70 curiosidades nos 70 anos da Copa de 1950

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Por Gustavo Longhi de Carvalho

Globo Sportivo, 30 de junho de 1950 | Acervo jornal O Globo.

A Copa do Mundo de Futebol de 1950, realizada no Brasil entre os dias 24 de junho e 16 de julho, está completando 70 anos. Para relembrar este marcante evento, após a leitura do excelente e recentemente publicado artigo “50 Coisas que Você Provavelmente Não Sabia sobre a Copa de 70”, de autoria dos pesquisadores e escritores Max Gehringer e Celso Unzelte, surgiu a ideia de se escrever um texto com 70 curiosidades sobre este campeonato mundial, tão importante para a história do Brasil e do seu futebol. Algumas destas curiosidades são muito conhecidas, e outras nem tanto. Elas estão a seguir.

1) O Brasil recebeu, no Rio de Janeiro, em 1922, a Exposição Internacional do Centenário da Independência, que foi um grande evento internacional. Pode-se dizer que a Copa do Mundo de 1950 foi o segundo grande evento de abrangência mundial na história do Brasil, sendo o primeiro ligado a um esporte.

2) O Brasil teve sua candidatura aprovada pela FIFA (Federação Internacional de Futebol) em julho de 1946, o que confirmou a realização da quarta Copa do Mundo no país. Inicialmente, a FIFA gostaria que a Copa ocorresse em 1947, afinal não tinha havido Copas do Mundo em 1942 e 1946, devido à Segunda Guerra Mundial. Já inicialmente, o Brasil solicitou que a Copa ocorresse em 1949, o que foi aceito. Em 1947, acertou-se que a Copa ocorreria entre 25 de julho e 25 de agosto de 1950. Em 1949, por solicitação dos europeus, chegou-se finalmente ao período exato em que a Copa foi de fato executada, entre junho e julho de 1950.

3) 32 seleções se inscreveram para as eliminatórias, e apenas 19 entraram em campo pelo menos uma vez, pois houve várias desistências, por diversas razões. Os tempos eram outros, e o mundo havia acabado de sair de uma Grande Guerra. Foram realizados apenas 27 jogos no total. Para se ter uma ideia, nas eliminatórias para a Copa da Rússia, de 2018, foram realizados 871 jogos.

4) A Alemanha estava desfiliada da FIFA juntamente com o Japão, em consequência da Segunda Guerra Mundial, e não pôde participar da Copa do Mundo. Os alemães só não participaram dos Mundiais de 1930, por opção própria, e de 1950, por proibição.

5) Com relação às desistências, a Escócia, que havia conquistado uma vaga, desistiu de vir. O mesmo ocorreu com a Turquia. A França, país do presidente da FIFA, Jules Rimet, foi eliminada pela Iugoslávia, mas, quando a organização percebeu que sobrariam vagas, a convidou. Os franceses recusaram o convite a menos de 20 dias do início da competição em razão das distâncias, alegando que teriam um deslocamento enorme a fazer num prazo muito curto, situação da qual eles discordaram. A tabela de jogos marcava uma partida em 25 de junho contra o Uruguai em Porto Alegre, e em 29 de junho contra a Bolívia em Recife, a cerca de 3.000 km de distância.

6) A Seleção Portuguesa, que foi eliminada pela Espanha, foi convidada pela organização para a Copa após a desistência da Turquia, mas recusou posteriormente o convite. Portugal só jogaria sua primeira Copa em 1966. A Argentina, que estava com problemas internos, com muitos jogadores que atuavam em uma liga pirata na Colômbia, também desistiu de participar. Na América do Sul, Equador e Peru também acabaram desistindo.

7) Dos quatro países asiáticos inscritos, três desistiram e a Índia conquistou a vaga sem jogar. Porém, havia um problema que precisaria ser superado: boa parte de seus jogadores atuava sem chuteiras, com faixas envolvendo os pés, o que a FIFA não permitiria na Copa. Por esta razão, ou não, o fato é que a Índia desistiu de vir ao Brasil. Acredita-se, entretanto, que o principal motivo para a desistência foi o desconhecimento dos indianos quanto à relevância de uma Copa do Mundo, algo que também ocorria em outras regiões onde o futebol era menos disseminado. Nunca mais a Índia esteve tão próxima de disputar uma Copa.

8) Desta maneira, várias seleções acabaram conseguindo a vaga na Copa sem jogar. Os quatro grupos com quatro seleções cada foram sorteados em 22 de maio de 1950. O sorteio não contou com a Escócia, que já havia informado que não viria, mas com Portugal em seu lugar. Porém, após o sorteio, Índia, Portugal e França afirmaram que não viriam, o que tornou dois grupos da Copa menores. O grupo III ficaria com Itália, Suécia e Paraguai (sem a Índia), e o grupo IV apenas com Uruguai e Bolívia (sem Portugal e França). Os grupos I (com Brasil, México, Iugoslávia e Suíça) e II (com Inglaterra, Espanha, Chile e Estados Unidos) ficaram completos. Assim, a Copa de 1950, prevista para ter 16 seleções, contou com apenas 13, o menor número em um Mundial, igualando o primeiro, realizado em 1930. Apenas uma estreante em Copas: a Inglaterra, uma das favoritas ao título.

9) A Copa teve 22 jogos realizados em seis estádios, sendo que 14 deles, incluindo todos os seis da fase final, foram realizados em apenas dois: Maracanã (propriedade do governo do então Distrito Federal) com oito jogos, e Pacaembu (da Prefeitura de São Paulo) com seis jogos. As demais partidas ocorreram nos seguintes estádios: Eucaliptos, do S.C. Internacional, em Porto Alegre (dois jogos); Durival de Brito e Silva, do C.A. Ferroviário), em Curitiba (dois jogos); Ilha do Retiro, do Sport C. do Recife (um jogo); e Independência, na época pertencente ao Sete de Setembro F.C., em Belo Horizonte (três jogos). No total, foram marcados 88 gols no Mundial, uma média de quatro gols por jogo.

