A Era Dunga (2006–2010)

Ícaro Polo Domingues
17 min readJun 1, 2022
A magia de Zidane destruiu facilmente o descompromisso dos brasileiros, em 2006. Foto: Trivela

A Seleção Brasileira de 2006 até hoje é muito lembrada pela grande quantidade de craques que aquele elenco conseguiu reunir. Vira e mexe vemos alguma foto rodando pelas redes sociais sentindo saudades daquele time. Mero saudosismo. A equipe de Carlos Alberto Parreira fracassou com F maiúsculo e definitivamente não funcionou. Portanto, a saudade do “quadrado mágico” brasileiro é mera forçação. Após o show de Zidane e a derrota para a França, a CBF percebeu o óbvio e entendeu que a seleção precisava de mais pulso firme no comando, além de uma reformulação. Era o momento do novo. Baseado nisso, o técnico escolhido para remontar o Brasil foi o capitão do tetra, Dunga. Um nome de consenso no quesito liderança e exigência, mas nunca havia treinado nenhum clube ou sequer times de base. Era simplesmente uma aposta no nome e personalidade do ex-camisa 8. Nada de diferente do que a CBF geralmente apronta. Mas será que realmente a passagem do treinador foi ruim como dizem nos dias atuais? Vamos relembrar.

Dunga durante sua primeira convocação para a seleção em 2006. Foto: Goal

Pouco se sabia sobre como o time de Dunga se comportaria. Não existia nada para se basear. Mas a partir da primeira convocação pôde-se entender que haveria uma boa reformulação. Em agosto de 2006, o técnico fez sua primeira lista. O “quadrado mágico” foi completamente desfeito. Nenhum dos integrantes do quarteto foi chamado. Nada de Ronaldinho, Ronaldo, Adriano e Kaká. Dos 22 convocados, apenas oito estiveram na Copa do Mundo de 2006. Um claro de sinal de mudança. O lateral esquerdo Marcelo recebeu sua primeira convocação nesta lista. A estreia aconteceu em um amistoso. Empate chocho com a Noruega por 1×1. O Brasil foi a campo com: Gomes; Cicinho (Maicon), Lúcio, Juan (Alex) e Gilberto; Gilberto Silva, Edmílson (Dudu Cearense), Elano (Júlio Baptista) e Daniel Carvalho (Vagner Love); Robinho e Fred. O gol foi marcado por Daniel Carvalho. Os primeiros jogos seriam de um natural desentrosamento da equipe, mas com bastante disposição e vibração por parte dos atletas. Seria um aperitivo do estilo de jogo que Dunga iria impor. Depois disso, foram mais dez amistosos realizados, com 7 vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para Portugal.

COPA AMÉRICA 2007

Um time alternativo e que deu muito certo. Da foto, 8 deles foram para a Copa do Mundo, em 2010. Os escudeiros de Dunga. Foto: GE

O primeiro grande teste seria na Copa América de 2007, na Venezuela. Não dava para saber como o Brasil iria chegar para o torneio. Kaká pediu dispensa e não participou. Sendo assim, muitos disseram que a seleção chegava para a disputa com um time “B”. Dunga levou os goleiros Hélton e Doni, os laterais Maicon, Daniel Alves, Gilberto e Kléber. Para a zaga, Juan, Alex, Alex Silva e Naldo. No meio, Gilberto Silva, Mineiro, Fernando, Elano, Josué, Diego, Anderson e Zé Roberto. Para o ataque, Robinho, Fred, Vágner Love e, a surpresa, Afonso Alves. Muitos atletas que atuavam no Brasil ganharam espaço e a primeira reformulação de Dunga estava pronta. A estreia foi um desastre, com derrota para o México por 2×0. Depois disso, Robinho conduziu a equipe nas vitórias por 3×0 sobre o Chile e 1×0 contra o Equador. O atacante marcou todos os gols da seleção no torneio até então. Nas quartas, novo encontro com os chilenos e mais um atropelo. Desta vez por 6×1, com Vagner Love desencantando e mais dois gols de Robinho, que já dava mostras da importância que teria na equipe de Dunga. Na semifinal, um confronto enjoado contra o Uruguai. Empate por 2×2, desta vez sem gol de Robinho, e vitória nos pênaltis, com Doni saindo como herói. Enquanto isso, do outro lado da chave, a Argentina, recheada de craques no elenco, atropelou todos os adversários e estava com 100% de aproveitamento. Seria um confronto complicado. A Argentina foi à final escalada com: Abbondanzieri, Zanetti, Ayala, Milito e Heinze; Cambiasso, Mascherano, Verón e Riquelme; Messi e Tévez. No banco, ainda contava com Gago, Diego Milito, Crespo e Palacio. Um verdadeiro esquadrão e que assustava muito. Mas isso ficou só no papel. O Brasil passou o carro nos hermanos e venceu por 3×0. Gols de Julio Baptista (um golaço), Daniel Alves e Ayala (contra). Era o primeiro título da Era Dunga. Com convencimento e pra cima de uma seleção mais forte. Um bom cartão de visitas. O título serviu para cravar o espaço de Robinho de vez entre os titulares da seleção, mas faltava um parceiro de ataque ideal. Vagner Love e Fred não corresponderam. Afonso Alves muito menos. Era hora de rodar mais o elenco em busca de um matador definitivo para o início das eliminatórias para a Copa do Mundo. E ainda teriam as Olimpíadas de Pequim, em 2008, com a seleção ainda com grande obsessão pelo ouro, até então, inédito.

