Atuar na área criminal demanda inúmeros desafios, sendo que os primeiros passos exigem saber diferenciar algumas das principais ferramentas criminalistas, como o habeas corpus e liberdade provisória.
Saber distinguir as peças de liberdade no processo penal — aquelas que têm como objetivo a soltura de uma pessoa que foi presa — é um dos temas que mais costumam gerar dúvidas entre os advogados, uma vez que a peça cabível depende da espécie de prisão e do momento em que se discute a prisão.
Para ajudá-lo a entender sobre o tema, preparamos este post com todos os detalhes sobre as diferenças entre habeas corpus e liberdade provisória. Continue a leitura e confira!
O que é o relaxamento de prisão?
O Art. 310, I do Código de Processo Penal, tratou de prever o cabimento do Relaxamento de Prisão nos seguintes termos:
"Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal."
Ou seja, se trata de um pedido que é cabível diante de qualquer ilegalidade da prisão em flagrante ou preventiva (Art. 5º, LXV da CF). Dessa maneira, o relaxamento está diretamente relacionado com a ilegalidade.
O que é a liberdade provisória?
Já o Pedido de Liberdade Provisória, previsto no Art. 310 do Código de Processo Penal, por sua vez, é cabível após a prisão em flagrante e antes da prisão preventiva, uma vez que ele procura impedir a conversão em prisão cautelar (preventiva):
"Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança."
Assim, após a conversão em prisão preventiva pelo juiz, se houver o desaparecimento do suporte acautelatório (periculum libertatis — perigo da liberdade), o que cabe é o pedido de Revogação da Prisão.
A diferença do pedido de Revogação da Prisão e do Pedido de Liberdade Provisória é o momento do pedido, uma vez que enquanto o Pedido de Liberdade Provisória é cabível antes da análise do juiz pela decretação ou não da prisão preventiva, o pedido de Revogação ocorre enquanto já decretada a prisão preventiva.
Dessa maneira, é possível realizar o Pedido de Liberdade Provisória sempre que a ausência do periculum libertatis for constatada antes da prisão preventiva ser decretada. É preciso que o advogado se lembre, ainda, que em qualquer momento, se houver ilegalidade, cabe o Relaxamento de Prisão.
O que é a revogação da prisão?
Revogação da prisão é o pedido cabível diante da insubsistência dos requisitos à manutenção da prisão cautelar, e como tal, foi previsto no Art. 316 do Código de Processo Penal:
"Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem."
Isso quer dizer que a prisão preventiva deve ser mantida somente enquanto estiverem presentes os requisitos para a prisão cautelar e não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, de acordo redação do Art. 282, §6 do CPP. Assim, o pedido de Revogação é cabível em virtude de a prisão ser desnecessária, à falta dos pressupostos do artigo 312 do CPP.
Dessa maneira, a revogação de prisão deve ser solicitada quando houver a ausência do periculum libertatis depois da prisão preventiva ser decretada.
O que é o Habeas Corpus?
O Habeas Corpus vem previsto no Art. 5º da Constituição Federal nos seguintes termos:
"LXVIII — conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder."
É possível notar que os requisitos do Habeas Corpus é a necessária demonstração de violência ou coação na liberdade em conjunto com a ilegalidade ou abuso de poder.
Isso quer dizer que, necessariamente, o Habeas Corpus deve ser impetrado contra ato da autoridade coatora (decisão), não em face do Estado ou Ministério Público, mas sim em face de um Agente Público — o detentor do poder de polícia que praticou ato atentatório à legalidade ou com abuso de poder.
O Código de Processo Penal, por sua vez, tratou de prever as possibilidades de cabimento do Habeas Corpus, são elas:
"Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - quando não houver justa causa;
II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;
V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza
VI - quando o processo for manifestamente nulo;
VII - quando extinta a punibilidade."
Note que muitos dos casos previstos como ato de coação passível de cabimento do Habeas Corpus fundamenta igualmente o Pedido de Relaxamento de Prisão.
Outro detalhe relevante sobre o Habeas Corpus é o cuidado necessário sobre a competência para recebimento do pedido. Como se trata de remédio constitucional cabível em face de um ato de uma autoridade coatora, é preciso identificar corretamente quem é o impetrado para não errar a competência.
Por que é importante entender a diferença entre Habeas Corpus e Liberdade provisória?
Entender a diferença entre Habeas Corpus e Liberdade provisória é fundamental para não errar o instrumento processual no momento de defender o seu cliente, pois apesar de alguns magistrados, a fim de não prejudicar o preso e, por economia processual, o aceitarem, essa não é a instrução recomendada.
Nesse caso, o juiz recebe a ação mandamental como se fora requerimento de liberdade provisória, determinando a juntada aos autos do Inquérito Policial ou nas peças de informação relativas à comunicação da prisão, e remessa ao Ministério Público para manifestação.