10) Dois estádios foram construídos para a Copa e inaugurados oficialmente com partidas do Mundial: o Independência e o Maracanã. Este, sem dúvida, a grande obra projetada e inaugurada para a Copa de 1950, foi construído em cerca de dois anos e meio. Com capacidade para 200.000 pessoas, o Maracanã tornou-se o maior estádio do mundo, título que manteve por cinco décadas. Atualmente, após passar por muitas reformas, sua capacidade é inferior a 80.000 pessoas.

Cartaz da Copa do Mundo de 1950. © FIFA.

11) O cartaz da Copa, confeccionado por João Ney Damasceno, foi escolhido em um concurso que contou com 114 inscritos.

12) Esta Copa foi a única que não teve nenhum jogo eliminatório, estilo “mata-mata”. Somente os primeiros colocados dos quatro grupos classificaram-se para a fase final, onde se enfrentaram todos contra todos. A vencedora desta fase seria também a seleção campeã do mundo, e por isso foi a única Copa que não teve uma final propriamente dita.

13) Foi a primeira Copa em que os jogadores utilizaram números nas camisas. Os jogadores tinham as camisas de 1 a 11, sendo que a número 1 era obrigatoriamente a do goleiro. Mas eles não eram fixos. Um mesmo jogador poderia mudar seu número de uma partida para outra. Isso não é mais permitido desde 1954, quando um número da camisa passou a acompanhar obrigatoriamente o jogador durante todo o torneio.

14) O Brasil se tornou o único país a ter participado de todas as Copas, exclusividade que mantém até hoje. Brasil, Romênia, Bélgica e França disputaram as Copas de 1930, 1934 e 1938. Entretanto, os três últimos países não participaram do Mundial de 1950.

15) Todos os 22 jogos foram realizados com o horário oficial local das 15 horas, exceto dois: Brasil 4X0 México (primeiro jogo), que começou às 15h30, e Brasil 2X0 Iugoslávia, que começou às 14h45.

16) O Maracanã foi utilizado, basicamente, nos jogos do Brasil e da Inglaterra, com exceção do jogo Espanha 2X0 Chile (partida do grupo da Inglaterra). O único jogo do Brasil fora do Maracanã foi contra a Suíça, empate por 2X2, realizado no Pacaembu. Brasil 4X0 México, em 24/06/1950, foi a primeira partida oficial do Maracanã, mas o jogo inaugural do estádio ocorreu uma semana antes — Seleção Paulista de Novos 3X1 Seleção Carioca de Novos. Mesmo no primeiro jogo da Copa, o estádio ainda estava longe de totalmente finalizado — havia muitos andaimes instalados nas arquibancadas.

Imagem da arquibancada com muitos andaimes na partida Brasil X México (primeiro jogo da Copa, de 24/06/1950), que teve 81.650 pagantes. Foto: Acervo Herculano Gomes/SUDERJ/VEJA. Fonte: LEPIANI, Giancalo. Maracanã abre as portas ainda em obras. Como em 1950. Veja [Site], São Paulo, 27 abr. 2013.

17) O primeiro jogo da Copa no Estádio Durival de Brito, em Curitiba, foi Espanha 3X1 Estados Unidos (EUA). A Seleção Estadunidense, composta basicamente de jogadores amadores, vencia por 1X0 até os 35 minutos do 2º tempo, mas a Espanha conseguiu virar com três gols em cinco minutos. Foi o primeiro jogo na história a ser transmitido, via rádio, do Brasil para a Europa.

18) Outra curiosidade do jogo Espanha 3X1 EUA diz respeito aos registros da escalação da equipe americana. Os jornais da época deixaram dúvidas quanto aos jogadores Adam Wolanin, Bob Craddock e Joe Gaetjens. Dois dos três jogaram, mas não se tinha certeza sobre quem ficou de fora. O pesquisador Max Gehringer verificou a escalação dos EUA em onze jornais brasileiros que noticiaram este jogo, e sete deles tinham incluído Craddock na escalação. Porém, ele constatou, observando as fotos disponíveis do jogo, que dos três jogadores citados, quem não jogou foi exatamente Craddock. Para ratificar esta informação, o site da Society for American Soccer History informa que Bob Craddock estava no grupo de 1950, mas não atuou em nenhuma partida. Ele disputou somente uma partida pela Seleção dos EUA, contra o Haiti, pelas eliminatórias da Copa de 1954.

19) Devido às desistências dos países já citados, a Copa teve oito jogos a menos do que o previsto. A maior parte destes jogos seria nos estádios de Curitiba, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte, por isso o baixo número de jogos nestes estádios. A Ilha do Retiro, por exemplo, só contou com uma partida (Chile 5X2 EUA, no dia 2 de julho). A propósito, neste dia houve jogos simultâneos em cinco das seis sedes — só não houve jogo em Curitiba.

20) Na partida Suíça 2X1 México, realizada no Estádio dos Eucaliptos, os mexicanos jogaram com a camisa listrada em azul e branco do E.C. Cruzeiro, de Porto Alegre, pois as duas seleções estavam com camisas com cores próximas — a da Suíça era vermelha, e a do México vinho (grená). Isto já tinha acontecido duas vezes e voltou a ocorrer outras duas:

- 1930, Brasil 4X0 Bolívia — Ambos usavam camisas brancas. A Bolívia teve de usar uma camisa azul;

- 1934, Alemanha 3X2 Áustria — As duas seleções apresentaram-se com camisas brancas. A Áustria trocou por uma camisa mais escura, de cor azul.

- 1958, Alemanha 3X1 Argentina — Os argentinos foram obrigados a usar a camisa azul celeste do time sueco Malmö F.F., pois sua camisa listrada poderia gerar confusão com a camisa branca alemã.

- 1978, França 3X1 Hungria — As duas seleções chegaram com seus segundos uniformes, de cor branca, para o jogo. A França, então, precisou jogar com a camisa listrada em verde e branco do C.A. Kimberley, um clube amador da cidade de Mar del Plata.

21) A Copa de 1950 foi a primeira que contou com a participação da Inglaterra, país criador do futebol moderno e que não havia participado de nenhum dos três Mundiais anteriores. Tinha uma boa seleção e era apontada como a grande favorita, ao lado do Brasil. Nela jogavam, entre outros, Alf Ramsey (que viria a ser o técnico da Inglaterra campeã de 1966) e Stanley Matthews (uma lenda do futebol, com 35 anos da idade na época e que jogou até os 50). Os ingleses, porém, não tiveram grande desempenho e foram eliminados na primeira fase, com duas derrotas em três jogos, em um grupo cuja campeã foi a Espanha. Matthews só jogou uma partida na Copa — a derrota de 1X0 para a Espanha.

