RIO- No último domingo, após a divulgação do resultado das eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou em pronunciamento nas redes sociais que iria "seguir o exemplo do patrono do Exército brasileiro, Duque de Caxias" e buscar a pacificação do país. Mas, afinal, quem foi de fato a figura histórica citada por Bolsonaro?
— O que vou buscar é, seguindo o exemplo do patrono do Exército brasileiro, Duque de Caxias, buscar pacificar o nosso Brasil. Nós, pacificados, sem eles contra nós ou nós contra eles, temos como fazer políticas que atendem ao interesse de todos — disse, na ocasião.
Intimamente ligado à Monarquia e muito próximo de D.Pedro II, Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, teve atuação fundamental para manter a unidade do território nacional durante o período regencial (1831-1840), depois da abdicação de Pedro I e antes da maioridade de seu filho mais velho. Na época, o militar atuou na repressão de revoltas populares que marcaram o país, como a Balaiada, no Maranhão; e a Cabanagem, no então "Grão-Pará" (que agregava o que hoje são os estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia). Caxias também trabalhou para conter a Revolução Farroupilha, no Sul do Brasil.
A Balaiada (1838-1841) foi uma revolta popular que eclodiu no Maranhão, caracterizada por uma insurgência das classes populares contra grandes proprietários de terra da região. O movimento foi motivado pelas condições precárias de vida da população. Da mesma forma, na Cabanagem (1835- 1840) mestiços, negros e índios se revoltaram contra a situação de miséria em que viviam. Já a Revolução Farroupilha, organizada pela elite gaúcha, foi motivada pela insatisfação com os impostos pagos ao governo e terminou após um acordo com as forças nacionais.
Embora tenha recebido o epíteto de "pacificador", historiadores destacam o caráter repressivo das ações comandadas por Caxias e seu perfil conservador. Ele foi um dos líderes no parlamento do Partido Conservador, pelo qual foi eleito ao Senado. O professor de História do Brasil Marcus Dezemone, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que o militar tratou de maneira bem diferente revoltosos populares e aqueles que pertenciam às elites do país.
— Ele foi um general conservador, que atuou fortemente na repressão aos movimentos populares, como a Cabanagem e a Balaiada, com um saldo estimado em 40 mil mortos. Ao mesmo tempo, negociou com as elites gaúchas que buscavam se separar do Brasil na Revolução Farroupilha. O tratamento de Caxias aos grandes proprietários foi completamente diferente do que deu aos populares — afirmou.
A biografia do militar, disponibilizada no site do Exército, é bem mais simpática ao Caxias citado por Bolsonaro. E destaca "seus atos de bravura, de magnanimidade e de respeito à vida humana, conquistaram a estima e o reconhecimento dos adversários."
Mas, ainda que atualmente seja símbolo da Força, o Duque de Caxias não foi sempre uma figura popular. Sua imagem só foi retomada em meados do século XX para promover a unidade do Exército. O historiador Celso Castro, autor do livro "A invenção do Exército Brasileiro", explica que a figura de Caxias foi resgatada como símbolo de disciplina e unidade.
— Em 1923, Caxias era visto acima de tudo como um exemplo disciplinador do próprio Exército. É importante observar que naquele ano a Escola Militar estava praticamente vazia devido à expulsão, no ano anterior, da maioria dos alunos por conta do envolvimento na revolta "tenentista" de 1922, cujo episódio mais famoso ficou sendo o martírio dos "Dezoito do Forte de Copacabana"— analisa ele. — Nesse espírito, o culto a Caxias como exemplo maior de soldado brasileiro teria, na minha interpretação, o objetivo de funcionar simbolicamente, como um “antídoto” contra a indisciplina e a politização dos militares.
'Sigam-me os que forem brasileiros'
Caxias comandou as forças armadas do Império em um dos momentos históricos mais controversos da política externa brasileira: a Guerra do Paraguai. O conflito, denunciado por alguns historiadores como um genocídio latino-americano, reuniu Brasil, Argentina e Uruguai (a Tríplice Aliança) contra o Paraguai. O saldo de mortos gira entre 130 mil e 300 mil pessoas.
Na Batalha de Itororó, Caxias teria dito a célebre frase "Sigam-me os que forem brasileiros", participando mais adiante da tomada de Assunção, em 1º de janeiro de 1869. O militar é, assim, visto como um símbolo de unidade do país.
— Ao longo da década de 1930, contudo, e principalmente a partir da instauração do Estado Novo em 1937, a imagem que se evocava de Caxias passou a destacar cada vez mais. Especialmente sua autoridade e suas qualidades de chefe militar a serviço de um Estado forte. Passou-se a enfatizar Caxias não apenas como legalista e disciplinador, mas também como "pacificador" do país (por ter combatido as revoltas regionais) e o maior lutador pela unidade e integridade do Brasil — explica Castro.
Um vulto da História na medida para o presidente eleito.