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Política

Cacique Raoni critica projeto do governo que autoriza exploração em territórios indígenas: 'Vamos ao Congresso tentar impedir'

Declaração foi feita durante encontro no Xingu
Cacique Raoni Metuktire Foto: Carl de Souza / AFP
Cacique Raoni Metuktire Foto: Carl de Souza / AFP

RIO — A intenção do governo Bolsonaro de conceder autorizações para que empresas utilizem terras indígenas para extrair minerais, buscar petróleo e gás e construir hidrelétricas, revelada pelo GLOBO no último sábado, desagrada o cacique Raoni Metuktire, de 89 anos, considerado uma das lideranças indígenas de maior projeção internacional. Raoni está reunido na Aldeia Piraçu, no Mato Grosso, com cerca de 600 indígenas de 47 etnias diferentes para tratar sobre questões caras aos nativos brasileiros — uma delas é a iminente finalização da projeto sobre a exploração ampla dos territórios, que deverá passar pelo crivo do Congresso Nacional .

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Ao conversar na aldeia com jornalistas do Brasil e do exterior sobre o tema, Raoni afirmou que pretende viajar a Brasília para cobrar que o Legislativo federal barre a medida. Em uma das casas do parlamento, a ideia já enfrenta resistência relacionadas com seu impacto no meio ambiente e uma possível repercussão internacional negativa. Neste sentido, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ano passado que não irá pautar a flexibilização da mineração em terras indígenas. Raoni deposita esperanças nas ações dos parlamentares.

— Eu não aceito mineração na terra indígena. Eu não aceito madeireira na terra indígena. Se vierem com dinheiro para minerar minha terra, eu não vou aceitar. Se vierem com dinheiro para explorar madeira, eu não vou aceitar — afirmou Raoni, completando: — Nós vamos discutir isso e vamos ao Congresso tentar impedir.

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Raoni se dirigiu diretamente ao presidente Jair Bolsonaro e pediu para que ele "faça coisas bonitas" e "ajude seu povo":

— Eu não aceito que façam barragem, não aceito mineração na nossa terra, não aceito que destruam nossa floresta. Como estou falando aqui, quero falar para Bolsonaro: Bolsonaro, veja se faça coisas bonitas, veja se faça as coisas direito. Ajude seu povo. Ajude o povo indígena. Você vem fazendo as coisas querendo destruir. Você mesmo não está respeitando o seu povo. Você não tá respeitando meu povo indígena. Vê se me escuta. Vê se  minha voz chega a você, para você respeitar seu povo e povo indígena.

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O debate sobre o projeto do governo não marca a primeira vez em que as reivindicações de Raoni entram em rota de colisão com as intenções de Bolsonaro e seus aliados. Em setembro do ano passado, Bolsonaro criticou o cacique durante seu discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas ( ONU ), em Nova York. Na ocasião, ele afirmou que não iria aumentar as demarcações de terras indígenas no Brasil, disse que "a visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros" e que Raoni era "massa de manobra" de governos estrangeiros que queriam avançar sobre a Amazônia. O líder indígena rebateu as falas do presidente e disse que Bolsonaro precisava "sair (do cargo) antes que algo de muito ruim aconteça" ao país.

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Um dos principais motivo do conflito entre Raoni e Bolsonaro é o entendimento de ambos sobre as terras indígenas. O cacique diz que, para ele, a terra é importante apenas para garantir a tranquilidade da vida de seu povo. O presidente, no entanto, indica frequentemente que esses territórios possuem potencial produtivo com possibilidade de gerar renda para os próprios indígenas. Em dezembro, por exemplo, ele defendeu que uma saída para reduzir o preço da carne — em alta devido à alta demanda de exportações — seria a incursão de índios na agropecuária. Para Raoni, no entanto, a terra tem um significado mais simples.

— Eu quero que meu povo viva na terra porque é na terra que nós plantamos a comida, a floresta tem animais para caçar e comer. Por isso queremos a floresta em paz — afirmou o cacique durante o encontro no Mato Grosso.

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O novo projeto do governo, no entanto, não incluirá a visão dos indígenas sobre a própria terra na análise dos pedidos de exploração desses espaços. A proposta prevê consultas aos povos, mas não concede poder de veto a eles sobre as iniciativas das empresas.

Segurança

A reunião da qual Raoni participa esta semana tem como pauta principal a preocupação com os casos de assassinatos em terras indígenas e seus arredores. No fim do ano passado, o Maranhão registrou quatro casos de índios da etnia Guajajara assassinados em um mês e meio. Os episódios já estão sob a apuração da Polícia Federal (PF), mas a sensação de medo persiste entre os indígenas. Nesse contexto, Raoni fez um apelo pelas vidas dos índios.

— Esse encontro não é para planejar uma guerra, um conflito. Estamos aqui para defender nosso povo, nossa causa, nossa terra. Eu quero pedir mais uma vez que o homem branco nos deixe viver em paz, sem conflito, sem problema — declarou o cacique, acrescentando: — Sempre defendi e vou continuar defendendo que a gente viva sem conflito, sem problema, sem briga.

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Os indígenas reunidos com Raoni devem produzir nos próximos dias um documento com as principais preocupações e reivindicações de suas etnias. O cacique pediu, durante o encontro, para que os pedidos sejam "espalhados para ver se ele (Bolsonaro) deixa a gente em paz".