Esportes Tóquio 2020

Olimpíada: Quais os limites de Simone Biles e da ginástica artística?

Especialistas debatem se há um teto para ginastas como a americana, que tem a tecnologia e a ciência do esporte como aliadas nesse desafio
Biles e os limites do corpo na ginástica artística Foto: Editoria de Arte
Biles e os limites do corpo na ginástica artística Foto: Editoria de Arte

Quando Simone Biles pisa no tablado, corre pela pista até a mesa ou sobe na trave, com o público prendendo a respiração, a pergunta é inevitável: qual o limite daquela que é considerada a maior ginasta de todos os tempos? A cada pirueta ou mortal da americana multicampeã, que carrega a imagem de uma cabra no uniforme — um trocadilho com “goat” (cabra, em inglês, e também as iniciais de “melhor de todos os tempos”), ela parece desafiar as fronteiras do inverossímil.

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Nesta terça-feira, Biles se deparou com o inesperado. Durante a disputa por equipes, demonstrou desconforto após falhar na execução de movimentos. Foi, na sequência, deslocada para o time reserva. A confederação de ginástica dos EUA afirmou que essa decisão foi motivada por uma lesão, mas veículos da imprensa americana citam a opção por poupá-la psicologicamente para o individual geral, em que é favorita.

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Ainda que haja limites inerentes à biologia do corpo humano e à física, nada para Biles pode ser considerado impossível. No máximo, improvável... por enquanto.

Biles, ao lado de outros atletas que marcam a modalidade, vem subvertendo os limites da ginástica artística com movimentos cada vez mais complexos e de difícil execução. Algo que seria impensável há mais de 40 anos, quando a romena Nadia Comaneci encantou o mundo nos Jogos de Montreal, em 1976, tornando-se a primeira ginasta da História a receber nota 10.

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A graciosidade e a perfeição de Comaneci deram lugar à força bruta, velocidade , explosão e coordenação perfeitas da americana, que lhe proporcionam voar e contorcer o corpo em rotações transversais e longitudinais a mais de três metros de altura. Biles chega a atingir 29 km/h na pista de 24 metros em direção à mesa de salto. Marca próxima das principais velocistas do atletismo. Isso lhe permite ter a impulsão necessária para fazer tantos giros variados.

— O nível da performance dela é algo que nunca imaginei que aconteceria um dia. A Comaneci fazia uma apresentação e as outras competidoras chegavam perto. Com a Biles, não — diz Georgette Vidor, coordenadora técnica da ginástica artística do Flamengo.

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Nos últimos anos, Biles reproduziu movimentos da ginástica até então só realizados por homens, como o triplo duplo no solo (três piruetas e dois saltos mortais esticados) e o Yurchenko com duplo carpado na mesa (dois duplos mortais e meio de costas), que ela tenta homologar com seu nome.

Evolução do esporte

Os fatores que tornaram isso possível passa pela tecnologia dos aparelhos, pela ciência do esporte e por uma maior segurança para evitar lesões. Além, claro, de uma genética favorável. Neste quesito, o biotipo de Biles está para a ginástica artística assim como o de Michael Phelps para a natação.

— Se compararmos os campeões de 60 anos atrás com os de hoje, a solicitação do corpo é muito maior, aumentando o risco de lesão. O estudo da biomecânica do movimento ajuda a evitá-las e, consequentemente, simula os limites biológicos do corpo, direcionando as cargas de exercício e a mecânica do movimento para fazer o elemento de forma perfeita. Simulamos a série ou um elemento novo, determinamos as cargas, ângulos e rotações necessárias com alguns contornos de manobra — explica Franklin Camargo, doutor em biomecânica do movimento e consultor do COB.

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Camargo, que trabalha na avaliação de atletas brasileiros como Arthur Zanetti, conta que, com os dados comparativos do atleta, é possível criar protocolos para o seu treinamento e, assim, levá-lo próximo ao limite. Com um corpo perfeito para as argolas, Zanetti é capaz de suportar 90% do próprio peso no movimento batizado com seu nome. A força que o ginasta tem no braço é superior ao de uma pessoa comum na perna:

— Às vezes, a mudança de dois graus no ângulo de uma rotação significa menos desgaste para o corpo, facilitando a execução perfeita e mais segura de um movimento difícil.

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A evolução da ginástica também está associada às mudanças nos aparelhos. As molas sob o tablado são um dos motivos para que, hoje, os limites estejam próximos de quatro piruetas no eixo longitudinal e três mortais na competição masculina no solo. Foi a mudança da mesa que também contribuiu para Biles fazer seu duplo carpado.

— As mudanças na tecnologia dos aparelhos sempre podem estender os limites — diz Ângelo Sabino, técnico do Flamengo.

Haja vista a dinâmica de novos movimentos, a cada ciclo a Federação Internacional de Ginástica (FIG) molda o esporte com mudanças na pontuação. Seja para deixá-lo mais acrobático, menos coreografado ou para reduzir riscos de lesões sérias. O Yurchenko com duplo mortal carpado de Biles não teve a nota esperada pela atleta, apesar dos 6,6 pontos atribuídos pela FIG, a maior do código de pontuação, que expressa a dificuldade do movimento.

Como previsto, Biles classificou-se para todas as finais, que ela começa a disputar hoje. Perfeccionista, apontou diversas falhas que cometeu na classificatória. “Eu realmente sinto que às vezes tenho o peso do mundo sobre meus ombros”, desabafou, em Tóquio. “Faço parecer que a pressão não me afeta, mas, às vezes, é difícil. As Olimpíadas não são brincadeira.”

— Ainda há muito movimento a ser acrescentado. Se tem alguma ginasta capaz de fazer o triplo mortal no solo, é a Biles. Ela é de outro planeta — afirma a ginasta Jade Barbosa.

Alguém duvida?