de metal à cabeça, com signo-salomão e tudo”. Dizendo as invocações, peguei o pichel de couro de bode, tirei-lhe a tampa de madeira e, levando o gargalo à boca, ergui a cara para o céu e tomei a primeira grande lapada de vinho. Um doce calor e um suave formigamento começaram logo a me percorrer o sangue, aliviando mais a dor da ferroada do maribondo e convidando-me logo a me espichar em cima do Lajedo, para cochilar16. Ao acordar da sesta digestiva, encarou o sol sem as necessárias precauções, ficando imediatamente deslumbrado por uma luz fulgurante, que me deixou, desta vez, completamente encandeado, durando isso o tempo exatamente necessário para me impedir de ver claramente a cavalgada do Sinésio. [...] foi mais ou menos na mesma hora da libertação das Onças que eu recuperei a claridade dos olhos. [...] De repente, fiquei dotado de uma vidência-visageira, fora do comum, uma vidência profética e astrológica como nunca eu tinha tido. [...] Mal sabia eu, naquele momento, que essa vidência régio-zodiacal me fora dada por um instante apenas, só para que eu, imediatamente, caísse, de uma vez para sempre, nas intermitências de uma cegueira cruel, profética também, mas dura e terrível de suportar17! Do interior de uma “bola incandescente de chumbo, enorme, mais alta do que um homem” surgem dois Gaviões, um macho e outro fêmea, os quais, como duas flechas, cortaram os ares na direção do meu Lajedo, desferindo seus piados, ásperos como um som de metal. [...] Seriam enviados da Fatalidade astrosa, resolvidos a marcar minha fronte com aquilo que o genial Poeta brasileiro Fagundes Varela chamava “o sigilo do Gênio”18?

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Cego pela intervenção das forças sobrenaturais, Dinis deve descer do Lajedo em condições aflitivas: É que eu sentia agora, em minha própria Face cega, que meus olhos tinham sido transformados, pela Ave de rapina do Sol sagrado, em dois globos de Prata derretida, globos que logo se endureciam, tornando-se opacos para sempre. [...] Melhor, seria tentar regressar à Vila, para procurar o médico. Assim, tateando e arrastando-me, queimando-me de novo nas Urtigas e ferindo-me nas arestas da minha Pedra sagrada, comecei a descer o Lajedo, a fim de empreender meu primeiro caminho de Cego [...]19. A cegueira, bem entendido, é uma fraude auto-sugestiva, porque Dinis, repetindo o caráter de Chicó no Auto da Compadecida, é um mentiroso patológico. Encontrando o amigo Lino na base da montanha, perguntou-lhe se não se espantava ao vê-lo com o rosto coberto de sangue, recebendo a resposta desmistificadora: “Que nada! Sua cara está limpa como o Sol”. – Quer dizer que meus olhos estão inteiros, Lino? – Estão, Dinis velho! [...] – Então como é que se explica que eu esteja cego, cego de guia? Não estou vendo você não! Não estou vendo nem a claridade do Sol20! Se os amigos tampouco nada percebem da suposta cegueira, o próprio Dinis revela, sem querer, em outras passagens, que está enxergando muito bem. Aconselhado por Lino a experimentar o Vinho sagrado da Pedra do Reino, finge surpresa. O Vinho é também estimulante da genialidade literária, como ficou provado nos casos de Euclides da Cunha e José de Alencar, que “não se limitaram a falar, somente, do Vinho de jurema: ambos devem tê-lo bebido!” A trilogia d’A Pedra do Reino – cuja terceira parte, O romance de Sinésio, o Alumioso, Príncipe da Bandeira do Divino do Sertão, ainda não foi publicada – é uma obra catártica em que Suassuna procura superar o trauma que lhe ficou pelo assassinato do pai, além de ser uma vingança reivindicativa contra os ini-

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migos políticos da família, afinal vitoriosos, tudo resultando na frustração incurável em que passou a viver desde então: Entretanto, mais talvez do que ser um Sertanejo, o fato de eu sentir na boca, de vez em quando, o gosto de sangue dos sonhos, vem da minha “sina” de Garcia-Barretto e de Quadernas, um descendente, portanto, de velhas famílias e velhos sangues sertanejos, nos quais se acumulou um estranho testamento de afetos e rancores ancestrais, dívidas de sangue a cobrar e a pagar, heranças de ódios e lealdades inalienáveis. [...] E ouço, sobretudo, o tiro que terminou desencadeando e resumindo tudo: o tiro vingador que João Dantas desfechou, em 26 de julho de 1930, contra o Presidente João Pessoa, matando-o e vingando-se das humilhações e perseguições que ele lhe fizera21. Nessas perspectivas, a Revolução de 1930 foi, de fato, um divisor de águas da política brasileira: Talvez somente aqueles que, ao ouvir a palavra “Trinta”, sabem que “trinta” não é somente um número; 30, é o nome de uma Revolução; o nome de um ano glorioso, sangrento e terrível; um tempo no qual nós, Sertanejos, não podemos pensar sem ouvir de novo o estralejar das balas nos tiroteios, sem sentir de novo o gosto de sangue do ódio e do sofrimento, assim como o terror das fugas noturnas e dos cercos implacáveis22. Segundo o Narrador, armou-se desde então uma enorme mistificação histórica: de um lado, os que, “dominados pela fascinação consciente” do Presidente (da Paraíba) João Pessoa, afirmavam estarem de seu lado “a Justiça, a Verdade e o Bem”, atribuindo aos adversários “a injustiça, a mentira, a covardia e o mal”. João Pessoa era um homem baixo, moreno, sombrio, concentrado e severo. Tinha olhos de cobra. E se João Dantas, também perigoso, podia ser comparado, com seus olhos verdes, a uma chama loura, ensolarada e felina, aquele era uma chama escura, morena, sombria, meio ofídica e

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subterrânea. Chamava-se João Pessoa, e estava, naquele ano de 1911, com 33 anos de idade23. Começa no fatídico ano de 1911 o processo sangrento que, através de crimes, emboscadas e vinganças de família, explodirá na revolução de 1930, tendo como fato culminante a rebelião do coronel José Pereira: A proclamação da República Popular do Brasil me foi sugerida por um fato que aconteceu aqui na Paraíba; como você sabe, em 1930 o Coronel José Pereira proclamou a independência do município de Princesa, criando uma espécie de Reino, com um governo meio ditatorial, meio monárquico. Princesa, rebelada contra o Estado da Paraíba, manteve-se independente, com hino, constituição, bandeira, jornal e tudo24! De A Pedra do Reino ao futuro Sinésio, esclarece a “Nota do autor” no último volume publicado, é um romance só, uma só novela, fundamentalmente épica – um livro dividido em três partes, sendo A Pedra do Reino uma espécie de rapsódia introdutória dos temas. O rei degolado é mais épico, trágico e sertanejo-terrestre, com a Guerra do Sertão Paraibano narrada através de seus três episódios principais – 1912, 1926 e 1930. A última parte, Sinésio, o Alumioso, será mais mítica, de amor e marinha – se é que, como já escrevi certa vez, isso, de fato, significa alguma coisa. [...] Mas uma Epopéia como a concebe um brasileiro sertanejo – uma Epopéia que não se limitasse a examinar somente os Heróis saídos das famílias poderosas mas que estendesse o conceito do Herói e das famílias trágicas e épicas às famílias ilustres pertencentes à aristocracia do Povo; e também uma Epopéia e Novela de Cavalaria que, examinando a sociedade a todos os níveis, partisse das casas-fortes da “Aristocracia do couro”, do Sertão, para chegar até às mulheres, os almocreves e os tangerinos de gado das empoeiradas estradas sertanejas, isto é, que unisse aos outros já referidos o espírito realista, crítico e satírico das novelas picarescas25. A Pedra do Reino é tudo isso – e ninguém poderia dizê-lo melhor.

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O crítico literário e historiador da literatura brasileira Wilson Martins nasceu em São Paulo. Formado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1943), foi professor de Literatura na Universidade do Kansas (1962-3), Universidade de Wisconsin (1963-5) e New York University (1965-91). Publicou, entre outros, Interpretações (Rio de Janeiro, José Olympio, 1946), História da inteligência brasileira (São Paulo, T. A. Queiroz, 1976-8, 7v., relançados pela mesma editora em 1996), Pontos de vista (São Paulo, T. A. Queiroz, 1991-7, 13v.; no prelo o 14º. volume) e A palavra escrita (São Paulo, Anhembi, 1957; 3ª. ed., São Paulo, Ática, 1997).

NOTAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

In: Fernando e Isaura. Recife, Edições Bagaço, 1994, pp. 11-2. Idem, p. 14. Idem, p. 32. Idem, p. 49. Idem, p. 155. In: Suplemento Literário de Minas Gerais, nº. 61, julho de 2000, p. 12. In: Romance d'A Pedra do Reino. Rio de Janeiro, José Olympio, 3ª. ed., 1972, p. 2. História do rei degolado nas caatingas do sertão: Ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, p. 16. Idem, p. 22. Romance d'A Pedra do Reino. Ed. cit., p. 19. Idem, p. 195. Idem, p. 521. Idem, p. 520. Idem, p. 535. Idem, p. 252. Idem, p. 455. Idem, p. 471. Idem, p. 478. Idem, p. 480. Idem, p. 486. História do rei degolado nas caatingas do sertão: Ao sol da Onça Caetana. Ed. cit., pp. 77 e 79. Idem, p. 80. Idem, p. 36. Idem, p. 52. Idem, p. 129.

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O pasto iluminado OU

A SAGRAÇÃO DO POETA BRASILEIRO DESCONHECIDO Carlos Newton Júnior

Aclamado como um dos maiores dramaturgos e romancistas de língua portuguesa, Ariano Suassuna continua, entre nós, infelizmente, tanto da parte do público quanto da crítica, quase desconhecido como poeta. De fato, poucos sabem que foi através de um poema – “Noturno”, publicado no Jornal do Commercio, do Recife, em 7 de outubro de 1945 – que o autor, aos 18 anos de idade, se iniciou na vida literária; que, daí até 1947, ano em que escreve sua primeira peça de teatro, Uma mulher vestida de sol, diversos poemas seus foram publicados em suplementos literários e revistas de cultura, dentre as quais pode-se destacar a revista Estudantes, da Faculdade de Direito do Recife; que, muito embora tenha alcançado o merecido reconhecimento nos campos do teatro e do romance, Suassuna jamais abandonou a poesia. Pode-se dizer, de certo modo, que a culpa é do próprio Suassuna, que jamais se empenhou junto aos editores para publicar seus poemas. Ora: isento de vaidades inchadas, Suassuna é daqueles raros escritores conscientes de que o fundamental de sua obra realiza-se com lápis e papel. Tanto isso é verdade que ele continua, ainda hoje, escrevendo como sempre escreveu, ou seja, à mão, sem jamais ter se deixado seduzir pelas “facilidades” da máquina de escrever elétrica ou do computador – e creio mesmo que, no seu caso, em vez de lhe trazer benefícios, esses equipamentos só fariam é quebrar a ambiência ritualística indispensável ao seu processo de criação. De modo contrário ao que ocor-

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re com aqueles que procuram o sucesso fácil, e não o êxito verdadeiro, Suassuna não se preocupa em editar porque sabe que a substância da sua obra é feita de futuro, não se encontrando, portanto, vulnerável ao escopro e ao esmeril do tempo. Assim, com ou sem perspectiva de publicação, é a mesma a alegria com que ele se debruça sobre o papel em branco, para realizar sua missão e vocação na festa da Literatura. Por outro lado, há muito o autor vem chamando a atenção dos seus leitores e da crítica, de um modo geral, não só para sua produção em poesia, mas, principalmente, para a importância dessa produção no entendimento do conjunto de sua obra. Suassuna já disse, inúmeras vezes, em entrevistas e artigos que sua poesia é a fonte profunda de tudo o que ele escreve. Parece-me que o descuido, portanto, deve ser atribuído muito mais aos editores e à crítica do que propriamente ao autor. Os editores sabem que poesia vende pouco – sobretudo uma poesia em boa parte hermética como a de Suassuna, que requer, para ser melhor compreendida, alguma familiaridade com o universo literário do autor. A crítica, por sua vez, quase sempre fecha os olhos para o insólito e o verdadeiramente novo, deixando à História da Literatura a tarefa de corrigir, no futuro, seus erros e omissões. De modo que, nesses tempos de globalização e de conseqüente massificação cultural, sempre que me deparo com o silêncio em torno de um poeta com a dimensão de Suassuna (ou com a dimensão daquele outro grande poeta brasileiro que é Foed Castro Chamma, cujo ostracismo editorial dos últimos anos chega a ser um verdadeiro crime contra os leitores de poesia), lembro, com pesar, da seguinte passagem de O arco e a lira, de Octavio Paz: “O cansaço de uma sociedade não implica necessariamente a extinção das artes nem provoca o silêncio do poeta. O mais provável é que ocorra o contrário: suscita o aparecimento de poetas e obras solitárias. Cada vez que surge um grande poeta hermético ou movimentos de poesia em rebelião contra os valores de uma sociedade determinada, deve-se suspeitar de que essa sociedade, não a poesia, padece de males incuráveis”1. Seja como for, o resultado desse descaso editorial em relação à poesia de Suassuna é o que se vê: sem contar o volume de poemas recentemente publicado pela Universidade Federal de Pernambuco, que tive a honra e o privilégio de organizar 2, a poesia do autor do Auto da Compadecida e do Romance d’A Pedra do Reino permanece praticamente inédita em livro. Em compensação, os raros

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críticos que chegaram a se debruçar sobre essa poesia foram unânimes em realçar sua qualidade fora do comum, qualidade que faz dela, sem favor algum, ponto alto da literatura brasileira e universal. Talvez o mais recente pronunciamento a esse respeito tenha sido o do crítico e também poeta português Paulo Alexandre Esteves Borges. Referindo-se, num artigo, às iluminogravuras de Ariano Suassuna (trabalho em que o autor alia suas qualidades de poeta às de artista plástico), Borges não deixa de revelar seu entusiasmo por escrever sobre “algo de venerável”, de uma beleza fascinante, “estranha, bárbara e mesmo monstruosa”, cuja fruição é capaz de proporcionar uma “perturbação sagrada” e fazer com que os leitores sejam “arrebatados num raro momento do eterno regresso de uma arte verdadeiramente religiosa”3. Se me fosse possível falar em termos de hierarquia, ao me referir às muitas portas de entrada que o reino das artes possui, diria que Suassuna, ao escrever seus primeiros poemas, entrou logo pela porta principal. Sua poesia não tem altos e baixos, e seus poemas de juventude já demonstram a técnica precisa que irá caracterizar toda a sua produção futura. Logo de início, Suassuna demonstra não concordar com alguns pressupostos do Modernismo, como a “liberdade” do verso e da forma. De fato, considerando sua produção poética como um todo, em poucas ocasiões o autor fará uso do verso não metrificado ou escreverá poemas sem rima e estrofação regulares. Por outro lado, como não poderia deixar de ser, ouve-se, nesses primeiros poemas, o eco dos seus mestres de então, alguns dos quais o acompanharão por toda a vida – e aí já não mais como mestres, e sim como companheiros de jornada, cada vez mais silenciosos. Quando adolescente, Suassuna já era um leitor fervoroso de Camões e Dante, além de admirador dos poetas românticos ingleses, notadamente de Shelley e Keats. O primeiro contato com a poesia modernista brasileira deu-se também por essa época, através dos versos de Ascenso Ferreira e Jorge de Lima musicados por Lourenço Barbosa, o Capiba, que antes de ser seu amigo já o era de seus irmãos mais velhos. Ainda estudante secundarista, Suassuna toma conhecimento da poesia de Federico García Lorca. A obra de Lorca representa um verdadeiro deslumbramento para o jovem poeta paraibano, que se depara, então, com um grande escritor erudito cuja fonte de inspiração transbordava de uma água cristalina e de veio popular, jorrada principalmente através do Romanceiro ibérico.

