Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

A elegância e a beleza clássica de Maitê Proença enganam. Elas escondem uma inteligência aguçada e um espírito livre e aventureiro, que não tem medo de se arriscar. Foi a vida que a levou a seguir a carreira de atriz. Depois de anos viajando pela Europa e Ásia, retornou ao Brasil e ingressou no teatro, convidada pelo diretor Antunes Filho. Em pouquíssimo tempo, estrelava na televisão, primeiro na TV Tupi, em 1979, depois, em 1980, na Globo, já como uma das protagonistas na novela 'As Três Marias'. O destino de atriz estava selado, mas Maitê não se contentou com ele. Ao longo da carreira, foi cronista, publicou romances, escreveu e produziu suas próprias peças de teatro. Mais do que atriz, sua trajetória é de uma grande artista. Na emissora, protagonizou novelas e minisséries de sucesso, além participar de diversos programas especiais.  

Um ator que não vai fundo nas suas emoções é um ator amputado do que ele tem de melhor.

Maitê Proença em 'Cara & Coroa', 1995 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

Início da carreira

Maitê Proença Gallo nasceu em São Paulo, no dia 28 de janeiro de 1958, filha de um procurador de Justiça, Augusto Carlos Eduardo da Rocha Monteiro Gallo, e uma professora de filosofia, Margot Proença Gallo. Cresceu em Campinas e estudou por onze anos em uma escola internacional, onde convivia com alunos de diversas nacionalidades. A experiência lhe permitiu aprender línguas e abrir as portas do mundo. Aos 17 anos, mudou-se para Paris, onde fez cursos na prestigiada universidade Sorbonne e chegou a estudar com Étienne Decroux, célebre ator, cujo trabalho corporal baseado na mímica é reconhecido internacionalmente. A França lhe serviu de base para viajar por toda a Europa e também pela Ásia, num período em que o turismo comercial ainda não era desenvolvido como hoje.

Do contexto familiar e das experiências dessa primeira etapa da vida, Maitê levou um sólido arcabouço cultural e pouquíssima intimidade com a televisão. “Na minha casa, não se via televisão. Eu tinha que fugir para assistir”. Curiosamente, sua ascensão dos palcos para as telas foi meteórica.

Em 1978, Maitê Proença retornou ao Brasil e retomou os estudos interrompidos na USP antes de partir para a Europa, enquanto dava aulas de inglês e francês. Em pouco tempo, por intermédio do diretor Antunes Filho, ingressou em um curso de teatro que a catapultou para as telas da televisão. O convite para uma participação em 'Dinheiro Vivo' (1979), na TV Tupi, veio de Mario Prata, e o que deveria se resumir a uma semana, estendeu-se até o fim da novela. Em 1980, estrearia na Globo como uma das protagonistas da novela 'As Três Marias', de Wilson Rocha e Walther Negrão.

As Três Marias (1980): Afonso (João Paulo Adour) deixa Maria da Glória (Maitê Proença)

As Três Marias (1980): Afonso (João Paulo Adour) deixa Maria da Glória (Maitê Proença)

As duas próximas novelas foram de Silvio de Abreu. Primeiro, 'Jogo da Vida' (1981), da qual surgiu a sólida amizade com o diretor Roberto Talma – com quem trabalharia também em 'Um Sonho a Mais' (1985), ' O Sorriso do Lagarto' (1991) e 'A Lua me Disse' (2005) – e, em 1983, 'Guerra dos Sexos'. Sobre esta última, a atriz comenta: “Foi um divisor de águas do que que se podia e não podia fazer; o que não se sabia que o público ia gostar. Descobriu-se que o público gostava de rir. Mas precisou da coragem da equipe, dos atores, dos diretores. Havia uma intuição de gente que estava tentando fazer um produto o mais artístico possível. E havia a nossa entrega… Todo mundo estava fazendo o seu melhor e acreditando numa linguagem nova. A gente estava um pouco descobrindo a pólvora”. O final de sua personagem, Juliana, foi ao melhor estilo musical hollywoodiano, inspirado em Marilyn Monroe: “O Jorginho [Jorge Fernando, diretor] dirigiu magistralmente, porque adorava coreografias. Descíamos eu e Maria Zilda, cada uma por uma lateral de um barco. Era uma grande cena musical com dança, pernas para o ar e todas aquelas coisas típicas. Foi um superfinal”, recorda.

EXSLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc novela - 'Guerra dos Sexos - 1ª versão' (1983)

Webdoc novela - 'Guerra dos Sexos - 1ª versão' (1983)

Dona Beija na Manchete

Depois da novela 'Um Sonho a Mais' (1985), de Daniel Más e Lauro César Muniz, Maitê passou um breve período na Manchete, onde já havia atuado na minissérie 'A Marquesa de Santos' (1984). Protagonizou duas novelas na emissora: 'Dona Beija' (1986) e 'Corpo Santo' (1987). 'Dona Beija', dirigida por Herval Rossano, com quem já havia trabalhado em 'As Três Marias', foi um marco em sua trajetória. A atriz confessa que, até então, ainda não tinha certeza de que queria seguir com a carreira na televisão. “Eu tinha um certo preconceito”, confessa. A personagem, uma cortesã vingativa, conquistou o país com sua coragem e sensualidade e alçou Maitê ao sucesso. Na Manchete, Maitê também apresentou o 'Programa de Domingo'.

De volta à Globo

Em 1987, retornou à Globo para viver a jovem fotógrafa Camila, de 'Sassaricando', novamente de Silvio de Abreu. Na novela seguinte, 'O Salvador da Pátria' (1989), interpretou a professora Clotilde, benfeitora de Sassá Mutema, o personagem de Lima Duarte. “O Lima é tão excepcional como ator que às vezes eu saía do personagem e ficava observando. Ele tinha uma intuição tão afiada para o comportamento humano, uma inteligência a serviço do ator que ele é… Era fabuloso ver aquilo!”, recorda. Daí surgiu uma sólida amizade, temperada por enorme admiração mútua. Em 2005, no quadro Arquivo Confidencial, do programa do Faustão, Lima gravou uma bela homenagem à atriz: “Maitê, se fosse um dramaturgo, a alma seria Eugene O’Neil, o corpo seria Noël Coward. Se ela fosse uma canção, a alma seria 'Catavento', do Guinga, e o corpo seria 'Night and Day', do Cole Porter. Se ela fosse uma bebida, a alma seria absinto, e o corpo seria um Veuve Clicquot Ponsardine”.

'O Salvador da Pátria' (1989): Sassá (Lima Duarte) se declara para Clotilde (Maitê Proença)

'O Salvador da Pátria' (1989): Sassá (Lima Duarte) se declara para Clotilde (Maitê Proença)

Após um breve período longe das telas em função do nascimento da filha, Maria, 1991 foi um ano agitado para Maitê Proença. A atriz deu vida à segunda Helena de Manoel Carlos, na novela 'Felicidade', contracenando com Tony Ramos, no papel de Álvaro. O elenco de peso contribuiu para o sucesso da obra, uma das mais marcantes da faixa das 18h, posteriormente exportada para mais de 20 países.

Maitê Proença e Tatyane Fontinhas em 'Felicidade', 1991 — Foto: Bazilio Calazans/Globo

No mesmo ano, Maitê protagonizou a minissérie 'O Sorriso do Lagarto' – na presença da filha, então com oito meses, que a acompanhou durante as gravações em Paraty. “O Talma [Roberto Talma, diretor] adorava a Maria. Às vezes ele falava: “Bota a Maria na cena”. Há momentos da minissérie em que tem um close de uma criança na igreja por motivo nenhum, só porque ele queria botar aquele close da Maria!”.

Dois anos depois, em 1993, interpretou a Pamela, na minissérie 'Contos de Verão', da autoria de Domingos Oliveira, com quem já havia feito as peças 'As Guerreiras do Amor' (1988), uma adaptação da comédia Lisístrata, do grego Aristófanes, e 'Confissões das Mulheres de Trinta' (1993). Em 1995, foi a vez de 'Cara & Coroa', em que fazia a vilã Heloísa.

