Denise com Carneiro Branco por Cândido Portinari, 06/05/1961 RJ A bebê Denise, neta do artista Cândido Portinari, se encontra sentada, frente a um fundo geometrizado, segurando um carneiro branco de pequeno porte nas mãos, olhando-o nos olhos e acariciando o focinho do animal.

Os efeitos da obra de Portinari, de uma forma familiar

Andressa Santiago
ARTE e DESIGN
Published in
9 min readOct 7, 2021

--

Por Andressa Santiago e Rafaela Boza

Candido Portinari, foi um renomado pintor brasileiro do Modernismo. Em seus quadros, evocava principalmente a identidade brasileira. Porém, é interresante notar também a influência da tradição italiana, origem dos seus pais, evidente em sua arte religiosa. Além disso, Portinari teve contato com a arte já na infância, quando aos 14 anos de idade colaborou para a restauração da Igreja de Brodowski.

Portinari foi fortemente influenciado pelas obras de Picasso, um artista espanhol também da fase modernista, sendo assim, devido a grande representação do pintor espanhol em suas obras, Portinari ficou conhecido por alguns como “Portinasso”. Ele gostava, ainda, de refletir crianças em suas telas, as quais o remetia à lembranças da cultura rural, bem como sua paisagem, e com a chegada de Denise Portinari, sua neta, suas obras passaram a ser um meio para criar um laço mais afetivo, quando, após o nascimento de Denise, passou a pintá-la mês após mês.

Cândido Portinari (1903–1962) Numa imagem preto e branco, o artista Cândido Portinari se encontra frente a um quadro grande sentado sob a cadeira segurando um pincel fino na mão, fitando o local na sua diagonal.

O conceituado artista plástico brasileiro Cândido Portinari (1903–1962) ficou reconhecido mundialmente como integrante da fase modernista com menção honrosa, exposições e o Museu Casa de Portinari, em sua homenagem. Nascido em uma fazenda de café em Brodósqui, interior de São Paulo, foi o segundo filho entre 12 irmãos dos imigrantes italianos Giovan Battista Portinari e Domenica di Bassano.

Portinari não concluiu o curso primário, apesar disso, integrou a elite intelectual brasileira da década de 30. Aos 14 anos de idade, o artista contribuiu para a restauração da Igreja de Brodowski, aos 15 e depois 18 anos se mudou para o Rio de Janeiro, onde se estabeleceu e ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, já aos 20 anos, Portinari foi aclamado pela crítica nacional, tendo seu reconhecimento como artista consolidado na década de 40. Além do Rio de Janeiro, o artista se aventurou na Europa, o que teve grande influência em sua jornada, sendo assim inspirado pelo modernismo europeu, contudo, sem se privar da identidade brasileira.

Seus interesses, explícitos em suas obras, demonstram uma densa chuva de emoção quando se trata de sua cultura, sua infância, as mazelas e as questões sociais do Brasil. Esses fatores contribuíram para que a cultura brasileira fosse reconhecida em âmbito internacional. Essas razões revelam o quanto Portinari se entregava e depositava amor em suas obras.

Surgindo num período histórico de longos e violentos conflitos políticos entre as grandes potências europeias, entre a 1ª Guerra Mundial (1914–1918) e a 2ª Guerra Mundial (1939–1945), na metade do século XX, o modernismo retrata, sobretudo, a liberdade em diferentes demonstrações artísticas, tanto no Brasil, quanto na Europa. No Brasil, a Semana de Arte Moderna, em 1922, inaugura o movimento modernista que continua até 1930, quando então dá lugar à segunda geração modernista, que segue até 1945.

No movimento das vanguardas europeias, emergiram expressões artísticas como a pintura, a arquitetura e expressões culturais como surrealismo, cubismo e dadaísmo.

