Por Memória Globo

Estevam Avellar/Globo

Os marcantes olhos azuis expressaram desde a docilidade do pai de uma menina, reencarnação de Buda, até o sentimento patológico de um psicopata quando avista sua vítima. Transitando com destreza por papéis muito diferentes entre si, Bruno Gagliasso se destaca pelo envolvimento profundo com seus personagens, que transparece em sua atuação. Ator desde criança, ele acredita que a agitação e a vontade de enfrentar novos desafios é essencial na carreira artística:

A gente precisa ficar nervoso. O ator não pode se acomodar. Precisa ser desafiado, sair da zona de conforto. Isso é o que me move. O dia em que eu parar de ficar nervoso, tenso, preocupado, posso deixar de ser ator.

— Foto: Globo

Início da carreira

Bruno Gagliasso conheceu cedo o universo da dramaturgia. Aos sete anos, fez sua primeira aparição na tela da Globo em uma participação na novela 'Barriga de Aluguel'. “Eu era muito levado e a minha mãe, antes de trabalhar com restaurante, era publicitária, e vendia comercial para a Globo. Em uma dessas, ela me levou numa gravação, que era onde eu ficava quieto porque eu gostava de prestar atenção. Acabei fazendo uma participação em 'Barriga de Aluguel'. Por coincidência, uma novela da Gloria Perez, que é uma autora que eu chamo de minha mãe da TV”, conta.

Aos quinze anos, Bruno voltou à Globo. Dessa vez, para fazer participações no programa 'Você Decide', no seriado 'Mulher' e em 'Malhação'. Aos 17 anos, já formado em teatro, foi convidado a atuar na novela argentina Chiquititas, exibida pelo SBT. O contrato com a Globo foi assinado dois anos depois e contou com uma ajudinha especial de uma prima que já vislumbrava o potencial do ator.

“Minha prima Juliana Pedrosa teve um papel muito importante na minha carreira, porque eu não tinha grana para ir para São Paulo fazer o teste para Chiquititas e foi ela quem bancou minha ida. A minha entrada na Globo também devo muito a ela porque, um dia, ela deu para o Jorginho Fernando, que ia dirigir As Filhas da Mãe, uma foto minha e falou: ‘Olha, meu primo é ator, está fazendo Chiquititas, e é seu fã, louco para trabalhar com você.’ E, mais tarde, quando soube que ia fazer a novela, eu estava com ela também. Antes do Jorginho me telefonar convidando, quem me contou que eu ia fazer a novela foi a [atriz] Cláudia Jimenez. A gente encontrou Cláudia no shopping, e minha prima conhecia ela. Aí, ela falou: ‘Pô, você vai fazer a novela, né?’ Aí, eu: ‘Que novela?’ ‘A do Jorginho Fernando. Eu vi sua foto lá’”.

'As Filhas da Mãe'

Seu primeiro papel de destaque foi na novela 'As Filhas da Mãe', interpretando o personagem José. Nesse momento, aos 19 anos, Bruno teve a certeza de que havia escolhido a carreira certa. “Foi aí que eu me apaixonei, de fato, por fazer televisão. Eu vi que era sério, e eu não parei mais. Foi uma atrás da outra, foi estudar cada vez mais, tudo que eu não fiz na escola comecei a fazer: estudar”.

'A Casa das Sete Mulheres'

Em 2003, Bruno estreou em sua primeira minissérie, 'A Casa das Sete Mulheres'. Fazia o personagem Caetano, um rapaz corajoso, filho de Bento Gonçalves. “Apesar de dar muito trabalho, eu achava lindas aquelas cenas de batalha. A cena da primeira transa do personagem também foi muito bonitinha, com a menina que trabalhava para ele. A luz era linda. O Jayme [Monjardim, diretor] tem uma coisa com a luz que é muito bacana”.

