Os Três Invernos da Formiga e da Cigarra

Uma fábula da arte brasileira

Francisco Araujo da Costa
Esopo para Brasileiros

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Era chegado o primeiro inverno e a Cigarra não tinha o que comer.

— Dona Formiga, Dona Formiga, por favor, me ajude — a Cigarra implorou.

— Mas o que é que eu ganho com isso? — a Formiga perguntou.

— Eu posso dançar para a senhora, Dona Formiga — a Cigarra respondeu. — Dançar e tocar e cantar. Eu não tenho comida para o inverno, mas a senhora não tem alegria. Vamos fazer uma troca.

Era verdade. A Formiga já estava entediada com a conversa das vizinhas, que era sempre sobre as sementes que iriam colher na primavera, sobre um grão de açúcar particularmente grande que encontraram no final do outono e sobre como o formigueiro iria valorizar nos próximos meses. O verão fora farto, a colheita produtiva, ela podia se dar a esse luxo.

E assim passaram as duas o inverno, uma de barriga cheia, a outra com um sorriso largo. Passado o inverno, a Cigarra foi embora do formigueiro ao som de aplausos.

Quando terminou o outono seguinte, a Formiga encontrou a Cigarra novamente sem nada guardado para o inverno.

— Mas Dona Cigarra, o que é isso? A senhora não aprendeu nada com o inverno passado?

— Aprendi sim, Dona Formiga — a Cigarra respondeu. — Enquanto a senhora guardava trigo, eu guardava versos. Enquanto armazenava açúcar, eu armazenava danças.

A Formiga passara toda a primavera e o verão cantarolando os versinhos da Cigarra, muito satisfeita com a troca que fizera, e sua curiosidade ficou atiçada.

— Pode entrar, Dona Cigarra, pode entrar.

Mas o segundo inverno foi menos alegre para a Formiga. As novas canções da Cigarra eram todas sobre como a Formiga não sabia cantar como a Cigarra porque se preocupava demais em guardar comida para o inverno, ou então sobre como ela guardava a comida para si em vez de deixar no campo para as pobres cigarras, que eram forçadas a dançar e a cantar para não morrerem de fome.

O pior de tudo foi o Ode ao Tamanduá.

Foi um inverno muito aborrecido para a Formiga, que ficou feliz em ver a Cigarra partir junto com o frio.

Chegado o terceiro inverno, a Cigarra apareceu mais uma vez às portas do formigueiro.

— Desta vez não tenho espaço para a senhora, Dona Cigarra — a Formiga disse quando avistou a outra.

— Como assim, não tem espaço? — a Cigarra perguntou indignada. — Nós tínhamos um trato. O que vai ser de mim? E mais, pense na senhora, Dona Formiga! O que vai ser do formigueiro sem música, sem dança, sem cultura?

— Não sei. Na primavera a gente descobre — a Formiga respondeu, e então bateu a porta.

— Censura! — a Cigarra gritou, batendo na porta do formigueiro. — Censura!

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Francisco Araujo da Costa
Esopo para Brasileiros

Tradutor inglês-português. Autor de livros de idioma. Libertário. Pai. Marido. Não nessa ordem.