22) Os ingleses protagonizaram uma das maiores zebras da história das Copas — para muitos, a maior — ao perder de 1X0 para os Estados Unidos, no Estádio Independência, em Belo Horizonte em 29 de junho. O jogo foi tão histórico que, em 2005, Hollywood o retratou no filme The Game of Their Lives (O Jogo de Suas Vidas). Esta derrota da Inglaterra para uma equipe de jogadores amadores era absolutamente inesperada. Para se ter uma ideia, no 1º tempo a Inglaterra finalizou 30 vezes e os EUA, no ataque, praticamente só fizeram o gol, que foi de cabeça. Pode-se dizer que, depois da decisão Brasil X Uruguai, este é o jogo mais lembrado da Copa de 1950.

23) O autor do histórico gol da vitória dos EUA na partida contra os ingleses foi o haitiano Joe Gaetjens, que, mesmo sem ser estadunidense, tinha um visto provisório para viver no país e jogou pela Seleção dos EUA em 1950. Ele desapareceu misteriosamente em 1964, aos 40 anos, no Haiti, após ser preso pela polícia secreta do ditador François Duvalier.

24) A Itália, vencedora das duas Copas anteriores, em 1934 e 1938, deveria vir como uma das favoritas, com um elenco muito forte. Entretanto, pouco mais de um ano antes da Copa, em maio de 1949, ocorreu uma tragédia: os 17 jogadores do Torino F.C., o melhor time italiano do momento e base da Azzurra, morreram em um desastre de avião, conhecido como “A Tragédia de Superga”. A Itália ficou sem metade de sua seleção e foi eliminada pela Suécia na primeira fase da Copa, graças à derrota para os suecos por 3X2, em sua estreia, no Estádio do Pacaembu. Esta derrota foi a primeira da Itália em Copas do Mundo. Era sua décima partida em Mundiais — antes, em nove jogos, ela tinha oito vitórias e um empate.

25) O técnico do Paraguai, que estava no grupo da Suécia e da Itália, era Manuel Fleitas Solich, um grande treinador, apelidado de “Feiticeiro”. Ele seria campeão sul-americano com o Paraguai em 1953, e logo depois viria trabalhar no Brasil treinando o C.R. do Flamengo. Em três passagens pelo clube, tornou-se um dos maiores técnicos de sua história, conquistando vários títulos e promovendo grandes craques à equipe principal, entre eles os dois maiores artilheiros do rubro-negro, Zico e Dida. Chegou também a treinar o Real Madrid C.F. e o S.C. Corinthians Paulista.

26) O treinador inglês, Walter Winterbottom, dirigiu a Inglaterra nas Copas de 1950, 1954, 1958 e 1962. Ele somente treinou a Seleção Inglesa em sua carreira — nunca treinou clube algum — e não tinha poder absoluto sobre as convocações, que passavam por uma comissão da Federação Inglesa. Ele foi o primeiro técnico propriamente dito da história da Seleção da Inglaterra, que desde sua primeira partida em 1872 até 1946 era, em geral, comandada por comissões técnicas, ou comitês.

27) O Brasil não teve um caminho fácil para chegar à fase final. Após vencer o México na estreia, por convincentes 4X0, o técnico brasileiro Flávio Costa modificou quatro jogadores para a partida contra a Suíça, privilegiando atletas de clubes de São Paulo, já que o jogo seria no Estádio do Pacaembu. Ao final, o resultado não foi satisfatório — um empate por 2X2, o que fez com que o Brasil precisasse vencer a Iugoslávia no último jogo da primeira fase, visto que a Iugoslávia tinha vencido México e Suíça.

28) Na partida decisiva da primeira fase contra a Iugoslávia, o Brasil foi favorecido por um gol de Ademir aos três minutos do 1º tempo, o que certamente deu uma tranquilidade maior à equipe e permitiu que o Brasil passasse quase todo o período à frente no placar. No 2º tempo, o craque Zizinho, em sua estreia na Copa (não jogou antes, pois estava contundido), fez o segundo gol brasileiro e sacramentou a vitória por 2X0. Isto ocorreu alguns minutos depois de Zizinho ter feito um gol anulado pelo árbitro em um lance duvidoso e muito criticado. Esta partida teve o enorme público de mais de 142 mil pagantes.

29) Outra curiosidade que envolveu a partida Brasil X Iugoslávia foi o fato de que, nos dez primeiros minutos, os iugoslavos atuaram com um jogador a menos. Rajko Mitic, um dos melhores jogadores da seleção, sofreu um acidente (bateu a cabeça) pouco antes do início do jogo e sofreu um sério corte. O jogo, apesar do pedido dos iugoslavos, não teve o início atrasado, e ele só entrou em campo aos 10 minutos, portanto após Ademir marcar 1X0 para o Brasil, e jogou com a cabeça enfaixada.

30) Apenas dois jogadores que participaram da Copa de 1938 estiveram presentes na Copa seguinte, em 1950: o suíço Alfred Bickel e o sueco Erik Nilsson. Bickel jogou as três partidas da Suíça na Copa de 1938 e fez um gol, tendo jogado também duas partidas no Mundial de 1950 — sua última partida em Copas foi o jogo da Suíça contra o Brasil, na primeira fase. Nilsson jogou uma partida em 1938 — o jogo em que o Brasil ganhou da Suécia por 4X2 na disputa do terceiro lugar — e todas as cinco partidas (incluindo a derrota de 7X1 para o Brasil) de sua seleção na Copa de 1950, em que a Suécia terminou em 3º lugar.

