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Entenda quem foi Duque de Caxias: citado por Bolsonaro, militar reprimiu revoltas populares no Império

Líder conservador, patrono do Exército teve sua imagem resgatada para combater indisciplina dentro da Força
Estátua de Duque de Caxias no centro do Rio Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Estátua de Duque de Caxias no centro do Rio Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

RIO- No último domingo, após a divulgação do resultado das eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou em pronunciamento nas redes sociais que iria "seguir o exemplo do patrono do Exército brasileiro, Duque de Caxias" e buscar a pacificação do país. Mas, afinal, quem foi de fato a figura histórica citada por Bolsonaro?

— O que vou buscar é, seguindo o exemplo do patrono do Exército brasileiro, Duque de Caxias, buscar pacificar o nosso Brasil. Nós, pacificados, sem eles contra nós ou nós contra eles, temos como fazer políticas que atendem ao interesse de todos — disse, na ocasião.

Intimamente ligado à Monarquia e muito próximo de D.Pedro II, Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, teve atuação fundamental  para manter a unidade do território nacional durante o  período regencial (1831-1840), depois da abdicação de Pedro I e antes da maioridade de seu filho mais velho. Na época, o militar atuou na repressão de revoltas populares que marcaram o país, como a Balaiada, no Maranhão; e a Cabanagem, no então "Grão-Pará" (que agregava o que hoje são os estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia). Caxias também trabalhou para conter a Revolução Farroupilha, no Sul do Brasil.

A Balaiada (1838-1841) foi uma revolta popular que eclodiu no Maranhão, caracterizada por uma insurgência das classes populares contra grandes proprietários de terra da região. O movimento foi motivado pelas condições precárias de vida da população. Da mesma forma, na Cabanagem (1835- 1840) mestiços, negros e índios se revoltaram contra a situação de miséria em que viviam. Já a Revolução Farroupilha, organizada pela elite gaúcha, foi motivada pela insatisfação com os impostos pagos ao governo e terminou após um acordo com as forças nacionais.

Embora tenha recebido o epíteto de "pacificador", historiadores destacam o caráter repressivo das ações comandadas por Caxias e seu perfil conservador. Ele foi um dos líderes no parlamento do Partido Conservador, pelo qual foi eleito ao Senado. O professor de História do Brasil Marcus Dezemone, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que o militar tratou de maneira bem diferente revoltosos populares e aqueles que pertenciam às elites do país.

—  Ele foi um general conservador, que atuou fortemente na repressão aos movimentos populares,  como a Cabanagem e a Balaiada, com um saldo estimado em 40 mil mortos. Ao mesmo tempo, negociou com as elites gaúchas que buscavam se separar do Brasil na Revolução Farroupilha. O tratamento de Caxias aos grandes proprietários foi completamente diferente do que deu aos populares — afirmou.

A biografia do militar, disponibilizada no site do Exército, é bem mais simpática ao Caxias citado por Bolsonaro. E destaca "seus atos de bravura, de magnanimidade e de respeito à vida humana, conquistaram a estima e o reconhecimento dos adversários."

Mas, ainda que atualmente seja símbolo da Força, o Duque de Caxias não foi sempre uma figura popular. Sua imagem só foi retomada em meados do século XX para promover a unidade do Exército. O historiador Celso Castro, autor do livro "A invenção do Exército Brasileiro", explica que a figura de Caxias foi resgatada como símbolo de disciplina e unidade.

—  Em 1923, Caxias era visto acima de tudo como um exemplo disciplinador do próprio Exército. É importante observar que naquele ano a Escola Militar estava praticamente vazia devido à expulsão, no ano anterior, da maioria dos alunos por conta do envolvimento na revolta "tenentista" de 1922, cujo episódio mais famoso ficou sendo o martírio dos "Dezoito do Forte de Copacabana"—  analisa ele. —  Nesse espírito, o culto a Caxias como exemplo maior de soldado brasileiro teria, na minha interpretação, o objetivo de funcionar simbolicamente, como um “antídoto” contra a indisciplina e a politização dos militares.

'Sigam-me os que forem brasileiros'

Caxias comandou as forças armadas do Império em um dos momentos históricos mais controversos da política externa brasileira: a Guerra do Paraguai. O conflito, denunciado por alguns historiadores como um genocídio latino-americano, reuniu Brasil, Argentina e Uruguai (a Tríplice Aliança) contra o Paraguai. O saldo de mortos gira entre 130 mil e 300 mil pessoas.

Na Batalha de Itororó,  Caxias teria dito a célebre frase "Sigam-me os que forem brasileiros", participando mais adiante da tomada de Assunção, em 1º de janeiro de 1869. O militar é, assim, visto como um símbolo de unidade do país.

—  Ao longo da década de 1930, contudo, e principalmente a partir da instauração do Estado Novo em 1937, a imagem que se evocava de Caxias passou a destacar cada vez mais. Especialmente sua autoridade e suas qualidades de chefe militar a serviço de um Estado forte. Passou-se a enfatizar Caxias não apenas como legalista e disciplinador, mas também como "pacificador" do país (por ter combatido as revoltas regionais) e o maior lutador pela unidade e integridade do Brasil —  explica Castro.

Um vulto da História na medida para o presidente eleito.