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Ora: tendo passado a infância no sertão, Suassuna há muito era um apaixonado pelo Romanceiro popular nordestino e outras manifestações de nossa arte popular, que conhecia desde menino. A partir da poesia de Lorca, cujas paisagens eram povoadas de ciganos, bois e cavalos, Suassuna percebe que poderia fazer, em relação ao sertão do Nordeste brasileiro, o que Lorca fazia em relação ao mundo rural da Espanha – ou seja: falar com o sangue do que lhe era tão familiar para ser compreendido pela comunidade da raça humana. Ao ingressar na Faculdade de Direito do Recife, em 1946, Suassuna ligase ao grupo de estudantes que irá retomar, naquele mesmo ano, sob a liderança de Hermilo Borba Filho, o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Uma retomada sob nova inspiração teórica, direcionada sobretudo para a pesquisa em prol de um teatro brasileiro novo, de raízes nordestinas e populares. Através de Hermilo, de quem se tornará grande amigo, Suassuna passa a conhecer, também, o teatro de Lorca, estímulo que lhe faltava para que desse início à sua carreira de dramaturgo. Durante a existência do TEP, de 1946 a 1952, a produção poética de Suassuna acompanha, em extensão, sua produção no campo do teatro. O estudo aprofundado da poesia popular passa a ser, então, uma constante em sua vida, até porque é partindo principalmente dos folhetos do Romanceiro popular nordestino que ele vai encontrar o caminho para criar toda a sua obra teatral. Datam de 1946 a 1948 seus primeiros poemas ligados a este Romanceiro, como “A morte do touro Mão de Pau”, “Beira-mar”, “Os Guabirabas”, “Encontro”, “A barca do céu”, entre outros. A rima toante, às vezes usada nesses poemas, é influência do Romanceiro ibérico; por outro lado, em vez da quadra ibérica (quatro versos de sete sílabas, rimadas em ABCB), Ariano dá preferência à sextilha, ou repente, a estrofe mais usada pelos cantadores do sertão nordestino, formada por seis versos de sete sílabas, rimadas em ABCBDB. Vejamos as duas primeiras estrofes de “Os Guabirabas”, poema todo escrito em sextilhas: Lá vai Cirino na estrada, em seu cavalo Alazão. Cascos ferrados, nas pedras, chispando Fagulhas vão, na roseta das Esporas, na Lança de seu ferrão.

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Cirino, cuida na vida, cuida nas pedras da Estrada! Não foste há pouco avisado de que a vida é uma Emboscada? Não durmas tendo inimigo, Cirino da Guabiraba!4 O fato de Ariano Suassuna ter estreado como poeta em 1945, e com uma poesia em que jamais predominou o verso livre, pode levar alguém mais apressado a achar que ele se encontrava em sintonia com os poetas da chamada “Geração de 45”. Em parte isto é verdade. Existe, na poesia do autor, uma certa identificação com a poesia da “Geração de 45”, principalmente no apego à certa disciplina da expressão poética. Mas é preciso deixar claro que a poesia de Suassuna, desde o início, trilhou caminhos muito particulares, principalmente a partir do momento em que o escritor procura vincular sua produção de poeta erudito ao Romanceiro popular nordestino. Nas muitas incursões que empreende pelo campo da poesia, Suassuna exercita-se com diversas formas poéticas, tanto as da tradição erudita quanto as do nosso Romanceiro, a ponto de trabalhar um soneto com a mesma naturalidade com que trabalha um “martelo agalopado”, um “galope à beira-mar” ou um “repente”5. Parece-me, aliás, que aquilo que Suassuna afirmou a propósito da poesia de Cecília Meireles pode, em parte, ser aplicado à sua própria poesia: “[...] enquanto os Modernistas Ortodoxos empreendiam uma ruptura total, meio ‘de Vanguarda’ e anedótica com a Tradição, a grande escritora do ‘Romanceiro da Inconfidência’ representa não uma ruptura, mas sim um aprofundamento, uma renovação e uma recriação de certas experiências simbolistas, isto pelo caminho, aparentemente paradoxal e ‘reacionário’, do mergulho nas raízes antigas, no passado ibérico e no Romanceiro medieval português”6. A meu ver, a intenção de Suassuna de fazer uma poesia ligada ao espírito mágico e poético do Romanceiro popular nordestino permite falar de uma poesia armorial pelo menos desde 1946. Quando deflagrou oficialmente o Movimento Armorial, em 18 de outubro de 1970, Suassuna já se encontrava em plena maturidade de escritor, com várias peças escritas e conhecidas do público, e tendo já concluído o Romance d’A Pedra do Reino, sua pri-

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meira grande experiência no campo da prosa de ficção. Mas é em direção às idéias estéticas do Movimento Armorial que ele parece caminhar desde os seus primeiros poemas baseados em nosso Romanceiro. É por isso que, quando questionado sobre o início do movimento, Ariano retrocede suas origens até 1946, mencionando a publicação desses poemas, já em ligação com os trabalhos de Francisco Brennand, José Laurenio de Melo e Hermilo Borba Filho. Os estudiosos da obra de Suassuna, porém, quando dissertam sobre a trajetória do escritor em direção ao armorial, mencionam apenas uma “fase de escritura teatral”, na qual ele teria amadurecido as idéias sobre a cultura brasileira que possibilitaram a formulação do projeto estético do movimento. A bem da verdade, a rigor nunca existiu, em relação à obra de Ariano Suassuna, uma “fase teatral” ou uma “fase romanesca”. Além disso, seu amadurecimento em direção ao armorial passa, necessariamente, pela poesia. É importante acrescentar que Suassuna já havia utilizado a palavra “armorial” enquanto adjetivo, antes do lançamento oficial do movimento, em pelo menos três oportunidades. Não por coincidência, em três poemas – no “Canto armorial”, de 1950; no “Canto armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste”, de 1961 (publicado em 1969 na Presença poética do Recife, antologia organizada por Edilberto Coutinho7); e, por fim, no “Poema de arte velha”, de 1963, publicado, neste mesmo ano, no Jornal do Commercio. Neste último, a palavra armorial deixa o título para aparecer em um verso, sendo empregada, agora, para qualificar um poeta – Francisco Bandeira de Mello, a quem Suassuna dedica o poema. Vejamos a primeira estrofe do “Poema de arte velha”: Bandeira, Poeta-cortesão, Bandeira, poeta Armorial! Ó claro bardo provençal, de galo, Peixe e hierofante, de Fauno bêbado e bacante, do sal do Mar, do Sol do mal8. Toda a obra de Ariano Suassuna é profundamente ligada às manifestações artísticas populares do Nordeste. O que não faz dele, em absoluto, um

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artista popular. No caso específico da poesia, essa ligação é perceptível em dois níveis. Em primeiro lugar, no uso das formas poéticas do Romanceiro popular nordestino, aliado à reelaboração erudita de temas ou assuntos extraídos daquele universo inesgotável de poemas e canções, o que resulta numa poesia áspera, acerada como gume de faca-de-ponta, cortante como os toques de viola e rabeca dos cantadores, e que traz, ainda, os tiros das guerras sertanejas; o sangue das mortes violentas; as véstias dos vaqueiros; os frutos sumarentos, a vegetação e os animais do sertão. Em segundo lugar, a ligação com a arte popular faz-se notar no aspecto “emblemático” da maioria dos seus poemas. São poemas nos quais o espírito armorial se evidencia pelo caráter de insígnia do texto, nas alusões a bandeiras, estandartes e ornatos em relevo, nas imagens recriadas em tom épico, que brilham como os esmaltes da heráldica, como se cada poema fizesse as vezes de um escudo de armas, ou de uma xilogravura popular, com sua fantasia tosca, impolida, mas brilhante e forte. Em determinado momento, o próprio mundo do sertão pode ser visto como um grande brasão, como ocorre no seguinte soneto: Diante de mim, as malhas amarelas do mundo, Onça castanha e desmedida. No Campo rubro, a Asna azul da vida: à cruz de Azul, o Mal se desmantela. Mas a Prata sem sol destas moedas perturba a Cruz e as Rosas mal-partidas e a Marca negra, esquerda, inesquecida, corta a Prata das folhas e fivelas. E enquanto o Fogo clama à Pedra rija, que até o fim serei desnorteado, que até no Pardo o Cego desespera, o Cavalo castanho, na cornija, tenta alçar-se, nas asas, ao Sagrado, ladrando entre as Esfinges e a Pantera9.

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Desde o poema “Canto armorial”, Suassuna parecia pressentir a importância do constante diálogo entre as artes. Partindo de uma forma poética tradicional do Romanceiro popular nordestino, o martelo agalopado, o autor procura transmitir as sensações de um outro artista (no caso, um escultor popular), nas várias fases da criação de uma obra. O poema é dedicado “a um certo Menezes, entalhador barroco nordestino do século XVIII e autor de uma escultura em madeira chamada São Miguel e o Demônio”. Eis a sua primeira estrofe: Esse cedro, esse Tronco, a tempestade, que da Noite vermelha foi gerado, não me permite o Sono sossegado, exigindo, em meu Sangue, a liberdade. Preciso exorcismá-lo nesta Grade, afogá-lo na tenda deste Pouso, pois o Escopro me tenta e, desejoso de afirmar a soberba Forma escura, atenderei à Voz que me conjura, entregando-me ao Sopro poderoso10. Todo o poema é escrito como se o próprio escultor descrevesse, à medida que realiza a escultura, as sensações que se apoderavam dele e iam como que guiando suas ações, numa perspectiva da criação artística enquanto reminiscência platônica. Quer dizer: o poeta, relacionando-se com a escultura enquanto fruidor da obra, termina por recriá-la em versos, realizando assim uma outra obra de arte. A poesia de Suassuna é marcada por uma visão trágica do mundo – ou por aquilo que Miguel de Unamuno tão bem chamou de “sentimento trágico da vida”. De um modo geral, este sentimento é despertado pela grave enfermidade da consciência. Ciente de sua mortalidade e da impossibilidade de decifração do Enigma da “máquina do mundo”, o homem percebe o abismo que o separa dos deuses. O homem deseja unir-se ao divino, mas a todo instante é chamado, pela consciência, à dura realidade, ao enfrentamento da sua condição de ser-ao-sol-exposto, sujeito à decadência, à passagem do tempo e à ruína. Esta consciência de nossa finitude e de nossas imperfeições encontra-se sempre presente na poesia de Suassuna, que afirma, na ode “A Laurenio”:

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Somos seres terríveis, majestosos, mas ainda incompletos, soltos no seio áspero da terra em que abrimos primeiro os parcos olhos. A pedra e a erva ferem-nos os vacilantes pés e o faro incerto e o rebanho dos graves animais parece a nosso grupo um rebanho tranqüilo e condenado, nosso igual por sentença e desventura11. Em outra ode, dedicada ao escritor José Paulo Cavalcanti, que se confessara insatisfeito com duas obras que escrevera, Suassuna procura consolar o amigo lembrando-lhe as limitações às quais todos nós estamos sujeitos: Cavalcanti, hás de sempre, ante o que faças, malgrado o nobre esforço despendido, amargar a derrota. … É mesmo inevitável: somos menos que o mundo e o indizível foge ao canto dos homens e a seu sopro12. E continua, certamente inspirado em uma das “odes triunfais” de Píndaro: Assim, não desesperes ao ver que a nossos ímpetos de deuses respondem, como feitas, tão-somente essas obras de homem. Antes, gratos por termos conseguido, vejamos, do conjunto, se do sangue, do temor que precedem, brilha a gema – resgate dos escombros.

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Se assim for, ela basta e justifica e a obra que cumprimos será um cume – erguido contra nada – mensageira daquilo que entrevimos e que, como um apelo que os deuses nos fizessem cada dia, mora acima de nós, sagrado e oculto13. Dentre as várias questões sobre conteúdo da arte de que a estética contemporânea vem se ocupando, encontram-se, no caso específico da literatura, aquelas que relacionam vida e obra. Parece-me claro, tratando-se de Ariano Suassuna, que a biografia do autor contribui muito para a compreensão da obra, principalmente no que se refere à sua poesia, cuja carga autobiográfica é de tal modo presente que não seria errado dizer que seus poemas são elementos de uma grande confissão desesperada. O inverso, porém, já não me parece tão evidente – e, de fato, a utilização da obra para traçar a biografia do autor, principalmente quando se quer que este subscreva todas as opiniões dos seus personagens, ou do seu eu poético (fingidor por natureza), tem levado vários estudiosos a cometerem injustiças em relação ao homem Ariano. É a partir da biografia do autor, portanto, que se pode lançar alguma luz sobre a visão trágica do mundo que se espraia por toda a sua poesia. A meu ver, essa visão trágica encontra-se alicerçada em três temas predominantes. O primeiro e fundamental, que dá origem aos outros dois, é o tema da morte do pai. O pai do autor, João Suassuna, governador da Paraíba de 1924 a 1928, foi assassinado em 1930, no Rio de Janeiro, vítima das cruentas lutas políticas ligadas à Revolução de 30. Na época, Ariano tinha apenas três anos de idade. Desde cedo, portanto, o autor viu-se marcado pelo problema da morte. À medida que cresce e começa, assim, a tomar consciência da morte do pai, das condições específicas em que ela ocorreu, das conseqüências imediatas que trouxe para sua família (perseguições políticas e dificuldades de toda ordem, inclusive econômicas, que levam à progressiva perda das propriedades deixadas pelo chefe), o autor sente uma necessidade profunda de reconstruir a imagem daquele herói e cavaleiro sertanejo sobre quem ouvia falar e de quem guardava poucas lembranças.

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Esta reconstrução não foi uma tarefa fácil para Ariano Suassuna. Iniciada ainda na infância, continua, a rigor, até hoje. Referências à morte do pai podem ser encontradas não só na sua poesia como no extenso romance que vem escrevendo desde 1958, Quaderna, o decifrador – romance que, a princípio, foi pensado como uma trilogia. Mas trata-se de tema tão doloroso que o autor precisou de um certo tempo para abordá-lo de modo mais explícito. Ao que tudo indica, os doze anos de escritura do Romance d’A Pedra do Reino (1958-1970), primeira parte da referida trilogia, serviram-lhe para esse amadurecimento. De fato, analisando seus poemas, percebe-se que a morte do pai, tratada implicitamente antes do romance, começa a ser tratada de forma mais aberta depois. Nesse sentido, o Romance d’A Pedra do Reino representa um marco no conjunto maior da obra suassuniana. É um novo homem que surge após a escritura do livro. De 1970 a 1974, este novo Suassuna escreverá a sua Vida-nova sertaneja (título que será alterado, anos depois, para Vida nova brasileira), um texto que, à semelhança da Vida nova, de Dante, é composto por uma série de poemas (no caso de Suassuna, todos sonetos) intercalados em um texto em prosa, que fornece algumas indicações sobre o sentido mais geral de cada poema, texto que é, a um só tempo, crítica e confidência. A visão trágica do mundo é também manifestada por Suassuna através de um certo sentimento de exílio. Um exílio existencial – o mundo visto como um lugar de sofrimento, privações, dificuldades de toda ordem. Em determinados momentos, este exílio existencial é realçado ou sugerido pelo próprio exílio físico, o exílio real de um sertanejo forçado a deixar o sertão da infância para viver na cidade grande – no caso, o Recife, onde o autor se encontra radicado desde 1942. Por fim, como forma de apaziguar o sofrimento no mundo, surge a perspectiva de redenção e (por que não?) de reencontro com o pai em um reino futuro. A poesia de Suassuna encontra-se impregnada, aqui, de uma visão religiosa do homem e do mundo, balizada, a um só tempo, por um catolicismo não ortodoxo e por um sebastianismo aparentemente (mas só aparentemente) extemporâneo e realçada, ainda por cima, com elementos extraídos da rica mitologia sertaneja. Não há, nisso, qualquer contradição. Afinal, o Cristo não deixa de ser o arquétipo do Encoberto, assim como sua proposta de restauração é o arquétipo de todos os reinos encantados, de todas as ilhas-felizes criadas pela imaginação dos poetas,

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eruditos ou populares. Não vejo contradição, ainda, entre o sentimento trágico do autor e a visão religiosa que ele declara e demonstra possuir. A alma de todo homem de fé é um campo de batalha, pois nenhum homem adulto crê sem dúvidas, como as crianças. Antes, toda fé equivale, como diz Unamuno, à fé heróica de Sancho por seu amo, uma fé baseada em dúvidas e interrogações. Enquanto aguarda por um reino ideal, síntese de passado, presente e futuro, o Reino de Deus e da Justiça do Sonhado, Suassuna cria outros reinos aqui mesmo na Terra – no sertão, no Recife, no Nordeste –, o que faz não por puro escapismo, mas como uma forma consciente de enriquecimento do real, que assim é recriado poeticamente. É o que ocorre, aliás, nos folhetos de cordel: as fazendas são quase sempre reinos, os fazendeiros são reis, duques ou barões, enquanto suas filhas são princesas, e os vaqueiros e cangaceiros são quase sempre os cavaleiros que incursionam por esses reinos sertanejos, disputando belas mulheres e vestidos de armaduras de couro. Quando localizo na morte do pai a origem mais remota e forte da visão trágica de Suassuna, não estou desconsiderando, evidentemente, outros aspectos biográficos que contribuíram para acirrar, em determinados momentos, o trágico suassuniano. Um repouso forçado durante dois anos, como o que sofreu para curar-se de uma tuberculose prolongada, no início dos anos 50, certamente contribuiu para fomentar a visão trágica presente nos poemas dessa época; o mesmo se pode dizer de alguns poemas escritos durante os anos que se seguiram ao golpe militar de 64, quando o autor via, impotente, o desespero de muitos amigos, diretamente atingidos pela repressão. Dois sonetos de Suassuna, escritos após o Romance d’A Pedra do Reino, podem servir como uma síntese de sua visão trágica, que tem origem na morte do pai e se aprofunda no sentimento de exílio no mundo. No primeiro, lembrando-se da Fazenda Acauhan (onde passou a maior parte do pouco tempo que o Destino lhe concedeu ao lado de João Suassuna), Ariano chora seu pai nos seguintes termos: Aqui morava um Rei, quando eu menino: vestia ouro e Castanho no gibão. Pedra da sorte sobre o meu Destino, pulsava, junto ao meu, seu Coração.