31) Houve, também, três árbitros “sobreviventes” que apitaram em 1938 e 1950. Ivan Eklind, que também apitou em 1934 (Suíça 3X2 Holanda, a semifinal Itália 1X0 Áustria e a final Itália 2X1 Tchecoslováquia), esteve em dois jogos na Copa de 1938 (Brasil 6X5 Polônia e Suíça 4X2 Alemanha) e um na Copa de 1950 (Suíça 2X1 México). Ele também atuou como auxiliar nas partidas Itália 3X1 França, de 1938, e Iugoslávia 3X0 Suíça, de 1950. O segundo foi o austríaco Alois Beranek, que apitou um jogo em 1934 e um jogo em 1938, além de atuar como auxiliar em dois jogos em 1934 (sendo um deles a semifinal Tchecoslováquia 3X1 Alemanha), em dois jogos em 1938 (sendo um deles a semifinal Itália 2X1 Brasil) e em três jogos em 1950 (entre eles, nas partidas Brasil 2X0 Iugoslávia e Uruguai 3X2 Suécia). O terceiro “sobrevivente”, foi o francês Charles De La Salle, atuou somente como auxiliar em Copas do Mundo, em duas partidas em 1938 (entre elas Brasil 1X1 Tchecoslováquia) e em quatro partidas em 1950 (entre elas, Estados Unidos 1X0 Inglaterra e Brasil 7X1 Suécia).

32) O Uruguai, devido à desistência de algumas seleções, acabou ficando num grupo com apenas duas. Para se classificar à fase final da Copa, bastou vencer a Bolívia por 8X0, enquanto o Brasil e a Espanha tiveram que jogar três partidas.

33) Além disso, graças à desistência de Peru e Equador nas eliminatórias, Uruguai e Paraguai se classificaram sem precisar jogar. Sem dúvida, o Uruguai foi a seleção que teve o caminho mais fácil para chegar entre os quatro primeiros de uma Copa do Mundo.

34) Porém, nem tudo foram flores na preparação uruguaia para a Copa. Em abril de 1950, devido a problemas internos e durante a negociação das eliminatórias, o país ameaçou desistir da Copa. Se isto tivesse ocorrido, a história das Copas do Mundo e do futebol brasileiro teria sido certamente diferente.

35) Houve outras divergências internas importantes. O capitão Obdulio Varela, figura fundamental na conquista uruguaia, chegou a cogitar seriamente abandonar a seleção semanas antes da Copa. Mas acabou reconsiderando esta decisão. Os resultados da maioria dos amistosos uruguaios às vésperas da competição não foram satisfatórios: três deles, contra clubes brasileiros, terminaram sem vitória uruguaia — derrota de 2X1 para o G.E. Brasil, de Pelotas, em 19 de março, e dois empates contra o Fluminense F.C., em 28 de maio e 4 de junho (1X1 e 3X3). Os três jogos foram em Montevidéu.

36) A Seleção Uruguaia teve grande dificuldade para definir seu técnico para a Copa. Em novembro de 1949, assumiu Pedro Cea, que havia sido campeão mundial pelo Uruguai em 1930 como jogador, mas que acabou deixando o cargo no final do mesmo mês. Assumiu então, como interino, o preparador físico Romeo Vásquez. Em março de 1950, foi a vez de Enrique Fernández, que saiu apenas três semanas depois, após a derrota de 2X1 no amistoso contra o G.E. Brasil. Vásquez voltou como interino. Tanto Cea quanto Fernández tinham ou tiveram relação com o time uruguaio do C. Nacional de F., o que gerou protestos por parte do outro grande time uruguaio, o C.A. Peñarol, que era a base da seleção. Estes protestos foram fundamentais para a saída deles.

37) Em 2 de junho, menos de um mês antes do início da Copa, finalmente o Uruguai definiu seu técnico: seria Juan López, que já havia dirigido a seleção no Sul-Americano de 1947 e trabalhado muitas vezes como auxiliar técnico da Celeste Olímpica. Como estava às vésperas da Copa, López optou por manter a base da seleção que vinha jogando.

38) Três jogos fundamentais na preparação uruguaia para a Copa de 1950 ocorreram nos dias 6, 14 e 18 de maio contra o Brasil, e no Brasil, valendo a Copa Rio Branco, disputada entre os dois países. A importância destes jogos para a montagem e preparação da sua seleção foi enorme e reconhecida pelos próprios uruguaios. Na primeira partida, vitória dos visitantes por 4X3 no Pacaembu. Cinco jogadores do Brasil e nove do Uruguai que participaram da decisão do Mundial, em 16 de julho, estiveram em campo neste dia. Este jogo marcou a estreia do ponteiro direito Ghiggia com a camisa celeste (ele substituiu Britos aos 20 minutos do 2º tempo). Ghiggia seria o personagem mais decisivo da Copa de 1950.

39) No segundo e no terceiro jogos da Copa Rio Branco, realizados no Estádio São Januário, o Brasil conquistou o troféu ganhando por 3X2 e 1X0. Foram confrontos sem dúvida difíceis, e muitos apontam que eles foram o aviso (ao qual não se atentou da devida forma) de que o Brasil teria muitas dificuldades se enfrentasse o Uruguai na Copa do Mundo, o que acabou ocorrendo.

40) Nestes jogos da Copa Rio Branco, o técnico brasileiro Flávio Costa definiu as últimas posições de sua equipe titular para a Copa do Mundo, em particular os defensores Juvenal e Bigode. Quando a competição começou eles tinham, respectivamente, apenas quatro e cinco jogos pela Seleção Brasileira.

41) As Copas atualmente têm jogos em quase todos os dias, mas em 1950 era diferente. Entre 24 de junho e 2 de julho, houve jogos em seis datas, mas, após os jogos do dia 2, a Copa não teve jogos por seis dias seguidos. As partidas da fase final só se iniciaram uma semana depois, em 9 de julho.

42) A primeira emissora de TV brasileira, a Tupi de São Paulo, foi inaugurada em 18 de setembro de 1950, cerca de dois meses após o final da Copa. Já no mês de outubro houve a primeira transmissão ao vivo pela televisão, no Brasil, de uma partida completa de futebol, diretamente do Estádio do Pacaembu (S.E. Palmeiras 2X0 São Paulo F.C., em 15 de outubro). Ou seja, por poucos meses, a Copa de 1950 não foi a primeira que teve jogos transmitidos ao vivo pela TV. O público tinha duas opções para acompanhar as partidas ao vivo: ou ir ao estádio ou pelo rádio — havia várias emissoras com grandes narradores transmitindo a Copa — entre eles Antonio Cordeiro e Jorge Curi (Rádio Nacional), Luiz Mendes (Rádio Globo), Ary Barroso (Rádio Tupi), Oduvaldo Cozzi (Rádio Mayrink Veiga), Raul Longras (Rádio Guanabara), Pedro Luiz (Rádio Panamericana), Geraldo José de Almeida (Rádio Record) e Edson Leite (Rádio Bandeirantes).

