RIO - Há 90 anos, a diretoria da Ford Motor Company em Highland Park, Michigan, decidiu: era hora de o Brasil ter sua primeira linha de montagem de carros e picapes. Assim, em 1919, os Modelo T passaram a ser construídos por 12 operários num galpão no Centro de São Paulo, a partir de peças importadas dos EUA - era o tímido começo da indústria automobilística nacional.
A data redonda é a desculpa perfeita para dirigir um Fordinho 1919, que, apesar da idade, ainda dá seus bordejos pelas ruas de Niterói. O nonagenário veículo sai da garagem pelo menos duas vezes por semana. É presença constante em encontros de automóveis antigos e rende um bom troco ao ser alugado para casamentos, filmes e novelas.
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Há outros dados peculiares: o carro em questão está há 61 anos com a mesma família e é o veículo mais antigo hoje emplacado no Estado do Rio. Sim: o "Ford-de-bigode" é levado todos os anos para a vistoria, quando se torna o centro das atrações no posto do Detran.
Quem nos recebe é Walter Moreira Carneiro Filho, que anda neste Modelo T desde que se entende por gente, primeiro como passageiro e atualmente como motorista. O automóvel foi comprado em 1948 por Walter-pai, que era um apaixonado por Ford. Já era, então, um anacronismo rodante.
- O Modelo T estava todo esbagaçado numa fazenda em Santa Maria Madalena. Meu velho recuperou tudo. Ele mesmo fazia a mecânica - explica o herdeiro.
Hoje, o Fordeco mora numa garagem com paredes cobertas por fotos, recortes e troféus. Lá no fundo, o carro repousa sobre um carpete.
Para quem saía direto do cavalo, dirigir o Modelo T era bastante simples. Para os motoristas de hoje, contudo, a tarefa pede instruções e um recondicionamento de reflexos. Os comandos são inteiramente diferentes dos que existem nos carros atuais.
Entra-se pela porta do carona (a do chofer só passaria a abrir em 1926). Depois, é preciso levantar os "bigodes", duas alavanquinhas atrás do volante que servem para acelerar e ajustar o ponto de ignição.
O acelerador manual, aliás, não volta sozinho - é preciso empurrá-lo ao ponto de descanso sempre que se quiser diminuir a rotação do motor.
Não há alavanca de câmbio. O centro do controle do Modelo T é um conjunto de três pedais. O da esquerda aciona primeira marcha (quando todo pressionado) e mantém o ponto morto (ao ser posto em meio-curso). Quando o motorista tira totalmente o pé, a segunda (e última) marcha entra em ação.
O pedal do meio serve para a ré, enquanto o da direita é o do freio - que atua apenas sobre as rodas traseiras. Existe ainda uma alavanca de freio de mão, também usada para segurar o pedal das marchas em ponto morto, quando o carro está parado.
Em 1919, um inovação foi incorporada ao Modelo T: parte elétrica com motor de arranque. Mesmo assim, a manivela continuava firme e forte à frente do radiador.
Com Walter na direção, vamos fazendo trânsito por Niterói. Não há velocímetro, mas calculamos que o Fordinho cruza a uns 40km/h. Só o que atrapalha é a comoção popular: é gente que emparelha o carro para ver melhor ou tirar fotos.
Walter dirige até Charitas, onde há menos movimento e posso assumir o volante. Seja no arranque elétrico ou no muque, basta 1/4 de volta para o motor pegar fácil.
Nas minhas duas primeiras tentativas de mover o carro, porém, o motor morre. Na terceira, vitória! Consigo coordenar o acionamento da primeira marcha com o acelerador. Junto, vem o gemido das embreagens.
Vamos a um trecho esburacado como as ruas de 1919. Aí, entendo a suspensão por eixos rígidos e feixes de molas transversais: o Fordeco vai todo requebrado, vencendo as imperfeições como se fosse um jipe.
Macio, o carro é uma delícia de dirigir. A posição ao volante é bem alta. Vou curtindo o balanço do Ford, bem como o som do motorzinho de baixa rotação.
- Duvido que outro Modelo T ainda funcione tão bem - gaba-se Walter.
Ao parar, toda concentração possível para frear no pedal da direita e pôr o câmbio em ponto morto. Acabou, que pena...
Compreendemos então o sucesso do Modelo T que, em 19 anos de produção, teve mais de 15 milhões de unidades fabricadas e pôs o mundo sobre rodas. "Nosso" Fordeco de Niterói tem fôlego para mais nove décadas.
Ficha técnica
Preço : US$ 525 (nos EUA, em 1919)
Origem : Estados Unidos
Motor : A gasolina, quatro cilindros em linha, 2.879cm³, potência máxima de 20cv (a 1.600rpm) e torque de 9kgfm (a 800rpm). Taxa de compressão 3,5:1
Transmissão : Caixa de mudanças epicicloidal, com duas marchas à frente e uma à ré. Acionamento por pedais. Tração traseira
Suspensão : Eixos rígidos na dianteira e na traseira, com feixes de molas transversais
Freios : Conjugado com a caixa de mudanças e atuando apenas nas rodas traseiras
Pneus : 4.50 x 21
Dimensões : Comprimento do chassi: 3,25m; entre-eixos: 2,54m; altura: 2m
Peso : 750 quilos
Máxima : Em torno de 70km/h
Consumo : 6km/l