O quadro “O Grito” é um dos mais famosos do mundo. Foi produzido por Edvard Munch (1863 —1944), um dos artistas mais importantes do modernismo. Considerado um dos pioneiros da arte expressionista de 1900 em diante, esteve ativo por mais de sessenta anos, sempre disposto a experimentar novas técnicas e ampliar seu domínio sobre pintura, arte gráfica, desenho, escultura e litografia. Munch nasceu na Noruega e passou grande parte de sua infância acamado, à beira da morte. Sem ter o que fazer durantes aqueles invernos rigorosos, começou a desenhar compulsivamente. Adoro a frase que ele escreveu em seu diário aos dezessete anos: “É minha a decisão de me tornar um pintor”.

“O Grito” é tão importante para o mundo da arte como outras obras-primas, incluindo “Mona Lisa”, de Leonardo da Vinci, “Noite Estrelada”, de Van Gogh, “Les Demoiselles d’Avignon”, de Picasso, e “Estúdio Vermelho” de Matisse. Mostra uma figura andrógina, de olhos aterrorizados, segurando o rosto em uma pose de medo e pavor. O personagem está em uma ponte precária, com água em formato de redemoinho, demonstrando desespero existencial e de profunda angústia. Ao fundo, mostra uma das docas de Oslo ao pôr-do-Sol.

Munch pintou quatro versões de “O Grito”, conforme ia vendendo as obras. O original de 1893 (91 x 73,5 cm), criado com tinta a óleo e pastel sobre cartão, encontra-se na Galeria Nacional de Oslo. O segundo quadro (83 x 66 cm), feito em têmpera sobre cartão, estava no Museu Munch de Oslo até o seu roubo em 2004. A terceira obra pertence ao mesmo museu e a quarta era de um colecionador particular que a leiloou, com a ajuda da Sotheby’s, por 120 milhões de dólares, em 2012.

A primeira aparição pública foi em 1903, como parte de um conjunto de seis peças, intitulado “Amor”. A ideia inicial de Munch era representar as várias fases de um caso amoroso, desde o encantamento inicial o término traumático. “O Grito” representava a última etapa, envolta em sensações de angústia. Os críticos de arte da época foram ferozes, classificando “Amor” como uma série demente e perturbadora.

A trajetória artística Edvard Munch tem um pouco de sua história de vida. Sua mãe morreu de tuberculose quando ele tinha apenas cinco anos. A doença mental de seu pai impactou profundamente sua vida, gerando uma série de emoções reprimidas à medida que crescia. Depois, sua irmã mais velha, Sophie, assumiu a função de criação, mas ela também morreu. Seu único irmão faleceu de pneumonia e sua irmã mais nova, Laura, ficou grande parte de sua vida em uma instituição mental. Aliás, o próprio artista passou parte do ano de 1908 em um sanatório, após um colapso físico e psicológico que teve quando era criança.

Em 1885, Edvard Munch viajou para Paris e foi influenciado por artistas que despontavam na época como Vincent van Gogh, Paul Cézanne, Toulouse-Lautrec e Paul Gauguin. Retornou para a Noruega impactado pelo estilo artístico desses pintores e incluiu mais cores em suas produções, deixando, temporariamente, o tom sombrio e pessimista que estava anteriormente presente em seus quadros. Os ares franceses fizeram bem para ele, que dizia que era importante registrar imagens internas da alma em suas obras. Essa visão do interior das pessoas ficou conhecida como simbolismo para refletir uma emoção ou ideia, abandonando a representação fiel d o mundo real. Pode-se dizer que, na pintura, o simbolismo representou a síntese da forma e do sentimento, e da realidade e da subjetividade interior dos artistas.

Ansiedade, medo, saudade, desejo, melancolia e ciúme estão em vários de seus trabalhos como “The Sick Child” e “Death in the Sickroom”. Para produzir “O Grito”, sua pintura mais famosa, não se sabe se ele se inspirou em uma pessoa real que passava pela ponte, se foi o pôr do sol avermelhado que chamou sua atenção ou se foi a lembrança da irmã no hospital psiquiátrico.

Muitas das obras de Munch retratam estados de espírito com cenas de vida e morte, de amor e terror, por exemplo. Essas emoções foram representadas por linhas contrastantes, tons sombrios e uma forma concisa e exagerada para retratar o lado mais escuro da arte que ele projetava. Como Van Gogh, sua mente tinha vários segredos e sua arte falava muito mais do que palavras sobre suas tristes experiências da infância.

As obras de Munch projetam sentimentos de uma maneira subliminar e, talvez, de uma forma mais tímida do que a indicada em estudos, livros e, em especial, biografias sobre ele, que exploraram teorias sobre a psicanálise, a questão racial de seu tempo e sua própria representação. Essas suposições ajudaram a criar um mito mundial em torno de sua obra e de sua história pessoal. Sim, é fato. Ele teve problemas na infância, era boêmio, rebelde, solitário e cheio de ansiedade. Mas era também um tipão: loiro, com cabelo ondulado, nariz e boca bem formados, testa arredondada e olhos azuis acinzentados. Andava sempre de cabeça erguida e adorava frequentar um bar. Por ser bastante inacessível e reservado, é muito difícil traçar um perfil completo sobre suas expressões artísticas. Isso gerou e ainda gera muita especulação.

O historiador Toft-Eriksen, que estudou o ‘mito Munch’, destaca que as pessoas tentam transformar o artista em um herói e um exemplo de superação. Bastou ele morrer para uma biografia intitulada ‘Edvard Munch: Close-up de um Gênio’ ser publicada e iniciar uma longa série de análises que buscam criar um significado ainda maior de sua arte relacionada a estudos do subconsciente. Notamos isso inclusive nos tempos atuais. Com o Covid-19, especialistas de vários países recorreram à obra de Munch para falar dos impactos psicológicos que a pandemia gera na população mundial.

Edvard Munch faleceu em 1944 e mais de 1.000 pinturas, 15.400 impressões e 4.500 desenhos com diversas técnicas artísticas foram doados para Governo da Noruega, que acabou criando o Museu de Arte Munch para homenageá-lo como artista. O local, inclusive, já foi assaltado e os bandidos levaram a obra agradecendo a falta de segurança. Felizmente, a polícia recuperou o trabalho.

“O Grito” é um dos quadros mais reproduzidos do mundo em uma infinidade de situações e superfícies, como pôsteres, canecas, canetas, camisetas. A obra também foi usada em filmes, séries de TV, desenhos como Os Simpsons, em releituras de outros artistas e em capas de revistas internacionais como a Time.  Todas essas reproduções foram feitas a partir de uma litografia produzida pelo artista em 1900. Para preocupação de todos, os pigmentos da obra estão perdendo a cor. Por exemplo, cores que eram uma mistura de amarelo e laranja agora estão brancas e especialistas ainda estão tentando descobrir como resolver esse problema.

Em uma pintura tardia, “Autorretrato: Entre o Relógio e a Cama”, Munch sombreou os olhos, dando um efeito de apagamento diante do tempo e da natureza. Isso está de acordo com sua crença sobre toda a matéria do universo. Dizia: “do meu corpo apodrecido, florescerão e eu estou nelas: isso é a eternidade”. Se alguém desejar compartilhar uma boa história sobre o mundo da arte, estou também no Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.