Os signos de Joan Miró — um pouco da admiração pelo artista catalão

Bruno Oliveira
Reflexões
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4 min readJun 8, 2020

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O pintor catalão é um dos meus preferidos e sempre quando o apresento para alguém (principalmente através de seus quadros), sempre vem aquele comentário: “Ah, mas isso parece um desenho de uma criança da 1° série”. Como diriam os críticos, “se há uma sensação de cliché no efeito de recepção da obra de Miró, isso resulta de quem vê — o artista não tem culpa”. Até entendo o pensamento, a uma primeira vista parece um desenho desconexo — mas se olharmos mais profundamente conseguimos captar a mensagem e as ideias por trás do quadro, é preciso interpretar os signos de Miró.

Miró e suas pinturas de “criança da 1° série”

E minha admiração por Miró surgiu quando eu fui em uma exposição sua (no MUBA, 2018) e lá todos esses desenhos começaram a fazer sentido, um sentido que ao analisar uma obra separada talvez não fosse possível entender, mas dentro daquele contexto de obras de toda a sua vida foi possível identificar a ideologia por trás. Pintar é um ato de traduzir, de transformar uma realidade percebida e tridimensional para uma representação em um canvas bidimensional (com um toque poético de cada artista). Miró atribuía, para cada elemento da realidade um símbolo, uma “tradução poética”, um signo que se repete em cada um de seus quadros. O signo é muito mais metáfora do que imagem. Esses signos eram inseridos dentro de um vazio, e essa combinação entre vazio e signos é o que define esteticamente a obra de Joan Miró.

Nas minhas imagens existem pequenas formas em vastos espaços vazios. Espaço vazio, horizontes vazios, planícies vazias, tudo o que é vazio sempre me impressionou — Miró

Signos inseridos em um vazio: seriam estrelas, mulheres, pássaros …

E os signos não são absolutos. Um mesmo signo pode ser um pássaro, um cometa, uma estrela… tudo varia de acordo com o contexto e com o vazio em que ele é colocado. Isso causa uma metamorfose da realidade, especialmente o ser humano — uma forma de mostrar o progressismo e a presentação da mudança contínua em nossas vidas.

“La Fornarina” [1518–1519] por Rafael Sanzio
“La Fornarina (segundo Rafael)” [1929] por Joan Miró (aplicando a metamorfose)

Para Miró, a arte precede o significado — a pintura nasce das pinceladas, e os significados nascem depois. E isso não implica em arte pela arte, mas de emergir o sentimento do seu tempo (zeitgeist) e trabalhá-lo em seus quadros. Joan Miró tentava retratar sua realidade social e política, especialmente durante a Guerra Civil Espanhola (muito embora ele sempre me pareceu avesso a política). Mas é claro que, antes de tudo, Miró estava tentando testar os limites da arte.

The Reaper (também conhecido como Catalan peasant in revolt) é uma das principais obras políticas de Miró durante a Guerra Civil espanhola

Uma forma sugere-me uma ideia, essa ideia evoca outra forma e tudo culmina em figuras, animais, e objetos que não tinha como prever antecipadamente. — Miró

Mural do Sol e da Lua, na UNESCO

Miró busca, através da simplicidade e do minimalismo, um novo nível de sofisticação, algo visceral. A partir do momento em que tudo que é acessório é posto de lá, a verdadeira essência das coisas é revelada (algo muito parecido com as ideias do De Stijl). Seu legado revela um lado poético, cru e sensível sobre sua maneira de observar o mundo e o cotidiano, endeusando a figura da mulher, esta representada propositalmente sem traços específicos, e fazendo com que elementos da natureza estivessem sempre presentes, criando uma ligação direta com os céus. Miró trazia o espiritual para suas obras, muito por causa da influência que a Santeria (Cuba)e o Voodoo (Haiti) tem em sua vida. Sua obra trazia bem as características catalãs, o senso de orgulho e pertencimento daquele povo, especialmente nos seus quadros monocromáticos e abuso das cores primárias.

Sinto a necessidade de alcançar o máximo de intensidade com o mínimo de meios […] A minha tendência para o despojamento e simplificação tem sido praticada em três campos: modelagem, cor e figuração das personagens — Miró

O Carnaval de Arlequim — talvez a mais famosa das obras de Miró

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Bruno Oliveira
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Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.