'Celebridade'

Em seguida, veio 'Celebridade', novela de Gilberto Braga. Para conseguir o papel de Inácio, Bruno teve que enfrentar um teste, mas o resultado foi tão bom que provocou a necessidade de mudança na caracterização da atriz Deborah Evelyn, que faria sua mãe. A atriz teve que usar lentes azuis para dar verossimilhança à história.

“Lembro que eu fui o último a fazer o teste, que era para ser filho da Deborah Evelyn e do Marcos Palmeira. Só tinha gente de cabelo encaracolado, morena, olhos escuros, e eu era o único de cabelos lisos e de olhos claros e pele clara. Eu falei: ‘O que eu estou fazendo aqui?’ Mas eu estava com tanta vontade de fazer aquele personagem, tanta garra, tanto tesão, que eu falei: ‘Eu vou fazer.’ Eu me emocionei pra caramba nesse teste, porque o personagem perdia o irmão em um acidente e ficava catatônico. A mãe o acusava da morte do irmão, o chamava de assassino, e a namorada sentia compaixão pela situação, e ele se culpava por esse acidente e pela história dele. Lembro quando acabou o teste, eu vi os olhos dos câmeras marejados, e eles fizeram sinal de positivo pra mim. O Dennis [Carvalho, diretor] saiu, e me abraçou, e eu falei: ‘Pô, e aí?’ E ele: ‘Está com o passaporte em dia?’ Eu falei: ‘Por quê?’ Aí, ele: ‘Porque eu acho que a gente vai para Paris e para Londres’. Foi a minha primeira grande novela, com um grande personagem”.

Uma sucessão de papéis importantes solidificou a carreira do ator. O Júnior, de 'América', um rapaz que se descobre homossexual, foi construído com cuidado, de forma a não reforçar estereótipos.

Confira fotos de alguns personagens interpretados por Bruno Gagliasso:

12 fotos
Galeria de Personagens: Bruno Gagliasso

Em 'Sinhá Moça', Bruno se divertiu com seu personagem Ricardo, um veterinário caipira que ganhou a simpatia do público. “O personagem era carismático. Ele falava com os bichos, dava nome para os cavalos, tinha um cavalo, que era o Caramelo, que era o xodó dele. O Benedito Ruy Barbosa mudou o final da novela de tão carismático que o personagem ficou. Peguei uma paixão por esse personagem que eu guardo até hoje no meu coração”, conta.

No ano seguinte, em 2007, Bruno entrava no ar em 'Paraíso Tropical', com o personagem Ivan. “Ele era um rato de praia que só queria se dar bem. O personagem foi ganhando vida e acabou virando o segredo da novela toda. Teve uma cena, para mim memorável, que desvenda tudo, que eu descubro que era filho do Tony [Ramos], eu mato meu irmão, que era o Wagner [Moura], e na cena em que eu mato ele, ele me mata, o Tony chega e fecha meu olho. Uma cena linda”.

Paraíso Tropical: Final de Olavo

Paraíso Tropical: Final de Olavo

'Caminho das Índias'

Em 2009, a convite de Gloria Perez, Bruno deu vida a Tarso, em 'Caminho das Índias'. Na novela, que ganhou o Emmy Internacional, Tarso é um garoto tipicamente normal, de família rica, que começa a apresentar sintomas de esquizofrenia. “Esse trabalho foi muito forte pra mim. É um assunto que me emociona até hoje. Eu tenho o maior orgulho de ter feito essa novela. Porque qualquer um pode passar um dia por isso e a novela mostra esse problema familiar, mostra que uma pessoa rica pode passar e o pobre passa também. E, por incrível que pareça, o rico tem muito dificuldade de lidar com essa situação que o pobre. E é muito chocante, porque é real, e eu estudei e vi isso de perto. A Gloria sabe mostrar isso muito bem, ela é uma gênia, é impressionante. A novela conseguiu retratar exatamente isso.