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Para mim, seu Cantar era divino, quando, ao som da Viola e do bordão, cantava com voz rouca o Desatino, o Sangue, o riso e as mortes do Sertão. Mas mataram meu Pai. Desde esse dia, eu me vi, como um Cego, sem meu Guia, que se foi para o Sol, transfigurado. Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa, Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa, Espada de ouro em Pasto ensangüentado14. Este soneto expressa de forma muito clara a noção de trágico enquanto quebra de uma ordem. A Acauhan aparece, nas duas primeiras estrofes, como um reino, lugar governado por um Rei encourado e de Cantar divino. A violência do Sertão (o sangue, as mortes) era conhecida do menino Ariano, segundo o poema, apenas através da Arte, das cantorias de viola do pai, como se a Acauhan não fizesse parte daquele outro mundo, real e perigoso. O assassinato de João Suassuna proporciona a queda do autor, de um mundo ilusório de felicidade e segurança para o abismo da infelicidade e da desordem. Para que haja o impacto trágico, o sujeito da ação deve sofrer conscientemente, pois, na verdade, “só se sofre aquilo que se mede e se conhece”, como afirma o próprio Ariano em uma de suas odes. E a consciência da queda, no seu caso, é muito bem expressa nos dois tercetos do soneto. A consciência da morte do pai, que o deixou como Cego sem Guia, é também consciência de que a morte se encontrava tão presente no seu mundo como em qualquer outro, ou melhor, de que o mundo, na realidade, era um só, mas bifronte, com uma face de horror e de caos tão verdadeira quanto a face paradisíaca que o menino conhecia. O mundo não era somente aquele mundo luminoso e reto – o mesmo que Emil Sinclair, personagem do romance Demian, de Hermann Hesse, vivenciava, até travar conhecimento com Kromer. Possuía, também, um lado escuro e tortuoso, e a estrada reta mostrava suas curvas de dorso de cobra.

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O segundo soneto intitula-se “Infância” e é o seguinte: Sem lei nem Rei, me vi arremessado, bem menino, a um Planalto pedregoso. Cambaleando, cego, ao sol do Acaso, vi o mundo rugir, Tigre maldoso. O cantar do Sertão, Rifle apontado, vinha malhar seu Corpo furioso. Era o Canto demente, sufocado, rugido nos Caminhos sem repouso. E veio o Sonho: e foi despedaçado. E veio o Sangue: o Marco iluminado, a luta extraviada e a minha Grei. Tudo apontava o Sol: Fiquei embaixo, na Cadeia em que estive e em que me acho, a sonhar e a cantar, sem lei nem Rei15. O autor refere-se, aqui, de certo modo, aos anos de desassossego vivenciados logo após a morte de João Suassuna. Logo de saída, o mundo é comparado a um “Tigre maldoso”. O “Sonho”, que existiu “e foi despedaçado”, pode ser entendido como uma referência ao pai. Nada expressa melhor a visão trágica do mundo: o autor vê-se arremessado, “ao sol do Acaso”, em um mundo cruel, um mundo visto enquanto Cadeia, essa Cadeia onde, de fato, todos nós estamos presos, previamente condenados à morte por um crime que não sabemos qual foi, à espera da execução da sentença. Por fim, vale registrar ainda que, no poema, a Arte aparece como uma saída temporária para o tormento humano – daí a importância de sonhar e cantar. A partir do momento em que Suassuna afirma, no primeiro soneto, “mataram meu Pai”, o tema tabu do jovem poeta começa a ser encarado pelo escritor maduro sem subterfúgios de nenhuma espécie. O que não significa dizer que sua carga dolorosa tenha diminuído. Silviano Santiago chamou a

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atenção, ao comentar este soneto, para o fato de a lembrança do pai ser descrita de modo a lembrar uma marca de gado, feita com ferro a fogo16 – marca que tempo algum consegue apagar. O sentimento trágico da vida, presente já nos primeiros poemas de Suassuna, permanecerá pulsando em toda a sua poesia. Em alguns poemas, Suassuna pode até apresentar uma visão mais otimista, sem no entanto deixar de lado a constatação da coletiva tragédia humana. No soneto intitulado “Dom”, por exemplo, o poeta percebe que, se a consciência de mortalidade despertou nele uma visão trágica do mundo, envenenando o seu sangue para sempre (e também o “sangue do Mundo”), ao mesmo tempo lhe serviu como fonte de inspiração poética: Se a visagem da Morte – a dura Garra – para sempre meu Sangue penetrou, deu-me a Fonte-sagrada, e, sem amarras, esta Voz em meu sangue se selou. A visão do Nefasto, sol da Amarga, todo o sangue do Mundo envenenou. Nunca mais fui o mesmo, pois a Marca, ao sol cruel do Sono, me apontou. Mas, se fui para sempre assinalado, achei o Veio, a chama do Tesouro, que a Morte é sonho, a Vida é fogo e treino. E, se o selo do Sol me tem, marcado, me deu o Dom de, em três Bocais-de-ouro, fazer ouvir as trompas do meu Reino17. Não se pode fugir da morte, mas através da Arte pode-se ao menos combater o desespero de uma vida sem sentido. A visagem da morte é assim uma fonte de inspiração sagrada, o Veio, a chama do Tesouro. À trágica expressão “a vida é sonho”, de Calderón, Suassuna antepõe uma outra, mais realista e talvez mais trágica: “a Morte é sonho, a Vida é fogo e treino”.

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Em outro soneto, “Abertura sob pele de ovelha”, o autor parece se convencer cada vez mais da possibilidade de combater o seu desespero interior através da Arte: Falso Profeta, insone, Extraviado, vivo, Cego, a sondar o Indecifrável: e, jaguar da Sibila – inevitável, meu Sangue traça a rota deste Fado. Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado, busco a Estrela que chama, inapelável. E a Pulsação do Ser, Fera indomável, arde ao sol do meu Pasto – incendiado. Por sobre a Dor, a Sarça do Espinheiro que acende o estranho Sol, sangue do ser, transforma o sangue em Candelabro e Veiro. Por isso, não vou nunca envelhecer: com meu Cantar, supero o Desespero, sou contra a Morte e nunca hei de morrer18. É uma visão cheia de esperança. O poeta reconhece que com sua obra supera o desespero, e que assim jamais morrerá. Pode-se pensar, aqui, tanto na afirmação de que a Arte representa uma possibilidade real de permanência (o autor permanece vivo na sua obra) quanto na reafirmação da visão religiosa do autor, pois, como dizia o Cristo, “quem crê em mim não morre”. Em todo caso, Suassuna não se esquece, em momento algum, da impossibilidade humana de decifrar o Enigma da máquina do mundo, pois reconhece que vive “Cego, a sondar o Indecifrável”. O Segredo do mundo somente será revelado ao homem quando este se encontrar com a Moça Caetana, a morte armorial sertaneja, entrando, assim, finalmente, em união com a Divindade. Por isso Suassuna termina sua Vida nova brasileira com o belo soneto intitulado “O sol de Deus”, o qual aproveito para, com ele, encerrar também o meu comentário:

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Mas eu enfrentarei o Sol divino, o Olhar sagrado em que a Pantera arde. Saberei porque o laço do Destino não houve quem cortasse ou desatasse. Não serei orgulhoso nem covarde, que o Sangue se rebela ao som do Sino. Verei o Jaguapardo e a luz da Tarde, Pedra do sonho, cetro do Divino. Ela virá – Mulher – aflando as asas, com o mosto da Romã, o sono, a Casa, e há de sagrar-me a vista o Gavião. Mas sei também que, só assim, verei a coroa da chama, e Deus, meu Rei, assentado em seu trono do Sertão19.

Carlos Newton Júnior nasceu na cidade do Recife (PE). É professor universitário e escritor, com incursões pelo campo do romance, da poesia e do ensaio. Desde 1990, leciona Estética e História da Arte no Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Entre os seus livros, dois tratam da obra de Ariano Suassuna: O pai, o exílio e o reino: A poesia armorial de Ariano Suassuna (Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1999) e O circo da Onça Malhada: Iniciação à obra de Ariano Suassuna (Recife, Artelivro, 2000).

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NOTAS 1 2 3 4 5

6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

PAZ,

Octavio. El arco y la lira. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica, 1998, 3ª. ed., 12ª. reimpressão, p. 44. Ariano. Poemas. Seleção, organização e notas de Carlos Newton Júnior. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1999. BORGES, Paulo Alexandre Esteves. “Na hora de lançar A Pedra do Reino – Os sonetos de Ariano Suassuna”. Anto: Revista Semestral de Cultura. Amarante [Portugal], nº. 3, 1998, pp. 156-60. SUASSUNA, Ariano. Poemas. Ed.cit., p. 28. Formas poéticas do Romanceiro popular nordestino. Tanto o “martelo agalopado” quanto o “galope à beira-mar” pertencem à família das décimas, ou seja, são formados por estrofes de dez versos, sendo que o verso do martelo possui dez sílabas, enquanto o do galope, onze. O esquema rímico é o mesmo: ABBAACCDDC. Já o “repente”, ou “sextilha”, é composto por seis versos de sete sílabas, rimados em ABCBDB. SUASSUNA, Ariano. “Prefácio”. In: JAPIASSU, Janice. Sete cadernos de amor e de guerra. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/ Departamento de Extensão Cultural, 1970, p. II. COUTINHO, Edilberto (org.). Presença poética do Recife. Rio de Janeiro/Recife, José Olympio/Fundarpe, 1983, 3ª. ed., pp. 199-205. SUASSUNA, Ariano. Poemas. Ed.cit., p. 239. Idem, p. 194. Idem, p. 65. Idem, pp. 145-6. Idem, p. 153. Idem, pp. 153-4. Idem, p. 190. Idem, p. 191. SANTIAGO, Silviano. In: SUASSUNA, Ariano. Seleta em prosa e verso. Apresentação, estudo e notas de Silviano Santiago. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio/Instituto Nacional do Livro, 1974, p. 100. SUASSUNA, Ariano. Poemas. Ed.cit., p. 209. Idem, p. 201. Idem, p. 198. SUASSUNA,

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O grande teatro do mundo Ligia Vassallo

I. A estética armorial A preocupação estética de Ariano Suassuna foi-se definindo durante um longo percurso que culminou na elaboração de um projeto cultural ímpar – o Movimento Armorial. Este se fez conhecer por meio de duas exposições de artes plásticas e dois concertos, nos anos de 1970 e 1971, e envolveu vários tipos de artistas. O grupo reunia poetas, gravadores, músicos, escritores, pintores, dramaturgos, ceramistas e coreógrafos, com a pretensão de associar as diferentes artes de modo a levar adiante seu enraizamento na cultura nordestina, relacionando a produção popular e a erudita. Desenvolvia-se assim coerentemente um embrião que já existia desde os primórdios, no Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). Na verdade, a conceituação da armorialidade é precedida por um longo e fértil período, no qual Ariano produziu a maior parte da sua obra literária dramática, poética e de pesquisa. Até mesmo suas experiências narrativas já haviam sido iniciadas, embora permanecessem inéditas. Suassuna explica a nova proposta nestes termos: A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como característica principal a relação entre o espírito mágico dos folhetos do Romanceiro popular do Nordeste (literatura de cordel), com a música de viola, rabe-

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ca ou pífano que acompanha suas canções e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das artes e espetáculos populares em correlação com este Romanceiro.1 O Movimento Armorial se limita aos autores vivos, que tematizam o espaço cultural do Nordeste rural do Sertão, em contato estreito com a natureza e as tradições populares e rurais. Sem se sentirem regionalistas estreitos, os criadores armoriais buscam apoiar-se em temas da cultura popular nordestina, visando alcançar a imagem de uma nova literatura e uma nova arte brasileiras, através da recriação poética daquilo que Ariano prefere chamar de Romanceiro, dando ao termo uma acepção peculiar, que engloba toda a literatura de cordel num sentido amplo. Graças à arte armorial, a valorização das tradições populares conduz à renovação das formas e expressões literárias e artísticas. Ou seja, como diz Suassuna: “O movimento armorial pretende realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da nossa cultura”2. É exatamente o que ele tem reiterado sempre, até mesmo em seus mais recentes artigos na imprensa e nas entrevistas. A arte armorial parte do folheto de cordel, não como fonte única, mas como ponto de convergência que associa a música dos instrumentos, a palavra da cantoria e a imagem da xilografia segundo o ponto de vista da arte popular. O folheto é então erigido em bandeira armorial, porque reúne três setores normalmente separados: o literário, teatral e poético dos versos e narrativas; o das artes plásticas em associação com as xilogravuras da capa do folheto; o musical dos cantos e músicas que acompanham a leitura ou a recitação do texto. Por integrar as três formas de expressão presentes no folheto, o teatro é encarado por Suassuna como arte maior no Movimento Armorial. Este preconiza ao mesmo tempo a retomada de uma herança cultural assinalada por sua perenidade; a reafirmação da originalidade regional; a renovação dos modelos formais por meio de uma temática nova; o recurso a formas populares em obra não popular; a passagem do oral ao escrito, ou seja, a reelaboração erudita a partir de um modelo popular. Desse modo a literatura popular é concebida como objeto de conhecimento e de pesquisa, além de servir de base à criação erudita. A tensão existente entre a matéria popular e a produção culta se conjuga, em Suassuna, com o binômio regional-universal, porque os te-

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mas, problemas e personagens do Sertão são os mesmos de outras regiões, expressos com outra roupagem. Ariano Suassuna aproximou suas recordações de Taperoá (cidade paraibana do Sertão dos Cariris Velhos e epicentro de toda a sua produção literária) às das criações cômicas do teatro cristão, encontrando profundas ligações entre aquelas e as do povo nordestino. Desse amálgama saem o hibridismo e a originalidade do seu teatro, cujo tom essencialmente jogralesco é ressaltado na moralidade final, correspondendo à hora da morte de um cristão certo da vinda da verdadeira justiça. Nas fontes populares que servem de base à reelaboração erudita está presente a interpretação das histórias medievais no imaginário sertanejo. Nesta passagem do romance A Pedra do Reino (1971), Ariano mostra-se consciente do fenômeno e de suas adaptações locais: É por isso que eu digo que os fidalgos normandos eram cangaceiros e que tanto vale um Cangaceiro quanto um Cavaleiro medieval. Aliás, os Cantadores e fazedores de romances sertanejos sabem disso muito bem, porque, como me fez notar o Professor Clemente, nos folhetos que Lino Pedra-Verde me traz para eu corrigir e imprimir na tipografia da Gazeta de Taperoá, as Fazendas sertanejas são Reinos, os fazendeiros são Reis, Condes ou Barões, e as histórias são cheias de Princesas, Cavaleiros, filhos de fazendeiros e Cangaceiros, tudo misturado3. II. Linhas mestras do teatro armorial O teatro parece o veículo por excelência para a transposição das fontes populares rurais ao mundo urbano letrado, não só por ser privilegiado pelo projeto estético armorial, mas também como intermediário entre a oralidade do espetáculo e a fixação do documento escrito. Isto se deve à circunstância de que uma peça só se realiza verdadeiramente enquanto espetáculo representado, embora dele só reste de forma duradoura o texto impresso. O texto teatral é escrito com todas as marcas da oralidade próprias do diálogo e da encenação – do mesmo modo que o folheto de cordel guarda todos os traços de oralidade e da retórica da voz. A transposição das fontes populares

