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Rio

Crise da Cedae faz volume de garrafas PET triplicar em cooperativas de reciclagem; saiba o descarte correto

O material pode ser convertido em desconto na conta de luz e também direcionado para ações que custeiam compras de cadeira de rodas e castração de animais
A Coopama recebeu em um dia o equivalente a uma semana Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
A Coopama recebeu em um dia o equivalente a uma semana Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

RIO — A reação foi em cascata. Primeiro a população se viu mergulhada em uma crise hídrica provocada pela contaminação da água distribuída pela Cedae. O fato provocou uma corrida por água mineral. Que gerou um aumento do consumo do produto. Que provocou um salto no descarte de embalagens plásticas... Cooperativas de reciclagem da cidade dizem que o volume de garrafas PET coletado chegou a triplicar nas últimas duas semanas, causando até a redução do preço pago pela indústria. Por outro lado, esse montante de lixo está sendo canalizado para boas ações: iniciativas que arrecadam dinheiro com tampinhas de plástico para custear castração de animais e compras de cadeiras de rodas também relatam acréscimo relevante de material recebido.

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Erica Abreu, presidente da Cooperativa Transformando, no Caju, explicou que a média semanal de PET recebida é de 1,5 tonelada. Este mês, ela estima que chegue a 4,5.

— Estou há 13 anos nesse negócio, e nunca vi um aumento dessa dimensão — afirmou ela, que viu crescimento, principalmente, das garrafas de 1,5 litro e 20 litros.

Presidente da Coopama, em Maria da Graça, e membro da Federação das Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis do Estado do Rio (Febracom), Luis Fernandes também sentiu a mudança:

— Conseguimos somente na última segunda-feira o total de uma semana.

Além das cooperativas de reciclagem, a Light, que oferece descontos na conta para o consumidor que entregar recicláveis, registrou um aumento de 20% na arrecadação de PET este mês, em comparação com dezembro de 2019.

A Federação das cooperativas de catadores de materiais recicláveis do Estado do Rio (Febracom) reúne 15 cooperativas no município. Oficialmente, a federação disse que não possui um número fechado sobre o aumento da coleta de garrafas PET. Tampouco a Comlurb, que, procurada, respondeu coletar mensalmente 1.700 toneladas de recicláveis mas disse não ter a estatística sobre PET em janeiro, porque não faz a separação. O material inteiro é entregue às cooperativas.

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Entretanto, esse aumento não vai representar, diretamente, mais lucro. Isso porque algumas cooperativas receberam comunicado de que o preço pago por indústrias na garrafa PET vai reduzir a partir dessa quarta (29).  Não exite um preço tabelado para toda a cidade, mas a média costumava ficar entre R$2,25 e R$2,50 para o quilo. Em Campo Grande, o valor vai ser reduzido de R$2,25 para R$2,15.

— Vamos acabar ficando num empate, porque estamos vendendo um volume maior, mas o preço vai diminuir — afirmou Sarita Cavalcante, presidente da Cooperativa de Campo Grande.

Plástico pode ser doado para ações sociais

Além das cooperativas, iniciativas sociais que lidam com reciclagem também tiveram aumento no recebimento de recicláveis. A Rio Eco Pets, que arrecada tampinhas de garrafa para custear castração de animais, estima fechar janeiro com 12 toneladas do material. Em dezembro, o número foi de 9,4 toneladas.

— A gente conta com mais de 500 voluntários e 450 pontos de coleta no estado do Rio. Nosso objetivo é entregar R$300 reais para cada protetor de animais que temos cadastrado e assim eles conseguem realizar a castração —  explicou Fernanda Périssé, que criou o projeto há dois anos. — Além dos pontos fixos, realizamos eventos e mutirões específicos.

Tampinhas de garrafas ensacoladas na Paróquia São José, na Lagoa, para o projeto Rodando com Tampinhas Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
Tampinhas de garrafas ensacoladas na Paróquia São José, na Lagoa, para o projeto Rodando com Tampinhas Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

No mercado de recicláveis, a tampinha de plástico tem um valor abaixo da garrafa PET, ficando entre R$1,20 e R$1,50, quando limpa. Mas, a escolha desse item está na praticidade no acúmulo. Enquanto a garrafa é grande e leve, a tampinha é pequena e pesada.

— Quando comecei o projeto, pensei nisso. Enchi meu carro inteiro com garrafa, e deu 10 kg. Depois, só com tampinha consegui colocar 200 kg. Como não temos estrutura industrial, e fazemos trabalho voluntário, é mais fácil trabalhar com as tampinhas.

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Outro projeto com o mesmo conceito, mas cuja finalidade é comprar cadeiras de roda para a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), é o Rodando com Tampinhas. Criado á um ano, a iniciativa já conseguiu recolher 61 toneladas de tampinhas, o que resultou em 159 cadeiras. Em média, uma cadeira é comprada a cada 360 quilos do material. Além disso, outros doadores diretos doaram 126 cadeiras.