ELIMINATÓRIAS E OLIMPÍADA

Lúcio lamenta durante o empate ruim entre Brasil x Argentina. Foto: Ge

Após a conquista da Copa América, o Brasil concentrou as atenções nas eliminatórias. Ainda em 2007, dois jogos marcaram a equipe positivamente. Uma atuação de gala contra o Equador no Maracanã, na vitória por 5×0, e a vitória suada contra o Uruguai, no Morumbi, por 2×1. Jogo este que Luís Fabiano se credenciava de vez como o favorito para a camisa 9, ao marcar os dois gols. Outros dois jogos deixaram a desejar, com empates contra Colômbia e Peru. Após isso, virada de ano e 2008 chegava. A seleção enfrentou sua primeira turbulência mais pesada. O estilo de jogo de Dunga nunca agradou a todos, mas enquanto os resultados apareciam as críticas acabavam minimizadas. No meio do ano, a seleção atingiu seu nível de jogo mais baixo. Derrotas para Venezuela (a primeira na história do confronto) e Paraguai colocaram Dunga na mira da torcida e imprensa. Muitos já queriam sua cabeça, alegando que a equipe não produzia e ia contra o DNA brasileiro de futebol. O capitão do tetra acreditava em uma defesa sólida, com forte transição e velocidade no contra-ataque. O empate sem gols contra a Argentina no Mineirão ampliou a sequência ruim e expôs ainda mais a insatisfação da torcida, que vaiou muito o time e pediu a saída do treinador. Dunga ainda se segurou para ir em busca do ouro olímpico.

Agüero escancarou a fragilidade do Brasil durante o atropelo argentino. Foto: Trivela

Dunga cedeu à pressão e apostou em Ronaldinho Gaúcho para garantir a medalha e trazer de vez a paz para a seleção brasileira. Thiago Silva e Robinho completaram os três atletas acima dos 23 anos para a disputa. A lista final acabou com: Diego Alves, Renan; Breno, Thiago Silva e Alex Silva; Rafinha, Ilsinho e Marcelo; Anderson, Lucas, Diego, Hernanes, Thiago Neves e Ronaldinho; Pato, Jô, Rafael Sobis e Robinho. No final, Robinho acabou cortado por lesão e Ramires entrou em seu lugar. O Brasil passou tranquilo na fase de grupos, com vitórias sobre Bélgica, Nova Zelândia e China, porém ainda sem empolgar. No mata-mata, vitória apenas na prorrogação contra Camarões. Nas semifinais, novo confronto derradeiro contra a Argentina. Dessa vez não deu. Agüero destruiu o Brasil e os hermanos venceram por 3×0. Novamente o time de Dunga não funcionava. Ronaldinho também fracassava mais uma vez com a seleção. A competição praticamente derreteu as chances do gaúcho de ir para a África do Sul. Fim do sonho do ouro olímpico e mais pressão para cima de Dunga. O treinador permaneceu no cargo e voltava a se concentrar em vencer pelas eliminatórias para aliviar a pressão, o que acabou acontecendo na vitória por 3×0 sobre o Chile. Mas não foi o suficiente. Nos jogos que seguiram, os empates em 0x0 com Bolívia e Colômbia em casa voltaram a estremecer o treinador no cargo. 2008 ia chegando ao fim com a certeza de que a seleção brasileira não iria a lugar algum. Até que um amistoso mudou os rumos da equipe. O Brasil recebeu Portugal na reinauguração do estádio Bezerrão, no Gama. Vitória fantástica por 6×2, com hat-trick de Luís Fabiano, golaços de Elano e Maicon, e uma trégua com o torcedor. Dunga ganhava fôlego para 2009.