43) Ao término da primeira fase, as quatro seleções classificadas para a fase final foram: Brasil (campeão do grupo I, com duas vitórias e um empate), Espanha (campeã do grupo II, com três vitórias, incluindo uma sobre a Inglaterra), Suécia (campeã do grupo III, com uma vitória sobre a Itália e um empate com o Paraguai) e Uruguai (campeão do grupo IV, com uma goleada sobre a Bolívia).

44) A fase final teve seis jogos, sendo três no Pacaembu e três no Maracanã. Cada uma das suas três rodadas teve dois jogos simultâneos, nos dias 9, 13 e 16 de julho. Dos seis jogos, cinco foram espetaculares. O Uruguai, que chegou sem dificuldade a esta fase, a partir deste momento precisou, e muito, mostrar a força de sua equipe. Na primeira rodada, o confronto Uruguai X Espanha, no Pacaembu, foi muito equilibrado. Ghiggia, aos 29 minutos do 1º tempo, abriu o placar para o Uruguai, com um gol em que veio correndo com a bola pela direita e chutou rasteiro entre o goleiro espanhol e a trave — muito parecido com o que Ghiggia faria contra o Brasil na decisão, uma semana depois. A Espanha virou o placar ainda no primeiro tempo, com dois gols de Basora. No segundo tempo, aos 28 minutos, o capitão e líder do time uruguaio, o volante Obdulio Varela, acertou um belíssimo chute de fora da área no ângulo e empatou a partida, dando números finais ao placar — Uruguai 2X2 Espanha, num confronto suado.

45) No mesmo horário, no Maracanã, o Brasil massacrou a Suécia, numa partida que teve mais de 138 mil pagantes. No 1º tempo, 3X0, com dois gols de Ademir e um de Chico. No 2º tempo, Ademir fez mais dois gols, e a Suécia descontou, com Andersson, de pênalti. No final, Maneca e Chico marcaram e o placar terminou com um categórico 7X1 para o Brasil. Uma goleada indiscutível, com uma grande atuação, que trouxe otimismo aos jogadores e torcedores brasileiros. O único brasileiro triste foi Maneca, que estava jogando como ponteiro direito, sofreu uma distensão e, com isso, ficou de fora das duas últimas partidas do Brasil na Copa, sendo substituído por Friaça.

46) Nesse jogo, o centroavante brasileiro Ademir se tornou o segundo jogador na história das Copas a marcar quatro gols em um só jogo, e o primeiro a conseguir isto sem a prorrogação. De 1930 a, pelo menos, 2018, apenas seis jogadores conseguiram marcar quatro gols em um jogo de Copa e um marcou cinco (trata-se do russo Salenko, no jogo Rússia 6X1 Camarões, de 1994).

47) Nos jogos do Brasil contra a Iugoslávia e a Suécia, o técnico Flávio Costa escalou a seleção que considerava a ideal naquele momento: Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. O versátil Maneca ocupou bem a posição que era do ponteiro direito Tesourinha, que não jogou a Copa porque estava contundido. O Uruguai, contra o Brasil, também jogou com um desfalque — o ponteiro esquerdo Vidal se contundiu e não se recuperou a tempo, e em seu lugar entrou o jovem Morán, muito menos experiente.

48) O goleiro sueco Kalle Svensson defendeu sua seleção nas Copas de 1950 (3º lugar) e 1958 (vice-campeão). Mesmo estes bons resultados não o impediram de ficar com um recorde negativo: em duas partidas contra o Brasil, em Mundiais, ele sofreu 12 gols, nas derrotas suecas por 7X1 em 1950 e por 5X2, na final de 1958.

49) Quatro dias depois, no Pacaembu, Uruguai e Suécia fizeram outra grande partida. A Suécia se reergueu após a goleada sofrida contra o Brasil e deu muito trabalho ao Uruguai. O sueco Palmer abriu o placar aos quatro minutos do 1º tempo. Ghiggia empatou para o Uruguai aos 39, e Sundqvist fez 2X1 para a Suécia um minuto depois. Pela segunda vez seguida, o Uruguai foi para o intervalo perdendo por 2X1. E este resultado persistiu até os 32 do 2º tempo, quando o centroavante Míguez empatou para o Uruguai. E, aos 39, faltando apenas seis minutos para o fim do jogo, o mesmo Míguez fez o gol da vitória celeste por 3X2. Este gol seria fundamental para a conquista uruguaia da Copa três dias depois. Os gols de Míguez foram obtidos com passes do ótimo meio campista uruguaio Júlio Perez.

50) Simultaneamente ao confronto Uruguai X Suécia, o Brasil fez sua partida mais brilhante na Copa, contra a Espanha, no Maracanã, diante de mais de 152 mil pagantes e torcedores. No 1º tempo, assim como contra a Suécia, 3X0 para o Brasil, com gols de Ademir, Jair e Chico. No 2º tempo, seguiu a goleada, com gols de Chico, Ademir e Zizinho. O espanhol Igoa descontou aos 26 minutos do segundo tempo com um belo gol, quando já estava 6X0. É muito conhecida a história de que, no 2º tempo deste jogo, quando já ocorria uma goleada, milhares de torcedores brasileiros, acenando lenços, cantaram a marchinha “Touradas em Madri”, em alusão ao baile que o Brasil estava dando em campo. Esta música foi composta por João de Barro e Alberto Ribeiro e lançada inicialmente em 1937 pelo cantor Almirante, para o Carnaval de 1938.

51) No 1º tempo, no gol do Brasil contra a Espanha, Ademir chutou de fora da área e a bola desviou no zagueiro espanhol Parra, ficando fora de alcance do goleiro Ramallets. Várias fontes indicam este gol como de Ademir, e outras como gol contra de Parra. O site da FIFA com a ficha técnica deste jogo, atualmente (2020), indica o autor deste gol como “indefinido”. Este texto está considerando Ademir como o autor do gol.

