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‘Di Cavalcanti: modernista popular’ Autor: Marcel Bortoloti. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 536. Preço: R$ 134,90.

Anos 1960. Da sala de pé-direito alto de um duplex no Edifício Esther, o primeiro arranha-céu da cidade de São Paulo, o carioca Di Cavalcanti pintava com vista para as árvores que cobriam a Praça da República. Com as paredes coalhadas de telas suas e de Noêmia Mourão, sua então mulher e também pintora, Di brindava à vida com um copo de uísque escocês em uma das mãos e um charuto cubano na outra. Naquele recanto, onde passou dias confortáveis, tinha o merecido sossego — o barulho não chegava aos seus ouvidos, a não ser quando oferecia alguma festa aos amigos da high-society. De ternos bem cortados e sapatos italianos, o boêmio se pavoneava com a maior naturalidade. Mas nem sempre foi assim.

Este clima de bonança retrata apenas uma fase de Emiliano Di Cavalcanti, pintor que ganhou o mundo com suas telas sobre as mulatas do país — termo hoje considerado antiquado. Diga-se que a palavra, que tanto tem provocado embates políticos nos últimos anos, traduzia na época somente a identidade da mulher naturalmente banhada pelo sol, fruto da miscigenação, que povoou o imaginário pictórico de Di Cavalcanti.

“Quando foi chamado de ‘pintor das mulatas’, esse não era um título negativo, tanto que o acolheu sem qualquer constrangimento. No princípio do século XX, momento de sua formação intelectual, a mestiçagem era considerada uma particularidade brasileira, que embutia a ideia da democracia racial, em que o ‘mulato’ deveria ser celebrado”, escreve o mineiro Marcelo Bortoloti, autor de “Di Cavalcanti: modernista popular”, biografia caudalosa do artista lançada este mês.

Jornalista e pesquisador, Bortoloti começou a pesquisa há uma década, quando estudava a relação de Di com a imprensa. E mostra que o pintor tinha muito mais do que mulatas no seu foco.

Erudição

Nascido em 1897, no Rio, Di Cavalcanti começou a vida como jornalista, correspondente do Correio da Manhã em Paris na década de 1920. Tornou-se um cronista, ilustrador de revista e poeta elogiado por nomes importantes da imprensa da época, como Manuel Bandeira e Rubem Braga.

Em paralelo, crescia no meio artístico. Foi participante ativo da Semana de Arte Moderna de 1922, expondo 11 telas e assinando o catálogo principal do evento. Em 1929 criou painéis modernos do Brasil, para o Teatro João Caetano, no Rio, quando influência do cubismo, curvas barrocas e motivos populares como o carnaval.

Sua relação com o país marca a trajetória intelectual, tendo ele sido influenciado por autores e pintores franceses, desde simbolistas, como Charles Baudelaire (1821-1867), a expoentes do movimento cubista, como Fernand Léger (1881-1955).

Na biografia, Bortoloti dimensiona a erudição do autor de “Moça de olhos tristes”, de 1954, por vezes classificado pejorativamente como boêmio incorrigível, como se apenas o fato de “ser pintor” fosse um sinônimo de displicência.

O biógrafo mostra como dois estados de espírito do artista confluíram durante anos: em seus trabalhos mais famosos, entre suas formas arrojadas, os problemas sociais brasileiros foram denunciados por meio de cenas com personagens populares, como músicos, prostitutas e trabalhadores.

Outro ponto importante é que, ao longo da vida, Di foi um esteta e defensor da arte figurativa e rasgou malfazejos à arte abstrata, tendência que pululava nos EUA naqueles meados do século passado.

Do nascimento aos anos de formação, a biografia chama atenção para o escopo teórico que Di teve na juventude. Antes mesmo de embarcar para a Europa como correspondente, obteve lições de grandes mestres da escrita na então capital federal, como o dramaturgo Roberto Gomes e o jornalista João do Rio, cronista mais importante do Rio da primeira metade do século XX. Em sua turma, nomes como Carlos Lacerda e Jayme Ovalle despontam ao lado de Antônio Maria e, mais tarde, Mário de Andrade, Paulo Prado e Divina Valéria, cantora transformista que começou a fazer história nos anos 1960.

Crise financeira

A figura de um jovem magricela e maltrapilho, à beira da fome, e sem um tostão no bolso poderia até soar exagerada, não fosse a investigação minuciosa feita por Bortoloti acerca do passado do pintor — que em vida deu fim em seus papéis, documentos e cartas, dificultando muito a vida de seus biógrafos.

O biógrafo conta que, em uma das passagens por Paris, após perder o emprego no jornal, Di passou por apuros financeiros e teve ajuda negada por amigos de outrora, o casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Do período, nasce uma mágoa fruto do rompimento.

É difícil imaginar um pintor do porte de Di na penúria mas, ao longo da história, a biografia do autor de “Noturno na Gamboa” (1963) torna-se cada vez mais humana e menos mitológica.

A essa altura, Di aparece em baixa, trabalhando até como pintor de cartazes de rua no Cinturão Vermelho, reduto operário no subúrbio de Paris. Ali viu e viveu o que os ideais socialistas significavam na prática. Anos mais tarde, foi preso político, um período nebuloso na biografia do artista.

Mesmo quando a fama começou a sorrir-lhe, já nos anos 1950, Di Cavalcanti nunca abandonou a postura crítica à desigualdade, embora os anos e os prazeres da vida tenham amaciado seu coração. Tanto que, discípulo do francês André Gide (Nobel de Literatura 1947), que conheceu em uma de suas passagens por Paris na juventude, Di escorou-se na filosofia do francês, certa vez, para justificar suas contradições: “É possível ser um perfeito cristão sem, no entanto, desprezar as legítimas vantagens da classe em que nos aprouve Deus colocar”.

Essa ideia acompanhou boa parte de sua vida confortável, pela qual foi frequentemente criticado por oponentes, até a morte, em 26 de outubro de 1976, no Rio.

Matheus Lopes Quirino é jornalista

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