Finalmente uma grande exibição para trazer paz. Foto: Gazeta do Povo

COPA DAS CONFEDERAÇÕES E O AUGE

A seleção brasileira chegava em 2009 cheia de desconfianças. O primeiro embate do ano foi uma boa vitória sobre a Itália por 2×0. Mais um tempo de respiro. A equipe ainda faria mais quatro partidas até ir para a África do Sul disputar a Copa das Confederações. Apesar do empate ruim em Quito, contra o Equador, o Brasil fez boas exibições ao vencer o Peru por 3×0 e o Uruguai por 4×0, em Montevidéu. Além disso, tirou a pedra no sapato que era o Paraguai, ao vencer por 2×1. Vitórias com atuações seguras e o time titular parecia ter se encontrado. Uma base estava fechada em busca de mais uma conquista. Dunga convocou: Júlio César, Gomes e Victor; Maicon, Daniel Alves, Kléber e André Santos; Luisão, Alex, Lúcio e Juan; Josué, Gilberto Silva, Felipe Melo, Anderson, Elano, Ramires, Júlio Baptista e Kaká; Alexandre Pato, Robinho, Luís Fabiano e Nilmar. Na fase de grupos, o Brasil derrotou o Egito por 4×3, em um grande jogo; bateu os EUA por 3×0 e venceu novamente a Itália, desta vez por 3×0. Convincente e com um futebol bem estabelecido, o elenco pareceu entender a ideia de Dunga. Nas semifinais, confronto apertadíssimo contra os anfitriões da África do Sul, comandada pelo icônico Joel Santana. Vitória por 1×0 com gol de Daniel Alves, de falta, nos minutos finais. Muita vibração. Aguardava-se uma final entre Brasil x Espanha, mas a Fúria foi surpreendida pelos norte-americanos. 2×0 para os EUA. Novo encontro entre Brasil x Estados Unidos no torneio. E eles pareciam determinados a surpreender novamente. Na decisão, aos 30 minutos de jogo o placar já marcava 2×0 para os EUA. Duro golpe. O time de Dunga precisou do intervalo para mexer no brio e ir em busca de uma virada. Com show de Luís Fabiano, que marcou duas vezes e com gol de Lúcio no final, o Brasil bateu os Estados Unidos por 3×2 e se consagrou campeão da Copa das Confederações. O trabalho de Dunga finalmente aliou um futebol convincente e seguro com bons resultados. Não era um show de técnica, é bem verdade. Mas era uma equipe que poderia disputar contra qualquer seleção do mundo. A base do time titular (e grande parte do elenco) se fechou ali. No gol Júlio César, em espetacular momento na Inter de Milão. Na zaga, Lúcio e Juan formavam uma enorme dupla e com muito entrosamento. Maicon, também surfando no grande momento da Inter de Milão, dominava a lateral direita. Daniel Alves era sua sombra. No meio, Gilberto Silva, Elano e Felipe Melo se garantiram junto a Kaká. No ataque, uma dupla letal formada por Robinho e Luís Fabiano. Sobrava uma vaga na lateral-esquerda. O time estava encaixado.

Elenco comemora o merecido título. A seleção finalmente se encontrava. Foto: Ge

A prova disso? Um grande confronto cheio de pressão contra a Argentina pelas eliminatórias. O técnico Maradona pediu para levar o jogo para o estádio do Rosário Central, onde haveria maior pressão da torcida. A seleção albiceleste precisava da vitória para não correr mais riscos de ficar de fora do mundial. O time de Dunga sobrou. Com atuação fantástica de Kaká e com um golaço de Luís Fabiano, o Brasil passou o carro nos hermanos. Vitória por 3×1 e uma lua de mel com o torcedor. Já garantido na Copa, o Brasil mais uma vez venceu o Chile e, com reservas, perdeu para a Bolívia e empatou com a Venezuela. Nada que pudesse abalar a confiança e o bom momento da seleção. Fim de 2009 com mais duas vitórias em amistosos, contra Inglaterra e Omã.