Esse movimento deu aos artistas a possibilidade de criar fora dos paradigmas do passado. Possibilitou um posicionamento experimentalista, a valorização do cotidiano e a busca da identidade, como fez Candido Portinari. Em 1962, ano de seu falecimento, quando foi vítima de intoxicação pelo chumbo que compunha as tintas que utilizava para as pinturas, Portinari deixou um acervo de quase cinco mil obras, dentre elas a pintura de sua neta, Denise com Carneiro Branco. Algumas de suas obras estão expostas no Museu de Arte de São Paulo (MASP), no acervo online do Itaú Cultural e Google Arts & Culture e em uma coleção particular, que já participou de algumas exposições como “Cem obras primas de Portinari” e “Mostra di Cândido Portinari”.

A obra Denise com Carneiro Branco, detalhada abaixo, foi escolhida para representar os interesses do então respeitado pintor Cândido Portinari, quanto às questões sociais, familiares e identidade brasileira. Além de enfatizar uma esplêndida dedicação, zelo e amor que tinha com todas as suas obras, fazendo as pessoas se sentirem representadas e submersas na mensagem que ele desejava e conseguia, com muito afinco, transmitir. Para reafirmar seus valores enquanto artista plástico, a partir do nascimento de sua neta Denise, Portinari explorou mais fortemente outros olhares sobre a arte, resolvendo reproduzir um auto retrato de Denise todos os meses.

Falando de sua influência no âmbito artístico, Portinari via Picasso como uma inspiração para seu trabalho. Após visitar o museu de arte moderna de Nova York em 1939 e se deparar com o quadro Guernica, Portinari ficou bastante impactado e sentido com o que foi transmitido a ele. Portinari, logo pensou em emular o estilo do artista, reproduzindo um estilo cubista a partir de 1940 com traços de Picasso e o seu jeito familiar. Eram duas pessoas distintas, mas que tinham traços que se interligavam, podendo chamar a existência desta pessoa de “Portinasso”.

Nessa obra que o artista fez de sua neta, Denise com Carneiro Branco, retratou o apreço e o cuidado por ela. Seu objetivo era criar uma aproximação entre os apreciadores e a mensagem que almejava transmitir em suas obras, através da figura da família e, sobretudo, causar impacto com sua pintura.

Denise com Carneiro Branco por Cândido Portinari, 06/05/1961 RJ A bebê Denise, neta do artista Cândido Portinari, se encontra sentada, frente a um fundo geometrizado, segurando um carneiro branco de pequeno porte nas mãos, olhando-o nos olhos e acariciando o focinho do animal.

Antes de mais nada, o sentido literal da palavra arte, significa tanto técnica quanto habilidade e ofício, ou seja, o que é ordenado, para direcionar qualquer atividade humana, e, nesse sentido, segundo a escritora e filósofa brasileira Marilena Chauí, “falamos em arte médica, arte política, arte bélica, retórica, lógica, poética, dietética”. No entanto, a arte não se relaciona somente com a técnica, mas também se relaciona com a religião, a Filosofia, a Natureza, e o humano. A arte e sua abrangência seguem se expandindo na companhia do desenvolvimento humano e tecnológico.

Embora não seja possível desenvolver uma definição precisa sobre a arte em sua completude, e “por isso que o não-filósofo que se põe a ler o que os filósofos escreveram sobre a arte muitas vezes se decepciona e desiste”, como relata o filósofo e crítico de arte americano Arthur Coleman Danto, em seu livro A Transfiguração do Lugar-comum — Uma Filosofia da Arte, ao mencionar a tese do filósofo austríaco Wittgenstein, quando o mesmo se questiona sobre “o que é arte?”, mostra que é possível emergir inúmeras definições plausíveis do que é ou não é a arte — como foi feito por muitos pensadores durante décadas, dando assim um norte e respaldo para a posteridade.