Estúdios Globo

'Torre de Babel' (1998), de Silvio de Abreu, foi a primeira novela que Maitê Proença fez nos Estúdios Globo, à época conhecido como Projac. O amor de sua personagem, a tímida Clara, liberta o protagonista Clementino (Tony Ramos) do rancor que motivava sua vingança contra César Toledo (Tarcísio Meira). As gravações nos Estúdios Globo, que reuniam todo o processo de produção e gravação de uma obra em um único lugar, permitiram uma escalada de profissionalização, que impactava a trama. “Havia a possibilidade de fazer o que eles fizeram: que implodir um shopping! A gente fazia com computação gráfica, e tudo isso era possível dentro do novo esquema”, relembra. Em 1999, protagonizou 'Vila Madalena'. Encomendada a Walther Negrão para a audiência paulista, a novela teve as cenas externas gravadas em São Paulo, algumas em estabelecimentos conhecidos da capital. Uma cidade cenográfica nos Estúdios reproduzia uma vila da zona oeste da cidade.

Maitê Proença em 'Vila Madalena', 1999 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

Estreia como autora

Nos anos seguintes, além de participações na novela 'Estrela-Guia' (2001), em que interpretou a mãe da protagonista Cristal, primeiro papel de destaque de Sandy em novelas, em 'A Lua me Disse' (2005), 'Malhação' (2003), 'Três irmãs' (2008) e 'Caminho das Índias' (2009), a atriz estreou como escritora e dramaturga. Em 2005, lançou o livro 'Entre Ossos e a Escrita', com crônicas publicadas em sua coluna semanal na revista Época entre 2003 e 2004. Na sequência, partindo da mesma obra, escreveu a peça 'Achadas e Perdidas' (2006), em que também atuou, dirigida por Roberto Talma. Em 2008, entrou para o ranking de mais vendidos com o romance 'Uma Vida Inventada', uma obra de ficção que flerta com a realidade, atravessando suas memórias pessoais. Com 'As meninas' (2009), peça escrita em parceria com Luiz Carlos Góes, foi premiada pela Associação dos Produtores de Teatro e conquistou a crítica.

José Wilker, Maitê Proença e Erik Marmo em 'Gabriela - 2ª versão', 2012 — Foto: Estevam Avellar/Globo

Seu próximo grande sucesso na televisão foi como Stela, de 'Passione' (2010). A sofisticada e sedutora personagem estampou capas de revista e conquistou o público. Em 2012, deu vida à Sinhazinha no remake de 'Gabriela', exibida em 1975, adaptação do romance de Jorge Amado originalmente escrita por Walter Durst. A personagem, interpretada na primeira versão por Maria Fernanda, é assassinada pelo marido.

Tendo reconhecido o talento na escrita, Maitê Proença seguiu com a fértil carreira de autora. No ano em que viveu a Kitty, da novela 'Alto Astral' (2014), publicou seu segundo romance, 'Todo Vícios'. No ano anterior, já havia editado uma versão em livro de sua própria peça 'À Beira do Abismo me Cresceram Asas' e, fruto de uma experiência com contribuições de diversas pessoas pelas redes sociais, 'É Duro ser Cabra na Etiópia'. Em 2015, organizou uma reedição ampliada de 'Entre Ossos e a Escrita', intitulada Entre Ossos Agora'.

Maitê Proença retornou às novelas em Liberdade, Liberdade (2016), de Mario Teixeira. Para interpretar a seca Dionísia, a atriz embarcou no desafio de neutralizar a beleza: “Ela não tem graça, é totalmente seca e magoada. Ela é infeliz. A gente foi trabalhando isso e foi dando muito certo. Se tivesse um resquício de glamour, teria atrapalhado muito meu personagem. Eu achei muito corajoso do Vinícius [Coimbra, diretor] contar a história daquele jeito. O fato de estar ‘enfeiada’ fez com que as pessoas percebessem muito mais o trabalho”.