52) Caso o jogo Uruguai X Suécia tivesse terminado 2X2 (placar que ocorria até os 39 do segundo tempo), mesmo se vencesse o Brasil no domingo seguinte, o Uruguai não seria campeão do mundo, mas sim empataria em número de pontos com a Seleção Brasileira e forçaria um jogo extra contra a mesma pela decisão do título. A vitória contra a Suécia fez o Uruguai ficar com três pontos, e o Brasil tinha quatro. Desta forma, uma vitória simples uruguaia levaria sua seleção a cinco pontos e ao título.

53) Na rodada final, somente Brasil e Uruguai poderiam ser campeões. Desta forma, por coincidência, este jogo acabou sendo tratado como uma final, embora não fosse uma propriamente dita. Era, de fato, a partida que definiria a Copa, mas o Brasil levava a vantagem do empate (o que não ocorre numa final normal), pois tinha melhor campanha que o Uruguai na segunda fase. O jogo Brasil X Uruguai foi tão marcante e histórico, que já se afirmou que “a única Copa que não teve uma final propriamente dita foi a que teve a melhor final”.

54) Enquanto Brasil e Uruguai jogavam no Maracanã, cerca de 11.200 pessoas pagaram ingresso para assistir, no Pacaembu, ao confronto entre Suécia e Espanha, que acabou valendo como uma disputa do terceiro lugar. No final, a Suécia venceu por 3X1 e terminou a Copa em 3º lugar. Para a Espanha, em 4º lugar, valeu a melhor colocação em Copas até 2010, quando foi a campeã.

55) Depois das goleadas sobre Suécia e Espanha, o Brasil era o favorito absoluto ao título e se esperava uma vitória categórica sobre o Uruguai, embora a necessidade fosse somente do empate. O 1º tempo da decisão, porém, foi equilibrado e, conforme esperado, tenso, e terminou 0X0. Logo a cerca de um minuto e meio do 2º tempo, Friaça, o ponteiro direito brasileiro, marcou o primeiro gol - foi seu único gol pela Seleção Brasileira, em 12 jogos. A festa da torcida foi imensa. Friaça fez algo absolutamente único: um gol pela Seleção Brasileira, no Maracanã lotado, numa decisão de Copa do Mundo.

16 de julho de 1950. O Brasil enfrenta o Uruguai diante da maior torcida já registrada em um evento esportivo, com a mesma equipe que havia goleado a Espanha, três dias antes. Da esquerda para a direita, em pé: Barbosa, Augusto, Juvenal, Bauer, Danilo e Bigode; sentado e cortado na foto: Johnson (massagista); agachados: Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico e o massagista Mário Américo. À frente de Ademir, está o menino Orlando Loureiro, filho do barbeiro do Vasco. Foto: Direitos Reservados. Fonte: MORAES NETO, Geneton. Dossiê 50: os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 18. Informação sobre o nome do menino que aparece na foto: PERDIGÃO, Paulo. Anatomia de uma derrota. Porto Alegre: L&PM, 2000. p. 262.

56) Mas quando o gol brasileiro saiu, já era tarde demais para o Uruguai se abater. A equipe, que era competitiva e experiente, já havia ficado atrás no placar contra Espanha e Suécia, e seguiu acreditando. Aos 21 minutos, o ponteiro direito Ghiggia, que era muito rápido e estava em um dia muito inspirado, cruzou a bola para Schiaffino, que acertou um belo chute e empatou o jogo. A surpresa da torcida foi geral — ninguém esperava sofrer o empate.

57) O empate, inesperado, ainda dava o título ao Brasil. Mas o pior, para os brasileiros, ainda estava por vir. Aos 34 minutos, Ghiggia, no dia mais importante de sua carreira, recebeu uma bola de Júlio Perez em profundidade, conseguiu correr mais que o defensor esquerdo Bigode, entrou na área e, ao invés de cruzar para o meio, como havia feito no primeiro gol uruguaio, chutou forte e rasteiro no canto esquerdo do goleiro Barbosa, que não conseguiu defender. O Uruguai havia acabado de virar o jogo para 2X1. O zagueiro Juvenal veio na cobertura de Bigode e por muito pouco não conseguiu interceptar o chute de Ghiggia.

58) Quando o Uruguai marcou o segundo gol, um choque tomou conta do estádio superlotado. Ninguém acreditava naquele resultado. Nem Jules Rimet, o presidente da FIFA, que estava no Maracanã, mas não viu o gol de Ghiggia. Entre sair da tribuna de honra, caminhar pelos corredores e chegar ao gramado para entregar o troféu, o campeão mudou. Eram os uruguaios, pela segunda vez. Este jogo ficou conhecido como “Maracanazo”.

59) Quase 40 anos depois Ghiggia resumiu o seu feito em uma frase: “Apenas três pessoas, com um único gesto, calaram o Maracanã com 200 mil pessoas: Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu”. Aliás, em 12 partidas pela Celeste Olímpica, entre 1950 e 1952, ele marcou quatro gols, todos na Copa de 1950, um em cada partida do Uruguai. Ele e o brasileiro Jairzinho (em 1970) são os únicos campeões que marcaram pelo menos um gol em todos os jogos de sua seleção no Mundial. Depois Ghiggia foi jogar na Itália, naturalizou-se e jogou cinco vezes pela Azzurra, entre 1957 e 1959, marcando um gol. O mesmo ocorreu com o autor do gol de empate em 1950, o meia Schiaffino, que fez quatro jogos pela Itália, entre 1954 e 1958.

60) O jogo Brasil X Uruguai foi um dos maiores e mais marcantes da história do futebol. A começar pelo público de 173.850 pagantes, o maior público oficial de todas as Copas. Porém, como portões do Maracanã foram arrombados naquele dia, estima-se que havia mais de 200 mil pessoas no estádio, o que torna esta partida a que recebeu o maior público ao vivo na história do futebol. Ainda mais — foi o maior público ao vivo de uma competição esportiva de que se tem notícia em um estádio.