Decisivo e com faro de gol apurado. Luís Fabiano, o dono da 9. Foto: GE

O EFEITO 2010

A seleção brasileira chegava para o ano de 2010 em alta. Campeão da Copa das Confederações, Dunga praticamente fechou seus selecionáveis ali. Poucas vagas sobravam ainda. Mas o treinador não contava com o “boom” de magia e futebol do Santos de 2010. Com o retorno de Robinho ao peixe, o Santos voou no primeiro semestre da temporada. A presença de Neymar e Ganso na seleção brasileira tornou-se um clamor popular. Dunga torcia o nariz. Considerava a dupla muito jovem e confiava em seu grupo já fechado. O Brasil bateu a Irlanda no último amistoso antes da lista final rumo a África do Sul. Enquanto isso, o Santos seguia desfilando seu futebol. Campeão Paulista com sobras e inúmeros gols e dancinhas. O país estava hipnotizado com tamanho futebol arte. Dunga se manteve fiel aos escudeiros que o acompanharam nos momentos mais delicados. A lista final saiu em maio e com surpresas que geraram revoltas na torcida brasileira: Júlio César, Doni e Gomes foram os goleiros. Surpresa em Doni, já em baixa, mas uma espécie de recompensa pelo título da Copa América de 2007. Nada que fosse mudar tanta coisa. Na zaga, Thiago Silva ganhou merecidamente a chance e fez companhia para Juan, Lúcio e Luisão. Nas laterais vieram as surpresas. André Santos, presente em grande parte do ciclo, acabou de fora. Michel Bastos e Gilberto foram os convocados. Ambos já estavam atuando como meio-campistas, o que gerou diversas dúvidas. Na lateral direita sem surpresas, com Maicon e Daniel Alves. No meio, os homens de confiança: Gilberto Silva, Felipe Melo, Elano, Kaká, Ramires, Josué, Julio Baptista e, a surpresa, Kleberson. Para o ataque, Luís Fabiano, Robinho, Nilmar e, outra surpresa, Grafite.

A convocação de Neymar e Ganso era um clamor popular. Dunga não gostou. Foto: Goal

Doni, Michel Bastos, Gilberto, Kleberson e Grafite foram muito contestados. Havia também um pedido por Ronaldinho Gaúcho totalmente inútil. Não cabia o jogador naquele momento, apesar do nome. Além da fase não ser boa, não faria bem para o time ter um atleta do quilate dele no banco de reservas. Criaria uma pressão desnecessária. Kleberson foi incompreensível. O jogador já não vivia seus melhores momentos há anos. Dunga acreditava na capacidade técnica e física de Michel Bastos e quis punir o descompromisso de André Santos, mal visto após perder o ônibus com a seleção na Bolívia. No ataque, com Neymar pedindo passagem, Dunga premiou Grafite pela grande temporada com o Wolfsburg em 2009. Um ano de atraso, Dunga! Adriano também era pedido pela mídia/torcida, após o grande campeonato de 2009, sendo campeão brasileiro e artilheiro com o Flamengo. Mas Dunga não confiava no extracampo do Imperador. Apesar do Imperador fazer um 2010 muito bom, formando o Império do Amor com Vagner Love, com o tempo a decisão de Dunga se mostrou correta. O psicológico de Adriano continuava a atrapalhar. Dias após ficar de fora da lista final, Didico voltou para a Itália para atuar na Roma. Por lá, se lesionou e jogou apenas duas partidas. Ficar de fora da lista final abalou o Imperador. Ficou faltando Neymar e Ganso. A falta que ambos fizeram ficaria evidente mais para frente. O camisa 10 santista ao menos figurou na lista de suplentes. Além dos contestados nomes surpresas, outros atletas já garantidos no grupo também não estavam mais em grande momento, casos de Júlio Baptista e Nilmar. Não tinha mesmo espaço para a dupla da Vila Belmiro? Dunga foi muito criticado e a já conturbada relação com a imprensa só piorou.

Dunga não deu o braço a torcer e surpreendeu muita gente. Foto: Gazeta do Povo.