”A trama de Tarso comoveu o público e colocou na pauta do país o tema da doença mental. Bruno manteve um blog, no qual conversava diretamente com o público. Ele via a importância em manter o diálogo com famílias que o procuravam para agradecer pela abordagem e para oferecer mais informações sobre o assunto. “Acho que informar é um dos papéis da arte e minha função como ator é essa também, a de dialogar com a sociedade. Se eu sou ator é também por causa disso, mais ainda, acho que 80% da minha função como ator é essa. Não é só entreter, é como ser humano. Na maioria dos meus personagens, eu busco isso. Se eu posso, de alguma maneira, contribuir, por que não?”

Caminho das Índias: Tarso tem uma crise

Caminho das Índias: Tarso tem uma crise

Humor, vilania e delicadeza

Na trama seguinte, 'Passione' (2009), Bruno explorou novas possibilidades de personagens. Para interpretar o divertido bon vivant Berillo Rondelli, casado com duas mulheres, o ator engordou e desenvolveu sotaque italiano. No ano seguinte, já incorporava o vilão Timóteo, de 'Cordel Encantado'.

“[Cordel Encantado] Foi maravilhoso, genial, incrível. Havia uma grande parceria com a Amora [Mautner, diretora], com a Thelma Guedes e a Duca [Rachid], minhas grandes autoras. Eu me diverti horrores, a gente criava o tempo inteiro, era criatividade à flor da pele, energia, prazer. E quando prazer e criatividade estão conectados, só vem coisa boa, tudo flui. No Cordel Encantado foi isso. Tudo deu certo, tudo se encaixou, nada era fora do lugar. Tudo aconteceu como tinha que acontecer. O figurino era bom, a trilha era boa, a direção era fenomenal, a Thelma e a Duca estavam inspiradas. Com certeza, foi uma das novelas mais prazerosas e mais lindas que eu já fiz e já vi em toda a minha vida”.

Em 2013, no papel de Franz, em 'Joia Rara', Bruno repetiu a parceria com as autoras Thelma Guedes e Duca Rachid e com os diretores Amora Mautner e Ricardo Waddington. Foi a segunda participação de Bruno em uma produção que conquistou o Emmy Internacional. “O Franz era filho do capitalismo, o pai dele era um baita capitalista, e ele se apaixona por uma filha do comunismo. O pai dele acha esse amor um absurdo. Então, eles têm esse amor proibido e o fruto que nasce desse amor é uma menina maravilhosa, linda, que é a reencarnação de um Buda. A novela é um Romeu e Julieta, tratando do comunismo e do capitalismo. É uma novela muito bonita, que eu tenho também o maior orgulho de ter feito”.

Construção da dupla identidade

Para conseguir o papel do psicopata Edu, do seriado 'Dupla Identidade', Bruno Gagliasso teve que batalhar para convencer a autora e diretor de que seria capaz de fazer o personagem. Gloria Perez imaginava um ator mais velho interpretando o personagem que havia criado. O diretor, Mauro Mendonça Filho, tinha a mesma opinião. “Eu liguei para o Maurinho: ‘A gente não se conhece, mas sou seu fã, quero fazer’, e ele: ‘Bruno, pensei em alguém maior, mais velho’, eu falei: ‘O cara é um psicopata, não precisa ser forte, basta ter inteligência…’ Ele marcou um teste. Quando cheguei lá, ele perguntou pelo texto. Eu não tinha decorado porque não tive tempo, mas eu tinha lido muita coisa porque como eu gosto do assunto, tinha estudado. E a gente ficou falando do personagem umas duas horas, e a gente se deu muito bem no teste. Depois, a Gloria [Perez] me ligou: ‘Vem para cá que o personagem é seu’”.

