Era década de 1970. A construção da Ligação Leste-Oeste da cidade de São Paulo começou a desvalorizar os imóveis da região do Bixiga, onde fica o Teatro Oficina do dramaturgo Zé Celso.
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Nos anos seguintes, quando a especulação imobiliária avançou sobre o bairro, o teatro se tornou alvo de um personagem conhecido no país: Silvio Santos. O empreendedor queria botar o estabelecimento abaixo e construir um shopping center no lugar.
A disputa imobiliária entre o Teatro Oficina e o Grupo Silvio Santos marcou a história de Zé Celso, falecido nesta quinta-feira aos 86 anos após um incêndio em sua casa. E também marcou a história da TV brasileira: as intenções do apresentador do SBT eram as mesmas do Dr. Abobrinha, vilão do programa infantil Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura.
A história é contada pelo jornalista Bruno Capelas em seu livro "Raios e trovões", sobre o fenômeno comercial do Castelo Rá-Tim-Bum.
O personagem era interpretado pelo ator Pascoal da Conceição, egresso da Escola de Artes Dramáticas da USP e conhecido por seu trabalho com Zé Celso no Teatro Oficina.
"Só percebi que tinha feito o Dr. Abobrinha inspirado no Silvio Santos anos depois, quando o Zé Celso me disse. Se você quer entender seu inimigo, tem de amá-lo primeiro", contou Conceição ao jornalista Bruno Capelas, autor do livro "Raios e trovões", que conta a história do Castelo Rá-Tim-Bum.
Quando lhe ofereceram o papel do vilão, o ator estava familiarizado com a disputa imobiliária no Bixiga, no miolo do bairro da Bela Vista. "Disseram que ele (Dr. Abobrinha) era um cara que queria derrubar o Castelo para fazer um estacionamento e um prédio de cem andares. A-há! Essa história eu já conhecia", conta Conceição no livro.
Não é à toa, conta Capelas no livro, que os trejeitos do Dr. Abobrinha, e frases marcantes como "Um dia esse castelo vai ser meu, meu, meu!", sejam tão efusivos. Ele diz que a atuação é "claramente inspirada na maneira histriônica de Silvio Santos se dirigir ao público", mesmo que de maneira inconsciente.
O imbróglio virou símbolo da resistência do Bixiga. No ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) proibiu a prefeitura de autorizar a construção de um empreendimento imobiliário com mil apartamentos no terreno, que havia sido liberada pelos órgãos de preservação municipais. Um projeto para a criação do Parque do Bixiga (que seria negociado com uma permuta de terrenos com Silvio Santos) foi aprovado em duas votações, mas acabou vetado em 2020 pelo prefeito em exercício Eduardo Tuma.
— Tem uma coisa muito divertida, da arte imitar a vida e a vida imitar a arte: o Pascoal da Conceição vira e mexe se veste de Dr. Abobrinha em manifestações sobre Plano Diretor, sobre especulação imobiliária, para defender o Teatro Oficina e o Parque do Bixiga — diz Capelas ao GLOBO.
O conflito imobiliário continua dando pano para manga. Ao se casar no mês passado com Marcelo Drummond, com quem estava junto há 37 anos, Zé Celso convidou Silvio Santos para a cerimônia, dizendo que esperava receber como presente a doação do terreno ao Oficina. O casal também planejava plantar um ipê que ganhou de presente de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que plantariam no terreno ao lado do teatro.
No entanto, a empresa Residencial Bela Vista, do Grupo Silvio Santos, entrou com uma liminar, no dia da cerimônia, para impedir qualquer tipo de ação no terreno, sob pena de uma multa de R$ 200 mil no caso do descumprimento.