1: O Mundialito de 1981

Marcos Junior
Futebol e Memórias
5 min readMay 31, 2020

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Minha história com o futebol começa com o Mundialito de 1981, um torneio amistoso entre seleções campeãs do mundo, e a Holanda, que foi disputada no Uruguai. O timaço brasileiro com Sócrates, Junior, Cerezo cia começava a encantar o mundo. Zico, o craque maior daquele time, não jogou por contusão.

Tenho muitas vagas lembranças daquela campeonato. Lembro que estava morando em Cruzeiro do Sul, no Acre. Haviam poucas horas de televisão no dia e as partidas eram uma das únicas transmissões ao vivo que chegavam por lá. Lembro também que a seleção argentina era um time de cabeludos e que tivemos um grande jogo com a Alemanha. Perdemos a final, como em 1950, embora nesta época eu não soubesse ainda o que era 1950.

O que estava fazendo no Acre? Sim, ele existe. Aliás, sou acreano, com orgulho apesar de quase não conhecer minha terra natal. Como é possível? Bem, meu pai é oficial do Exército, agora aposentado. Em 1973, ainda um jovem tenente, saiu de Pindamonhangaba, interior de São Paulo, para a primeira aventura na Amazônia. Minha mãe me carregava na barriga, seu primeiro filho. Nasci em Agosto, em Cruzeiro do Sul, nas mãos de parteiras em um hospital dirigido por irmãs. Não quer dizer que fiquei lá até 1981. No mês seguinte eu iria com minha vó para Resende, pois a infraestrutura em Tarauacá, onde meu pai trabalhava na obra de implantação da Transamazônica, era muito precária e eu tive alguns problemas de saúde que exigiam uma alimentação especial. Só veria meus pais novamente meses depois, já no ano seguinte. Diz minha mãe que chorei quando ela me pegou no colo quando chegou para me buscar e levar para o novo lar, em Itajubá, sul de Minas.

Depois de algumas mudanças, inclusive outra passagem pela Amazônia, desta vez em Santarém, interior do Pará, meu pai foi novamente transferido para Cruzeiro do Sul, para desespero da minha mãe, que ainda guardava na memória os tempos difíceis da primeira passagem. Felizmente aquelas dificuldades não se repetiram. Éramos então 3 irmãos e vivemos um bom período lá, um período de um ano e meio, pois em Julho de 1981 íriamos para outra aventura, agora nas terras ianques. Aos 7 anos, tenho muito vagas lembranças. Lembro da vila militar, da piscina, dos colegas, especialmente o Neto, meu grande parceiro que encontraria algumas vezes ao longo da vida. Foi o mais próximo que tive de um amigo de infância. Ele era bom de bola, muito melhor que eu, pelo menos, e se transformou em um grande santista, tradição da família. Mas naquela época, nosso primeiro contato com o futebol foi com aquela camisa amarela, pela televisão no clube dos oficiais, onde nossos pais se reunia para assistir as partidas.

É curioso que meu amor pelo jogo começasse pela seleção brasileira, uma relação que duraria até 1998, naquela final com a França. O ponto alto foi a vitória em 1994; a maior tristeza em 1986 (em 82 ainda não dominava completamente o jogo e estava fora do país); e o fim deste romance foi mesmo os 3 x 0 para a França. Nunca mais torceria pelo Brasil, nem em Copa do Mundo.

Acho que cheguei a conclusão que só poderia ter uma equipe para aguentar o sofrimento e acabei abrindo mão da seleção para ficar só com meu clube. Em 2002 acompanhei meio indiferente o penta e muitas vezes torci contra, como no 7 x 1. Sério. Estava torcendo pela Alemanha naquele jogo. O futebol não merecia um time mal treinado por Felipão, cheio de empáfia, como campeão do mundo. Graças a Deus, fez-se justiça. Mas tudo isso é estória para depois.

Como disse, meu amor pelo futebol começou com a seleção. Depois do mundialito, os próximos jogos que acompanharia seriam os da copa de 82, morando em Fort Lewis, nos Estados Unidos, mas foi com o Flamengo que peguei um caminho sem fim. Normalmente um garoto torce para o time do pai, mas comigo foi diferente, e a seleção explica muito disso __ já que meu pai é botafoguense. Assisti maravilhado quase todos o jogos da copa e os do Brasil assistia 2 ou 3 vezes cada jogo, por conta da tv americana, que exibia replays dos jogos em vários horários. Hoje desconfio que nenhuma dessas transmissões foram ao vivo. Quando chegou no jogo com a Itália, estávamos voltando para o Brasil depois de um ano. Tenho até hoje uma foto, tirada no quarto do hotel, onde assistimos os três gols do Paolo Rossi que nos eliminou. Eu não acreditava que aquela seleção pudesse perder de alguém. Foi minha primeira surpresa genuína com o esporte. Aprendi ali que nada pode ser considerado ganho.

E como cheguei no Flamengo? Porque era onde o Zico jogava. Meu primeiro, e para sempre, ídolo no futebol foi realmente o Galinho. Aqueles 5 jogos na Espanha me fizeram torcedor do Zico. Onde ele joga? Flamengo? Então, tá. Sou Flamengo. Tinha 9 anos de idade. Ali começava minha epopeia de torcedor, pegando o fim da era Zico (a esta altura já tinha acontecido o bicampeonato brasileiro, mas ainda não assistia os jogos), passando por muitos períodos de alegria e também de imensas tristezas, que aos poucos vou resgatando nessas memórias.

E tudo começou, de verdade, no Mundialito. Foi a primeira vez que vi um jogo completo. Comemorei uma vitória, uma goleada contra a Alemanha, chorei uma derrota, para o Uruguai. Como todo torcedor, são estas emoções que tanto nos atraem. Suportamos derrotas dolorosas, na esperança da vitória redentora, que nos faz esquecer tudo que passou, mas confesso que não tem muita lógica. Por melhor que seja o time que resolvermos torcer, perdemos muito mais títulos que ganhamos. Assisti todos os campeonatos brasileiros, desde 1983 até hoje. Foram 38. O Flamengo ganhou 4 deles. Se pegarmos o Campeonato Carioca, que já teve um peso bem semelhante ao Brasileiro, ganhamos 14 em 39. Ou seja, é muito difícil ganhar um título. Normalmente, terminamos o torneio frustrado, vendo um rival comemorar e aguentando gozação. Por vezes ficamos anos sem ganhar um campeonato. Só que quando vem o título, aquela volta olímpica que tanto ansiamos, tudo é esquecido e nosso amor se renova. É uma experiência comum para todo torcedor, independente do time, mas seguimos em frente, sempre seguimos. Já vi amigos tentarem mudar de time, mas não conseguem. No máximo conseguem fingir indiferença. Por algum tempo. É quase uma maldição.

Amar o futebol é ser um tanto irracional. Talvez por isso seja tão fascinante! E foi naquele mundialito, vendo o Brasil jogando contra aquele time de cabeludos da Argentina, que me converti a esta estranha seita para nunca mais abandoná-la. O grau de obsessão aumentaria e diminuiria ao longo dos anos, alternando fases, mas sempre lá. A espera da vitória redentora, que apagasse todas as decepções.

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Marcos Junior
Futebol e Memórias

Tentando viver a vida um pouco acima da linha da mediocridade, procurando descobrir a verdade sobre o mundo e confiando que ela nos liberta da ignorância.