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Autor de fotos antigas do Rio ganha crédito que merece mais de um século depois; veja imagens

Livro do colecionador Pedro Corrêa do Lago resgata obra do francês André-Charles Armeilla, que clicou paisagens cariocas no início do século XX e, apesar de desprezado pela história, é comparado a Marc Ferrez e Augusto Malta
O Pão de Açúcar num ângulo incomum na época de Armeilla, com tomada a partir do Morro da Viúva: fotógrafo especializado em natureza parecia gostar de céu nublado no Rio Foto: André-Charles Armeilla
O Pão de Açúcar num ângulo incomum na época de Armeilla, com tomada a partir do Morro da Viúva: fotógrafo especializado em natureza parecia gostar de céu nublado no Rio Foto: André-Charles Armeilla

RIO — Por mais de um século, um fotógrafo francês ficou sem crédito na história do Rio, embora seja autor de cliques inovadores e de alta qualidade técnica da paisagem carioca na primeira década do século XX. Comparado a Marc Ferrez e Augusto Malta em genialidade, André-Charles Armeilla captou imagens onde se destacam ângulos originais, mas seu nome ficou por todo esse tempo nas sombras, passando ao largo de pesquisas iconográficas. A injustiça só é reparada agora pelas mãos de Pedro Corrêa do Lago, um dos maiores colecionadores brasileiros, que, em dezembro, lança o livro “Armeilla — Um mestre esquecido da paisagem carioca” (Ed.Capivara).

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A publicação reúne as 180 fotografias identificadas até agora por Corrêa do Lago como sendo de Armeilla, cuja grande parte da trajetória ainda é um mistério. Num trabalho de investigação histórica, o colecionador tentou encontrar pistas desse passado: um achado foi a certidão de óbito do fotógrafo, que assinava C. Armeilla e teve um triste fim nas ruas da cidade. Morreu como indigente e teve seu corpo encontrado por um policial na Rua Bento Lisboa, no Catete, em maio de 1913. Ele tinha 60 anos “presumíveis”.

— Comprei num leilão um álbum com 60 fotos dele. A partir dele, descobri outros três: um na Casa de Rui Barbosa e dois com colecionadores particulares — afirma Corrêa do Lago, que se deparou com boa parte das fotos sem assinatura e que contou na pesquisa com a ajuda de Agenor Araújo Filho. — Descobri que existiam fotos maravilhosas do Uruguai assinadas por A.Armeilla. Como o sobrenome é pouco comum, ou eram irmãos ou a mesma pessoa. Nossa teoria é de que são a mesma pessoa.

A pesquisa chegou à conclusão de que Armeilla fotografou o Rio, incluindo Paquetá, e arredores, como Niterói, por dez anos, entre 1903 e 1913, provavelmente depois de passar por Montevidéu. Na capital, ele circulou da Zona Sul ao Centro, onde registrou lugares como a antiga Avenida Central (hoje Rio Branco). Mas as imagens que melhor retratam sua maestria são de natureza, como as de aleias de palmeiras no Jardim Botânico.

Fotos em cédula de réis

Uma imagem do mar revolto da Praia do Diabo em direção ao Forte de Copacabana sob nuvens carregadas foi reproduzida na revista Kósmos, em 1908, sem crédito. Algo recorrente na carreira de Armeilla, também fotógrafo de cartões-postais que nunca levaram o seu nome. Há indícios de que ele vendeu muitas fotos para revistas da época, que as publicavam sem o nome do autor. Aliás, uma bela vista da Avenida Beira-Mar contemplando Flamengo e Botafogo sem sua assinatura foi parar numa nota de dez mil réis em 1918.

Esse fotógrafo até agora sem a merecida atenção de pesquisadores subvertia paisagens icônicas daquele tempo. Um exemplo é uma composição da Praia de Botafogo dominada pelo Corcovado — captado também refletido na água em movimento — que apresenta no primeiro plano uma cena com barcos, veículos e pessoas.

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Corrêa do Lago ressalta que o francês, que parecia ter um gosto por dias nublados no Rio, também era um mestre da luz: ele foi um pioneiro no registro de crepúsculos e imagens noturnas. Para o colecionador, há um conjunto de dez fotos de Armeilla que entraria em qualquer antologia de melhores imagens de natureza.

— O Armeilla é o elo entre o Ferrez e o Malta, com qualidades que nenhum dos dois tinha. Ele é melhor no tratamento da natureza que o Malta e o Ferrez desse período (primeira década do século XX) — analisa o colecionador, completando. — Ele não se contenta em tirar foto do mesmo ângulo que todo mundo tirava, e é um mestre dos volumes. Ele brinca com os morros, a vegetação, as ondas e a espuma do mar, com as nuvens... Tudo isso são formas que ele harmoniza com maestria extraordinária.