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para o meio culto engendra uma circularidade entre o oral e o escrito. Aliás, ela é uma das características da cultura européia à época dos descobrimentos, o que reforça o cunho medievalizante da cultura nordestina e da obra de Suassuna. Por isso suas peças se revestem de traços ideológicos próprios da Idade Média, como o maniqueísmo e o tom moralizante. Nelas há também personagens alegóricos, homólogos à visão de mundo cristã medieval, e aspectos próprios da cultura popular européia daquela época, trazidos ao Nordeste pelos primeiros ocupantes que o colonizaram, mantendo-se o repertório até hoje, em especial no Sertão. A modalidade dramática adotada pelo armorial consiste num tipo de teatro classificado como épico ou narrativo, que existiu no antigo Oriente, na Idade Média, nos autos vicentinos quinhentistas, nos autos sacramentais do século de ouro espanhol e ainda viceja nos folguedos nordestinos ao ar livre, associando-se a inúmeras representações folclóricas. Ele repousa numa concepção de palco aberto, onde as modificações cênicas são feitas à vista de todos. Ademais foge às três unidades formais do teatro clássico, usa prólogo narrativo e epílogo, monólogo e aparte para exteriorizar as reflexões dos personagens, emprega a música e a ação trazida dos bastidores, tem personagens estereotipados e, um deles, o apresentador formal das peças, dirige-se ao público. Ao final, tudo culmina com uma mensagem cristã. Embora adote a dramaturgia épica, Ariano Suassuna recusa declaradamente o modelo antiilusionista e político de Bertolt Brecht, conforme explica: Sempre fui contra as formulações teóricas do teatro sectário de Bertolt Brecht e de seus discípulos latino-americanos de existência menor. A fórmula brechtiana combate o ilusionismo teatral e ela destrói a ilusão e o encantamento do teatro, fundamentais para esta arte4 [grifos do escritor]. O projeto estético do dramaturgo explicita de que modo a cultura popular nordestina que lhe serve de esteio se amalgama com a erudita, para que se opere a transposição da arte popular para o ambiente culto. As fontes temáticas, as seqüências narrativas e certas técnicas do cordel e dos folguedos populares constituem as bases principais para o teatro de Suassuna, elementos que o artista integra em modelos formais dramáticos da alta literatura ocidental. Neles predomina o teatro religioso medieval, sobretudo ibérico (mistério, milagre,

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moralidade), ao qual se acrescentam traços do auto sacramental barroco (ainda muito ligado à medievalidade, apesar de ser um produto do século XVII), em associação com formas da dramaturgia profana vigentes na cena durante a transição entre o período medieval e os tempos modernos (farsa e comédia italiana). Aliás, o dramaturgo confirma tais influências. As fontes de seu teatro, desde que pertencentes à cultura popular, são sempre mencionadas em seu ideário, como parte de seus princípios básicos, contrariamente às de origem culta, que jamais são indicadas. Nelas incluímos o modelo de comédia de costumes conforme elaborado na Comédia Nova do grego Menandro (342-292 a.C.), adotado igualmente pelo romano Plauto (século III a.C.), fornecendo mais tarde as bases para as comédias do teatro clássico de Molière (século XVII). Acrescentamos ainda o Hamlet, de Shakespeare (século XVI), os autos de Gil Vicente (idem), bem como O grande teatro do mundo, do espanhol Calderón de la Barca (século XVII). Além disso, algumas outras características marcantes do teatro de Suassuna consistem na mistura de religioso e profano, na presença da música e nos personagens – altamente cômicos, inseridos no universo e na ideologia da região, sem densidade psicológica. A primeira se presentifica nas peças próximas da moralidade, mostrando que trágico é o destino do homem após o pecado original, embora tal situação possa ser tratada sob o modo cômico, que não está excluído do cotidiano. Por isso nesses textos há uma forte temática religiosa e um julgamento final, sumário ou formalizado, com resultado maniqueísta. A religião que transparece nas peças de Suassuna é a popular, aproximando-se portanto do catolicismo rural, consubstanciado nas orações freqüentes, em sentido literal ou sobretudo parodiadas; na proximidade com os santos sempre invocados, a quem se atribuem características da vivência humana que tiveram na Terra e mais algumas intimidades; na concepção de Nossa Senhora como mediadora e misericordiosa, a Compadecia dos homens; no respeito a Cristo, representante de Deus e, como tal, juiz derradeiro, que no entanto se curva aos pedidos de Maria – embora possa se apresentar na pele de um negro; no terror do Diabo e seus acólitos, que se intrometem na vida dos seres humanos para tentá-los. Para isso se travestem ou sofrem adaptações locais, como os trajes de vaqueiro do Demônio, o conhecido Encourado.

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A música é um elemento importante no teatro épico e no folheto e, como tal, tem grande incidência no teatro de Suassuna. A sua presença é determinante: seja pela influência do teatro de mamulengo, que a fundamenta, seja pela do folheto, citado muitas vezes ou usado como modelo em obras quase inteiramente cantadas, como A pena e a lei (1959), que oferece um panorama dos diferentes ritmos nordestinos. Os personagens de Suassuna, ancorados na realidade rural nordestina, são submetidos a uma autoridade mais alta, a de Deus, do senhor da terra ou do patrão, do pai, do marido. O escritor tematiza prioritariamente a situação dos que se encontram em posição inferior na ordem social, seguindo a ideologia dos folhetos de cordel. Por isso seus protagonistas de maneira geral não se identificam com aqueles que detêm posições de mando e as autoridades se revestem de um caráter distante e negativo. Até mesmo personagens que exercem o comando no âmbito doméstico e familiar são contestados. Apesar da importância que têm os padres no Sertão, nem eles escapam ao desnudamento, pois Padre Antônio, de A pena e a lei, é velho e surdo. Por essas razões, somente pela burla e pela astúcia logra atingir seus objetivos. Assim, pelo grotesco e pelo exagero cômico de suas peças, o artista demonstra a necessidade de que o protagonista seja sempre ardiloso para não fracassar em seus intentos, ao mesmo tempo que denuncia as situações indesejáveis e discutíveis que poderiam ser reformuladas naquela sociedade, sem no entanto repudiar a religiosidade e a moral vigentes. Tais personagens retratam a gama de pobres coitados viventes do Sertão em toda a sua variedade (cangaceiros, beatos, retirantes, cantadores, mentirosos, valentões, sedutores etc.), com destaque para os que têm ligações com as histórias dos folhetos de cordel, como os astuciosos João Grilo e seu duplo Chicó, bem como Cancão, derivado do famoso e temível Cancão de Fogo, todos mais ou menos aparentados com o Pedro Malazartes. São absolutamente hilariantes, porque o teatrólogo é um mestre na arte de fazer rir, capaz de explorar todos os recursos técnicos disponíveis para esse fim. Alguns desses personagens são alegóricos, talvez herança dos autos vicentinos, representando arquétipos da sociedade cristã medieval, figurações da luta maniqueísta entre o Bem e o Mal, sem posições intermediárias. Pertencem todos ao mundo celeste e ao infernal, sempre alertas para agir entre os huma-

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nos. São básicos em Farsa da boa preguiça (1960), aparecendo em menor escala em O rico avarento (1954) e O castigo da soberba (1953). O sobrenatural está representado por dois níveis de personagens de cada lado, os celestes e os infernais. Os primeiros atuam como prólogo e epílogo dos atos, cumprindo função narrativa e épica, e contribuem também para a conclusão moralizante. Não interferem na peça, contrariamente aos seres infernais, que se imiscuem personagens humanos, provocando neles ação e reação, forçando-os ao pecado e tentando arrebatá-los para o inferno. Há porém outro tipo de personagem, que exerce a função expletiva e eminentemente épica de apresentador do espetáculo. Por isso ele inter vém no prólogo e no epílogo da peça ou de cada um dos seus atos, sendo marginal à trama e correspondendo ao prólogo dos folhetos. Sua inter venção não deve ser confundida com o desenrolar da ação, onde ocasionalmente o comentador pode-se desdobrar atuando também como personagem. Exemplos típicos do tipo formal são Manuel Flores, o Palhaço, Manuel Carpinteiro, a dupla de Cheiroso e Cheirosa, o Guia (este, no Auto de João da Cruz, de 1950). A mesma função é exercida pelo primeiro e o segundo cantadores em O homem da vaca e o poder da fortuna (1958) e O castigo da soberba. Tais figuras, por se colocar no palco mas fora da ação, estabelecem uma ponte entre o mundo da cena e aquele da platéia, à qual se dirigem de modo cúmplice, anunciando, comentando e arrematando a ação encenada. Algumas delas se revestem de aparência particular, como a de palhaço, camelô do céu ou dono de mamulengo – respectivamente em Auto da Compadecida (1955), Farsa da boa preguiça, A pena e a lei. III. As operações textuais Consideramos um dos procedimentos mais freqüentes em Suassuna o uso da intertextualidade, isto é, a retomada de um enunciado ou texto, deixando-o visível, reconhecível e demarcável sob outro sem desligar-se do sistema e sem perder a ambigüidade própria da literatura. As operações intertextuais em Suassuna se apresentam sob duas facetas: reelaboração do próprio texto ou intratextualidade e retomada do texto alheio ou intertextualidade propriamente dita. O último caso incide tanto em textos da cultura popular quanto da erudita.

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Na intratextualidade trata-se de multiplicar as versões da peça em diferentes instâncias. Assim, quase todas as peças são reescritas, desde a primeira, Uma mulher vestida de sol (1947, 1957). Cantam as harpas de Sião (1948) torna-se O desertor de Princesa (1957); o Auto de João da Cruz foi refeito; o terceiro ato do Auto da Compadecida é reescrito como “O processo do Cristo negro”, que por sua vez é retocado para se tornar o “Auto da virtude da esperança”, isto é, o terceiro ato de A pena e a lei. Outra possibilidade é a transformação do mesmo texto publicado, como se dá com os entremezes Torturas de um coração (1951) e O castigo da soberba, ambos possuindo dois textos distintos ou variantes. Um outro aspecto consiste em transformar textos integrando-os a outros maiores, como acontece com O castigo da soberba em relação ao Auto da Compadecida, bem como O homem da vaca e o poder da fortuna e O rico avarento quanto à Farsa da boa preguiça. As conchambranças de Quaderna (1988) introduz soluções inovadoras. Seus dois primeiros atos – respectivamente “O caso do coletor assassinado” e “Casamento com cigano pelo meio” – derivam de narrativas homônimas em prosa, constantes de Seleta em prosa e verso (1974). O terceiro, “O processo do Diabo”, reelabora o entremez inédito A caseira e a Catarina (1962). A intertextualidade consiste em se apropriar de texto de outrem, assimilando-o por vários meios: 1) adoção parcial da fonte, como os personagens Cancão e João Grilo em relação ao folheto e ao mito; 2) adoção de fragmento de texto, reelaborando-o, como a cena da cortina de Hamlet em O casamento suspeitoso (1957), as inúmeras passagens dos Evangelhos, as orações literais ou paródicas; 3) adoção de texto completo, com suas motivações, temas e seqüências, traduzindo-os para outro contexto e outro gênero literário, conforme a transposição do folheto de cordel para os entremezes; 4) adoção de mais de uma fonte para o mesmo texto, segundo vemos na relação entre a Aulularia, O rico avarento e O santo e a porca (1957); 5) citação literal de texto popular (cantiga de Canário Pardo no Auto da Compadecida, romance ibérico no Homem da vaca, folheto sobre Camões em Farsa da boa preguiça), erudito (parte de um soneto de Camões, na mesma peça) ou religioso (agnus dei ao final de O casamento suspeitoso); 6) citação literal de folheto mas com deslocamento paródico, como o ofício dos mortos para enterrar o cachorro (Auto da Compadecida); 7) remanejamento paródico do discurso, obtendo atestados de óbito histriônicos (A pena

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e a lei) e o casamento civil (O casamento suspeitoso); 8) criação de texto e gestualidade paralelos ao discurso oficial, como o casamento religioso à maneira de São Francisco (idem). Por conseguinte, as obras de Suassuna podem ser lidas isoladamente ou em relação à matriz textual que as alimenta. Finalmente, um dos procedimentos textuais mais interessantes de Suassuna em seu diálogo com a tradição culta repousa na relação com O grande teatro do mundo, de Calderón de la Barca. Essa peça é retomada fragmentariamente, de maneira diluída e sob o modo paródico, em Auto da Compadecida, Farsa da boa preguiça e A pena e a lei. O escritor carnavaliza a problemática séria contida no auto sacramental de duas maneiras: dessacralizando o papel do Autor (isto é, o personagem que faz o papel de Deus, elemento fulcral no teatro barroco espanhol) nas histriônicas figuras do Palhaço, o Cheiroso, o camelô do céu e em outras congêneres de menor monta nas peças curtas, ou então transformando a problemática da vida como palco na técnica do teatro dentro do teatro. Uma leitura minuciosa da obra de Suassuna comprova que os temas e estruturas advindos do romanceiro remontam a material europeu – em especial o francês – e até mesmo oriental – de mouros, judeus e ciganos –, legados à cultura nordestina através da ibérica. Esta, por sua vez, devido a circunstâncias históricas, já veiculava, à época do descobrimento das Américas, elementos de diversa procedência na área do Mediterrâneo. Assim, em outras palavras, através de Portugal tornamo-nos legatários daquela cultura marcada por fortes traços arcaicos e cosmopolitas, que se reduplicam consoante o novo contexto em que se inserem. Ao longo da observação de cada um dos textos das peças são levantados empréstimos ao romanceiro nordestino para, a partir deles, atingir-se uma camada anterior, a saber, sua identificação em obras matriciais européias. O acompanhamento dessa vinculação permite aquilatar o ancoramento de vários temas em remotos passados e múltiplas culturas, reforçando as origens européias da literatura dos folhetos populares nordestinos, a permanência do medieval na região e na obra do artista. Ao mesmo tempo, reitera a circularidade de temas e enfatiza a relação entre regional e universal. Desse ângulo deduz-se que, de maneira geral, as peças do dramaturgo paraibano, religiosas ou profanas, representadas por bonecos ou por seres humanos, correspondem a um só molde: fonte popular expressa, proveniente de folhetos e da tradição oral, associada à estrutura mais ou menos pronunciada de auto vicentino.

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Contudo, cada ocorrência sublinha um conjunto de traços diferentes, não só do vínculo europeu como também da mediação dos folguedos nordestinos. Como quer que seja, a peça típica de Ariano Suassuna amalgama diferentes estruturas teatrais vigentes na Europa desde a Baixa Idade Média até meados do século XVII. A seguir analisamos as peças de Suassuna seguindo três enfoques: as matrizes textuais (ou textos reelaborados que as compõem); os modelos formais (ou classificações em que elas se inserem); as fontes temáticas (que explicitam a origem geralmente européia dos temas das peças, fazendo ao mesmo tempo a relação entre o regional e o universal). IV. As matrizes textuais As análises das obras individuais que empreendemos a seguir tratam de indicar suas matrizes textuais, seja no folheto de cordel seja no entremez, comparando-as com o texto definitivo da peça em vários atos. 1 - Auto da Compadecida A mais festejada das peças de Ariano Suassuna, escrita em prosa, é também aquela que deita raízes mais fundas na tradição cultural do Ocidente transmitida através do romanceiro, como se vê observando suas fontes temáticas. Suas matrizes são folhetos populares e um entremez do autor, O castigo da soberba. Religioso e sério, este é todo cantado em versos de sete sílabas rimados aos pares, como no cancioneiro medieval e no nordestino. O primeiro ato se baseia em O enterro do cachorro, fragmento do folheto O dinheiro, de Leandro Gomes de Barros; o segundo na História do cavalo que defecava dinheiro, do mesmo artista; o terceiro amalgama O castigo da soberba, de Anselmo Vieira de Souza, e A peleja da Alma, de Silvino Pirauá Lima, ambos retomados pelo entremez de Suassuna O castigo da soberba. Provém ainda do romanceiro a cantiga de Canário Pardo utilizada como invocação de João Grilo a Maria; o nome Compadecida e a estrofe com que o Palhaço encerra o espetáculo pedindo dinheiro são tomados ao folheto O castigo da soberba. No Auto da Compadecida, as hilariantes situações de embuste, como o testamento e o enterro do cachorro, o animal que defeca dinheiro e a gaita