Participações especiais

Ao longo de sua trajetória, Maitê Proença fez diversas participações em programas da Globo, como 'Caso Especial', 'Você Decide', 'Brava Gente'. Nos anos 1980, esteve no último episódio da série 'Malu Mulher' (1980) e nos teleteatros 'Teatro Fantástico' (1981) e 'Quarta Nobre' (1983)

Em 1982, apresentou, ao lado de Dennis Carvalho, o programa 'Globo de Ouro' e figurou em um episódio do 'Sítio do Picapau Amarelo' chamado 'A Bela e a Fera'. Foi, ainda, uma das juradas de estreia do programa 'Cassino do Chacrinha', no seu retorno à Globo, ao lado de Tarcísio Meira, Glória Menezes, Elizabeth Savala, entre outros. No ano seguinte, foi uma das apresentadoras do 'Vídeo Show'.

Maitê Proença e Tony Ramos em 'A Vida Como Ela É', 1996. — Foto: Bazilio Calazans/Globo

Maitê integrou o elenco de 'A Vida Como Ela É', em 1996. Dirigido por Daniel Filho e Denise Saraceni, o quadro, baseado na obra de Nelson Rodrigues, era exibido no Fantástico. “Tinha o [José] Wilker fazendo a narração, com uma máquina de escrever, como se fosse o Nelson Rodrigues. 'A Vida Como Ela É' eram contos que ele fazia para a Última Hora [jornal carioca]. Eu nunca tinha visto nada tão maravilhoso em televisão”, conta a atriz.

'Globo de Ouro' (1982): Especial de fim de ano

'Globo de Ouro' (1982): Especial de fim de ano

Comentarista

De 2006 a 2010, Maitê foi uma das debatedoras do programa 'Saia Justa', do GNT, ao lado de Mônica Waldvogel, Márcia Tiburi, Betty Lago, Ana Carolina e Soninha Francine. “A gente fazia o programa e depois fazia uma reunião de pauta, escolhia os temas que queria falar. Às vezes surgia alguma coisa muito ‘da hora’ que a gente resolvia substituir pelos temas que tinha escolhido previamente. A ideia era todo mundo chegar meio preparado, tendo feito uma certa pesquisa para entender daquele assunto mais a fundo e poder ter uma conversa mais inteligente. Foi bom, foi interessante fazer”, explica.

Experiência similar teria Maitê com 'Extra Ordinários', exibido no SportTV, de 2013 a 2017. O programa reunia não especialistas para comentar futebol. Com a atriz, passaram pela bancada os jornalistas Xico Sá e Felipe Andreoli, integrantes do humorístico 'Cassetas', entre outros.

Teatro e cinema

A intensa atuação na televisão nunca afastou Maitê Proença dos palcos. Desde 1982, a atriz esteve em 12 peças e foi dirigida por grandes nomes do teatro, como Augusto Boal, Bibi Ferreira e Amir Haddad. Também escreveu suas próprias obras – além de Achadas e Perdidas, que ficou três anos em cartaz, estão 'As Meninas' e À Beira do Abismo Me Cresceram Asas' – e, em 2018, se aventurou na adaptação de uma peça do escritor inglês medieval Geofrey Chaucer, 'A Mulher de Bath', para o público brasileiro.

A atriz mostrou seu talento também no cinema. Desde 'Brasa Adormecida', de Djalma Limongi (1987), filme pelo qual ganhou prêmio de melhor atriz no 2º Rio Cine Fest, estrelou 14 longas e um curta-metragem, 'Vox Populi', de Marcelo Laffitte (1998), que lhe rendeu a premiação de melhor atriz no Festival de Salvador. Entre os mais importantes, destacam-se 'A Dama do Cine Shanghai', Guilherme de Almeida Prado (1987), em que conquista o prêmio de melhor atriz no II Festival de Cinema de Natal e no XV Festival dos Melhores do Ano Cine Sesc; 'Kuarup', de Ruy Guerra (1989), indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França; e 'Bufo & Spallanzani', de Flávio R. Tambellini (2001), pelo qual levou quatro kikitos de ouro no Festival de Gramado e quatro prêmios no Festival de Cinema Brasileiro de Miami, além de sete indicações ao Grande Prêmio BR de Cinema.

Fontes

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