A responsável pelo projeto, Marcia Dabul, explicou que ainda não foi possível medir o aumento exato de doações, pois os estabelecimentos costumam esperar um acúmulo grande antes de entregar as tampinhas. Mas um fator que sofreu alteração foi a proporção de tampinhas azuis - aquelas de garrafas minerais.

— Nos nossos mutirões, nós separamos as tampas por cores.  Nas últimas três semanas, o azul representava 12,4% do total. Já nessa semana esse percentual subiu para  17,5% — disse Marcia.

A Light, que através do programa Light Recicla oferece descontos na conta para o consumidor que entregar recicláveis, também atestou aumento na arrecadação de garrafas PET. Em comparação com dezembro, em janeiro o material aumentou em 20%.

O Instituto Soul Ambiental, parceira de diversas ações sociais relacionadas à reciclagem, incluindo o Rodando com Tampinhas e Eco Rio Pets, teve aumento de 50% de PET em janeiro, com a observação de que as escolas, atualmente em recesso, são parte relevante dos pontos de coleta. Ou seja, a tendência seria de um aumento muito maior.

— Plástico tem a condição de poder ser reciclado várias vezes. Então nosso propósito é unir o potencial que ele tem para fazer uma coisa boa para o mundo — explica Rafael Sette, dono do Soul Ambiental, que intermedeia a entrega de recicláveis para a indústria.

O Eco Redes, projeto social chancelado pela ONU e patrocinado pela Lamsa, na Cidade de Deus, relatam um aumento de 40% na quantidade de garrafas PET. O trabalho, que já atendeu mais de 56 mil crianças e jovens desde 2011, consiste em produzir brinquedos e bijuterias e partir do PET.

Especialistas orientam melhor forma de descarte

Com tanto consumo de PET, as pessoas precisam se conscientizar para fazer o descarte da melhor forma possível, alertam especialistas. Se o aumento em cooperativas de reciclagem consegue ser dimensionado, ainda não há dados sobre o lixo despejado incorretamente, que afeta principalmente os rios e entope bueiros.

—  A premissa é levar o menor número possível de embalagens pra casa. Substituir as garrafinhas de 300ml e 500ml por galões retornáveis de 20L, por exemplo, seria o ideal —  explicou Cynthia Souza, consultora de ambiente e sustentabilidade. —  Caso não haja possibilidade de utilizar o galão, uma opção é reutilizar a embalagem como jardineira ou composteira, por exemplo.

A ambientalista diz que ainda não é possível dimensionar o dano ambiental que essa geração de lixo pode trazer para a cidade. Mas que é algo a se preocupar é um fato.

—  O efeito é muito amplo. Num primeiro momento, podemos dizer que o descarte inadequado de resíduos plásticos (que têm grande volume, são leves e boiam) no ambiente, aumentam as enchentes na cidade.

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Há um ano, o professor Pedro Passidomo se juntou a amigos, incluindo ambientalistas, para criar o Bullying do Bem, que tem como principal atividade o mutirão de limpeza das praias. Diante da percepção do aumento de geração de lixo com as garrafas, Passidomo disse que o grupo vai averiguar a situação do canto esquerdo da Praia de São Conrado, que recebe muito despejo oriundo do Vidigal, para articular uma ação de limpeza.

—  Dependendo do nível que encontrarmos lá, vamos convocar um mutirão —  afirmou Passidomo, que também deu dicar para a melhor forma de descarte.

—  O mais importante agora é tentar evitar o consumo exacerbado. Mas, como está difícil, o melhor é se informar e mandar seu lixo para coleta seletiva. A Comlurb mesmo faz esse serviço muito bem. Outra coisa é fazer a segregação do material adequadamente, ou então intensificar o reuso.

Ações sociais e desconto na conta de luz: veja os pontos de coleta de plásticos

A pessoa que tiver muito volume de material reciclável para descartar, pode fazer isso, adequadamente, de várias formas. Além da Comlurb, que realiza coleta seletiva, outros pontos de coleta estão relacionados às ações sociais.

  • Light Recicla: Existem 89 pontos na cidade. O consumidor consegue descontos na conta de luz dependendo da quantidade de material doado. Maiores informações no link http://www.light.com.br/grupo-light/Sustentabilidade/compromisso-com-a-sociedade_light-recicla.aspx
  • Rodando com Tampinhas : Existem 70 pontos de coleta na cidade, entre shopping, escolas e lojas. O ponto principal, onde são realizados os mutirões, fica na Paróquia São José, na Avenida Borges de Medeiros 2735, Lagoa. A página no instagram,  para maiores informações, é @rodandocomtampinhas
  • Rio Eco Pets : Existem 450 pontos de coleta no estado do Rio, principalmente em pet shops. A página no instagram, para maiores informações, é @rioecopets
  • Bullying do Bem: O grupo realiza mutirões de limpeza de praias mensalmente. Maiores informações na página no instagram @bullyingdobem.
  • Eco Redes : As doações podem ser feitas na Rua Pafos 26, Cidade de Deus. Mais informações na página https://m.facebook.com/pages/category/Community-Organization/Alfazendo-944595772238745/?locale2=pt_BR