Cultura Artes visuais

Mário de Andrade entre dois pintores

Exposição no Museu da Chácara do Céu reúne obras de Portinari e Lasar Segall sob o olhar do escritor, admirador de ambos
'Retrato de Mário de Andrade' (1935), de Portinari Foto: Divulgação
'Retrato de Mário de Andrade' (1935), de Portinari Foto: Divulgação

RIO — Um dos intelectuais mais atuantes e respeitados da vida cultural brasileira na primeira metade do século XX, Mário de Andrade (1893-1945) costumava dizer que só havia dois pintores que realmente contavam na arte que se produzia então (apesar de ele admirar e ser amigo de vários): o lituano Lasar Segall (1891-1957), que emigrou para o país em 1924, e o paulista de Brodowski Candido Portinari (1903-1962). A relação do escritor com os dois artistas foi profícua — originou dois belos retratos, textos para catálogos de exposições, artigos de jornal e correspondência, tudo sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. O olhar do escritor sobre a obra dos dois artistas alinhava a exposição que o Museu da Chácara do Céu abre nesta quarta-feira ao público: “Mário de Andrade e seus dois pintores: Lasar Segall e Candido Portinari”.

— Mário conviveu com os dois, mas mais fortemente com Portinari — diz Anna Paola Baptista, curadora da mostra. — E considerava que nos anos 1930 e 40 eram os pintores que realmente contavam na arte brasileira. Seus comentários, inclusive, revelam uma polarização e uma ambiguidade entre Segall e Portinari que existiam na crítica de arte do Brasil. Era quase um partido político: ou você era Portinari ou era Segall.

O próprio Mário de Andrade se encarregou de acirrar um pouco essa rivalidade, mesmo que sutilmente. Ele conheceu primeiro Segall, nos anos 1920, e achou que o tipo de pintura que fazia era o ideal para alavancar uma arte brasileira de qualidade. Mas quando conheceu Portinari, nos anos 1930, seu projeto para uma arte genuinamente nacional pareceu encontrar um veículo poderoso. E, como observa Anna Paola, começou a se “desagradar” do homem Segall, chegando até a fazer comentários antissemitas (o artista era judeu).

— É um caminho espinhoso, mas ele identificava certas características pessoais como características de raça — nota a curadora, destacando que, apesar disso, os dois continuaram amigos. — Tanto que, dois anos antes de sua morte, Mário de Andrade escreveu o texto daquela que seria considerada a mais importante exposição de Segall, em 1943, no Museu Nacional de Belas Artes. E, no mesmo ano, escreveu também o texto para uma de Portinari.

'Retrato de Mário de Andrade' (1927), de Lasar Segall Foto: Divulgação
'Retrato de Mário de Andrade' (1927), de Lasar Segall Foto: Divulgação

A mostra na Chácara do Céu apresenta 25 obras de cada um, das quais 18 são telas —, emprestadas por várias instituições e colecionadores. Os dois retratos de Mário, um pintado por Segall (em 1927), outro por Portinari (em 1935) destacam-se como uma lição de interpretação. O de Segall tem algo de profundamente humanizante, e sobre ele o próprio Mário escreveu, em 1932: “Uma das obras mais admiráveis do seu talento de pintor. Que técnica e que profundez comovida de contemplação do indivíduo”. Sete anos mais tarde, no entanto, diria, numa carta a Portinari: “Trouxe (para o Rio de Janeiro) o retrato do Segall que eu sempre gostei. Pois o diabo é que acabei não gostando dele, acho duro, sem matéria, desequilibrado”.

A chave da mudança é revelada pelo próprio escritor, ao comentar, na mesma carta, o retrato que Portinari lhe oferecera, em que aparece de costas largas, imponente: “Você me revelou o meu lado angélico, ao passo que o Segall me revelou o meu lado diabólico, as tendências más que procuro vencer. Às vezes me paro em frente do seu quadro e fico, fico, fico, não só perdido na beleza da pintura, mas me refortalecendo a mim mesmo. Porque de fato você mais que ninguém não apenas percebeu, mas me revelou que eu... sou bom. Seu quadro me dá confiança em mim”.

As outras obras na exposição são todas do período de convivência de Mário com seus pintores, a época de ouro de cada um, segundo Anna Paola. De Portinari, há telas preciosas como “Mestiço” (1934), da Pinacoteca do Estado de São Paulo, sobre a qual Mário escreveu: “Obra-prima, que aturde na sua maravilhosa força expressiva, doloroso nos estigmas de bondade, de paciência e de imbecilidade que leva, sofrido, nessas mãos de trabalho”. De Segall, também do acervo da Pinacoteca, “Bananal”, de 1927 (“Não conheço, na história psicológica da pintura brasileira, passagem mais emocionante que essa ‘perdição’ de Lasar Segall respondendo ao chamado da terra”, escreveu sobre a obra, da fase em que Segall mostrava em suas telas o encantamento pelo país que o abrigara).

— Minha missão era mergulhar na cabeça do Mário de Andrade e tentar desvendar o que eram esses pintores para ele. Foi ele quem comandou o meu olhar para escolher as obras — diz a curadora sobre a mostra que, afinal, não é sobre dois artistas, mas três: Mário, Segall e Portinari.

Depois do Rio, a exposição, que tem apoio do Bradesco Seguros, segue para o Museu Lasar Segall em São Paulo, onde será inaugurada em 8 de agosto.

“Mário de andrade e seus dois pintores: Lasar Segall e Candido Portinari”

Onde: Museu Chácara do Céu — Rua Murtinho Nobre 93, Santa Teresa (3970-1126)

Quando: De 27/5 a 27/7; qua. a seg., das 12h às 17h

Quanto: R$ 2 (grátis às quintas)

Classificação: Livre