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mágica que ressuscita, são temas multisseculares fornecidos ao autor pelos folhetos. A estes aspectos risíveis se junta o cenário de circo bem como o personagem do Palhaço, que reescrevem não só um divertimento popular muito comum no Sertão como também, em nosso entender, constituem uma retomada paródica e carnavalizada da peça O grande teatro do mundo, do espanhol seiscentista Calderón de la Barca. Quanto ao julgamento da Alma, tema do terceiro ato, é o entremez O castigo da soberba que segue literalmente o folheto matricial. A peça longa enriquece certas situações, pois multiplica o número de personagens mortos e, portanto, de salvações. Entre elas ressalta o retorno do João Grilo à vida. Por outro lado, explora-se a astúcia do protagonista, fazendo-o solicitar a mediação da Compadecida. Nesse entremez, a teatralização atualiza o texto popular, com adaptações às condições sócio-econômicas da época. Há duas versões do entremez O castigo da soberba. A primeira aparece na Revista DECA (Departamento de Extensão Cultural e Artística, Recife, 2(2): 39-50, 1962) e a segunda em Seleta em prosa e verso, organizada por Silviano Santiago. Nessa última o escritor concentra a ação do poema, tornando-a mais concisa, ao mesmo tempo que se preocupa com os efeitos dramáticos da adaptação. Também muda o enredo, eliminando o herói marcado pelo erro dos pais. Ao suprimir as súplicas da Alma à Virgem introduz adaptações de outro folheto, A peleja da Alma, bem como alterações quanto à distribuição das falas dos coros. Aparentemente a segunda versão é mais elaborada que a primeira. 2 - Farsa da boa preguiça Esta peça em três atos apresenta-se toda em versos livres, com trechos musicais cantados. Contém citações de folhetos, de Camões, da Bíblia e de orações. Cada ato guarda uma certa independência em relação ao conjunto, visto que tem subtítulo próprio (respectivamente “O peru do Cão Coxo”, “A cabra do Cão Caolho”, “O rico avarento”); além disso ela inclui prólogo e conclusão. Seu primeiro ato é calcado em notícia de jornal e em O preguiçoso, história de mamulengo criada por Benedito; o segundo, em vários textos: na história do homem que perde nas trocas o que ganhara, no romance do homem que perde a cabra e no folheto de Francisco Sales Areda intitulado O homem da

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vaca e o poder da fortuna; o terceiro, no conto popular “São Pedro e o queijo” e na peça de marionetes O rico avarento, divulgada pelo marionetista Professor Tiridá. Antes da Farsa da boa preguica, Ariano escreveu dois entremezes, O homem da vaca e o poder da fortuna e O rico avarento. À exceção do folheto de Areda, as demais fontes são orais. O rico avarento é escrito em prosa a partir da peça anônima e homônima de mamulengo, conforme advertência do autor relacionada com o texto da peça. Aquela filiação condiciona a forma do espetáculo, extremamente cômica, apesar do assunto sério e religioso, tomado à moralidade. Portanto os personagens são alegóricos, à exceção do valentão Tirateima, que se torna o protagonista, em oposição ao rico avarento. Ao mesmo tempo, ele é o marionetista que apresenta o espetáculo, numa dupla perspectiva de narrador e protagonista que reaparece em A pena e a lei. Seu nome é significativo do espírito do teatro de marionetes, porque designa um bastão que serve para bater, provocando um efeito cômico. O texto O homem da vaca e o poder da fortuna baseia-se no folheto homônimo de Areda. Esse entremez, todo cantado em sextilhas de sete sílabas, mostra uma estrutura híbrida, pois na ação principal enxertam-se um romance ibérico ainda cantado no Sertão (“O amor de Clara Menina e Dom Carlos de Alencar”) e passagens do bumba-meu-boi, especificadas nas rubricas, que vão se incorporando à ação principal. Todas as situações são representadas por um pequeno número de atores, que se desdobram em cena. Da literatura oral o entremez mantém a estrutura do par de cantadores e a fórmula canônica do prólogo narrativo em primeira pessoa, com referência a Gonçalo Fernandes Trancoso, português quinhentista autor de Histórias de proveito e exemplo, de larga difusão no Nordeste: “Conto uma história /que ouvi contar em ‘trancoso’”5. A inclusão de diferentes romances numa representação popular não acarreta em geral nenhuma modificação na estrutura. Não corresponde a uma necessidade interna da peça, cujo princípio de construção amalgama elementos díspares, tomados ao folheto, ao mamulengo, ao bumba-meu-boi e ao romanceiro e unidos por uma intenção moralizadora muito mais ambígua do que nas outras peças de Suassuna. Comparando o desenrolar da Farsa da boa preguiça com os entremezes, constatamos que inevitavelmente a peça em três atos traz

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um desenvolvimento muito maior do que a concisão dos textos curtos. No conjunto, ela amplia o espaço dos personagens sobrenaturais e enxerta outros subtemas a partir deles. Por outro lado, os subtemas enxertados aparecem sobretudo no primeiro ato, que não se baseia em nenhum texto escrito, mas já lança de maneira diluída os temas que serão desenvolvidos nos dois outros. Ele funciona a partir dos contrastes entre dois casais opostos em tudo, tentados pela diaba Andreza, e das discussões sobre os diferentes tipos de poesia produzidos por Simão. Há intercalação de algumas, sem prejuízo da ação principal. Tais enxertos equivalem ao do romance ibérico no início do entremez. O segundo ato mantém relações mais próximas com o entremez. Acompanha a maior parte das seqüências deste, elimina as intercalações, procede a algumas adaptações. O prólogo narrativo do terceiro ato funciona como elemento de ligação entre as duas partes originalmente díspares, pois enfatiza o decurso do tempo ao fim do qual a situação se modificou e explicita as mudanças ocorridas. A partir daí as seqüências acompanham as de O rico avarento, duas histórias são intercaladas (o folheto sobre Camões e o conto sobre São Pedro e o queijo) e os personagens sobrenaturais interferem. O diabo que dança com a mulher na peça de Januário de Oliveira, o Ginu, As bravatas do professor Tiridá, é retomado aqui em Fedegoso, amante de Clarabela, e reduplicado no segundo amante, o diabo Quebrapedra. O prazo de vida concedido pelo demônio encurta-se. Os traços de representação advindos do mamulengo que serviu como ponto de partida desapareceram, subsistindo apenas nas cenas da pancadaria do último ato. 3 - A pena e a lei Essa peça em prosa resulta de um trabalho de reelaboração de duas obras anteriormente escritas: o entremez Torturas de um coração, base do primeiro ato, e “A inconveniência de ter coragem”, matriz do terceiro. A última deriva de “O processo do Cristo negro”, “uma espécie de ‘facilitação’ do terceiro ato do Auto da Compadecida”, conforme explicação do próprio autor. A essas duas obras foi acrescentada uma peça especialmente feita para constituir o segundo ato e ser vir de ligação entre as anteriores. Os atos denominam-se respectivamente “A inconveniência de ter coragem”, “O caso do

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novilho furtado” e “Auto da virtude da esperança”. A encenação de A pena e a lei é bastante original, pois transita do teatro de mamulengo para o de seres humanos, com evidente conotação moral. Ilustra assim um processo de evolução do homem, que vai do boneco irresponsável ao ser pleno que comparece diante de Deus. O primeiro ato, por conseguinte, mantém todos os clichês da dramatização de marionetes, com personagens recorrentes nesse tipo de teatro: Cabo Setenta e Capitão, dupla de valentões criada pelo marionetista Cheiroso, e Benedito, o boneco preferido de Ginu. O entremez que lhe serve de base foi reelaborado pelo autor, possuindo duas versões: a primeira, de 1951, foi publicada em 1966 por Hermilo Borba Filho, em Fisionomia e espírito do mamulengo; a segunda, em Seleta em prosa e verso, de 1974. A estrutura de Torturas compreende, antes da peça propriamente dita, um longo prólogo iniciado e encerrado pelo apresentador Manuel Flores, intercalado pela apresentação dos personagens e pela explicação em flashback dos motivos que levam à atual supremacia de Benedito. O prólogo assim concebido provoca um efeito nítido de peça dentro da peça e antecipa a ação do espetáculo. É também um efeito épico que se mantém nos três atos de A pena e a lei. Essa pequena peça, com cenas curtas e muita movimentação, foi criada para o deleite de algumas visitas que o escritor receberia em Taperoá. A transposição do entremez para a peça em três atos acarreta modificações: a violência física não é mais o argumento decisivo e único, os valentões se destroem mutuamente, a astúcia de Benedito é mais sutil. Os personagens continuam estereotipados mas têm paixões secretas (horror à violência, amor às flores e aos passarinhos) ou são atualizados. Por isso, o sedutor Afonso Gostoso é transformado em Pedro, o chofer de caminhão, tipo muito comum no cotidiano nordestino. Os efeitos cômicos do diálogo do entremez são retomados e sistematizados. Aparecem em outras peças de Suassuna, revelando a influência do mamulengo. Assinala-se uma distância significativa entre o entremez e a peça, que permanece muito próxima da fonte popular, na representação do mamulengo, na narração, nos personagens e na reflexão cruel sobre a condição humana. A pena e a lei apresenta ainda um interessante procedimento: ela insere uma grande quantidade de números musicais baseados em diferentes ritmos da

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tradicional cantoria popular nordestina. Eles se integram à ação e reforçam os elos da peça com o mamulengo, pois esse tipo de espetáculo exige e inclui a música na sua apresentação. Nessa peça, a freqüente preocupação moral se associa à problemática social, presente nas companhias estrangeiras, na hierarquia social, nos problemas econômicos do país, na fome e na prostituição. Mas o trágico da situação humana é amenizado pelo cômico, que o dilui, especialmente na explicação das mortes dos personagens, que faz uma paródia do discurso médico, provocando atestados de óbito histriônicos. 4 - O casamento suspeitoso Esta peça em prosa, em três atos, é uma comédia de costumes estruturada conforme o modelo da Comédia Nova do poeta grego Menandro e não tem matriz textual retirada do romanceiro. É a menos rural das peças de Suassuna, não só pelo tema como pela estrutura. Sua ação se passa na casa da matriarca Dona Guida e sua problemática é doméstica, tal como em O santo e a porca. Em ambas as peças os personagens pertencem a famílias constituídas, e o seu ponto nodal consiste no interesse pelo dinheiro associado ao matrimônio. A peça apela para o riso farsesco provocado pelos inúmeros travestimentos, pelas cenas de pancadaria e pela sátira social aos membros da Igreja e da Justiça. Aproxima-se mais da dramaturgia burguesa do que do romanceiro, do qual toma apenas o personagem Cancão, protagonista de inúmeros folhetos, aqui “recriado como tipo e não como transposição direta do mito”, conforme o próprio dramaturgo explica. O par Cancão-Gaspar retoma uma tradição do teatro popular, a “dupla circense que o povo, com seu instinto certeiro, batizou admiravelmente de o Palhaço e o Besta”, sempre segundo Suassuna. Ela também é encontrada na propaganda popular nordestina e no bumba-meu-boi, ao mesmo tempo que evoca os empregados astutos e independentes de Molière e da commedia dell’arte. Esta comédia não parece ter nenhuma matriz textual conhecida, mas uma de suas cenas visivelmente se aproxima de uma de Shakespeare. No ato III, cena 4, Polônio oculta-se atrás de uma tapeçaria para que a rainha fale com Hamlet. Sentindo-se ameaçada pelo filho enlouquecido, ela grita, provocando reação verbal de Polônio escondido. Hamlet desembainha a espada e dá uma estocada na tapeçaria, matando o que considera um rato.

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N’O casamento suspeitoso, o ardiloso empregado Gaspar se esconde atrás de uma cortina para surpreender a conversa dos três impostores, Lúcia, Roberto e Suzana. Quando fazem ameaças a ele, a rubrica propõe que Roberto, tirando o cinturão, dê uma surra em Gaspar, denunciado porque fez a cortina tremer. O motivo em ambos os casos é o mesmo, embora com evidente rebaixamento cômico por parte de Suassuna e com a atenuação da morte em pancada, mostrando um inventivo aproveitamento do motivo de uma cena clássica. 5 - O santo e a porca Esta comédia em três atos adota modelos da alta cultura e transpõe uma peça do escritor romano Plauto, a Aulularia, imbricando-a com O avarento, de Molière (século VXII). É toda em prosa, como a tradução de Plauto, de que retoma algumas passagens, e o texto francês, mas inclui uma pequena cantiga do romanceiro. Os nomes dos personagens, se identificam no plano sonoro e significativo, acompanhando os do escritor romano. O núcleo de O santo e a porca repousa sobre dois módulos: o caráter do avarento e o casamento de sua filha. A análise do caráter do protagonista em contraposição aos demais personagens é constante nos três autores, embora sua apresentação e seu comportamento sejam diferentes e mostrados de maneiras distintas. Assim ele aparece como um tipo eterno e imutável nas sociedades retratadas, um traço de personalidade independente das injunções do mundo exterior, por ser descrito de maneira aparentemente atemporal. Tais sociedades, díspares no tempo e no espaço, comungam, no entanto, quanto à propriedade privada e à divisão em classes, produzindo senhores e criados em posições antagônicas e permanente conflito de interesses. Por isso o tesouro é tão ciosamente guardado e seu roubo, além de desesperar o lesado, deixa o ladrão em situação superior e em condições de atingir seus desígnios. Em contrapartida, o casamento da filha é realizado de modo variado nas obras em apreço, com graus diversos de complexidade. Isso se traduz num número cada vez maior de dificuldades a serem ultrapassadas e de personagens envolvidos na situação. Esta, por sua vez, se encontra extremamente bem ancorada na cor local de que se revestem os hábitos da época ou da região em que decorre a ação, conforme a peça.

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O esquema inicial de Plauto – ou seja, dois pretendentes à mesma donzela – é enriquecido por Molière a partir de uma série de duplicações: dois filhos para o avarento protagonista, portanto dois casamentos e um terceiro irrealizado, além de uma família reencontrada. Molière abandona o deus protetor e mantém um grande número de empregados. O dramaturgo paraibano desenvolve os dois modelos, enxertando-os, de modo a ter três casamentos. Adota de Plauto o deus Lar, transformado em Santo Antônio, divindade tão protetora quanto o cofre em forma de porca, e de Molière a dupla família. As três peças conservam o pretendente descartado, a intermediação feminina para o casamento, os criados como ponto de apoio para a trama, a descoberta do dinheiro escondido, a reviravolta final reveladora de identidade ignorada e, sobretudo, a presença da jovem casadoura, objeto de qüiproquó em todas as peças. Mas Ariano inova em muitos aspectos: ao imaginar a união de Euricão com a porca; ao casar os empregados e o par de ex-noivos; ao colocar a ação na realidade local nordestina, revestindo o tema de total comicidade, devido aos inúmeros travestimentos, mal-entendidos, pancadarias e correrias, de cômico de gesto e de situação. A atualização da peça à estética do presente faz Ariano reduzir os apartes e diluir os monólogos, ora concentrando-os, ora distribuindo-os em falas mais curtas e diálogos. Comparando o famoso monólogo em que o avarento se percebe lesado, notamos em Suassuna maior condensação no texto e pouca influência de Molière, de quem toma apenas algumas idéias. Tal como fazem com a avareza e o desespero pela perda dos bens materiais, os três autores revelam o mesmo tipo de relação entre patrão e empregado, selada pelos maus-tratos físicos e pela desconfiança. No entanto, se o esquema genérico provém de Plauto, Molière recriou a peça à sua maneira, introduzindo-lhe situações que vão ser adotadas por Suassuna: os pretendentes jovens, filhos de boa condição social, empregam-se na casa do avarento para conquistar a amada e usam de disfarces e subterfúgios para agradar ao patrão, ganhando-lhe a confiança; pai e filho são rivais no amor à jovem; as donzelas recusam os noivos impostos, sob pena de preferirem o convento. De Molière vêm o motivo da incriminação do ladrão e o apelo à justiça, realizada aliás por Euricão sobre Pinhão. O escritor francês empresta ainda seu exemplo no tocante a uma técnica para provocar o riso, certamente oriunda da