No entanto, se trata de um equívoco que fere o correto manejamento técnico do remédio constitucional, sendo preciso conceder especial atenção para não utilizar o Habeas Corpus como sucedâneo recursal.
Nesse sentido, há o seguinte entendimento jurisprudencial:
"O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício."
(HC 421.824/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 20/04/2018)
Dessa maneira, o advogado que apresenta a peça processual errada é capaz de prejudicar o seu cliente que, por sua vez, tem a sua prisão prolongada apenas em razão de um erro técnico.
Em quais casos é cabível o pedido de liberdade provisória?
Desde que a Lei nº 12.403/11 entrou em vigor a liberdade provisória é cabível em face de qualquer espécie de prisão cautelar. Antes da referida norma essa medida funcionava apenas e exclusivamente como medida de contracautela substitutiva de anterior prisão em flagrante.
A natureza jurídica da liberdade provisória é a medida de contracautela, em que se sub-roga o carcer ad custodiam decorrente da prisão cautelar, assim como a medida cautelar autônoma, que pode ser aplicada com a imposição das medidas cautelares diferentes da prisão, seja uma ou mais medidas.
Nesse sentido, o art. 321 do CPP expõe que sempre que os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva não estiverem presentes, o magistrado deve conceder a liberdade provisória.
De maneira geral, podemos dizer que a aplicação da liberdade provisória, de acordo com a Lei nº 12.403/11, se dá da seguinte maneira:
- o magistrado pode condicionar a manutenção da liberdade do réu ao cumprimento de uma das medidas elencadas no art. 319, sob pena de decretar a prisão preventiva;
- o magistrado pode fazer a substituição da prisão em flagrante, temporária ou preventiva em uma medida menos gravosa (prevista no art. 319), como uma possibilidade a fim de evitar a medida extrema que só é justificada perante constatação de que essa medida é igualmente idônea e eficaz para atingir os mesmos objetivos, mas com menor custo para a esfera de liberdade do indivíduo, nos casos em que o acusado estiver preso.
Assim, quando falamos em liberdade provisória, há, de maneira obrigatória, a necessidade de imposição de vínculos. Nos casos em que um dos referidos vínculos é descumprido, não é possível haver a restauração da prisão em flagrante. Nesse caso, o que se pode fazer é decretar a prisão preventiva como medida de última ratio.
Quanto tempo demora para um pedido de liberdade provisória ser apreciado?
O pedido de liberdade provisória segue o seguinte rito:
- o advogado o pleiteia;
- o pedido é encaminhado para que o Ministério Público emita o seu parecer;
- o juiz deve decidir acerca do pedido.
Contudo, não há um prazo máximo definido na legislação para que o pedido de liberdade provisória seja apreciado pelo magistrado, mas o juiz deve prezar por um prazo razoável e proporcional.
O pedido de liberdade provisória pode ser concedido (com ou sem fiança), ainda, durante a audiência de custódia que, por sua vez, deve ocorrer no prazo máximo de até 24 horas depois da realização da prisão. Na referida audiência é preciso que estejam presentes o membro do Ministério Público, o acusado e seu advogado.
Nesse sentido, o magistrado pode, também, durante a audiência de custódia, converter a prisão em flagrante em preventiva ou relaxar a prisão ilegal, de acordo com o artigo 310 do CPP.
Quais são os requisitos para concessão da liberdade provisória?
De acordo com o art. 5º, LXVI: "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir liberdade provisória, com ou sem fiança". Assim, existem determinados requisitos para a sua concessão.
No caso da Liberdade Provisória Obrigatória, ela deve ser concedida, de acordo com o artigo 321 do CPP, nas seguintes hipóteses:
- em caso de infração não cominada em pena privativa de liberdade;
- quando o máximo da pena privativa de liberdade não for maior do que 3 meses.
Já as hipóteses de liberdade provisória permitida sem fiança, o procedimento deve ser adotado quando o magistrado observar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva.
A liberdade provisória com fiança, por sua vez, é concebida em determinados casos, são eles:
- para os crimes punidos com detenção;
- para as contravenções penais que não estejam abrangidas pelo artigo 69, da Lei 9.099/95;
- aos crimes punidos com reclusão cuja pena mínima seja igual ou inferior a dois anos.
É válido ressaltar, ainda, que a liberdade provisória não pode ser concedida, de acordo com o artigo 7º da Lei 9.034/95, àqueles que contem uma efetiva e intensa participação em organização criminosa.
Agora você já conhece sobre revogação e relaxamento de prisão e, especialmente, sobre Habeas Corpus e liberdade provisória e sabe diferenciar cada um deles, se atente a cada um dos instrumentos para que seja possível defender o seu cliente da melhor maneira possível, uma vez que, como vimos, eles são cabíveis em hipóteses distintas, portanto, merecem a devida atenção por parte do advogado.
Sobre o tema, não deixe de ver um modelo de Habeas Corpus.