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Marcélia Cartaxo e Zé Dumont falam da parceria em ‘Velho Chico’

Dupla de atores foi protagonista do filme 'A hora da estrela', de 1985
Marcélia Cartaxo e José Dumont em 'Velho Chico' Foto: Caiua Franco / Divulgação
Marcélia Cartaxo e José Dumont em 'Velho Chico' Foto: Caiua Franco / Divulgação

RIO — ‘Tudo no mundo começou com um sim”. É a primeira frase de Clarice Lispector em “A hora da estrela”. Ao dizer “sim” ao filme homônimo e, assim, tornar-se Macabéa, Marcélia Cartaxo sentiu a vida mudar. Trinta anos atrás, lá estava a atriz com o Urso de Prata — como é chamado o prêmio de atuação do Festival de Berlim —, empolgada para contar a novidade à mãe. A distância entre a capital alemã e Cajazeiras, cidade da Paraíba onde nasceu, era traduzida por um ruído que ultrapassava o continente e o oceano entre elas. “Traga o urso para cá, cachorra, que te dou uma surra. Você sabe que tá uma seca aqui, não tem grama nem para cabra, quanto mais para urso”, bradou a matrona do outro lado da linha.

A reação curiosa também é lembrada por José Dumont, seu colega no longa dirigido por Suzana Amaral e lançado em 1985. O tempo abriu caminhos no rosto dos intérpretes, deixou rugas, fincou certezas e dúvidas. O casal de outrora — Maca e Olímpico — se reencontra, hoje, na novela “Velho Chico”. Agora, são Josefa e Zé Pirangueiro. Um outro “sim” à dupla, já cristalizada na luz intermitente da sétima arte.

—Tudo mudou a partir do filme. Acho lindo quando falam sobre esse trabalho. Não tenho a profundidade do quanto a personagem representa as pessoas. Era tão crua. Nem sabia que era atriz — diz Marcélia, de 53 anos, com um ritmado sotaque, tão marcante desde a estreia no cinema.

De fato, um galo sozinho não tece uma manhã, como escreveu João Cabral de Melo Neto. Foi a diretora quem fisgou o que na atriz era apenas força bruta. Ao vê-la numa peça, Suzana teve o vislumbre de estar diante da desajeitada moça nordestina da história, a mesma que, no filme, afirma, incerta: “Acho que sou alguma coisa”. Marcélia era Macabéa.

— Foi uma coisa mágica, intuitiva, porque não faço teste com os atores. Vi e tive essa certeza — reforça Suzana, de 84 anos, ressaltando o que a levou a adaptar “A hora da estrela”: — Sempre senti uma identificação com a maneira de ela pensar. Todas as mulheres são um pouco Macabéa.

Exibido em mais de 25 países, o filme foi escolhido para representar o Brasil no Oscar. Coube a Marcélia outro papel na vida: disse “não” aos convites para estudar na Alemanha e decidiu desbravar a carreira em seu país.

— Foi meu ponto de partida. Saí de Cajazeiras e fui para São Paulo. É a questão do nordestino: quando ele decide sair, só volta como Tieta voltou para o agreste. Tem que ser com vitória — ressalta a atriz, que há uma década se mudou para João Pessoa.

Marcélia Cartaxo e Zé Dumont em 'A hora da estrela' Foto: Divulgação
Marcélia Cartaxo e Zé Dumont em 'A hora da estrela' Foto: Divulgação

Foi um abrir de portas para a carreira, mantida num movimento que não cessa, embora insista em esbarrar em tipos regionais. Tanto Marcélia quanto Dumont driblam o que parecem ser amarras da profissão, caçando caminhos e respiros, um constante “sim”.

— A única coisa que não muda é o sotaque. Mas gosto de fazer personagens que tenham a ver com minha experiência de vida. Me interessam as emoções que sejam capazes de tocar o coração das pessoas em qualquer lugar do mundo. Até por nossa história, não queremos ser atores de laboratório, mas atores da vida — sustenta o ator, de 65 anos.