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movimentação cênica da comédia italiana: frases idênticas, porém uma afirmativa e a outra negativa. O sistema de construção dramática do modelo de Ariano Suassuna envolve, como se vê, a reelaboração de matrizes textuais suas ou alheias, populares e eruditas, condensando e deslocando, em operações que caracterizam sua maneira de criar textos a partir de outras fontes. Em se tratando daquelas de origem popular, percebe-se a fidelidade do dramaturgo à matéria original, na qual as alterações introduzidas envolvem a modificação da linguagem do folheto na sua transposição para o público de teatro. As peças daí surgidas enquadram-se em diversas modalidades, como se verá a seguir. São os modelos formais. V. Os modelos formais Diferentes moldes dramáticos se entrelaçam nas peças de Ariano Suassuna acarretando sérios problemas de classificação. Identificamos a comédia da Antigüidade, o teatro medieval (religioso e profano), os folguedos nordestinos. 1 - Comédia da Antigüidade É o modelo formal mais antigo da tradição dramática ocidental na comédia. Está presente em peças de Suassuna que não se relacionam com o romanceiro: O santo e a porca e O casamento suspeitoso. Apresenta uma forte propensão para a comédia social e tematiza a integração à sociedade. Seu desenlace freqüentemente envolve uma promoção social e um final feliz, conforme o arquétipo da Cinderela no mundo doméstico. Por isso, a comédia canônica ou comédia de costumes tem final feliz, reviravolta e integração a uma nova sociedade, conforme o entendimento de Northrop Frye, expresso em Anatomia da crítica. A peça O santo e a porca apresenta todos os elementos indispensáveis a este modelo de obra: o par de jovens enamorados, a obstrução paterna, a reviravolta propiciadora do reconhecimento cômico, o final feliz constituindo uma nova sociedade. Porém intrometem-se alguns matizes, já que a situação se complica, resultando num desenlace com triplo casamento. Por outro lado há um deslizamento, pois o herói não é o jovem enamorado, e sim a dupla de empregados intrigantes, em especial Caroba. O final, contudo, é agregador e traz pro-

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moção social aos noivos, ainda que esse objetivo tenha sido atingido graças aos ardis da criada. Só não ocorre happy end para o personagem que se exclui do convívio social, moralmente condenado por sua avareza e destinado a conviver com seu ouro desvalorizado. Em compensação, O casamento suspeitoso difere um pouco do padrão, embora ainda se enquadre como herdeiro da Comédia Nova. Nessa peça há também reviravolta e final feliz, tudo fica nos seus eixos, conforme o esquema da comédia. Mas existe um impostor que precisa ser desmascarado (subdividido em três personagens). Com isso o desenlace desejável é o impedimento do casamento indesejável. O herói não é o noivo, conforme exigência do modelo canônico, mas desloca-se para a dupla de empregados desmascaradores. A noiva, arquétipo da Cinderela que almeja casamento, promoção social e final feliz – aspirações próprias da comédia doméstica posterior à Comédia Nova grega –, é desmascarada em sua hipocrisia. Assim, ela não se torna a heroína rica, respeitável e digna. Em O casamento suspeitoso há um traço de ironia na inversão de padrões, mas dá-se uma integração do personagem à sociedade, com happy end e revelação cômica. Esta comédia de maneiras e de costumes mostra uma sociedade voltada para o esnobismo e a difamação. Quem se opõe a ela ou dela é excluído obtém a simpatia da audiência. 2 - Teatro medieval As peças de Suassuna enquadram-se em geral nas modalidades do teatro medieval tanto religioso quanto profano. No primeiro caso ilustram passagens bíblicas, em especial do Novo Testamento. Vamos classificá-las como mistério, milagre, moralidade. Examinaremos também o auto sacramental. Nas modalidades profanas situam-se a farsa, a comédia italiana ou commedia dell’arte, o circo. 2.1 - Teatro religioso Na dramaturgia medieval de cunho religioso, destaca-se o mistério ou encenação dos mistérios da fé e da religião, que pode ser exemplificado com A pena e a lei, cujo terceiro ato se passa na Sexta-feira Santa, “dia da morte de Cristo”. O personagem Cheiroso tem um pedaço de pão e um resto de vinho, o que remete à Última Ceia e à Paixão de Cristo, cujas grandes representações se tor-

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naram famosas no final da Baixa Idade Média, e também à encenação anual em Fazenda Nova, Pernambuco, que se iniciou com membros egressos do TEP. Num primeiro momento, Cheiroso representa Cristo e vai ser novamente julgado, só que dessa vez pelos personagens da peça, que acabaram de morrer. A transição para o início da Paixão se dá com o beijo de Vicentão, inegavelmente calcado no de Judas. Em seguida, o personagem Pedro responde negativamente três vezes e o galo canta, em visível alusão a São Pedro. A partir desse ponto, cada pergunta do Acusador corresponde a um dos passos da Paixão. Finalmente Cheiroso-Cristo conclui o espetáculo com um grande monólogo, no qual declara que Cristo foi mais uma vez julgado e crucificado. Assim, de modo resumido, Ariano incorporou o mistério da Paixão de Cristo ao último ato de uma peça que, no primeiro, é representada por atores imitando bonecos. O milagre, enquanto estrutura dramática, não se faz presente no texto de Suassuna, porque nenhum texto narra ou encena os descalabros da vida do pecador que deverá se arrepender e conseguir o perdão. Mas ocorre resumidamente todas as vezes em que a intervenção de Nossa Senhora opera a salvação de almas tresmalhadas. Desse modo incorpora-se o cânone dessa modalidade dramática medieval a uma peça com outra estrutura. Vemos tal ocorrência em O castigo da soberba e no Auto da Compadecida. Na primeira, Maria interfere favoravelmente junto ao Filho e obtém êxito na missão, ao ser solicitada pela Alma desamparada pelo pecado. Repete-se no entremez o mesmo modelo do milagre. A diferença reside no fato de que os personagens do milagre têm existência histórica, ao passo que em O castigo da soberba são alegóricos, como os da moralidade. No Auto da Compadecida, estão realmente presentes todos os elementos do milagre: a vida devassa, a intercessão de Nossa Senhora, a remissão dos pecados. Nessa peça a situação se torna mais complexa, porque ao final do julgamento João Grilo consegue a absolvição dos cinco pecadores e ele próprio obtém a graça de voltar à Terra, como segunda oportunidade. Inegavelmente, só a intercessão da Virgem opera a grande reviravolta de impedir a condenação de todos. A estrutura do milagre está presente desde o século XIII, como no Miracle de Theóphile, cuja narrativa mostra que o pecador arrependido de ter feito o pacto com o diabo se salva pela mediação da Virgem. Esta peça de Ruteboeuf

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prefigura o Fausto de Goethe. Entre ambas figura o texto inglês de Christopher Marlowe, do século XVI, A trágica história do Doutor Fausto. A moralidade tem um arquitexto no qual se dá o julgamento de uma alma. Ela emite como mensagem a atenção aos gestos na Terra, porque deles depende a vida posterior. A moralidade propriamente dita comparece em dois entremezes, um sob o modo sério, O castigo da soberba, outro jocoso, O rico avarento. Inevitavelmente, a moralidade implica em juízo final (que também ocorre em outras peças de Ariano) e em alegoria, pois estão em jogo valores morais e espirituais, e não propriamente personagens. Entretanto, ainda encontramos traços de moralidade em outras peças, como as que contêm juízo final e as que terminam com reflexões moralizantes. Embora tematize um milagre, O castigo da soberba caracteriza-se como moralidade, porque usa alegoria e fornece um exemplo a ser seguido. O prólogo narra a vida do rico barão soberbo. O desenvolvimento da peça mostra o julgamento da Alma às portas do céu, tendo como outros personagens – todos alegóricos – São Miguel, São Pedro, Jesus, o Diabo, a Virgem. O desfecho conclui pela salvação de quem se apega a Deus, a Cristo e à Virgem Maria, a qual atua como advogada de defesa. Nesse entremez a Alma é o réu, Jesus o juiz e o Diabo o acusador. Em outra moralidade, O rico avarento, excetuando-se Tirateima, os personagens também são alegóricos: o Rico, a Cega, a Mendiga, o Mendigo, os três diabos Canito, Cão Coxo e Cão Ciúme, máscaras do Maligno. Aliás, a identificação popular do demônio com cães e bodes já se encontra em Gil Vicente, pois na Barca do Inferno fala-se em “lago dos cães” e o diabo da Barca do Purgatório berra como um caprino, associações advindas do cristianismo medieval. Nesse segundo entremez as más ações da vida pregressa do rico são encenadas e precedem seus últimos momentos. Contrastando com o anterior, o julgamento é sumário, embora Canito deixe ao Rico uma possibilidade de defesa: um prazo de sete dias para que alguém reze por ele. Ainda que apresentado de modo jocoso, o tema do entremez não o é e retoma assim a tensão medieval entre assunto sério e tratamento cômico. O anúncio do prazo fatal e a possibilidade de salvação remetem aos autos de Gil Vicente e ao Auto de moralidade de Todo-o-Mundo, obra inglesa anônima dos princípios do século XVI, considerada a mais famosa peça desse gênero.

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Ele é um produto universal, que no entanto ora questiona o fim último do homem, ora focaliza o comportamento social do indivíduo. Desse modo O castigo da soberba e O rico avarento representam as duas vias que historicamente o gênero assumiu. A Farsa da boa preguiça não é propriamente uma moralidade pura, mas, como está calcada em O rico avarento, também tem a “hora do castigo”. O prazo de penitência se restringe e o decurso de prazo não é encenado, e sim verbalizado. Os três pedintes se identificam como São Miguel, São Pedro e Manuel Carpinteiro (Jesus). O poeta Simão e sua mulher Nevinha escapam através do recurso à pancada, tal como Tirateima, de O rico avarento. Mas, contrariamente ao entremez, conseguem absolver o casal rico. O Juízo Final, um motivo recorrente em Suassuna que consideramos dependente da moralidade e das peças a ela associadas, intervém sempre, explícito ou implícito. Ele aparece detalhadamente no Auto da Compadecida, associado ao milagre da Virgem, em relação a João Grilo, e em A pena e a lei, no mistério da Paixão em que Cristo-Cheiroso passa novamente pela cruz. Ocorre um julgamento sumário na condenação à morte do caçador, no romance de Clara Menina embutido em O homem da vaca. Em O santo e a porca e O casamento suspeitoso presentifica-se a condenação moral. O tom moralizante no término de cada peça, à guisa de conclusão, faz parte do arsenal de recursos ideológicos da dramaturgia de Suassuna. Cronologicamente, a última manifestação de teatro religioso é o auto sacramental, isto é, a forma dramática religiosa do siglo de oro espanhol que se manifesta na época do imperador Carlos V, trazendo a temática da vida como representação ou sonho e a expressão alegórica. A encenação profanolitúrgica em uma jornada ou ato é realizada por ocasião de Corpus Christi e refere-se ao sacramento da Eucaristia. Embora seja praticada na primeira metade do século XVII, atualiza elementos dramáticos saídos da tradição teatral da Idade Média. Seu autor mais representativo é Calderón de la Barca, que tematiza a desilusão como forma de autoconsciência, sob a forma de vida como sonho, imagem do teatro do mundo. Por isso, a vida é representação. Então o Autor, terminologia da época para indicar o empresário, o criador – logo Deus –, distribui os papéis, donde o teatro dentro do teatro. Autor/Deus cria os

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homens e os envia ao Mundo para a representação. O Mundo fornece as caracterizações dos atores/homens, despojando-os do que lhes fora entregue: os papéis, isto é, a vida. Tudo leva a crer que do auto sacramental, ou melhor, do Grande teatro do mundo, Suassuna tenha adotado o metateatro ou técnica do teatro dentro do teatro, encontrada principalmente em Auto da Compadecida, A pena e a lei, Farsa da boa preguiça. No Auto da Compadecida a função metateatral é exercida pelo Palhaço, o condutor do espetáculo à maneira circense. Ele se dirige ao público anunciando o que está por vir e fazendo comentários. Na sua qualidade, ele não se mistura à ação da peça. Aparece, assim, no prólogo do início de cada ato e no epílogo. No início do primeiro ato, ele anuncia em altos brados o que vai acontecer, antecipando o desenlace; também aponta quem virá à cena – “A intervenção de Nossa Senhora no momento propício, para triunfo da misericórdia” – e as intenções do autor, ou melhor, Autor, como na obra de Calderón. Exerce desse modo a função metateatral e antiilusionista, além de explicitar as intenções da obra: combater o mundanismo, praga da Igreja. Em seguida, inicia três vezes sua fala citando o nome da peça a ser representada. Na primeira dá explicações ao público sobre o efeito cênico da aparição posterior de Manuel, na segunda qualifica a peça (“uma história altamente moral e um apelo à misericórdia”) e na terceira inicia o canto que será seguido em coro pelos demais atores. Resume assim o mesmo tipo de interlúdio, que também consta de Torturas de um coração, para apresentar e construir os personagens. O Palhaço indica ao público as convenções do cenário e se retira do palco. Só retorna no início dos atos subseqüentes. No começo do terceiro, dá ao público uma série de explicações, indispensáveis à transposição de temas populares ao ambiente culto. No enterro de João Grilo (início do quarto ato) o Palhaço tem a função de figurante. No epílogo, ele encerra a história, explicando as fontes populares da peça, e solicita aplausos ao público. Outra peça extremamente fértil em recursos técnicos, A pena e a lei, encerra o maior número de ocorrências metateatrais. Isso se deve à sua matriz no mamulengo, que acarreta por sua vez a rica presença musical integrada à ação. Tal como em Torturas de um coração, cada ato tem um interlúdio e, antes de a cena principal começar, o apresentador se dirige ao público.

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Mas a teatralidade é reforçada por três motivos: a própria encenação, que transita do teatro de bonecos para o de seres humanos; a matriz estrutural do mamulengo, cuja encenação implica em palco sobre o tablado; a peça dentro da peça, com a representação do mistério da Paixão de Cristo. Há inúmeras reflexões sobre o próprio espetáculo, feitas principalmente por parte de Cheiroso, que se coloca tanto como Deus/Autor criador da própria comédia da vida quanto como autor teatral do Auto da Compadecida. Conclui-se então pela existência de duas situações paralelas: a tentativa de apresentar o espetáculo e as suas interrupções. É como se no mesmo palco houvesse dois planos, um para o público e outro só para os intérpretes. Isso transmite a impressão de improviso, tão própria do mamulengo, e rompe com a ilusão teatral. Outra obra, a Farsa da boa preguiça, tem um original sistema de teatro dentro do teatro, concretizado nos prólogos e epílogos de cada ato, mais desenvolvidos que em todas as outras peças do autor. Vem também associado aos personagens do plano celeste da ação. Por isso, o endereçamento ao público – “o cavalheiro ou os cavalheiros e as damas” – é feito por Manuel Carpinteiro, cognome de Jesus. Ele se apresenta como camelô de Deus, vende seu “produto providencial” e “espiritual” garantido pela “fábrica original”, mas que tem seu “preço”. Manuel encara a representação como um jogo realizado “no palco deste mundo”, com um roteiro sujeito às “andanças da roda de Fortuna”, quando a “função continua”, e tem noção do que “se destina a enrolar o público”. Estes exemplos aproximam inegavelmente Manuel Carpinteiro de Cheiroso e ambos traem o modelo calderoniano rebaixado comicamente. O palco da representação tem muitos planos (celeste, terreno, infernal), em perfeita sintonia com a teoria do teatro medieval. Num deles situase Manuel Carpinteiro, explicando o que faz – “De cima, entramos nós dirigindo o espetáculo”. Ele ora é “o lume de Deus, o Galileu”, ora não, instaurando o problema calderoniano do ser e do parecer e a questão do jogo, quando declara que apenas representa o Cristo, problemática que também existe no Cheiroso/Cristo de A pena e a lei. 2.2 - Teatro profano Tratamos agora das modalidades dramáticas oriundas do teatro profano, cujos arquitextos que mais se relacionam com as obras de Ariano Suassuna são

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a farsa, a commedia dell’arte e o circo. As primeiras predominam na passagem da Idade Média para o Renascimento, sendo perceptíveis através de certas técnicas do mamulengo, que as herda e amalgama. A farsa, originalmente, é uma peça curta, cômica, com personagens estereotipados tomados em geral da burguesia. Com muita freqüência um deles é um espertalhão que pode acabar logrado, como na anônima Farce de Maistre Pathelin, do século XV, considerada pela crítica uma obra-prima do gênero. Seus temas são buscados na vida cotidiana e não se preocupam com a moral. Freqüentemente adotam formas de cômico grosseiro e obscenidades. Seus efeitos tentam portanto atingir o riso puro, sem maiores pretensões. A Farsa da boa preguiça, apesar do título, não chega a ser uma farsa propriamente dita, porque seu caráter religioso muito pronunciado deixa-a mais próxima da moralidade. Nela o riso é provocado pela utilização da linguagem informal da feira e da praça pública, cuja riqueza e vitalidade são assinaladas pelo teórico russo Mikhail Bakhtine, e que remete à cultura popular medieval e à carnavalização. Ela se traduz pelo uso de expressões familiares e de baixo calão, com termos referentes às funções de digestão e reprodução empregados para exprimir outras situações. Explora sobretudo os orifícios pelos quais o corpo se comunica com o exterior pelo baixo ventre e aquilo que o corpo expele. Algumas delas são estereotipadas como os provérbios; mas há também palavrões disfarçados e exclamações descontraídas. O baixo corporal e material de Bakhtine impera quando Clarabela verbaliza o que considera a pureza e a rusticidade do campo. Adotando uma aparência de cor local, ela enfatiza o sensorial através de diversas formas, como o excrementício, o olfativo, o auditivo e o sexual, numa espécie de sinestesia coprológica renovadora. Ao contrastar com o ambiente citadino de onde provém o personagem da ricaça intelectualizada, o mundo rural deixa-lhe a alma lavada. O texto mostra bem um exemplo de inversão carnavalesca ao explicitar a purificação por meio do excrementício. Contudo, de uma maneira geral, poucas peças de Suassuna usam a linguagem da praça pública. E, quando o fazem, é incidentalmente e através de expressões corriqueiras para traduzir situações vulgares, o que incide sobre peças cujos modelos formais se prendem à farsa e ao mamulengo. Predominando nos personagens rurais, ela percorre entretanto todas as camadas sociais, dos mamulengueiros à ricaça, passando pelo padre.

