‘Às vezes eu troco as mãos’, afirma Geraldo Vandré sobre ser de direita ou esquerda

Vandré sobe ao palco com a Orquestra Sinfônica da Paraíba para um concerto especial nesta quinta-feira em João Pessoa.

'Às vezes eu troco as mãos', afirma Geraldo Vandré sobre ser de direita ou esquerda

Um silêncio chega ao fim na noite desta quinta-feira (22). Geraldo Vandré sobe ao palco com a Orquestra Sinfônica da Paraíba para um concerto especial de releitura da sua obra, no Espaço Cultural, em João Pessoa. A apresentação acontece quase 50 anos após seu último show no Brasil, em dezembro de 1968. Mas os admiradores que estão com saudade de ouvir Vandré não devem nutrir tantas expectativas, pois ele pouco deve cantar durante o concerto. O mesmo se aplica aos que ainda têm nele um dos maiores símbolos da luta contra a ditadura militar, um ícone da esquerda, pois o homem que agora reaparece, adota um discurso de distância desse rótulo.

“Na mão esquerda trago uma certeza. Na mão direita, uma garantia. Atenção: às vezes eu troco de mãos”, foi assim, com esses versos, que Vandré respondeu quando foi questionado sobre suas posições políticas diante do atual cenário do Brasil, na coletiva em que foram apresentados os detalhes do concerto.

Vandré deixou claro que vai fazer o concerto com a Sinfônica não parar retomar a carreira, mas sim por um “compromisso firmado com o governador Ricardo Coutinho”. Segundo ele, a apresentação deveria ter acontecido há pelo menos dois anos. “Desde 68 eu não canto [no Brasil], estou cantando na Paraíba porque é a Paraíba”, disse o cantor enaltecendo a terra natal. “É uma coisa circunscrita a Paraíba”, ressaltou. A última apresentação de Vandré no Brasil aconteceu na véspera da decretação do Ato Institucional nº 5, que supriu a liberdade de expressão no Brasil.

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Concerto em dois atos

O concerto especial, marcado para a Sala de Concertos José Siqueira, vai ser dividido em dois momentos. No primeiro ato, Vandré sobe ao palco acompanhado da pianista Beatriz Malnic, com quem executa seis peças inéditas para piano compostas pela dupla. No segundo ato, a Orquestra Sinfônica da Paraíba, acompanhada do Coro Sinfônico do Estado, vai executar três canções ‘Fabiana’, ‘Mensageira’, ‘Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve’ e um dos maiores clássicos da sua história, ‘Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando)’, um verdadeiro hino de resistência à ditadura militar brasileira.

'Às vezes eu troco as mãos', afirma Geraldo Vandré sobre ser de direita ou esquerda
Vandré ensaiando para o concerto com a Orquestra Sinfônica (Foto: Reprodução/TV Cabo Branco)

Questionado se haveria alguma esperança de ele cantar de fato durante o concerto, por conta dos seus 82 anos e pelo tempo afastado dos palcos, Vandré primeiro ironizou. “Esperança fica há quantos quilômetros daqui?”, indagou se referindo ao município paraibano. Mas, depois se resumiu a dizer “podemos fazer alguma coisa”.

No entanto, o maestro Luís Carlos Durier deu a resposta definitiva sobre o ‘cantar’ de Vandré, explicando que o cantor só vai entrar de fato nos vocais durante a apresentação de ‘Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve’. Todas as demais canções vão ser interpretadas unicamente pela Coro Sinfônico. “Estamos felizes por estarmos à altura do grande Geraldo Vandré”, afirmou o maestro.

Durier, no entanto, apresentou uma lamentação sobre a apresentação. “Particularmente fiquei triste, pois ‘Disparada’ [que ficou fora do repertório] é uma canção harmonicamente muito forte, além de ter uma letra marcante, que toca na alma, mas foi uma condição dele”, ressaltou.

Renegando a ‘canção de protesto’

Responsável por dois dos maiores hinos contra a ditadura militar brasileira, ‘Pra não dizer que não falei das flores’ e ‘Disparada’, Vandré agora renega o termo ‘canção de protesto’. “Tenho repugnação total à denominação ‘canção de protesto’. ‘Canção de protesto’ nasceu nos EUA. Protesto é próprio de quem não tem poder e não sabe o que é poder. Quem tem poder exerce”, disse ele, minutos antes de interromper a coletiva para falar com pessoas que protestavam do lado de fora da Sala de Concertos, na quarta-feria (21) por não terem conseguido ingressos para o show.

Durante a entrevista, Vandré também foi questionado sobre a letra de ‘Fabiana’. Por qual razão um homem perseguido pelas Forças Armadas fez uma música em homenagem à Força Aérea Brasileira? Ele tentou explicar, mas não foi muito claro.

“Eu apresentei no memorial da América Latina, na ocasião da Semana da Asa, porque a Força Aérea Brasileira em todo dia do aviador, que é dia 23 de outubro, realiza uma semana da Asa no Brasil inteiro. Naquele ano eu tive a possibilidade de preparar um coral de 300 infantes, ensaiei três meses com eles, e com eles apresentamos essa canção ‘Fabiana’. Lembro que no domingo seguinte um jornal, não vou nem citar, saiu com a manchete ‘Geraldo Vandré trocou de camisa, cantando com seus algozes’, veja que coisa interessante”, pontuou.

“Isso faz parte daquele história das vítimas das forças armadas brasileiras. Geraldo Vandré é vítima das forças armadas brasileiras. Eu soube que tinha sido morto em um quartel do exército no Rio de Janeiro. Foi alvo de muita especulação. Mas é preciso que se diga que, as Forças Armadas Brasileiras, propriamente ditas, naquele instante, sabiam mais de mim do que eu mesmo, infelizmente”, completou Vandré.

Quanto vale o show?

O concerto vai acontecer em dois na Sala de Concertos Maestro José Siqueira nesta quinta e sexta-feira (23). O local tem espaço para pouco mais de 500 pessoas e os ingressos foram distribuídos gratuitamente, na manhã de quarta-feira (21). No entanto, por conta da alta procura, muita gente não conseguiu os bilhetes, e deixou o Espaço Cultural de mãos vazias. Por conta disso, vai ser instalado um telão na Praça do Povo do Espaço Cultural com transmissão ao vivo do concerto.

Vandré revelou que a ideia do governo era fazer o concerto no Teatro A Pedra do Reino, que tem cerca de 3 mil lugares, mas ele se negou e pediu para fazer em um lugar menor. “Eu vi o espaço lá, fui eu que me recusei a fazer. O diálogo propriamente dito [ em um lugar amplo] é impossível fazer”, disse.

Segundo o secretário de Cultura do Estado, Lau Siqueira, Vandré não cobrou para fazer o show. “Parece inacreditável, mas Vandré está doando esse show à Paraíba. É um grande aprendizado para se pensar a cultura do Brasil, o que realmente vale e quanto vale”, afirmou. Lau explicou que o estado vai pagara a estrutura e os demais artistas que vão participar.

Geraldo Vandré ficou assustado com o questionamento sobre o valor do show. “Não existe mais segredo de Estado? Transparência é uma palavra perigosa”, afirmou. “Eu ainda sou a puta mais cara do Brasil”, pontuou.