Num lance de perigo do Brasil no 1º tempo contra o Uruguai, Chico, marcado por Tejera e Gambetta, chuta uma bola que passa perto do gol de Máspoli. A imagem mostra o quanto o Maracanã estava lotado neste dia. Foto: Direitos Reservados. Fonte: BADDIEL, I. Ultimate Football — 3. ed. Londres: Dorling Kindersley Book (DK), 2002, p. 1.

61) Um fato que deu força ao Uruguai contra o Brasil foi o considerável número de manchetes de jornais extremamente otimistas nos dias anteriores ao jogo, que davam o título brasileiro como certo antes da hora e mexeram com os brios da Celeste Olímpica. A capa mais emblemática foi a do jornal O Mundo, da véspera do jogo, 15 de julho de 1950, em que aparece uma foto dos jogadores brasileiros abaixo da frase “Estes são os Campeões do Mundo”. Consta que o capitão uruguaio, Obdulio Varela, comprou vários exemplares deste jornal e o distribuiu aos seus companheiros, para estimulá-los para a partida. Um exemplar desta capa se encontra até hoje no Museu do Futebol Uruguaio, que fica no Estádio Centenário, na capital do país, Montevidéu.

62) O árbitro da partida entre Brasil e Uruguai, o inglês George Reader, tinha 53 anos e se tornou o árbitro mais velho a apitar uma partida de Copa. Não há restrições sérias em relação ao seu trabalho de árbitro neste jogo.

63) O artilheiro da Copa foi o brasileiro Ademir de Menezes, que marcou nove gols. Ademir é o jogador brasileiro que mais fez gols em um só Mundial. Lembrando que consideramos que o centroavante marcou dois gols na Espanha (item 51). A propósito, o Brasil marcou um total de 22 gols na Copa de 1950, a maior marca da Seleção Brasileira em Copas até hoje. Considerando todas as seleções somente Hungria de 1954 (27 gols), Alemanha Ocidental (25 gols), também de 1954 e França em 1958 (23 gols) a superaram.

64) A derrota do Brasil para o Uruguai, em casa, na Copa de 1950, foi tão grande, tão inesperada, que fez até o Brasil mudar a cor do seu uniforme, que era branco desde seu primeiro jogo oficial em 1914, para amarelo com calções azuis. O novo uniforme passou a ser utilizado pelo Brasil a partir do jogo Chile 0X2 Brasil, de 28 de fevereiro de 1954.

65) No Maracanã, que imediatamente se tornou a casa oficial da Seleção Brasileira, o Brasil fez 113 jogos entre 1950 e julho de 2020, sendo 106 contra seleções e sete contra clubes ou combinados. Contra seleções, o Brasil conquistou 76 vitórias, 23 empates e apenas sete derrotas — duas contra a Argentina, uma contra Tchecoslováquia, México, União Soviética, Inglaterra e a de 1950, inesquecível, contra o Uruguai. A propósito, após 1950, o Brasil enfrentou o Uruguai por sete vezes no estádio, com seis vitórias e um empate. Quanto ao Maracanã, porém, nos últimos 30 anos, o Brasil fez apenas dez partidas no estádio, o que indica que, de certa forma, ele infelizmente deixou de ser utilizado como casa da seleção neste período, salvo em momentos muito específicos. Com relação ao Uruguai, o Brasil só perdeu mais uma vez em casa num amistoso em Campina Grande (PB) em 1992 — derrota, por coincidência, de virada, por 2X1.

66) Os onze brasileiros que jogaram contra o Uruguai tinham idade próxima. Augusto, o capitão da seleção, era o mais velho (30 anos), e Bauer, o mais novo (25 anos). Os uruguaios, por sua vez, tinham grande variação de idade. Gambetta, o mais velho, tinha 34 anos, e Morán, o mais novo, apenas 19. Dos 11 atletas brasileiros que jogaram contra o Uruguai, quatro deles nunca mais jogaram pela seleção: Augusto, Juvenal, Bigode e Chico. Apenas Bauer voltaria a uma Copa do Mundo, a seguinte em 1954. A propósito, quatro anos depois do 16 de julho de 1950 o único dos brasileiros que havia encerrado a carreira era Chico, em 1953. Vale reforçar que, apesar de sete dos onze jogadores terem retornado à seleção após 1950, a maioria deles teve poucas oportunidades: Barbosa só fez mais uma partida, em 1953; Danilo, mais cinco partidas, em 1953; Friaça, mais duas, em 1952, e Jair, mais duas, em 1956.

67) Atuar numa decisão de Copa do Mundo diante de 200 mil pessoas é algo único e, provavelmente, irrepetível. Os 22 jogadores que atuaram nesta partida ficaram muito marcados por terem participado deste momento histórico. Todos, infelizmente, são falecidos. O primeiro a morrer foi justamente o mais novo dos 22: o uruguaio Morán, em 1978. O último foi o mais famoso deles, o autor do gol do título uruguaio, Alcides Edgardo Ghiggia, em 2015.

O Uruguai, campeão mundial de 1950. Da esquerda para a direita, em pé: Obdulio Varela, Juan López (técnico), Tejera, Romeo Vásquez (preparador físico), Carlos Alate (massagista), Gambetta, Matías González, Máspoli, Rodríguez Andrade e um dirigente uruguaio. Agachados: Juan Kischberg (massagista), Ghiggia, Júlio Perez, Míguez, Schiaffino, Morán e o massagista Ernesto Fígoli. Fonte: LANCELLOTTI, Silvio. Espanha 82: o Brasil e as Copas do Mundo. São Paulo: Caminho Editorial; Isto É, 1982. p. 35. Dados da legenda obtidos de MOURA, Gisele A. O Rio corre para o Maracanã. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. Caderno de fotos, p. 10.

68) Existem ótimos livros que tratam, do início ao fim, especificamente da Copa de 1950. Seguem apenas alguns deles: “Anatomia de uma Derrota”, de Paulo Perdigão, um clássico, o primeiro livro a se debruçar sobre o tema; “Dossiê 50”, do jornalista Geneton Moraes Neto, que, na década de 1980, entrevistou um a um os 11 jogadores e o treinador que participaram da decisão da Copa; “Maracanazo: a história secreta”, do jornalista uruguaio Atilio Garrido, e que conta a versão dos triunfantes uruguaios; “Maracanazo”, de Teixeira Heizer; “A Copa do Mundo de 1950: a maior tragédia do futebol brasileiro”, de Francisco Michielin; “1950 o preço de uma Copa”, de Beatriz Farrugia, Diego Salgado, Gustavo Zucchi e Murilo Ximenes, que comentam os impactos financeiros e administrativos da Copa, no Brasil de 1950.