Ao pensar em objeto, pode-se perceber uma preocupação com sua funcionalidade, além de ter como finalidade o belo. Por outro lado, a obra de arte oferece irrestrita liberdade ao artista, que sempre busca o novo ao iniciar/dar continuidade na sua jornada em uma nova obra, recriando o mundo a partir de sua bagagem de vida e sua sensibilidade ao se ver invadido pela inquietação que o impele a criar e, na prática, recriar e eternizar uma realidade jamais vista por outrem. É, ainda, estar atento ao momento decisivo, bem representado pelo fotógrafo Cartier-Bresson.

Ao refletir sobre a finalidade que busca o artista, tem-se determinada dimensão do que é a arte e sua subjetividade. A arte, em sua totalidade, objetiva difundir os mais variados sentimentos em seus contempladores, seja o prazer, a inquietação, o espanto, a paz, e assim por diante, — todas com acentuada expressão e estimada fonte de contemplação e repercussão. Sendo assim, com início na pré-história, a arte é um reflexo da essência humana capaz de representar e eternizar um período histórico, como é o caso da pintura rupestre.

O livro A Transfiguração do Lugar-comum — Uma Filosofia da Arte compreende- se que a simbiose lógica entre filosofia e seus objetos é desconcertante e que alguns dos nossos melhores filósofos da filosofia e da arte queriam insistir na ideia de que é impossível formular uma definição de arte. A tese de Wittgenstein, explica o porque não dá pra formular a arte, pois o tipo de conceito que estamos lidando, exclui a possibilidade de haver um critério para as obras de arte e consequentemente exclui a existência de um conjunto de condições necessárias e suficientes para determinar-lhes a natureza. Essa análise se aplica sem dificuldades às obras de arte que formam o que se pode chamar de formulação de semelhança de uma família. “O uso do conceito de família para designar esse cruzamento de propriedades fenótipos é muito mal escolhido, porque os membros de uma família, que se parecem muito ou pouco, devem ter obrigatoriamente filiações genéticas comuns que expliquem suas semelhanças de família, nenhuma pessoa é membro de uma família se lhe falta essas afinidades” Autor do livro: Arthur C. Danto

Denise Portinari, hoje psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro — PUC-Rio, filha do único filho de Portinari, João Candido Portinari, foi diversas vezes inspiração para explorar sua arte. A obra representa o novo que busca o artista, como explicitado acima em referência a escritora e filósofa brasileira Marilena Chauí, pois, mesmo já tendo pintado Denise anteriormente, decidiu por se aventurar de mês a mês criando seu auto retrato na procura sagaz por algo novo que pudesse aflorar sua visão e sensibilidade — sendo o gesto de acariciar um animal, ou enfatizar suas expressões — , isto é, na busca do momento decisivo, aquele que jamais irá se repetir mas que poderia ser eternizado em sua obra, como assim o fez até o dia de seu falecimento.

O artista Portinari nos mostra a beleza genuína de sua neta, que tinha em torno de quatro meses de vida, na obra Denise com Carneiro Branco — dentre outras — , e como ela era carinhosa e apegada aos animais, sem poupar demonstração de afeto — nessa obra em específico: com o carneiro. Surpreende-se que, por ela ser bem pequena, poderia ficar agitada no momento dos autorretratos, mas, ao contrário do que se pensa, é possível perceber uma certa sintonia na relação entre avô e neta que, aparentemente, desfrutavam da companhia de ambos.

Dado o movimento ao qual o artista pertencia, o cubismo, que tem a geometrização das formas e volumes como sua característica, elevando os fortes traços da realidade, foge dos padrões tradicionais de pintura, rompendo com os conceitos de harmonia, proporção e beleza. É notório a predominância de linhas retas, de modelos de cubos e de cilindros, causando, por vezes, uma sensação de pintura escultórica, nos mostrando um novo e mais conceitual conhecimento da arte.

