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Análise: Jeanne Moreau redefiniu os padrões de beleza de sua época

Atriz teve carreira marcada por papéis de mulheres fortes e pouco convencionais
Jeanne Moreau no set de 'Eva', filme de Joseph Losey, lançado em 1962 Foto: STR / AFP
Jeanne Moreau no set de 'Eva', filme de Joseph Losey, lançado em 1962 Foto: STR / AFP

RIO — Há pelo menos dois documentários que cobrem e ajudam a entender aspectos importantes do legado artístico de Jeanne Moreau, que faleceu nesta segunda-feira, aos 89 anos , em Paris, de causas naturais. Em boa parte de “Mademoiselle Moreau” (1995), de Dominique Cazenave e Doug Headline, a atriz francesa abre o seu coração sobre o longo envolvimento emocional e profissional com o diretor Louis Malle (1932-1995) e a correspondência íntima trocada com outra paixão de sua vida, o cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007).

É um raro flagrante emotivo da musa da Nouvelle Vague, que amou com a mesma intensidade o cinema e alguns dos realizadores com os quais trabalhou.

Já “Jeanne M. – Côté cour, côté couer” (2008), de Josée Dayan, codirigido por Pierre-André Boutang e Annie Chevalley, deixa as revelações amorosas de lado para debruçar-se sobre a trajetória profissional  da atriz que redefiniu os padrões de beleza feminina e ajudou a erotizar a imagem da mulher de sua época, em filmes como “Segredos de alcova” (1954), “Os amantes” (1958), e “Jules e Jim – Uma mulher para dois” (1962). O filme de Dayan é um contraponto feito quase que encomendado por Jeanne, um tanto insatisfeita com a curiosidade sobre sua vida afetiva.

– Talvez o interesse das pessoas por esse aspecto esteja relacionado ao fato de que a minha vida pessoal e o que faço profissionalmente sempre estiveram entrelaçadas – explicou a atriz durante sua última passagem pelo Brasil, em 2009, para ser homenageada pelo Festival do Rio.

Quando começou a desbravar as telas do mundo, entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960, Jeanne quebrou paradigmas de beleza do star system de sua geração, dominado pelas formas voluptuosas da americana Marilyn Monroe e da conterrânea Brigittte Bardot. A estrela que inspirou cineastas do quilate de Orson Welles, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Luis Buñuel,Werner Fassbinder e Tony Richardson (com quem foi casada), consagrou-se em papéis de mulheres pouco convencionais, fortes, passionais e libertárias – era chamada de “a Bette Davis francesa”.

Filha de um restaurador e de uma bailarina, Jeanne sempre circulou próxima ao mundo das artes. Antes de fazer filmes, trabalhou em inúmeras peças de teatro onde, mesmo ainda muito jovem, era considerada uma das melhores da época. Fez outro tanto de papéis menores em cinema, antes de estourar com dois filmes de Louis Malle, lançados no mesmo ano de 1958: “Ascensor para o cadafalso” e “Amantes”. A partir de então, sua figura e personalidade continuou a atrair realizadores do mundo inteiro – o brasileiro Cacá Diegues, inclusive, com quem fez “Joanna francesa” (1973) –, sem nunca abdicar do espírito desbrador.

– Acho que continuo atuando porque sou uma pessoa curiosa. Minha energia criativa vem daí – confessou, em sua passagem pelo Rio.

A atriz, que privou da amizade dos escritores Jean Genet, Marguerite Duras, Henry Miller e Anaïs Nin, aprendera direitinho a lição libertária da avó, que chamava pelo carinhoso apelido de Memé:

– Quando eu era pequena, ela dizia para mim: Você não nasceu para ficar atrás das portas, servindo as pessoas. Cuide para que não morras uma idiota, viu?