COPA DO MUNDO 2010

Antes do início do torneio, amistosos simbólicos contra Zimbábue e Tanzânia. Duas vitórias. O Brasil caiu num grupo que parecia relativamente tranquilo de se avançar. Ao lado da seleção canarinho, Portugal, Costa do Marfim e Coréia do Norte fizeram companhia. A competição começou para o Brasil contra os norte-coreanos. A expectativa era de uma vitória tranquila para dar ânimo ao time. Mas o país, sem tradição no futebol, engrossou o caldo pra cima dos brasileiros. Vitória suada por 2×1, com gols de Maicon e Elano. E choviam críticas para a estreia da equipe. O time encontrou muitas dificuldades para furar uma retranca e mostrava pouco repertório para fugir de situações complicadas. Seguimos. Na segunda partida, o Brasil contou com grande atuação de Elano, comandando o meio de campo, e com dois golaços de Luís Fabiano para bater a Costa do Marfim por 3×1. Este jogo também marcou um dos principais fatores que atrapalhariam o Brasil naquela Copa do Mundo: A lesão de Elano. O camisa 7 fazia uma Copa fantástica. Com Kaká sem estar 100% por conta da lesão no joelho, o ex-santista tinha ainda mais importância para a equipe de Dunga. Uma entrada feia do jogador marfinense tirou Elano da competição. Dunga apostou em Daniel Alves no meio de campo (os são-paulinos leitores vão à loucura). Além disso, após a partida, Dunga se envolveu em polêmica com o jornalista Alex Escobar, proferindo xingamentos bem baixos, mas que foram captados pelo microfone. Era o auge dos problemas na relação com a imprensa. Após a confusão, empate em 0x0 com Portugal e classificação para ambos. Nas oitavas-de-final, confronto contra o maior freguês do Brasil. 3×0 sobre o Chile com tranquilidade e vaga garantida para as quartas. Era a hora de encarar a Holanda. Um grande confronto. A Laranja Mecânica, lidera por Robben, Sneijder e Van Persie tirou a Eslováquia na fase anterior. Seria naturalmente um confronto equilibrado, mas com ligeiro favoritismo para a seleção brasileira.

Robinho aproveitou o momento de superioridade brasileira e abriu o placar. Foto: Estadão

Hora do esperado duelo. O Brasil entrou em campo a milhão. Com vibração e com o estilo de jogo encaixado, a equipe fazia a melhor exibição brasileira na Copa até então. Sem dar chance alguma para os holandeses, o Brasil saiu na frente logo aos dez minutos. Um passe espetacular de Felipe Melo colocou Robinho, que já tinha tido um gol anulado por impedimento, na cara de Stekelenburg para abrir o marcador. 1×0 e estava pouco pelo domínio. Juan ainda quase ampliou e Kaká exigiu grande defesa do goleiro em chute colocado. Antes do fim do primeiro tempo, Maicon também teve boa chance ao chutar para fora. Intervalo e as coisas corriam muito bem para o Brasil. O pesadelo começou aos 7 minutos do segundo tempo. Sneijder, de longe, cruzou para a área, Júlio César tentou sair (sem necessidade) e acabou furando, a bola raspou na cabeça de Felipe Melo, que de costas, se chocou com Júlio. A bola morreu no fundo das redes. Um gol fantasma holandês. Caiu do céu. Um forte baque no time brasileiro. Após o gol, a seleção não conseguiu se impor mais e só voltou a assustar com dois chutes de longe e para fora, de Kaká e Daniel Alves.

Falha de comunicação e tempo de bola de Júlio César e Felipe Melo. Custou caro. Foto: BBC

O lance capital veio aos 22 do segundo tempo. Em escanteio fechado na primeira trave, Kuyt desviou para trás e o baixinho Sneijder, na pequena área, completou de cabeça para o fundo do gol. Pane na defesa brasileira e a virada da Holanda. O gol fez o Brasil se perder de vez na partida. Cinco minutos mais tarde, Felipe Melo cometeu uma falta em Robben. Na queda do holandês, o camisa 5 brasileiro deu um pisão no atacante. Cartão vermelho direto. O auxiliar de Dunga, Jorginho, já alertava sobre o nervosismo de Felipe. Já era tarde. Um homem a menos para o Brasil. A expulsão destruiu a equipe, que não criou mais nenhuma chance clara. Fim de jogo e de sonho: Holanda 2×1 Brasil. Justo na partida em que o Brasil estava jogando melhor. Um pecado, um detalhe, duas desatenções, um descontrole e um fim trágico. O Brasil estava de novo eliminado nas quartas de final.

A Holanda se aproveitou das falhas brasileiras e avançou. A equipe iria até a final da competição. Foto: Torcedores

Algumas questões voltaram à tona durante a reflexão da derrota. O elenco que Dunga levou realmente não favorecia. O banco de reservas não oferecia nenhuma opção para o treinador alterar o jeito de jogar. Nenhuma possibilidade de partir para cima da Holanda com dribles. No momento em que foi preciso cadência e em que Kaká não estava aguentando, faltou um Paulo Henrique Ganso para parar a bola e fazer a equipe girar e, com um passe/lançamento, quebrar as linhas da Holanda. Faltou um Neymar para auxiliar Robinho e fazer a bola chegar em Luís Fabiano, que foi um solitário nesta partida. Faltou o drible e o improviso, alguma forma de incendiar a partida. Faltou a calma. E olha que o time era experiente. Faltou um substituto para Elano (o que Kleberson acrescentou ao time? nada, tanto que preferiu-se improvisar Daniel Alves). Faltou ousadia. Após a eliminação, Dunga foi rapidamente demitido, desgastado após os anos de relacionamento complicado com a imprensa, crises, críticas, títulos e decepções.