A preparação para interpretar o psicopata Edu foi intensa. Foram dois meses de trabalho com o preparador de atores Sérgio Penna. “A polícia ajudou muito a gente, com entrevistas, e também foi muito importante poder ver os psicopatas quando estão sozinhos, presos nas celas. É um acesso que nós, seres mortais, não temos se não for dessa maneira. É muito forte e me ajudou muito. Não que eu tenha copiado, mas me inspirou. Os pesquisadores e os livros também me ajudaram muito. A Gloria escreve bem, ela faz um estudo profundo. Eu cansei de receber e-mail dela: ‘Lê isso aqui, lê isso aqui.’ Ela pesquisa muita coisa”.

O resultado foi uma interpretação que impressionou o público. Botou em evidência o cuidado do ator com as diversas nuances do personagem, e chamou a atenção, em especial, pelo olhar de Edu ao escolher suas vítimas. ‘A Gloria me mandou uma foto de um felino vendo uma presa. Foi muito natural porque a gente queria chegar lá, mas não queria forçar para não ficar falso. E esse olhar surgiu logo no começo. Eu lembro que quando a gente viu ficou impressionado, porque no vídeo é diferente, com a trilha. Foi o personagem mais difícil que eu fiz na minha vida e, ao mesmo tempo, o personagem da minha vida”.

Bruno Gagliasso em Dupla Identidade, 2014 — Foto: Estevam Avellar/Globo

Após o sucesso no seriado 'Dupla Identidade', o ator retornou às novelas em 'Babilônia' (2015), trama de Ricardo Linhares, interpretando novamente um vilão, o mau caráter Murilo. No ano seguinte, em 'Sol Nascente', trama das 18h, viveu Mario. O personagem cresceu ao lado de Alice Tanaka (Giovanna Antonelli), mas só quando a amiga viaja para passar dois anos fora estudando é que o rapaz se dá conta da paixão que sente. A partir desse momento, faz de tudo para conquistar seu grande amor. Em 2018 trabalhou em 'O Sétimo Guardião', novela das 21h de Aguinaldo Silva. A trama se passa na fictícia cidade de Serro Azul e seu personagem, Gabriel, se torna um dos guardiões responsáveis por proteger uma fonte com propriedades curativas.

FONTE:

Depoimento concedido por Bruno Gagliasso ao Memória Globo, em 29/02/2016.
Mais do memoriaglobo
Talk Show

Programa de entrevistas traz temas variados que navegam entre jornalismo e entretenimento.

'Conversa com Bial' estreia nova temporada - Foto: (Mauricio Fidalgo/Globo)
Projeto Resgate

Novela de Walter Negrão conta a história de quatro amigos condenados injustamente pelo assassinato de uma jovem.

'Despedida de Solteiro' estreia no Globoplay - Foto: (Bazilio Calazans/Globo)
Reality Show

Atração conquistou o público e consolidou novo formato na televisão brasileira.

Relembre momentos marcantes das edições do 'Big Brother Brasil' - Foto: (Manoella Mello/Globo)
Projeto Originalidade

O amor e o ódio entre os primos Helena e Laerte movimentam a trama de Manoel Carlos.

'Em Família' estreia no Globoplay - Foto: (João Miguel Júnior/Globo)
Projeto Fragmentos

Adaptação de romance de Maria José Dupré mostra três fases da vida de Gina (Christiane Torloni), desde a juventude até sua consagração como artista plástica.

Globoplay resgata capítulos de 'Gina', exibida em 1978 - Foto: (Memória Globo)
Minissérie protagonizada por Stênio Garcia

A trama, ambientada entre 1884 e 1906, narrava a biografia de uma das figuras mais polêmicas e emblemáticas do Nordeste brasileiro: padre Cícero Romão Batista.

Os 40 anos da estreia de 'Padre Cícero' - Foto: (Nelson Di Rago/Globo)
Projeto Resgate

O Espigão inovou ao tratar da qualidade de vida e denunciar, com humor, a expansão imobiliária desenfreada.

Exibida há 50 anos, 'O Espigão' chega ao Globoplay  - Foto: (Acervo/Globo)