  • Recomendações

Acervo:
Projeto Portinari
Museu Casa de Portinari
http:// www.wikiart.org/pt/cândido-portinari ps ( Masp — Acervo Portinari)
https://www.wikiart.org/pt/candido-portinari ( Cândido Portinari- 66 obras de arte)

Vídeo:
Canal do YouTube Projeto Portinari
Biografia de Candido Portinari (animação)
Documentário sobre Candido Portinari
https://www.youtube.com/watch?v=cRAycDlUjq8 (Entrevista João Portinari)

PodCasts:
Arte Academia PodCast: episódio 100. Candido Portinari pelo filho, João Candido.

https://www.museucasadeportinari.org.br/programacao/museu-casa-de-portinari-no-spotify-e-podcasts/

https://open.spotify.com/show/1r2X7zxV3Ro9co6VU2IPWS ( Os retirantes de Candido Portinari)

Texto Cândido Portinari: As obras e fatos curiosos sobre o artista https://arteref.com/arte-do-dia/candido-portinari-as-obras-e-fatos-curiosos-sobre-o-artista/

https://www.guiadasartes.com.br/candido-portinari/resumo

Entrevista: João Portinari respondendo umas perguntas sobre o pai https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/entrevista/portinari-era-o-pintor-da-compaixao

  • Referências:

CIA, Fernanda Priscila. Oficina de arte: “Brincadeiras de criança… arte de Portinari”. 2006. Disponível em: <http://www.fundacaoromi.org.br/images/downloads/6encontroeducadores/oficna16portinari.pdf> Acesso em: 19 de outubro de 2021

Visões de uma infância brasileira: Portinari retratou a infância em diversas obras, entenda. Google Arts & Culture. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/exhibit/vis%C3%B5es-de-uma-inf%C3%A2ncia-brasileira-projeto-portinari/rALyTgBJ4UHlLw?hl=pt-BR>. Acesso em: 19 de outubro de 2021

DANTO, Arthur. A Transfiguração do Lugar-comum: Uma Filosofia da Arte. 1ª Edição. Editora Cosac Naify. 2005. Acesso em: 24 de setembro de 2021.

DENISE com Carneiro Branco. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1985/denise-com-carneiro-branco>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

DENISE com Carneiro Branco. In: ENCICLOPÉDIA Google Arts & Culture. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/asset/denise-with-white-sheep/vAHqPPyzU0loZg?hl=pt-br>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

FRAZÃO, Dilva. Candido Portinari. eBiografia: biografias de famosos, resumo da vida, obras, carreira e legado, 2021. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/candido_portinari/>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

AURÉLIO, Marcos. Candido Portinari. Famosos que Partiram, 2010. Disponível em: <http://www.famososquepartiram.com/2010/12/candido-portinari.html>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

AIDAR, Laura. Candido Portinari. Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/candido-portinari/>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

MARCELLO, Carolina. O que foi o Modernismo?. Cultura Genial, 2020. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/modernismo/>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

DIANA, Daniela. Características do Modernismo. Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/caracteristicas-do-modernismo/>. Acesso em: 28 de setembro de 2021.

AIDAR, Laura. Cubismo. Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/cubismo/>. Acesso em: 29 de setembro de 2021.

AIDAR, Laura. O que é arte? Toda Matéria, 2020. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/o-que-e-arte/>. Acesso em: 29 de setembro de 2021.

IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Cubismo. História das Artes, 2021. Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/nomundo/arte-seculo-20/cubismo/>. Acesso em: 29 de setembro de 2021.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Edição 1995. São Paulo: Editora Ática. 2000. Acesso em: 29 de setembro de 2021.

Thais Thomaz Bovo- Vida e arte de Candido Portinari https://www.nucleodoconhecimento.com.br/arte/candido-portinari

Estadão — O dia em que Portinari virou Picasso https://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,o-dia-em-que-portinari-virou-picasso,301557

Wesley Souza- Característica do movimento artístico: Cubismo https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/cubismo.htm

--

--