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Em outras circunstâncias, não encontramos seu uso mesmo que o tema o solicite. Assim, no Auto da Compadecida, o animal defeca ouro por meio de metáfora e neologismo: o gato “descome” dinheiro. Para o ator tirar as moedas de dentro do animal a rubrica sugere que o personagem “passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões”. A ação é verbalizada como “parto”. Embora o teatro de Suassuna seja extremamente cômico, seu riso se submete aos ensejos moralizantes, por causa das preocupações religiosas que interferem nos temas e na realização da ação cênica, através da presença dos personagens sobrenaturais. Contudo, o riso pelo riso é muito pronunciado em Torturas de um coração, certamente pela contaminação do mamulengo. Tem muita relação com a pancadaria e as formas de cômico gestual e verbal. Tanto o riso quanto os efeitos cômicos são ambos abundantíssimos na obra do paraibano. Dentre as modalidades de risos farsescos ressaltam-se os travestimentos, usados pelo personagem para atingir seus objetivos. Um bom número deles aparece em O santo e a porca: Dodó se disfarça para não ser reconhecido e poder cortejar Margarida; Benona e Caroba trocam de vestido para que a segunda engendre os casamentos que deseja. Em O casamento suspeitoso, Gaspar cobre o rosto com gaze para se transformar em juiz e Cancão põe barbas postiças e adota sotaque para se passar por Frei Roque. Maior quantidade de travestimentos se vê na Farsa da boa preguiça, pois quase todos os personagens se disfarçam (divinos, demoníacos ou humanos). Em A pena e a lei, Cheiroso coloca um manto e torna-se Jesus. Outra característica da farsa, aquela que repousa no personagem espertalhão e cheio de ardis, ocorre com muita freqüência em Ariano. Liga-se à presença do “amarelo” ou “quengo”, que identificamos como resíduo do trickster das sociedade etnológicas e do pícaro ibérico. Esse tipo de protagonista também se associa aos criados astuciosos da commedia dell’arte. Pode-se apresentar com ou sem parceiros, como João Grilo-Chicó, Cancão-Gaspar, Pinhão-Caroba, Benedito e Tirateima. Todos eles adotam as artimanhas e malícias como forma de luta pela sobrevivência numa sociedade hostil em que não ocupam posição de mando. Entre as matrizes estruturais para as peças de Suassuna figura ainda a commedia dell’arte. Criação italiana de meados do século XVI, caracteriza-se pe-

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la dramatização improvisada com personagens fixos, baseada em roteiros ao invés de textos, dando toda a primazia ao gesto. Esse gênero desapareceu depois de ter-se difundido largamente na Europa durante séculos (do XVI ao XVII), mas muitos de seus procedimentos e técnicas foram incorporados a outras modalidades de espetáculos populares, chegando ao mamulengo. Desse modo, por via indireta, pode-se reconhecer em Ariano Suassuna alguns traços da commedia dell’arte, como o primitivismo dos personagens, que atuam às vezes aos pares. Há também certos personagens estereotipados ou máscaras da comédia italiana que aparecem no mamulengo, como o negro, o astucioso, o valentão, a mulher fatal. Tais papéis recorrentes representam um filão para Suassuna. Concentram-se mais em Torturas de um coração e A pena e a lei, embora figurem também em outras peças. A agilidade dos diálogos, beirando o improviso, está presente na apresentação dos personagens das duas peças, situando-se entre os dois prólogos no início de cada uma. O mesmo se dá quanto às cenas de agressão física, comuns e perceptíveis no mamulengo. Do circo convencional, a maior presença se encontra no Auto da Compadecida. Mas não raro a apresentação da peça é feita por uma espécie de diretor de teatro, que se dirige ao público, como o Palhaço daquela peça. Ele usa as fórmulas canônicas de endereçamento à audiência e lidera o desfile de atores, num espetáculo cujo cenário, na abertura, é montado como um picadeiro. Suas falas com a assistência acabam se constituindo em curtos monólogos entrecortados de gestos, que lembram o cômico da farsa. As marcas de circo em Ariano transparecem nas cambalhotas e roupas de palhaço (aspecto gestual), no cenário como picadeiro (aspecto local), na fala dirigida ao público e na música circense que separa os atos (aspecto sonoro). Todas são manifestações explícitas no Auto da Compadecida, peça em que a entrada do Palhaço em cena é extremamente importante. Na escolha do locus circensis não deixa de haver uma associação carnavalizada com O grande teatro do mundo, por meio da concepção do teatro dentro do teatro. Uma nuance da atitude do Palhaço ocorre na Farsa da boa preguiça, em que Manuel Carpinteiro se apresenta como camelô do céu. As duplas de personagens suassunianos também se relacionam com o teatro popular, em especial o circo, para o desdobramento da função cômica

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do palhaço. A respeito de João Grilo e Chicó, diz o autor nos depoimentos6 sobre a Compadecida: “Minha dupla vem, é claro, do ‘Mateus’ e do ‘Bastião’ do Bumba-meu-boi, do ‘Palhaço’ e do ‘Besta’ do circo etc”. Mais adiante, no mesmo artigo, acrescenta: “O Palhaço do Auto da Compadecida vem dos circos sertanejos que vi na minha infância. Um desses palhaços ficou mítico, no Sertão e para mim: ‘Gregório’, do Circo Estringuine. Mas, ao mesmo tempo que, na peça, representa o Autor, o Palhaço é, também, um Cantador”. Estendendo as palavras do autor, podemos considerar provenientes do circo dois aspectos do seu teatro: o apresentador épico e as duplas de personagens. 3 - Folguedos nordestinos Em paralelo com as manifestações dramáticas européias que alimentam a estrutura das peças de Suassuna, identificam-se outras, de cunho regional: são os folguedos populares nordestinos, em especial o mamulengo e muito pouco o bumba-meu-boi. O mamulengo ou teatro de bonecos está na própria origem da escrita teatral do autor, pois suas primeiras obras são entremezes feitos sob a influência da encenação com marionetes e destinados a ser representados pelo Teatro de Bonecos do TEP. Durante a fase de aprendizado de Suassuna, havia em Pernambuco famosos mamulengueiros que muito o influenciaram: Cheiroso, Ginu e Benedito. Lembramos Torturas de um coração, O castigo da soberba, O rico avarento, O homem da vaca e o poder da fortuna, além de alguns inéditos. O teatro de mamulengo tem algumas características específicas: dança e música, associadas a pancadaria, valentia e galanteios; forte comicidade, baseada em jogos de palavras, expressões, repetições, mas também sensualidade, grotesco e pauladas; improvisação a partir do roteiro e diálogo com o público; narrador-apresentador do espetáculo, que faz comentários para os espectadores; personagens esquematizados. Sua encenação, em um pequeno palco sobre um tablado, propicia a impressão de peça dentro da peça, muito ao gosto de Suassuna. O improviso simulado pode ser visto em Torturas de um coração e A pena e a lei, na apresentação dos personagens, situada entre as duas falas do comentador no prólogo. Por outro lado, o mamulengo aceita qualquer tema, religioso ou profano, adaptando-o ao seu modus faciendi. As principais marcas do

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teatro de bonecos deixadas no teatrólogo são o emprego da música, as agressões físicas, a forte comicidade, além dos personagens já assinalados – aspectos que têm sido analisados. A forte comicidade do seu teatro repousa num conjunto de elementos, nem todos pertencentes ao mamulengo, como os travestimentos e as expressões ligadas ao baixo corporal e material. Ela provém de cenas curtas e movimentadas, portanto ligadas ao domínio da gestualidade, bem como de situações de truculência física ou verbal. Há ainda um aspecto de cômico verbal muito interessante, referente aos nomes próprios enormes, às repetições, aos provérbios e ao falar “difícil” de certos personagens. VI. A tradição e os temas Rastreando o percurso dos temas detectados na dramaturgia de Suassuna, evidenciam-se a longevidade e a multiplicidade que apresentam; por isso não pretendemos esgotá-los. Através deles percebemos o quanto a cultura popular nordestina é herdeira das diferentes sociedades que subjazem à portuguesa, cadinho que as legou ao Nordeste. Para analisá-los, buscamos integrá-los em três tipos de tradições reconhecidas: a culta (já abordada), a religiosa, a popular. A tradição religiosa pode ter chegado a Ariano Suassuna por múltiplas vias, como a religiosidade própria do sertanejo, as fontes cultas do teatro cristão, a exemplo de Gil Vicente e Calderón de la Barca, sua própria bibliografia. Em sua obra uma fonte especial reside no Novo Testamento: o episódio do rico avarento, calcado na passagem do Evangelho de São Lucas sobre o rico e Lázaro (O rico avarento); a parábola do bom samaritano, a propósito do mau tratamento recebido por João Grilo durante sua doença (Auto da Compadecida); a tentação de Cristo no deserto, segundo São Mateus, interpretada por Aderaldo Catacão: “Se você quiser, Nevinha, tudo isso é seu;/meu ouro, meu gado, minha energia” (Farsa da boa preguiça, p. 26); a parábola do fundo da agulha, também de Mateus, relembrada por Manuel Carpinteiro na mesma peça (p. 176); uma apropriação do Evangelho de São Mateus (Domine, non sum dignus...) surge no início do Auto da Compadecida; o Evangelho de São Marcos é relembrado quando o casal de padeiros se abraça para morrer: “É assim que serão os dois numa só carne”.

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O próprio ritual oferece a Suassuna fontes para seus textos, com o ofício dos mortos e as orações. O primeiro, ortodoxamente realizado em latim e acompanhado de canto gregoriano, ser ve para o sacristão enterrar o cachorro no Auto da Compadecida e para João Grilo imitá-lo: “Absolve, Domine, animas omnium fidelium defunctorum ab omni vinculi delictorum”. Quanto às segundas, notamos maior número de ocorrências. A invocação ao cordeiro de Deus é a fala conclusiva de O casamento suspeitoso. Simão e Nevinha rezam Pai-Nosso e Ave-Maria (Farsa da boa preguiça) em preces que sofrem adaptações devidas à familiaridade sertaneja com as coisas religiosas. Por isso, a reza aparece parodicamente ampliada: “Em nome do Pai, do Filho, da Filha, da mãe, da raça toda”. Ou ainda: “Em nome do Pai,/do Filho, da Filha, da Mãe, da Prima, / da Cunhada, da Raça toda”. O casamento suspeitoso traz uma forma peculiar de oração, ao citar uma frase de “excelência”: “Adeus, Cancão, até Dia de Juízo”. Já mencionamos outros aspectos da tradição religiosa, como a moral final própria de todas as peças de Suassuna; que transpõe para o término do texto a advertência moralizante muito freqüente no início dos folhetos populares; a moralidade enquanto tipo de peça teatral da Baixa Idade Média; o tema do julgamento final, tão marcante em Suassuna, a intimidade com os santos e seres sobrenaturais, própria das sociedades arcaicas como a nordestina. Nelas o sagrado aflora a cada instante, seja nos animais mandingueiros enfeitiçados pelo demônio, seja nos milagres do Padre Cícero ou nas previsões messianistas de Antônio Conselheiro. Por isso Euricão alterna a proteção de Santo Antônio com a da porca, João Grilo se espanta com o “bronzeado” de Manuel, invoca a Virgem em seu apoio rezando uma cantiga e, ironicamente, o galo é lembrado a São Pedro. A intercessão da Virgem Maria, a Compadecida dos homens e dos personagens de Ariano, é uma devoção desenvolvida na Europa a partir do século XI. Em contraposição às figuras masculinas sagradas dos mistérios, ela aparece sobretudo nos milagres. Acrescente-se a ver ve satírica na religião, que também aparece em Suassuna e liga-se à tradição do sermão burlesco medieval. Ela se faz presente na crítica aos interesses materiais do clero (Auto da Compadecida), na truculência física de Frei Roque (O casamento suspeitoso) e nos defeitos corporais de Padre Antônio (A pena e a lei).

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VII. A tradição popular A maioria dos temas de Ariano Suassuna pertence à tradição popular advinda dos folhetos e dos folguedos nordestinos. Nela identificam-se vários deles, como o valentão covarde, a morte fingida, o enterro e o testamento do cachorro, o animal que defeca ouro, as trocas. Também personagens, como João Grilo e Cancão. A ampla freqüência com que ocorrem em diferentes literaturas populares e a antigüidade dos temas confirma-se mediante trabalhos de diversos estudiosos, como J. Girodon e E. Martínez-López. Verificamos que são universais e ligam a sociedade sertaneja ao mundo europeu e até mesmo árabe, através da bacia do Mediterrâneo. Por isso tem razão Ariano Suassuna quando declara: “Quem diz brasileiro e nordestino, diz ibérico, mouro, negro, vermelho, judeu e mais uma porção de coisas que seria longo enumerar”7. O valentão covarde desmascarado aparece na dupla composta por Cabo Setenta e Vicentão, de Torturas de um coração, retomada em A pena e a lei. Constituem, aliás, personagens recorrentes no mamulengo. Este tipo provém de uma antiga estirpe. Podemos reconhecê-lo no Miles gloriosus de Plauto, na galeria de risíveis soldados fanfarrões da commedia dell’arte ou ainda no Franc archer de Bagnolet. Nesse monólogo cômico francês do final do século XV, as bravatas do militar desaparecem ante a figura atemorizadora de um espantalho. No caso de Suassuna, seus personagens têm desejos recônditos: cultivar flores e criar pássaros, a despeito da fama de valentia. A falsa morte de Chicó, no Auto da Compadecida, vem do folheto O enterro do cachorro, fragmento de O dinheiro, de Leandro Gomes de Barros. Mas já está presente em Dom Quixote, no episódio das Bodas de Camacho, em que o jovem enamorado finge suicídio para casar-se com a amada in extremis e ressuscita logo após. No entanto o tema remonta a mais longe, pois no Asno de ouro Apuleio mostra como a magia malfeita pode transformar Lúcio em burro – o que não deixa de ser uma falsa morte. O tema do testamento do cachorro é altamente recorrente, como verificamos a partir de informações obtidas em estudos como os de Martínez-López, J. Girodon e I.F. Santos. Vemo-lo presente em textos desde a Idade Média até o século XX. As mais antigas incidências medievais mostram-no em francês, no Testament de l’âne de Ruteboeuf (século XIII), e em latim, na Facetia XXXVI do tos-

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cano Poggio de Bracciolini (1380-1459), sob o título De sacerdote qui caniculum sepelivit. É registrado também no número 96 das Cent nouvelles nouvelles, coletânea de novelas escritas por vários autores franceses e publicada em 1455. A História do cavalo que defecava dinheiro, de Leandro Gomes de Barros, fornece ao Auto da Compadecida um dos temas mais recorrentes da literatura universal. Martínez-López encontra 105 versões, sendo 27 hispânicas, 62 não hispânicas, 16 orientais e africanas. Encontra-se ainda na cena 2, segunda parte da comédia Os encantos de Medea (1735), de Antônio José da Silva, o Judeu, na qual se menciona “um burro que caga dinheiro”. De forma edulcorada o tema reaparece no conto infantil sobre a “Galinha dos ovos de ouro” ou “João e o pé de feijão”, de Grimm, e em “Pele de asno”, de Perrault. Em ambas as histórias, o tópico do mundo às avessas transforma o desprezível e corriqueiro produto fecal no apreciadíssimo e raro metal. O burro que defeca ouro faz parte do bestiário maravilhoso, associado a um cunho satírico: o extraordinário poder de “descomer” o metal precioso. O tema pertence à antiga tradição das velhas províncias francesas e apresenta versões diferentes, com outros nomes. As trocas com perdas configuram um tema constante em fontes orais, como a história do macaco que perde a cabra e o folheto O homem da vaca e o poder da fortuna, de Francisco Sales Areda, retomado por Suassuna no entremez homônimo e na Farsa da boa preguiça. Esse tema está presente em um conto tradicional de várias províncias da França, “Les trocs”. Os dois últimos temas vêm uma vez mais confirmar a influência francesa na cultura nordestina, mediada pelos países ibéricos. Além dos temas, de origem imemorial, Suassuna absorve personagens da cultura popular. Eles provêm do mamulengo e do circo, como já vimos, mas os mais famosos são tomados aos folhetos: João Grilo e Cancão. Os dois “amarelinhos” ou “quengos” encarnam o sertanejo esperto e maltrapilho. Estes sabidões aparentados ao pícaro fazem parte de um tipo específico de romances de astúcias, largamente difundidos na literatura popular européia. Seus protótipos são o alemão Till Eulenspiegel e o espanhol Pedro Urdemalas, conhecido em Portugal e no Brasil como Pedro Malazartes. Há vários folhetos em que são protagonistas, reforçando a difusão do tema e o sucesso do personagem entre o público popular nordestino.