Há vários outros livros, brasileiros e estrangeiros, sobre esta Copa. Dois exemplos são os livros “Maracanã: os Labirintos do Caráter”, de Franklin Morales, e “Lo de Brasil fue así”, de Pedro Escartin”. Outra ótima referência sobre o tema é a revista Placar, especificamente a coleção escrita por Max Gehringer, “A Saga da Jules Rimet”, e publicada em 2006, cujo fascículo 4 aborda a Copa de 1950.

69) Quanto aos filmes, infelizmente não há nenhum jogo completo disponível em vídeo, pelo que se sabe. O que há é a gravação da narração completa de algumas partidas por emissoras de rádio. Há alguns minutos de vídeo de algumas partidas e os gols de muitas delas, com imagem longe da ideal. O cineasta Milton Rodrigues filmou a Copa, mas seu filme foi queimado em um incêndio poucos anos depois do Mundial. Merecem destaque, entre outros belos trabalhos, um filme espanhol da época com imagens dos jogos, um programa “Globo Repórter” de 1980, quando a Copa completou 30 anos, e um filme uruguaio chamado “Maracanã, O Filme”, dirigido por Sebastián Bednarik e Andrés Varela.

70) Desde 2008 o Estádio do Pacaembu abriga embaixo de suas arquibancadas o Museu do Futebol. Lá o Maracanazo foi perpetuado na Sala Rito de Passagem que exibe um filme de 1 minuto e meio, com locução de Arnaldo Antunes, que mostra imagens da final da Copa de 1950, a expectativa da torcida brasileira, os gols e o silêncio. Mas não se trata de masoquismo. A ideia da sala é mostrar como a derrota faz parte do futebol, e as lições aprendidas possibilitaram à Seleção Brasileira de 1950 reinventar-se como a Seleção Brasileira pentacampeã do mundo. Só aprende a ganhar quem sabe o que é perder.

Foto: Museu do Futebol | Direitos Reservados.

Para a eternidade

Quanto aos jogadores brasileiros de 1950, todos ficaram, alguns mais, outros menos, marcados pela derrota em um momento tão decisivo e importante, em especial o goleiro Barbosa, o médio esquerdo Bigode e o zagueiro Juvenal. Na verdade, todos os onze eram grandes jogadores e tiveram carreiras vitoriosas e com muito destaque, em especial Zizinho, Ademir e Jair, três dos maiores craques que o Brasil já teve.

Os uruguaios, como não poderia deixar de ser, recordam o dia 16 de julho de 1950 com nostalgia até hoje. E com grande admiração pelos heróis uruguaios, campeões mundiais com justiça e com muito suor na fase final da Copa. Eles também têm grande consideração pelos jogadores e pela torcida brasileira, que assistiu com muito respeito a uma derrota tão sofrida em casa. E muitos torcedores, mesmo muito tristes, ainda aplaudiram os uruguaios ao final, mostrando que sabiam perder.

Os onze jogadores que atuaram pelo Brasil neste dia perderam, mas perderam de uma grande seleção e com muita luta, jogando de forma leal, honrando a camisa e sabendo que nem sempre se pode ganhar. Este texto é uma modesta e breve homenagem a Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico, que representaram muito bem e com muita dignidade as cores do Brasil e merecem todo o nosso respeito e admiração.

Os jogadores brasileiros, no mesmo Maracanã, tiram uma foto histórica, trinta anos depois de 1950. Em pé: Barbosa, Augusto, Danilo, Juvenal, Bauer e Bigode. Agachados: Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico e o massagista Mário Américo. Foto: Luigi Mamprim. Fonte: MORAES NETO, Geneton. Dossiê 50: os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 21.
Ghiggia, Ademir, o técnico uruguaio Juan López e Barbosa, 30 anos depois, no Maracanã. Respeito e amizade entre os adversários da decisão de 1950. Foto: Ignácio Ferreira. Fonte: Revista Placar, n. 533, 18 jul. 1980. p. 40.

Referências:

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GEHRINGER, Max. A Copa de 1950 além da final. Apresentação ao Grupo Literatura e Memória do Futebol (MEMOFUT). São Paulo, 2012.

GEHRINGER, Max. A grande história dos Mundiais: 1950, 1954, 1958. E-book: e-galaxia, 2014.

GEHRINGER, Max. A saga da Jules Rimet: a história das Copas de 1930 a 1970 — fascículo 4. São Paulo: Placar, 2006.

GEHRINGER, Max. O lado B da Copa de 1950. Apresentação ao Grupo Literatura e Memória do Futebol (MEMOFUT). São Paulo: 2018.

GINI, Paulo; RODRIGUES, Rodolfo. A história das camisas de todos os jogos das Copas do Mundo. São Paulo: Panda Books, 2010.

LANCELLOTTI, Silvio. Espanha 82: o Brasil e as Copas do Mundo — Publicado em fascículo pela Revista IstoÉ. São Paulo: Caminho Editorial, 1982.

MANTZ, G. South American football international line-ups and statistics, v.3. Inglaterra: Soccer Books Limited, 2014.

MORAES NETO, Geneton. Dossiê 50: os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

PERDIGÃO, Paulo. Anatomia de uma derrota: 16 de julho de 1950: Brasil x Uruguai — Edição revista e ampliada. Porto Alegre: L&PM Editores, 2000.

SANTIAGO JR., José Renato Sátiro; CARVALHO, Gustavo Longhi. Copas do Mundo: das eliminatórias ao título. São Paulo: Novera, 2006.

SOTER, Ivan. Enciclopédia da Seleção: 100 anos de Seleção Brasileira de futebol. Rio de Janeiro: Folha Seca, 2015.

SOTER, Ivan;. et. al. Todos os jogos do Brasil. São Paulo: Abril, 2006.

AUTORIA

Gustavo Longhi de Carvalho é jornalista, pesquisador, professor universitário, engenheiro e integrante do MEMOFUT — Grupo Literatura e Memória do Futebol.

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