Brasil x Holanda: Uma partida cheia de destemperos marcou o fim da Era Dunga. Foto: Estadão.

A Era Dunga, no imaginário popular, é vista muitas vezes como ruim. Um time que jogava feio e que falhou na hora que foi mais exigida. O capitão do tetra acabou saindo como “burro”, teimoso e um inimigo do futebol bem jogado. A parte do teimoso é bem verdade, o resto é apenas uma memória afetiva de uma eliminação dolorosa. Dunga, ao longo dos 4 anos de comando, conseguiu fazer o que lhe era designado. Fez a reformulação que era necessária e rodou o elenco com diferentes convocações até encontrar o time ideal. Fez uma eliminatória segura, apesar das turbulências e críticas. Conquistou dois títulos que pouca gente acreditava que fosse possível e chegou voando um ano antes do Mundial. Mesmo sendo criticado, Dunga definiu uma forma de jogo que era muito eficiente e em seu auge se mostrou acertada. O losango no meio-campo brasileiro era muito eficaz. Felipe Melo e Gilberto Silva protegiam a defesa, além da qualidade no passe. Elano era o motorzinho e chegava com força ao ataque. Kaká era o diferente, apesar de não ter conseguido render tudo que poderia por conta de seu estado físico. Na frente, Robinho se tornou o melhor jogador da Era Dunga e Luís Fabiano foi o melhor camisa 9 pós-Ronaldo (ainda é até hoje). O grande erro foi ter fechado o elenco cedo demais. Seus atletas de confiança perderam rendimento e não puderam ajudá-lo na hora mais decisiva. Dunga ignorou o momento de Neymar e Ganso, não quis contar com nomes de peso como Adriano e acabou morrendo abraçado com seus fiéis escudeiros. Talvez o que faltasse para a seleção estava bem ali. Opções de mais ousadia no elenco de Dunga cairiam bem. Mas esse não era o estilo do treinador.

Seleção base de Dunga na Copa do Mundo de 2010. Faltou banco de reservas. Foto: Museu do Futebol

No geral, avalio a primeira passagem de Dunga como positiva. Em 60 jogos no comando da seleção, foram 42 vitórias; 12 empates e 6 derrotas. O aproveitamento no período entre 2006 e 2010 foi de 76,6%. Logo em seu primeiro trabalho como treinador, montou a Seleção Brasileira mais segura e eficiente desde a equipe campeã de 2002. Creio que chegaria ao menos na final daquela Copa, caso avançasse contra a Holanda. Se ganharia da Espanha do tiki-taka são outros quinhentos. Acredito também que Dunga não tinha outro modelo de jogo. Se baseou no que era possível jogar dentro de seu entendimento e acabou pagando caro por sua inexperiência no banco de reservas. Porém, o trabalho dele merece mais respeito. A eliminação se deu por momentos de desatenção e descontrole de dois de seus principais jogadores. Mas a derrota acabou por escancarar todos os problemas, já conhecidos e citados, de uma vez só. A CBF, talvez arrependida e com uma memória afetiva dos bons momentos, inexplicavelmente trouxe Dunga de volta após o 7×1. Uma bizarrice sem tamanho. Obviamente não deu certo. Dunga deu tudo que tinha na primeira passagem, conquistou títulos, mas chegou ao seu limite. Fazendo um exercício de imaginação, talvez se essa seleção brasileira de 2010 disputasse a Copa do Mundo de 2018 poderia até vencer a França. O estilo de jogo do time de Dunga é parecido com o que foi mais praticado na Rússia. A seleção francesa levou a taça jogando, se não no mesmo nível, até menos do que o time brasileiro de 2010, além de contar com o fato de que essa última Copa foi de um nível bem mais abaixo do que todas as anteriores.

Dunga conseguiu montar um time competitivo, vencedor, pragmático e limitado ao mesmo tempo. Foto: Torcedores.com

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Ícaro Polo Domingues
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