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Malazartes, Cancão de Fogo, João Grilo, todos herdeiros do mesmo molde, têm ancestrais conhecidos: o Bertoldo bolonhês de Giulio Cesare Croce (século XV). Como arquétipo longínquo situa-se o Marcolfo do anônimo Dialogus Salomonis et Marcolphi, texto latino do século XII, em que o turpissumus rusticus sempre leva a melhor, armado da autoridade de seus provérbios. É interessante notar que o uso dessas fórmulas fixas da expressão traduz o mesmo estado de espírito e visão de mundo que propiciam o emprego da repetição e o caráter de memorização encontrados na literatura oral. Mas João Grilo e Cancão, na posição de criados espertos, constituem o elo final de uma velha estirpe. Ela passa pela comédia de Molière (onde os empregados praticamente conduzem a ação) e pelo astuto Arlequim da commedia dell’arte (veja-se, de Goldoni, O arlequim servidor de dois amos). Sua presença recua aos escravos de Plauto, no Soldado fanfarrão e na Aulularia. Na verdade não só constituem um tipo como permitem, por sua condição, uma série de reflexões sobre as desigualdades sociais. Para contrabalançar o poder dos patrões ou dos senhores, só cabe ao empregado a astúcia. Retrocedendo no tempo e no espaço, identificamos os personagens aqui descritos ao “amarelinho”. Esse tipo é, porém, mais rico que os demais. Ele constitui um resíduo do trickster igualmente dessacralizador das sociedades tribais de vários continentes, também presente entre os mitos dos índios brasileiros. Tal figura foi valorizada na Idade Média por seus traços escatológicos e ainda sobrevive no Nordeste. É curioso notar a presença de um herói primitivo civilizador tão difundida naquela região. Será mais um argumento em favor do arcaísmo dessa sociedade, tal como se traduz nos textos da literatura popular tradicional. Temas tão antigos na literatura popular de origem européia, alguns certamente de procedência oriental, chegam a Suassuna pela via da cultura oral nordestina. A maioria deles pode ser confirmada em obras medievais, embora alguns sejam até mesmo anteriores a esse período. Eles se materializam em textos dramáticos cujos modelos formais se coadunam com as fontes temáticas das tradições em que se inserem. Assim, à tradição culta corresponde o molde da comédia da Antiguidade; à tradição religiosa, os modelos formais de teatro religioso e popular vigentes na transição entre a Idade Média e o Renascimento; à tradição popular, os modelos dos folguedos nordestinos.

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Contudo, se tradições culturais e modelos formais se harmonizam, isso não significa que as peças e os temas se encontrem distribuídos de uma maneira tão linear. Na realização textual do escritor em pauta, só encontramos superposição na relação entre a tradição culta e a comédia da Antigüidade. As demais obras imbricam as diferentes fontes temáticas com os modelos formais, a partir de matrizes textuais provenientes do cordel e da tradição oral – em conseqüência, já hibridamente carnavalizadas por força da transposição dos modelos europeus ao Nordeste. Formada em Letras Clássicas e Francês pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a carioca Ligia Maria Pondé Vassallo é mestre em Literatura Brasileira e doutora em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde leciona desde 1971. Foi professora convidada de Literatura Brasileira do Institut d Études Portugaises et Brésiliennes da Université de Paris III-Sorbonne Nouvelle (nos períodos 1976-1980 e 1990-1992), da Universidad de Havana, Cuba (1993), e da Universidad de los Andes, em Mérida, Venezuela (1998). Publicou, entre outros ensaios, O sertão medieval. Origens européias do teatro de Ariano Suassuna (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1993) e colaborou com o Dictionnaire des littératures (Paris, Larousse, 1986, 2v), o Dictionnaire universel des littératures (Paris, PUF, 1994, 3v) e o Dictionnaire des auteurs (Paris, Robert Laffont, 1994, vários volumes), escrevendo verbetes sobre Literatura Brasileira.

NOTAS 1 2 3 4 5 6 7

SUASSUNA, Ariano. "Le Mouvement Armorial". In DUVIGNAUD, Jean (org.). Cause commune – Les imaginaires 1. Paris, UGE, 1976, pp. 47-78; p. 48. Idem, p. 49. SUASSUNA, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro, José Olympio, 3ª ed., 1972, p.281. SUASSUNA, Ariano. "Le Mouvement Armorial". Ed. cit., p. 60. SUASSUNA, Ariano. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974, p.37. SUASSUNA, Ariano. "A Compadecida e o romanceiro nordestino". In: Literatura popular em verso. Estudos. Tomo 1. Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1973, pp. 153-164, p.153 Idem, p. 154.

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GUIA ARIANO SUASSUNA

Iniciação à estética

ÿÿÿÿOBRAS DO AUTOR

1. Peças teatrais

com O santo e a porca; 8ª. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1989.

A pena e a lei. Rio de Janeiro, Agir, 1971; 4ª. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1998.

Uma mulher vestida de sol [1º ato]. Estudantes [Revista do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito do Recife]. Recife, ano III, nº. 4, outubro de 1948, pp. 74-91; [texto completo] Recife, Imprensa Universitária, 1964. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro, Agir, 1957; 34ª. ed., Rio de Janeiro, Agir, 1999. O santo e a porca. Recife, Impren sa Uni ver si tá ria, 1964; Rio de Janeiro, José Olympio, 1974, junto com O casamento suspeitoso; 8ª. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1989.

Farsa da boa preguiça. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974; 2ª. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.

A história do amor de Romeu e Julieta. São Paulo, “Mais!”, Folha de S.Paulo, 19.01.97.

O casamento suspeitoso. Recife, Igarassu, 1961; Rio de Janeiro, Jo sé Olym pio, 1974, jun to 181


Não publicadas

Cantam as harpas de Sião (1948). Os homens de barro (1949). Auto de João da Cruz (1950).

As infâncias de Quaderna. Recife, Diá rio de Per nam bu co, 1976-77 (folhetins semanais). Fernando e Isaura [1956]. Recife, Bagaço, 1994.

5. Participação em coletâneas

O arco desolado (1952). O desertor de Princesa [Reescritura de Cantam as harpas de Sião] (1958).

“Canto armorial ao Recife, capital do reino do Nordeste”. In: C O U T I N H O , Edil ber to (org.). Presença poética do Recife. 3ª. ed., Rio de Janeiro/Recife, José Olympio/Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), 1983, pp. 199-205.

A caseira e a Catarina (1962). As conchambranças de Quaderna (1987).

2. Romances Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio, J.O., 1971; 4ª. ed., Rio, J.O., 1976; São Paulo, Círculo do Livro, s.d.

3. Poesia Ode. Recife, O Gráfico Amador, 1955. Sonetos com mote alheio. Recife, edição manuscrita e iluminogravada pelo autor, 1980. Sonetos de Albano Cervonegro. Recife, edição manuscrita e iluminogravada pelo autor, 1985.

4. Antologias História d’O rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana. Recife, Diário de Pernambuco, 1975-76 (folhetins semanais); Rio, J.O., 1977.

Seleta em prosa e verso. Organização, estudo e notas de Silviano Santiago. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio/Instituto Nacional do Livro (INL), 1974.

Poemas. Seleção, organização e notas de Carlos Newton Júnior. Recife, Universidade Federal de Pernambuco/Editora Universitária, 1999.

“Mural dos Guararapes”. In: CORREYA, Juareiz (org.). Poesia viva do Recife. Recife, Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), 1996, p. 30.

6. CD Poesia viva de Ariano Suassuna. Recife, Ancestral, 1998. [Voz de Ariano Suassuna sobre fundo musical de Zoca Madureira].

7. Roteiro O sedutor do sertão. Roteiro para cinema, 1966. Inédito.

8. Ensaios e tese “Notas sobre a música de Capiba”. In: FERREIRA, Ascenso; CAPIBA [Lourenço da Fonseca Barbosa] e SUASSUNA, Ariano. É de Tororó. Rio de Janeiro, Casa do Es tu dan te do Bra sil, 1951, pp. 33-65. 182


“Deborah Brennand ou O jardim e a serpente”. In: BRENNAND, Deborah. Noites de sol ou As viagens do sonho. Recife, Gráfica Jornal do Commercio, 1964, pp. 7-17.

Iniciação à estética. Recife, UFPe/ Editora Universitária, 1975; 4ª. ed., Recife, Universidade Federal de Per nam bu co/Edi to ra Universitária, 1996.

“Introdução”. In: LEITE, José Costa. Vinte xilogravuras do Nordeste. Recife, Companhia Editora de Pernambuco, 1970. “Japiassu: musa sertaneja”. In: JAPIASSU, Janice. Canto amargo: poesia armorial nordestina. Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 1970, pp. 9-18. “A arte popular no Brasil”. In: MELO, José Marques de et al. Folkcomunicação. São Paulo, Universidade de São Paulo/Escola de Comunicações e Artes, 1971. “A Compadecida e o Romanceiro nordestino”. In: Literatura popular em verso. Estudos. Tomo I. Rio de Janeiro, Casa de Rui Brabosa, 1973, pp. 153-164. Ferros do Cariri: uma heráldica sertaneja. Recife, Guariba, 1974. O Movimento Armorial. Recife, UFPe/Editora Universitária, 1974.

“A farsa e a preguiça brasileira”. In: SUASSUNA, Ariano. Farsa da boa preguiça. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974, pp. XVII-XXVIII. “Notas sobre o romanceiro popular do Nordeste”. In: SUASSUNA, Ariano, Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro/Brasília, Jo sé Olym pio/ I N L , 1974, pp.162-190

A Onça Castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira (tese de livre-docência em História da Cultura Brasileira), Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFPe/, 1976. “Introdução”. In: BARROS, Leandro Gomes de. Antologia. Rio de Janeiro/João Pessoa, Casa de Rui Barbosa/Universidade Federal da Paraíba, 1977, pp. 1-7. “Livro geral”. In: PENA FILHO, Carlos. Livro geral. Olinda, Gráfica Vitória, 1977. “Nota do autor”. In: SUASAriano. História d’O rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana. Rio de Janeiro, José Olympio, 1977, pp. 128-135. SUNA,

“Arraes: o nacional e o popular”. In: ROCHA, Abelardo Baltar da et al. Por que Arraes. Recife, Pirata, 1986, pp. 9-17. “Cinema e sertão”. In: CARVALHO, Vladimir. O país de São 183

Saruê. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1986, pp. 157-162. “A Compadecida e o romanceiro nordestino”. In: DIÉGUES JÚNIOR, Manuel et al. Literatura popular em verso. Belo Horizonte/São Paulo/Rio de Janeiro, Itatiaia/Edusp/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986, pp. 179-190. “Ra chel e eu”. In: BLOCH , Adolpho et al. Rachel de Queiroz – Os oitenta: homenagem à autora de O quinze. Rio de Janeiro, José Olympio, 1990, pp. 77-79. “Novo romance sertanejo”. In: CAMPOS, Maximiano. Sem lei nem rei. 10a. ed., São Paulo, Me lho ra men tos, 1990, pp. 129-142. “Por que a obra de J. Borges não pode ser sufocada”. In: BORGES, J. e COIMBRA, Silvia Rodrigues. Poesia e Gravura de J. Borges. Recife, edição do autor, 1993, pp. 151-153. “César Leal, poeta do verão”. In: JOACHIM, Sébastien (org.). César Leal: poeta e crítico de poesia. Recife, Fundação de Cul tu ra Ci da de do Re ci fe/Uni ver si da de Fe de ral de Pernambuco/Editora Universitária, 1994, pp. 36-40. “Carrero e a novela armorial”. In: CARRERO, Raimundo. A história de Bernarda Soledade, a tigre do sertão. Recife, Bagaço, 1993, pp. 7-16.


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“Almanaque armorial brasileiro”. Textos de natureza literária publicados nas segundas-feiras na Folha de S.Paulo, a partir de 10.07.00.

Olavo Bilac e Fernando Pessoa: uma pre sen ça bra si lei ra em Men sa gem? Lis boa, Aríon, 1998.

10. Artigos em jornais, revistas e outros periódicos “Indicações sobre a poesia popular do Nordeste”. Estudantes. Recife, ano IV, nº. 5, julho de 1949, pp. 14-16. “Coletânea da poesia popular nordestina: romances do ciclo heróico”. Deca. Recife, ano IV, nº. 5, 1962, pp. 9-127; ano V, nº. 6, 1963, pp. 11-150; ano VI, nº. 7, 1964, pp. 11-117.

“Ludopédio”. In: VIGGIANI, Ed (coord. editorial). Brasil bom de bola: um retrato da origem do talento brasileiro para o futebol. Fortaleza, Tempo d’Imagem, 1998, pp. 144-159.

9. Colunas na imprensa “Al ma na que ar mo rial do nordes te”. Textos literários pu blicados aos sábados no Jornal da Semana. Recife, de 17/23.12.72 a 02/08.06.74.

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A caseira e a Catarina. Direção de Hermilo Borba Filho. Recife, Teatro Popular do Nordeste, 1962.

Os homens de barro. Direção de Hermilo Borba Filho. Recife, Teatro do Estudante de Pernambuco, 1949.

Torturas de um coração. Direção de José Francisco. Recife, Teatro da Universidade Católica de Pernambuco (Tucap), 1972; direção de Almir Telles. São Paulo, Teatro Brincante, 1996.

Auto de João da Cruz. Direção de Hermilo Borba Filho. Recife, Teatro do Estudante de Pernambuco, 1950.

As conchambranças de Quaderna. Direção de Lucio Lombardi. Recife, Teatro Waldemar de Oliveira, 1987.

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AG R A D E C I M E N TO S

Família Suassuna (especialmente Dantas e Zélia) e também: Alexandre Nóbrega, Carlos Newton Júnior, Dedoc – Departamento de Documentação da Editora Abril, Edmilson Lopes de Carvalho (Fundação Pedra do Reino), Guel Arraes, Idelette Muzart Fonseca dos Santos, Jerusa Pires Ferreira, Luiz Fernando Carvalho, Luiz Santos, Maria Amélia Mello, Rosa Freire D Aguiar, Sábato Magaldi, Serviço de Atendimento ao Usuário da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

199




CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA

À venda nas principais livrarias do país, nos espaços culturais do Instituto Moreira Salles e em Portugal Número 1 – João Cabral de Melo Neto (mar. 96) Número 2 – Raduan Nassar (set. 96) Número 3 – Jorge Amado (mar. 97) Número 4 – Rachel de Queiroz (set. 97) Número 5 – Lygia Fagundes Telles (mar. 98) Número 6 – Ferreira Gullar (set. 98) Número 7 – João Ubaldo Ribeiro (mar. 99) Número 8 – Hilda Hilst (out. 99) Número 9 – Adélia Prado (jun. 00) Número 10 – Ariano Suassuna (nov. 00)

Jornalista responsável: Antonio Fernando De Franceschi (MTb: 9.093).


Instituto Moreira Salles Diretoria

Conselho Consultivo

Walther Moreira Salles Presidente

Walther Moreira Salles Presidente

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ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA BEI˜ • COMUNICAÇÃO EM GARAMOND E GILL SANS COM FOTOLITOS E IMPRESSÃO DA PANCROM INDÚSTRIA GRÁFICA PARA O INSTITUTO MOREIRA SALLES EM NOVEMBRO DE 2000.


CADERNOS DE B R A S I L E I R A

Ariano Suassuna

LITERATURA

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Trecho de poema inédito (1991), cedido pelo autor especialmente para publicação nos CADERNOS

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Ariano Suassuna

10 NÚMERO

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